Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01116/09
Data do Acordão:12/02/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:DERROGAÇÃO DO SIGILO BANCÁRIO
DIRECTOR GERAL DOS IMPOSTOS
SIGILO PROFISSIONAL
ADVOGADO
AUTORIZAÇÃO PRÉVIA
Sumário:I - Ainda que verificados os pressupostos da derrogação administrativa do sigilo bancário prevista no artigo 63.°-B da LGT, uma vez deduzida oposição por parte do contribuinte no acesso às suas contas bancárias com fundamento em sigilo profissional (advogado), a administração tributária só poderá aceder a tal informação após autorização judicial concedida no termos do n.° 5 do artigo 61° da LGT.
II - A oposição do contribuinte ao acesso às suas contas e informações bancárias impede, por isso, a Administração Fiscal de aceder directamente a essas contas e informações, sendo irrelevante o argumento de que não existe devassa do sigilo profissional por apenas se pretender colher elementos sobre os rendimentos do advogado enquanto contribuinte.
Nº Convencional:JSTA00066156
Nº do Documento:SA22009120201116
Data de Entrada:11/09/2009
Recorrente:DIRGER DOS IMPOSTOS
Recorrido 1:A... E B...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TTT1INST LISBOA PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - SIGILO BANCÁRIO.
Legislação Nacional:LGT98 ART63 N2 N4 N5 ART63-B N1 B N3 A.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC715/08 DE 2008/08/20.; AC STA PROC1862/03 DE 2004/12/15.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I. O Director-Geral dos Impostos veio recorrer da sentença do Mmº Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, que revogou o seu despacho que autorizava a derrogação do sigilo bancário relativo a contas e informações bancárias dos recorridos A… e B…, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
1ª). A, aliás, douta sentença recorrida, ao considerar que o acto do Director-Geral dos Impostos que autorizou o acesso a “...todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que sejam titulares...” da administração tributária sofre de uma preterição de formalidade legal prescrita, por se impor no caso o recurso ao procedimento judicial previsto no n° 5 do art° 63° da LGT, fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos.
2ª). Resulta, assim, do decidido que o n° 5 do art° 63° da LGT é imediatamente aplicável desde que algum profissional liberal invoque o sigilo profissional.
3ª). Não procede a pretendida quebra do sigilo profissional da actividade do Recorrente nos termos do art° 63°, n° 2 da LGT, porquanto o citado normativo excepciona expressamente na parte final, os casos em que a lei admite a derrogação do sigilo bancário pela administração tributária sem dependência de autorização judicial.
4ª). Por outro lado, a ser assim, o art° 63°-B da LGT não se aplicaria aos cidadãos que tivessem como actividade o exercício da advocacia, o que para além de abertamente inconstitucional seria, no mínimo absurdo.
5ª). Como conclui o Colendo Juiz Conselheiro Costa Reis, na declaração de voto de vencido no Ac. de 20.08.2008, que fundamentou a sentença recorrida, a recusa do ora Recorrido em autorizar aquela consulta só poderia ser sufragada se a mesma se fundasse na falta de fundamentação da decisão autorizativa ou se, a coberto da consulta de documentação bancária, se pretendesse violar o segredo profissional.
6ª). É manifestamente evidente, como se acolhe, outrossim, naquele voto de vencido, que a pretensão da Administração não abrangia a devassa do segredo profissional visto que o que se visava esclarecer respeitava unicamente ao montante dos rendimentos obtidos pelos contribuintes relativamente à determinação dos anos 2005, 2006 e 2007 e não às relações estabelecidas entre estes e os seus clientes.
7ª). No caso, até, a AT apenas quer conferir se os números dos cheques obtidos através dos adquirentes das sociedades alienadas que deveriam ter dado entrada na sociedade que as vendeu, deram, eventualmente, entrada na conta pessoal do gerente - administrador e se assim, se não foram contabilizados nem pela sociedade vendedora, nem foram referidos na declaração de IRS do gerente - administrador, que também exerce a advocacia.
8ª). Ao assim não entender e decidir como decidiu, salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida que deve ser substituída por outra que negue provimento ao recurso interposto pelo recorrente.
II. Em contra-alegações o recorrido veio concluir pela forma seguinte:
a) Resulta das alegações da recorrente, que a mesma está manifestamente equivocada, uma vez que, o n° 2 do artigo 63.° da LGT apenas se aplica às situações em que a lei permita a derrogação do dever de sigilo bancário, sem precedência de autorização judicial.
b) Ora, tal não é manifestamente o caso das situações em que o contribuinte visado invoca a obrigação de sigilo profissional, previsto na Lei (Estatuto da Ordem dos Advogados) como fundamento da sua oposição ao acto de derrogação do dever de sigilo, nos termos da alínea b) do n° 4 do artigo 63° da mesma lei.
c) Mais acresce que o âmbito de aplicação do artigo 63.°-B da LGT é permitir o acesso da Administração Fiscal às contas bancárias do contribuinte independentemente do consentimento do visado, e não independentemente do exercício do direito de oposição pelo mesmo.
d) Ao que acresce, que o artigo 63.°-B não exclui o direito de oposição, nem o dever de sigilo, uma vez que a LGT e o Estatuto da Ordem dos Advogados constituem leis emanadas da Assembleia da República com igual valor constitucional. Logo, tal interpretação viola manifestamente o princípio da legalidade.
e) Mais acresce, que conforme resulta das presentes alegações de recurso, a obrigação de sigilo profissional tem o carácter de obrigação fundamental do Advogado, enquanto órgão de Administração da justiça, em cumprimento do princípio fundamental de tutela jurisdicional efectiva, prevista no artigo 20.° da Constituição da República.
f) Por conseguinte, a qualidade do Advogado como participante na administração da justiça, distingue-o dos demais profissionais liberais!
g) Mais acresce que, as informações bancárias do Advogado estão igualmente abrangidas pela obrigação de sigilo profissional, uma vez que as contas do Advogado assumem o carácter misto, de conta pessoal e conta profissional, uma vez que, o Advogado funciona como intermediário entre o seu cliente e a parte contrária, e mesmo com o tribunal e com solicitadores de execução.
h) Neste sentido, não é possível aceder à conta bancária do Advogado, sem abranger a “devassa do segredo profissional”, uma vez que desta forma, a Administração Fiscal tem acesso às informações bancárias dos clientes, bem como a movimentos financeiros abrangidos pelo sigilo profissional.
i) Ao que acresce, que as informações alegadamente pretendidas pela recorrida podem ser obtidas através de outra via, nomeadamente através de pedido de informações ao Banco.
III. O Mº Pº emitiu o parecer constante de fls. 145/147 nele se pronunciando pela improcedência do recurso, com a confirmação da decisão recorrida.
IV. Tratando-se de processo urgente, foram dispensados os vistos.
V. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
a) Em 24/04/2009, tendo em vista a derrogação do dever de sigilo bancário, ao abrigo da alínea b) do n° 1 do artigo 63°-B da LGT, a Administração Fiscal elaborou a seguinte Informação (fls. s/n do processo administrativo apenso), de onde se extrai:
“III — Apreciação dos factos
Em resultado da análise dos factos descritos no capítulo anterior, podemos concluir o seguinte:
• Nas declarações de rendimentos entregues pelos s.p. para os anos de 2005, 2006 e 2007 não constam quaisquer rendimentos pagos pela C… Lda.;
• Para todos os anos analisados foram recolhidas provas, nomeadamente cópias de cheques (frente e verso), que demonstraram que o Sr. A… depositou em conta por si titulada valores resultantes de recebimentos efectuados na esfera da C… Lda., não estando estes recebimentos reflectidos na contabilidade daquela sociedade, nem na declaração de rendimentos do s.p., o que indicia falta de tributação em sede de IRS, e possivelmente em sede de IRC;
• Não foi justificado pelo s.p. a existência de cheques emitidos em seu nome pelos adquirentes das acções;
• Foram recolhidas provas, até à data para os exercícios de 2005 e 2007, que demonstram a inexistência de meios financeiros nas sociedades alienadas pelos s.p., nomeadamente os montantes que estavam registados em caixa, o que indicia uma possível utilização ou benefício por parte dos sujeitos passivos que, a ser comprovado, se traduz na obtenção de rendimentos não declarados para efeitos de IRS;
• Tendo em conta que, de acordo com o apurado, a C… Lda. alienou cerca de 38 sociedades anónimas nos anos de 2005, 2006 e 2007, e que os s.p. alienaram cerca de 48 sociedades por quotas nos mesmos exercícios, tal suscita dúvidas sobre o rendimento real auferido pelos s.p. uma vez que, face às provas recolhidas para 7 casos concretos, que indiciam a falta de tributação em sede de IRS/IRC, tal faz suspeitar da existência de outras situações semelhantes nas restantes sociedades alienadas, desconhecendo-se os valores totais envolvidos;
• O próprio s.p. entregou um quadro resumo das participações alienadas no exercício de 2006 que demonstra valores totais de aquisição e venda bastante superiores aos declarados no anexo G da declaração de rendimentos daquele exercício;
• Tendo-se solicitado ao Sr. A… autorização para que a Administração Tributária acedesse a informações e documentos bancários de que é titular, apenas concedeu autorização relativamente às contas da C….
IV — Conclusões/propostas
Todo o aludido nos capítulos anteriores demonstra de forma inequívoca:
i. Da necessidade de aceder às contas bancárias dos sujeitos passivos com vista a verificar o valor real dos montantes recebidos por estes, quer resultante de negócios da C… Lda., quer resultante das sociedades por este constituídas e posteriormente alienadas sem os meios financeiros que constituem os seus activos, de forma a verificar da existência de outras situações, para além das comprovadas, que resultem na omissão de rendimentos sujeitos a tributação em sede de IRS (e eventualmente de IRC);
ii. Da reunião dos pressupostos para que a AT possa aceder aos documentos e informações bancárias nos termos da alínea b) do n° 1 do art. 63°-B da LGT:
Factos concretamente Identificados
Conforme resulta da exposição já efectuada, para todos os anos em análise, e que prova o recebimento de valores titulados por cheques, emitidos à ordem de A… ou da C…, Lda. mas cujo depósito se efectuou em contas bancárias tituladas pelo primeiro, e que não se encontram contabilizados na esfera da sociedade.
Mais se identificou a inexistência, à data da transmissão das quotas, dos meios financeiros contabilizados nas sociedades constituídas pelo s.p., e cuja movimentação também não se encontra devidamente contabilizada na esfera daquelas.
Falta de veracidade do declarado
Uma vez que das declarações de rendimentos dos s.p. não constam os rendimentos obtidos e concretamente identificados nos pontos anteriores.
Da mesma forma, os fluxos financeiros resultantes dos recebimentos identificados não foram contabilizados na esfera das respectivas sociedades, não atendendo às normas quer contabilísticas quer fiscais.
Dos factos relatados resulta a omissão de rendimentos nos anos de 2005, 2006 e 2007, o que se traduz na diminuição da matéria colectável para efeitos de IRS, na esfera dos s.p., e possivelmente do Lucro Tributável em sede de IRC, na esfera da C…, Lda.
Os valores incluídos no mapa entregue pelo s.p., relativo às participações alienadas nos exercícios de 2004 a 2007, são para o exercício de 2006, largamente superiores aos declarados no anexo G da declaração de rendimentos.
Perante o exposto, considera-se preponderante a análise das informações e documentos bancários de forma a comprovar estas situações de ilícito tributário e, no caso de se confirmarem os indícios descritos relativamente à existência de mais situações para além das apuradas, verificar da vantagem patrimonial indevida obtida pelos s.p..
Assim, consideram-se reunidos os pressupostos da alínea b) do n° 1 do artigo 63°-B da Lei Geral Tributária (redacção dada pela Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro) para que a administração Tributária possa aceder a informações e documentos bancários que permitam apurar a realidade tributária da situação em causa, e em particular a dos s.p. objecto de exame.
Na procura da verdade material, propõem-se que seja solicitada junto do Exmo. Sr. Director Geral dos Impostos a derrogação do dever do sigilo bancário ao abrigo do n° 1 do artigo 63°-B da LGT.”
b) Em 04/05/2009, sobre a antecedente Informação recaiu o seguinte parecer (conforme PA apenso):
“Confirmo o relato das situações tributárias observadas, bem como, a fundamentação de direito e de facto para a obtenção da decisão da derrogação do sigilo bancário, conforme previsão /estatuição do artigo 63°-B n° 1 alínea B) da Lei Geral Tributária (LGT) para o apuramento da verdade material em sede de rendimento tributável, sujeito às regras de incidência objectiva do CIRS, dos anos económicos de 2005, 2006 e 2007, referente aos contribuintes abaixo identificados.
Por força do estatuído nos números 4 e 5 do artigo 63°-B da LGT, remeta-se a informação e respectivos anexos, para decisão ao gabinete do Exmo. Sr. Director Geral dos Impostos.
À Consideração Superior.”
c) Em 02/06/2009, o Director de Finanças de Lisboa, proferiu o seguinte despacho (conforme PA apenso):
“Concordo. Remeta-se à consideração do Sr. Director-Geral dos Impostos.”
d) Em 09/06/09 foi proferida a decisão ora sob recurso do seguinte teor:
“1. Nos termos e com os fundamentos constantes da presente Informação da Divisão de Inspecção Tributária II da Direcção de Finanças de Lisboa, bem como com os pareceres e despachos nela exarados, verificando-se os condicionalismos previstos na alínea b) do n.° 1 do artigo 63°-B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo nº 4 do citado normativo, autorizo que funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que sejam titulares os sujeitos passivos A…, com o NIF … e B…, com o NIF … , relativamente aos anos de 2005, 2006 e 2007.
2. Devolva-se o processo à Direcção de Finanças de Lisboa para efeitos do procedimento de levantamento do segredo bancário.
Em 09.06.09
O Director-Geral dos Impostos”
e) O recorrente foi notificado da decisão da alínea anterior por carta registada com aviso de recepção, pelo Ofício n° 052878 de 30/06/09, cfr. fls. 20 dos autos;
f) A petição inicial do presente recurso deu entrada no dia 14/07/2009, tendo sido expedido em 13/07/2009 (data do carimbo dos correios), cfr. fls. 2 e 23 dos autos.
VI. Tal como referido pelo MºPº no seu parecer de fls. 145/147, a questão controversa nos autos é a de saber se a pretensão da Administração Fiscal de, através da derrogação do sigilo bancário, obter informações sobre os rendimentos do contribuinte na sua actividade profissional relativa nos anos de 2005 a 2007, viola o segredo profissional a que o mesmo está obrigado na qualidade de advogado.
O recorrente entende que a sentença recorrida, ao decidir que a derrogação do sigilo bancário dos contribuintes só seria legalmente possível mediante prévia obtenção de decisão judicial para o efeito, violou o artº 63º, nº 2 da LGT.
Com efeito, este normativo, na sua parte final, excepciona os casos em que a lei admite a derrogação do sigilo bancário pela Administração Fiscal sem dependência de autorização judicial.
Por outro lado, a seguir-se o entendimento da decisão recorrida, o art° 63°-B da LGT não se aplicaria aos cidadãos que tivessem como actividade o exercício da advocacia, o que para além de abertamente inconstitucional seria, no mínimo absurdo.
No caso dos autos, a AT apenas quer conferir se os números dos cheques obtidos através dos adquirentes das sociedades alienadas que deveriam ter dado entrada na sociedade que as vendeu, deram, eventualmente, entrada na conta pessoal do gerente - administrador e se assim, se não foram contabilizados nem pela sociedade vendedora, nem foram referidos na declaração de IRS do gerente - administrador, que também exerce a advocacia.
Assim, não se verifica a devassa do segredo profissional visto que o que se visava esclarecer respeitava unicamente ao montante dos rendimentos obtidos pelos contribuintes relativamente à determinação dos anos 2005, 2006 e 2007 e não às relações estabelecidas entre estes e os seus clientes.
Os recorridos, por sua vez, entendem que a sentença recorrida aplicou correctamente as normas legais aplicáveis ao caso, louvando-se no seguinte:
a) O n° 2 do artigo 63.° da LGT apenas se aplica às situações em que a lei permita a derrogação do dever de sigilo bancário, sem precedência de autorização judicial.
b) Ora, tal não é manifestamente o caso das situações em que o contribuinte visado invoca a obrigação de sigilo profissional, previsto na Lei (Estatuto da Ordem dos Advogados) como fundamento da sua oposição ao acto de derrogação do dever de sigilo, nos termos da alínea b) do n° 4 do artigo 63° da mesma lei.
c) O âmbito de aplicação do artigo 63.°-B da LGT é permitir o acesso da Administração Fiscal às contas bancárias do contribuinte independentemente do consentimento do visado, e não independentemente do exercício do direito de oposição pelo mesmo.
d) A obrigação de sigilo profissional tem o carácter de obrigação fundamental do Advogado, enquanto órgão de Administração da justiça, em cumprimento do princípio fundamental de tutela jurisdicional efectiva, prevista no artigo 20.° da Constituição da República.
e) Por conseguinte, a qualidade do Advogado como participante na administração da justiça, distingue-o dos demais profissionais liberais!
f) Mais acresce que, as informações bancárias do Advogado estão igualmente abrangidas pela obrigação de sigilo profissional, uma vez que as contas do Advogado assumem o carácter misto, de conta pessoal e conta profissional, uma vez que, o Advogado funciona como intermediário entre o seu cliente e a parte contrária, e mesmo com o tribunal e com solicitadores de execução.
g) Neste sentido, não é possível aceder à conta bancária do Advogado, sem abranger a “devassa do segredo profissional”, uma vez que desta forma, a Administração Fiscal tem acesso às informações bancárias dos clientes, bem como a movimentos financeiros abrangidos pelo sigilo profissional.
VI. 1. Recordando a matéria de facto dada como provada, temos que a Administração Fiscal apurou quanto aos recorridos os seguintes factos:
• Nas declarações de rendimentos entregues pelos s.p. para os anos de 2005, 2006 e 2007 não constam quaisquer rendimentos pagos pela C…, Lda.;
• Para todos os anos analisados foram recolhidas provas, nomeadamente cópias de cheques (frente e verso), que demonstraram que o Sr. A… depositou em conta por si titulada valores resultantes de recebimentos efectuados na esfera da C… Lda., não estando estes recebimentos reflectidos na contabilidade daquela sociedade, nem na declaração de rendimentos do s.p., o que indicia falta de tributação em sede de IRS, e possivelmente em sede de IRC;
• Não foi justificado pelo s.p. a existência de cheques emitidos em seu nome pelos adquirentes das acções;
• Foram recolhidas provas, até à data para os exercícios de 2005 e 2007, que demonstram a inexistência de meios financeiros nas sociedades alienadas pelos s.p., nomeadamente os montantes que estavam registados em caixa, o que indicia uma possível utilização ou benefício por parte dos sujeitos passivos que, a ser comprovado, se traduz na obtenção de rendimentos não declarados para efeitos de IRS;
• Tendo em conta que, de acordo com o apurado, a C…, Lda. alienou cerca de 38 sociedades anónimas nos anos de 2005, 2006 e 2007, e que os s.p. alienaram cerca de 48 sociedades por quotas nos mesmos exercícios, tal suscita dúvidas sobre o rendimento real auferido pelos s.p. uma vez que, face às provas recolhidas para 7 casos concretos, que indiciam a falta de tributação em sede de IRS/IRC, tal faz suspeitar da existência de outras situações semelhantes nas restantes sociedades alienadas, desconhecendo-se os valores totais envolvidos;
• O próprio s.p. entregou um quadro resumo das participações alienadas no exercício de 2006 que demonstra valores totais de aquisição e venda bastante superiores aos declarados no anexo G da declaração de rendimentos daquele exercício;
• Tendo-se solicitado ao Sr. A… autorização para que a Administração Tributária acedesse a informações e documentos bancários de que é titular, apenas concedeu autorização relativamente às contas da C….
Entendendo existir fundamentação suficiente para autorizar a derrogação do sigilo bancário dos mesmos recorridos, o Ex.mo Srº Director-Geral dos Impostos proferiu em 09.06.2009, o seguinte despacho:
““1. Nos termos e com os fundamentos constantes da presente Informação da Divisão de Inspecção Tributária II da Direcção de Finanças de Lisboa, bem como com os pareceres e despachos nela exarados, verificando-se os condicionalismos previstos na alínea b) do n.° 1 do artigo 63°-B da Lei Geral Tributária, ao abrigo da competência que me é atribuída pelo nº 4 do citado normativo, autorizo que funcionários da Inspecção Tributária, devidamente credenciados, possam aceder directamente a todas as contas e documentos bancários existentes nas instituições bancárias, em sociedades financeiras ou instituições de crédito portuguesas de que sejam titulares os sujeitos passivos A…, com o NIF … e B…, com o NIF … , relativamente aos anos de 2005, 2006 e 2007.
2. Devolva-se o processo à Direcção de Finanças de Lisboa para efeitos do procedimento de levantamento do segredo bancário”.
Vejamos então se a lei permite esta derrogação do sigilo bancário ou se, pelo contrário, esta carece de ser autorizada judicialmente.
VI.2. Dispõem os n.° 2, 4 e 5 do artigo 63.° da LGT:
“2 - O acesso à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável, excepto nos casos em que a lei admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária sem dependência daquela autorização.
…………………………………………………………………………
4 - A falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.° 1 só será legítima quando as mesmas impliquem:
a) O acesso à habitação do contribuinte;
b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado, salvos os casos de consentimento do titular ou de derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária legalmente admitidos; (1)
c) O acesso a factos da vida íntima dos cidadãos;
d) A violação dos direitos de personalidade e outros direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nos termos e limites previstos na Constituição e na lei.
5 - Em caso de oposição do contribuinte com fundamento nalgumas circunstâncias referidas no número anterior, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente com base em pedido fundamentado da administração tributária.”
Ainda com interesse para a questão, o artigo 63.°-B da LGT, com a epígrafe “Acesso a informações e documentos bancários”, estabelece nas alíneas b) do n.° 1 e a) do n.° 3 o seguinte:
“1 - A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:
……………………………………………………………
b) Quando existam factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado.
…………………………………………………………….
3 - A administração tributária tem, ainda, o poder de aceder a todos os documentos bancários, excepto às informações prestadas para justificar o recurso ao crédito, nas situações de recusa de exibição daqueles documentos ou de autorização para a sua consulta:
a) Quando se verificar a impossibilidade de comprovação e qualificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos do artigo 88.°, e, em geral, quando estejam verificados os pressupostos para o recurso a uma avaliação indirecta;”.
Analisando as normas transcritas, delas resulta um regime diferenciado quando o acesso à informação pretendida pela administração tributária esteja protegido pelo sigilo profissional ou qualquer outro dever de sigilo e quando apenas esteja em causa o sigilo bancário.
“No primeiro caso a derrogação do sigilo por via judicial é obrigatória, enquanto no caso da derrogação do sigilo bancário o recurso a essa via é facultativo, uma vez reunidos os pressupostos legais previstos no artigo 63.°-B da LGT que tem em vista apenas a derrogação desse sigilo bancário por forma a permitir o acesso da administração tributária a informações e documentos bancários.
Na verdade, ao invés do que defende o recorrente, a excepção ou ressalva consagradas nos n.°s 2 e 4, alínea b) do artigo 63.° da LGT quanto à desnecessidade de autorização judicial para a derrogação do sigilo apenas se reporta ao caso específico do sigilo bancário, como resulta, aliás, da sua própria literalidade, aí se não englobando o sigilo profissional ou outro dever de sigilo.
Certo é ainda que até às alterações introduzidas à LGT pela Lei n.° 30-G/2000, de 29 de Dezembro, a autorização judicial constituía o único procedimento legalmente prescrito para a derrogação, designadamente, dos sigilos bancário e profissional, sendo que essas alterações se limitaram a permitir a derrogação administrativa no caso excepcional do sigilo bancário, uma vez reunidos os pressupostos constantes do artigo 63º-B da LGT, continuando o regime regra a ser o da derrogação judicial - cfr. Casalta Nabais in “Fiscalidade”, n.° 10, a fls. 21. (Neste sentido v. o Acórdão deste Tribunal e Secção, de 20.08.2008 -Recurso nº 715/08 que aqui seguimos de perto).
Esta distinção compreende-se no caso do segredo profissional e, em especial, no que está em causa nos autos - segredo profissional de advogado - em que a ponderação dos interesses envolvidos reveste uma especial importância e relevo para a preservação da relação de confiança dos cidadãos na classe profissional dos advogados tendo em vista “o interesse da justiça na sua mais lata acepção”-cfr. Acórdão de 15/12/2004, rec. n.° 1862/03 (secção administrativa).
Deste modo, perante a invocação do sigilo profissional, não se compreenderia que a administração tributária tivesse a possibilidade de derrogar administrativamente a protecção conferida por esse dever de sigilo sem prévia sindicância judicial.
Assim sendo e atento o disposto no n.° 5 do referido artigo 63.° da LGT, a oposição do contribuinte no acesso à informação pretendida, com fundamento em sigilo profissional do advogado, exige para a sua derrogação um escrutínio judicial e não meramente administrativo, a concretizar pela via do recurso ao “tribunal da comarca competente com base em pedido fundamentado da administração tributária”.
Em face do que ficou dito, irrelevam os argumentos consignados nas conclusões 6ª e 7ª segundo as quais “a pretensão da Administração não abrangia a devassa do segredo profissional visto que o que se visava esclarecer respeitava unicamente ao montante dos rendimentos obtidos pelos contribuintes relativamente à determinação dos anos 2005, 2006 e 2007 e não às relações estabelecidas entre estes e os seus clientes.
.... a AT apenas quer conferir se os números dos cheques obtidos através dos adquirentes das sociedades alienadas que deveriam ter dado entrada na sociedade que as vendeu, deram, eventualmente, entrada na conta pessoal do gerente - administrador e se assim, se não foram contabilizados nem pela sociedade vendedora, nem foram referidos na declaração de IRS do gerente - administrador, que também exerce a advocacia”.
Na verdade, se estamos em face de recusa do contribuinte com fundamento em sigilo profissional, só podendo a derrogação do sigilo bancário ter lugar mediante autorização judicial, tal como resulta do nº 5 do artº 63º citado, não pode simultaneamente aplicar-se a derrogação pela Administração Fiscal limitada a certos elementos das contas e informações bancárias.
Deste modo, existindo recusa do contribuinte com fundamento em sigilo profissional, não podia o Director-Geral dos Impostos autorizar a derrogação do sigilo bancário. O seu despacho ofendeu, por isso, o disposto no artº 63º, nºs 2, 4 e 5 da LGT, pelo que tem de ser anulado.
VII. Nestes termos e pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/8.
Lisboa, 2 de Dezembro de 2009. – Valente Torrão (relator) – Isabel Marques da Silva – Brandão de Pinho.