Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02715/17.5BELSB
Data do Acordão:11/27/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23884
Nº do Documento:SA12018112702715/17
Data de Entrada:10/22/2018
Recorrente:A....
Recorrido 1:SEF - SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO:
A……………… intentou, no TAC de Lisboa, contra a Sr.ª Directora Nacional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, acção administrativa especial impugnando o seu despacho, de 17-05-2016, que indeferiu o pedido de asilo ou de autorização de residência por razões humanitárias que lhe dirigiu.

Sem êxito já que aquele Tribunal julgou a acção improcedente, absolvendo a Entidade Demandada do pedido.
E o TCA Sul, para onde o Autor apelou, não conheceu do objecto do recurso.

É desse acórdão que vem a presente revista (artigo 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAC julgou a acção improcedente por considerar que se não verificavam os requisitos de que dependia o deferimento da pretensão do Requerente uma vez que das suas declarações não decorria uma situação de receio fundado, uma vez que deixou a sua aldeia em 2012 e viveu 4 anos em Lagos, sem que tivesse existido qualquer incidente ou receio.” Inexistiam, assim, “quaisquer factos concretos que permitam concluir que sofre risco de ser perseguido ou de sofrer ofensa grave se regressar ao seu Estado de origem, pois, face às suas declarações, não se mostra credível o receio de sofrer ofensa grave.
...
Admitindo-se que o requerente possa sentir receio subjectivo de que algum mal lhe possa acontecer, caso regresse ao seu país de origem, tal não é suficiente para efeitos de concessão da protecção de asilo” já que “não configura quaisquer medidas de natureza persecutória de que tenha sido vítima em consequência de actividade por ela exercida no seu país de origem em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz humana entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.“
Assim, o caso configurado pela requerente não tem enquadramento no artigo 3° da Lei do Asilo, que, portanto, não tem aplicação ao caso.”

E julgou, também, improcedente a impugnação do indeferimento da autorização de residência por razões humanitárias por entender que estasó pode ser conferida a quem efectivamente se sinta afectado por uma situação de instabilidade e de violação reiterada dos direitos fundamentais. Tal significa que tem que ocorrer um estado objectivo de violação dos direitos humanos que desestabilize a pessoa que pede protecção, mas que da mesma maneira, também a afecte psicologicamente. Trata-se não apenas de analisar se a situação do país de origem se tornou insustentável a ponto de impossibilitar o requerente de regressar, como ainda de analisar as circunstâncias em que o pedido foi apresentado, a credibilidade e consistência do relato.” Ora não resultava dos autos “que a liberdade ou integridade física do ora requerente esteja ou possa estar de alguma forma ameaçada com o seu regresso ao país de origem.”
Acrescendo que não se devia recorrer ao benefício da dúvida porque o Requerente “não contou um relato plausível, mas sim frágil e genérico.”
Assim, por identidade de raciocínio e argumentos já acima mencionados importa considerar inaplicável in casu a protecção subsidiária prevista naquele artigo, por se considerar improvável, à luz da ausência de credibilidade geral do relato do requerente, existir um risco razoável de este vir a sofrer ofensa grave, nomeadamente um atentado contra a sua vida ou integridade física, na eventualidade de regresso àquele país.

O Requerente apelou para o TCA Sul mas este não conheceu do objecto do recurso por aquele se ter limitado “a imputar erros e vícios à decisão administrativa, reproduzindo o que havia alegado na Pl. O Recorrente não assaca à decisão recorrida qualquer crítica, especificando no que terá errado. Ou seja, porque o Recorrente não indica nas suas alegações e conclusões que exista um erro de julgamento - por o Tribunal recorrido ter violado alguma norma jurídica, ou ter aplicado erradamente um princípio, ou uma dada norma legal, ou ter feito uma interpretação errónea dos princípios e normas que aplicou - deixou o presente Tribunal desprovido de razões para poder sindicar a decisão recorrida.”
Acrescia que não se justificava a aplicação do princípio pro accione por ela só fazer “sentido se se concluísse que o recurso apresentado tinha ainda aptidão para permitir a reapreciação do decidido, porque dele era possível extrair os erros decisórios que se queriam ver apreciados pelo Tribunal de recurso. … Porém, no caso sub judice, nem as alegações, nem as conclusões versam sobre a decisão recorrida, sendo esta decisão algo alheio ao recurso. O recurso não aponta erros ou vícios à decisão de 1.ª instância e ali também não se pede a sua reapreciação por essas razões. Diversamente, o que se pretenderá com o recurso que se apresentou é que o Tribunal superior tome as vestes de 1.ª instância e volte a apreciar a PI - agora travestida em alegações e conclusões recurso - como se inexistindo a decisão recorrida, por esta irrelevar por completo para efeitos do que se pretende apreciar.

Em suma, considera-se que, no caso, não pode haver lugar ao convite ao aperfeiçoamento das conclusões de recurso, porque não estão aqui em causa conclusões deficientes ou inexistentes, mas existe, sim, uma total ausência de razões relativas à discordância do Recorrente com relação à decisão recorrida. O Recorrente não indica no recurso porque discorda da decisão recorrida, quais os vícios ou erros por esta cometidos, ou quais as nulidades ou irregularidades contra as quais pretende reagir.
Assim sendo, não se poderá conhecer do recurso, por considerar que o mesmo carece de objecto, pois não cumpre as exigências do art.° 639.° do CPC e não visa a impugnação da decisão recorrida.”

3. Como se viu o TAF considerou que o Requerente não provou que, se tivesse de regressar ao seu país, seria objecto de perseguição em virtude da raça, nacionalidade, religião, opiniões políticas ou integração em grupo social, não se verificando, por isso, razões de facto e de direito que impusessem o deferimento da sua pretensão de asilo.
E entendeu também que não provara que, no seu país de origem, se verificasse uma situação de grave insegurança ou sistemática violação de direitos humanos de molde a causar-lhe um sentimento de intranquilidade e de insegurança. E, portanto, que se tivesse de regressar ao seu país corria o perigo de ser perseguido ou morto.
O que significa que, de acordo com o julgamento do TAF, não se encontravam reunidos os pressupostos do deferimento do pedido de asilo ou de autorização de residência por razões humanitárias que o Autor dirigiu ao SEF, por o mesmo não ter provado os factos de que tal dependia.
Tal decisão não chegou a ser reanalisada pelo TCA por este ter entendido que o Recorrente, na sua apelação, se limitara a sindicar o acto impugnado e não a sentença de que recorria e que, por ser assim, o recurso carecia de objecto. Daí que o seu conhecimento lhe estivesse vedado.
Todavia, esse entendimento não parece ser o mais correcto por o mesmo contradizer o que estipula no n.º 4 do art.º 146.º do CPTA onde se lê:
“4 - Quando o recorrente, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao acto impugnado, sem formular conclusões ou sem que delas seja possível deduzir quais os concretos aspectos de facto que considera incorrectamente julgados ou as normas jurídicas que considera terem sido violadas pelo tribunal recorrido, o relator deve convidá-lo a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de não se conhecer do recurso na parte afectada.”

Deste modo, as razões que determinaram o não conhecimento da apelação não encontram suporte legal.
Nesta conformidade, justifica-se a necessidade da admissão do recurso para uma mais esclarecida aplicação do direito.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Porto, 27 de Novembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.