Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0432/16.2BEALM
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
PRESTAÇÕES ACESSÓRIAS
BENS IMÓVEIS
Sumário:I - A tributação está sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 103.º, n.º 2, da CRP e art. 8.º, n.º 1, da LGT), que na sua vertente da tipicidade significa que não é admissível tributar factos que não estejam expressamente previstos em norma de incidência.
II - As transmissões de imóveis em cumprimento da entrega de prestações acessórias, efectuadas a título gratuito, não se incluem na previsão do art. 2.º, n.º 5, alínea e), do CIMT, desde logo, porque o elemento literal do preceito o não permite (cfr. art. 9.º, n.º 2, do CC).
Nº Convencional:JSTA000P27108
Nº do Documento:SA2202102030432/16
Data de Entrada:10/29/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 432/16.2BEALM
Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)
Recorrida: “A…………, S.A.”

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que aquele Tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou, a liquidação oficiosa de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) relativa a uma entrega de bens imóveis que foi efectuada, em 2009, pela ora Recorrida a uma sociedade de que é sócia no âmbito de uma prestação acessória efectuada nos termos do contrato social.

1.2 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«I. Em causa nos presentes autos está a douta sentença julgada procedente, na sequência da apresentação pela Impugnante de impugnação judicial contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IMT e de juros compensatórios, no montante de € 15.815,84.

II. Tal liquidação resultou do facto de, em 2009, uma accionista ter efectuado prestações acessórias em espécie, sob a forma de bens imóveis para a sociedade ora Impugnante.

III. A figura da prestação acessória prevista no art. 287.º do CSC, para as sociedades anónimas, tem uma natureza societária uma vez que é parte integrante da relação jurídica estabelecida entre os sócios.

IV. Segundo entendimento de Raul Ventura in Código das Sociedades Comerciais - Sociedades por quotas, pág. 214 que refere “O sócio obriga-se a efectuar prestações acessórias como se obriga a efectuar a própria prestação de capital e todas as prestações que efectua à sociedade, na qualidade de sócio tem um fim social, que as afasta das doações ou liberalidades”.

V. Neste sentido as prestações acessórias efectuadas ao longo do contrato de sociedade que não tem contrapartida também não se consideram gratuitas no sentido de serem consideradas liberalidades.

VI. Ao assumir a qualidade de sócio, e ao obrigar-se a entregar prestações acessórias não poderão as mesmas serem consideradas liberalidades ou doações, pois a entrega de bens imóveis à sociedade, mesmo que a título de prestações acessórias sob o regime de prestações suplementares, devem em substância ser consideradas como transmissão onerosa e não uma liberalidade, uma vez que o seu cumprimento gera o nascimento de um direito associado à prestação acessória entregue.

VII. A entrada de bens imóveis do sócio para a sociedade, a título de prestações acessórias é uma operação equivalente à venda de um imóvel pelo sócio à sociedade, o imóvel transmite-se mudando a sua titularidade, ocorre assim uma transmissão onerosa e não uma liberalidade.

VIII. A realização do capital através da figura de prestação acessória feita a título gratuito e definitivo, não reembolsáveis nem originadoras de qualquer contraprestação no momento da sua realização, de bens imóveis tem como fim a consolidação do mesmo – que é o fim que justifica a constituição de tais prestações.

IX. Não se destinado a subscrever a capital social integram o conceito de partes de capital tanto por definição jurídica como contabilística.

X. Assim estamos perante uma operação que se poderá qualificar com transmissão onerosa de imóveis e, portanto, sujeita as regras de incidência de IMT.

XI. Em conclusão, ao não decidir pela manutenção do acto de liquidação nos moldes em que o mesmo ocorreu, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 2.º, n.º 5, al. e) e artigo 4.º todos do Código do IMT.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue improcedente a presente oposição, tudo com as devidas e legais consequências».

1.3 A sociedade Recorrida não contra-alegou o recurso.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

Estatui o artigo 287.º do CSC:
1- O contrato de sociedade pode impor a todos os sócios ou alguns accionistas a obrigação de efectuarem prestações além das entradas, desde que fixe os elementos essenciais desta obrigação e especifique se as prestações devem ser efectuadas onerosa ou gratuitamente. Quando o conteúdo da obrigação corresponder ao de um contrato típico, aplicar-se-á a regulamentação própria desse contrato.
2- Se as prestações estipuladas não forem pecuniárias, o direito da sociedade é intransmissível.
3- No caso de se convencionar a onerosidade, a contraprestação pode ser paga independentemente da existência de lucros do exercício, mas não pode exceder o valor da prestação respectiva.
4- Salvo disposição contratual em contrário, a falta de cumprimento das obrigações acessórias não afecta a situação do sócio como tal.
5- As obrigações acessórias extinguem-se com a dissolução da sociedade”.
Como resulta do probatório, a sociedade C…………, SA, em 2009, efectuou prestações acessórias à impugnante/recorrida, com entrega de imóveis, a título gratuito.
Ora, nos termos do artigo 2.º/1 do CIMT “1-O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional”.
Portanto, tendo a prestação sido realizada a título gratuito, uma vez que a impugnante recorrida não pagou o preço dos imóveis, a operação em causa não pode ser tributada em sede de IMT ao abrigo do disposto no artigo 2.º/5/ e) do CIMT.
Já o mesmo parece que não poder concluir-se, salvo melhor juízo, se o sócio tivesse de pagar o preço dos imóveis, situação que parece de enquadrar na norma do artigo 2.º/5/ e) do CIMT
De facto, como expende Sérgio Brigas Afonso (Regime Societário e Fiscal dos Créditos Por Prestações Suplementares e Prestações Acessórias, disponível via internet) “(….) Através de uma interpretação meramente literal da lei, poderia concluir-se que o IMT apenas incidiria sobra a transmissão de bens imóveis para a realização do capital social da sociedade, excluindo a sua transmissão para efeitos de realização das prestações acessórias em espécie. Consideramos, contudo, não ser esse o sentido da lei, devendo incluir-se nesta disposição não só as entradas, efectuadas pelos sócios, para a realização do capital social subscrito, mas também as prestações onerosas que tenham por objecto bens imóveis, ou seja, em que a sociedade fica obrigada a pagar o preço do imóvel ao sócio».

1.5 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada deu como provados os seguintes factos:

«1. Em 28/12/2009 foi outorgada uma escritura pública de “Entrega de Prestação acessória da qual consta que A…………, S.A. entrega à sociedade C…………, S.A. uma prestação acessória, nos termos do contrato social, dez bens imóveis (cfr. doc. junto a fls. 67 a 75 do doc. de fls. 218, numeração do SITAF);

2. Da escritura identificada no ponto anterior consta ainda o seguinte:

(cfr. doc. junto a fls. 67 a 75 do doc. de fls. 218, numeração do SITAF);

3. A sociedade A…………, S.A. foi sujeita a uma acção inspectiva que incidiu sobre IMT (facto que se retira do doc. de fls. 51 a 68 do doc. de fls. 1, numeração do SITAF);

4. Em 25/05/2011 foi elaborado o Relatório Inspectivo do qual consta, com relevo para os autos, o seguinte:


(…)
(cfr. doc. junto a fls. 51 a 68 do doc. de fls. 1, numeração do SITAF);

5. Em 02/06/2015 foi efectuada a liquidação adicional de IMT no montante de € 15.815,84 (cfr. doc. de fls. 78 do doc. de fls. 119, numeração do SITAF);

6. A Impugnante reclamou graciosamente da liquidação identificada no ponto anterior (cfr. doc. de fls. 65 a 76 do doc. de fls. 119, numeração do SITAF);

7. Por despacho de 22/012/2015 foi indeferida a reclamação apresentada pela Impugnante (cfr. doc. de fls. 32 a 33 do doc. de fls. 218, numeração do SITAF)».


*

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

2.2.1.1 Na sequência de uma acção de inspecção, a AT liquidou à sociedade ora Recorrida o IMT, bem como os respectivos juros compensatórios, que considerou devido e não liquidado por falta de declaração, com referência à entrega de bens que lhe foi efectuada, em 2009, a título de prestação acessória gratuita e em cumprimento do contrato social, por uma sociedade que é sua accionista. Isto, no entendimento de que essa operação se integra na previsão legal da norma de incidência objectiva que consta da alínea e) do n.º 5 do art. 2.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), que, na redacção aplicável, dispunha: «


Artigo 2.º
Incidência objectiva e territorial
1 - O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional.
[…]
5 - Em virtude do disposto no n.º 1, são também sujeitas ao IMT, designadamente:
[…]
e) As entradas dos sócios com bens imóveis para a realização do capital das sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial ou das sociedades civis a que tenha sido legalmente reconhecida personalidade jurídica e, bem assim, a adjudicação dos bens imóveis aos sócios, na liquidação dessas sociedades;
[…]».

2.2.1.2 A ora Recorrida impugnou essa liquidação perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, considerando, em suma, que as prestações acessórias consistentes na transferência de imóveis para o património de uma sociedade, como as da situação em apreço, não se encontram abrangidas pela norma de incidência da alínea e) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT, como pretendido pela Autoridade Tributária.

2.2.1.3 A sentença julgou procedente a impugnação judicial com base no invocado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito e anulou as liquidações impugnadas.
Para tanto, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada após tecer diversos considerandos em torno da natureza das prestações acessórias, sua previsão no pacto social, objecto das mesmas, sua exigibilidade e duração, concluiu que «resulta medianamente claro que as prestações acessórias não são entradas de capital, no sentido de capital social, mas apenas entregas, em dinheiro ou em espécie, para além do capital. Aliás, se assim não fosse não era possível que as mesmas fossem devolvidas ao sócio que as prestou mesmo não existindo lucros».
De seguida, averiguando da subsunção da operação em causa às normas de incidência do CIMT, maxime à previsão da alínea e) do n.º 5 do art. 2.º daquele Código, e tendo em conta que «no caso dos autos a Impugnante realizou uma prestação acessória gratuita com um imóvel [leia-se imóveis] a que estaria obrigada por força do pacto social da outra sociedade, e essa prestação acessória não constitui uma entrada de capital», concluiu que «o acto não está sujeito a IMT e nessa medida, procedente terá de ser a presente impugnação».

2.2.1.4 Inconformada com a sentença, a Fazenda Pública dela recorreu para este Supremo Tribunal.
Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, a Recorrente defende que as prestações acessórias em espécie, sob a forma de entrega de bens imóveis do sócio à sociedade, «é uma operação equivalente à venda de um imóvel pelo sócio à sociedade», pelo que deve considerar-se como uma transmissão onerosa e não uma liberalidade; que não se destinando essas prestações a subscrever o capital social, as mesmas integram o conceito de partes de capital, tanto por definição jurídica como contabilística, pelo que deverão ser consideradas como transmissões onerosas de imóveis e, por isso, sujeitas à incidência de IMT, ao abrigo da norma de incidência objectiva dos arts. 2., n.º 5, alínea e), e 4.º, do respectivo Código.
Por isso, a seu ver, a sentença deverá ser revogada e a liquidação impugnada deverá manter-se na ordem jurídica.

2.2.1.5 Assim, a questão a apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento por violação do disposto na alínea e) do n.º 5 do art. 2.º do CIMT.

2.2.2 DO ERRO DE JULGAMENTO – VIOLAÇÃO DA NORMA DE INCIDÊNCIA

A questão que ora cumpre apreciar foi recentemente abordada por este Supremo Tribunal, no acórdão de 13 de Janeiro de 2021, proferido no processo com o n.º 2163/15.1BEALM (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/9a6bafe41d4fda3980258664005857bf.), que decidiu recurso em tudo idêntico ao ora sub judice. Assim, quer em obediência ao disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, quer porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, vamos remeter para a fundamentação adoptada no referido acórdão, que aqui reproduzimos, sem prejuízo de deverem fazer-se as pertinentes adaptações quanto às referências à matéria de facto provada:

«O Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (I.M.T.) é um imposto sobre a riqueza, cumprindo o comando constitucional que considera a riqueza como um dos dois indicadores fundamentais de capacidade tributária dos contribuintes (cfr. artº. 103, nº. 1, da C.R.Portuguesa).
O I.M.T. sujeita a imposto a aquisição onerosa de bens imóveis, independentemente do título ou da forma jurídica utilizada nessa aquisição. O objecto da sujeição do imposto não é propriamente o acto ou contrato que titulam a aquisição, mas sim o efeito desses actos ou contratos, ou seja, a transmissão da propriedade ou dos direitos correspondentes sobre esses imóveis. A sujeição a imposto da aquisição do direito de propriedade de bens imóveis prevista no artº. 2, nº. 1, do C.I.M.T., consubstancia o mais importante facto tributário do I.M.T. Trata-se do facto tributário paradigmático e nuclear do I.M.T. e aquele cuja verificação é a mais frequente. Esta norma sujeita a imposto, tanto a aquisição da propriedade do imóvel, como de figuras parcelares deste. O valor tributável sujeito a imposto segue a regra geral, do maior dos valores, ou o declarado ou o valor patrimonial do imóvel, tal como se prevê no artº. 12, nº. 1, do C.I.M.T. (cfr. ac. S.T.A-2ª. Secção, 10/03/2011, rec. 386/10; ac. S.T.A-2ª. Secção, 14/10/2020, rec. 50/11.1BEAVR; José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3ª. Edição, 2016, pág.233 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.433 e seg.).
No caso "sub iudice", a questão a dirimir consiste em saber se a transmissão de bens imóveis para a sociedade impugnante e ora recorrida, por parte do sócio B…………, no âmbito do cumprimento de prestações acessórias previstas no contrato de sociedade (cfr. als. D), E) e F) do probatório), consubstancia uma transmissão onerosa sujeita a I.M.T., nos termos dos artºs. 2, nº.1, e 4, do C.I.M.T., conforme se retira das als. R), S) e T) do probatório (e não nos termos do artº. 2, nº. 5, al. e), do C.I.M.T., como defende o recorrente), por gerar o nascimento de um direito associado à mesma que, no limite, pode ser exercido na partilha do património aos sócios e no contexto da liquidação da sociedade.
O Tribunal "a quo" decidiu que as transmissões de imóveis em causa, realizadas no âmbito do cumprimento de prestações acessórias previstas no contrato de sociedade, porque gratuitas, estão excluídas do âmbito de incidência objectiva do I.M.T., nos termos do citado artº. 2, nº. 5, al. e), do C.I.M.T., em consequência do que anulou o acto tributário objecto do processo (cfr. al. V) da matéria de facto supra exarada).
Vejamos quem tem razão.
As prestações acessórias estão previstas nos artºs. 209 e 287, ambos do Código das Sociedades Comerciais, aprovado pelo dec.lei 262/86, de 2/9, respectivamente, para as sociedades por quotas e para as sociedades anónimas. A sociedade comercial pode, portanto, através do contrato de sociedade, obrigar os seus sócios a efectuar prestações para além das entradas de capital (a acessoriedade das prestações em causa define-se em relação às prestações de capital, as quais se assumem como principais - cfr. Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, Variações patrimoniais decorrentes de prestações acessórias, Almedina, 1996, pág.119 e seg.) (cfr.artºs. 277 e 287, do C.S.Comerciais). O legislador não teve a preocupação de definir o que se entende por prestação acessória, limitando-se a consagrar o seu regime, quer para as sociedades por quotas, quer para as sociedades anónimas. Não obstante, o recorte legal das prestações acessórias permite-nos concluir que estas consistem em quaisquer prestações a que os sócios se obriguem, entre si, para além da obrigação de entrada para realização do capital social inicial.
A obrigação de prestações acessórias apenas é válida quando prevista no contrato de sociedade inicial ou, posteriormente, se alterado nesse sentido. No entanto, se as prestações acessórias apenas forem estabelecidas através da alteração do contrato de sociedade, o artº. 86, nº. 2, do C.S.Comerciais, estabelece que apenas ficarão obrigados à sua realização os sócios que as tenham aprovado. O que não impede que, uma vez consagrada no contrato de sociedade a obrigação de realização de prestações acessórias, estas possam recair apenas sobre alguns dos sócios ou que estas sejam qualitativa ou quantitativamente distintas entre si. No que respeita ao objecto das prestações acessórias, o artº. 209, do C.S.Comerciais, não estabelece qualquer limitação, permitindo que estas tenham por desígnio dinheiro ou qualquer outra coisa e possam materializar-se, nomeadamente, em obrigações de "dare", "facere" e "non facere" ou até mesmo em obrigações de suportar ou tolerar. Por último, no que tange à sua natureza, as obrigações de prestações acessórias surgem como cláusulas acidentais facultativas e típicas, próprias dos contratos de sociedade (cfr.artºs.209 e 287, do C.S.Comerciais; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, Vol. I, 2ª. Edição, Almedina, 1989, pág.205 e seg.; António Meneses Cordeiro e Outros, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 3ª. Edição, Almedina, 2020, pág.748 e seg.; António Meneses Cordeiro, Direito das Sociedades, II, Das Sociedades em Especial, Almedina, 2017, pág.285 e seg.).
Passemos à vertente contabilística.
Para que possamos melhor compreender o tratamento contabilístico das prestações acessórias, devemos, em primeiro lugar, socorrer-nos da distinção efectuada, quer no artº.209, nº.1, do C.S.Comerciais, para as sociedades por quotas, quer no artº. 287, nº.1, do mesmo diploma, para as sociedades anónimas, entre prestações acessórias gratuitas e onerosas, porquanto, é desta distinção que resultará o enquadramento das mesmas no "Capital Próprio" ou no "Passivo" da sociedade beneficiária. Nestes termos, quando a prestação acessória é gratuita, a sociedade beneficiária não assume, perante o sócio, qualquer contrapartida financeira decorrente da realização da mesma, ou seja, a sociedade não paga qualquer quantia em troco da prestação (bem entregue ou serviço prestado) ou não suporta os juros relativos às quantias entregues. Já quando a obrigação acessória é onerosa, à prestação realizada pelo sócio corresponde uma contraprestação financeira por parte da sociedade beneficiária, o que significa que a sociedade retribui financeiramente a prestação recebida, quer pagando o preço do bem ou serviço, quer suportando o juro sobre as quantias entregues. Esta diferenciação entre prestações acessórias gratuitas e onerosas e o facto de as segundas terem de ser pagas aos sócios, independentemente da existência de lucros, leva-nos a acompanhar a doutrina que sustenta que as prestações acessórias onerosas deverão ser enquadradas contabilisticamente como passivo da sociedade beneficiária, ou seja, na conta 25 (Financiamentos Obtidos). Relativamente às prestações acessórias gratuitas, uma vez que a sociedade não entrega ao sócio, em contrapartida da prestação recebida, qualquer contraprestação, deverão estes créditos ser enquadrados no capital próprio da sociedade beneficiária e registados numa subconta apropriada da conta 53 (Prestações Suplementares) e não na subconta 51 (Capital) atenta a distinção entre "Partes de Capital" e "Capital Próprio" (cfr. Sérgio Brigas Afonso, Regime Societário e Fiscal dos Créditos por Prestações Suplementares e Prestações Acessórias, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 10/2017, nº.2/Verão, pág.95 e seg.; Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, Prestações Acessórias e Partes de Capital, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, nº.4, Almedina, pág.11 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, a entrega dos imóveis em cumprimento da obrigação de prestações acessórias (cfr. als. D), E) e F) do probatório), não se enquadra na previsão do artº. 2, nº. 1, do C.I.M.T., pela razão de que a sua onerosidade (do ponto de vista da sociedade adquirente) não emerge de forma directa e clara do negócio concretamente celebrado (pelo contrário, resulta do contrato a natureza definitiva e gratuita das prestações acessórias, porque não reembolsáveis nem originadoras de qualquer espécie de contraprestação no momento da sua realização ou no futuro - cfr.al. D) do probatório), apesar da mesma onerosidade (transmissão, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, incidente sobre bens imóveis.) se erigir como pressuposto de incidência objectiva da citada norma (cfr. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3ª. Edição, 2016, pág.244; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.439).
Passemos ao exame do eventual enquadramento da factualidade constante do probatório na previsão do mencionado artº. 2, nº. 5, al. e), do C.I.M.T.
De acordo com a previsão da norma são sujeitas a imposto "as entradas dos sócios com bens imóveis para a realização do capital das sociedades comerciais…" (cfr. José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, Almedina, 3ª. Edição, 2016, pág.275 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág. 450).
Ora, conforme já referido supra, o Código das Sociedades Comerciais separa, claramente, a obrigação de entradas dos sócios para o capital social e a obrigação de prestações acessórias. E essa diferenciação ocorre tanto no que respeita à sua origem, como à sua natureza, fins e efeitos, conforme acima se concluiu. Na verdade, a previsão da norma sob exame integra somente as entradas dos sócios, com imóveis, que se consubstanciem na realização do capital social do ente societário. Sendo que esta diferenciação de regime (entre as entradas de capital e as prestações acessórias) deve ser integrada com recurso ao seu sentido original, tal qual consta do Código das Sociedades Comerciais (cfr. artº. 11, nº. 2, da L.G.T.).
Com estes pressupostos, não pode o intérprete alargar o âmbito da previsão do artº. 2, nº. 5, al. e), do C.I.M.T., para nela se incluírem as transmissões de imóveis em cumprimento da entrega de prestações acessórias, desde logo, porque o elemento literal do preceito a tal impede (cfr. artº. 9, nº. 2, do C.Civil).
Em conclusão, o acto tributário objecto do presente processo padece do vício que se consubstancia no erro sobre os pressupostos de direito, devido a errada interpretação e aplicação dos examinados artºs. 2, nºs. 1 e 5, al. e), do C.I.M.T. ao caso dos autos (cfr. als. G) e R) do probatório).
Atento o relatado, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito (nomeadamente, violando os artºs. 2, nº. 5, al. e), e 4, ambos do C.I.M.T.), pelo que se julga improcedente o recurso e mantém-se a decisão objecto da apelação, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão».

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A tributação está sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 103.º, n.º 2, da CRP e art. 8.º, n.º 1, da LGT), que na sua vertente da tipicidade significa que não é admissível tributar factos que não estejam expressamente previstos em norma de incidência.
II - As transmissões de imóveis em cumprimento da entrega de prestações acessórias, efectuadas a título gratuito, não se incluem na previsão do art. 2.º, n.º 5, alínea e), do CIMT, desde logo, porque o elemento literal do preceito o não permite (cfr. art. 9.º, n.º 2, do CC).


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente [cfr. art. 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e), do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].

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Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Paulo José Rodrigues Antunes.