Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0597/18
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23484
Nº do Documento:SA1201806280597
Data de Entrada:06/18/2018
Recorrente:MASSA INSOLVENTE DE A....., S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE OURÉM
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:


I. RELATÓRIO

Massa Insolvente da Sociedade A……….., S.A reclamou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, da conta de custas requerendo a sua isenção.

Aquele Tribunal julgou essa pretensão improcedente.

E o TCA Sul, para onde o Autor apelou, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que a Autora vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAF julgou improcedente o pedido de isenção de custas pelas razões que se reproduzem:
…Em dúvida esteve se à data da interposição da ação a sociedade A………. era já Massa Insolvente, apesar de assim se ter identificado, ou se se tratava de sociedade em liquidação, tendo ocorrido apenas uma errada identificação como autora. Contudo, o que importa para se aferir da isenção do pagamento das custas, a final, é saber qual a situação jurídica da autora aquando da condenação em custas.
Apesar de ter sido notificada para esclarecer o Tribunal, não o fez.
O artigo 304° do CIRE estabelece que a massa insolvente paga custas, contrariamente à empresa que se apresente à insolvência. O artigo 3° do CIRE define com precisão o que é uma situação de insolvência. Diz ele: “1 - É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas...” Verificada a situação de insolvência, seja por iniciativa do próprio devedor, seja por requerimento de um credor, a insolvência é declarada por sentença (art.º 36° do CIRE). A partir daí a sociedade deixa de existir em situação de insolvência, constituindo-se todo o seu património numa massa patrimonial - a massa insolvente - destinada à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo (art.º 46°, n°1 do CIRE).
Uma sociedade comercial cuja insolvência foi já judicialmente declarada, constituindo-se a respetiva massa insolvente, não beneficia, em conclusão, da isenção de custas prevista na alínea u) do art.° 4.° do RCP.
Ora, em 8/08/2011 foi aprovado Plano de Insolvência com vista ao pagamento dos créditos sobre a insolvência, bem como a liquidação da massa, podendo apresentar Plano de Insolvência o administrador de insolvência, conforme sentença publicitada em DR de 31/08/2011.
Contudo, nos termos conjugados dos artigos 209.°/2, 214°, 219°, 302.°/2 e 3 e 304.º, todos do CIRE, as custas decorrentes da homologação de um plano de insolvência são da responsabilidade da Massa Insolvente, já que a homologação de tal plano apenas ocorre após o trânsito em julgado da sentença de declaração de insolvência que permite esta espécie de “renascimento”- vide artigo 209.°/2 do CIRE.
No fundo, a isenção prevista pela alínea u) do n° 1 do artigo 4.° do RCP reporta-se aos processos especiais de revitalização - PER.
Por outro lado, junta, agora, a autora um deferimento de pedido de apoio judiciário.
Verifica, porém, o Tribunal que o requerimento de pedido de apoio judiciário foi feito após trânsito da sentença, ou seja, em 21 de janeiro de 2017.
Mas, conforme Acórdão da Relação de Lisboa, de 1 de Março de 2007, CJ, Ano XXXII, Tomo 3, pp. 42, não é legalmente admissível a concessão de apoio judiciário após transitar em julgado a decisão judicial, pois resulta tal pedido da intenção exclusiva de se eximir ao pagamento das custas contadas, razão pela qual, não obstante o seu deferimento pelo Instituto de Segurança Social, IP.
À secretaria para prosseguir com os ulteriores atos necessários ao pagamento das custas devidas pelo autor.”

A Autora apelou para o TCA Sul, mas este negou provimento ao recurso. Fê-lo pelas razões que se transcrevem:
“…Compulsados os autos e visto o disposto nos art.°s 30° e 31° do RCP, verifica-se, salvo o devido respeito, que não existe qualquer fundamento legal para a reclamação da conta de custas formulada pela ora recorrente e indeferida, desde logo, pelo despacho proferido em 5/1/2016 verificando-se, por outro lado, que a recorrente no requerimento entregue em 24/1/2017 solicita que a manter-se a anterior decisão de indeferimento seja autorizado o pagamento das custas em prestações ao abrigo do disposto no art.° 33° do RCP, o que foi deferido pelo despacho proferido em 27/6/2017 e assim sendo não é rigoroso pretender-se que tal reclamação de custas tenha sido decidido pelo despacho recorrido proferido em 19/4/2017, a fls. 61 e 61 verso destes autos, o qual tem por título “Requerimento de deferimento de apoio judiciário antecedente da Massa Insolvente” e ordenou (que) à Secretaria para prosseguir os actos necessários ao pagamento das custas devidas pelo Autor.
Seja como for, decorre inequivocamente de fls. 29 destes autos, que em 24/11/2016 foi proferida nesta acção administrativa comum sentença homologatória que na sequência da transacção efectuada pelas partes determinou a seguinte condenação:
Custas em partes iguais pelas partes, conforme acordo [ponto 5) do acordo de transacção] - cfr. fls. 29 destes autos.
Ora, não vindo sequer invocado que a conta de custas reclamada esteja em desconformidade com aquela condenação determinada pela sentença homologatória, o que é infirmado pelas guias em igual montante juntas a fls. 30 a 31 destes autos, não existe naturalmente qualquer fundamento para a reclamação dessa conta de custas, que se mostra legal e que reflecte a decisão tomada pelas próprias partes quanto a custas.
Assim sendo, mostra-se inócua a discussão feita em 1ª instância a propósito do disposto no art.° 4°/1/u, do RCP, bem como a pesada argumentação contida nas alegações jurisdicionais por a conta de custas se mostrar legal.
Resta, pois, confirmar com os fundamentos supra referidos a decisão recorrida, o que se determina.
Pelo exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional e em manter o decidido em 1ª instância.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.”

3. A Autora discorda dessa decisão pela seguinte ordem de razões:
- Admitir que a Recorrente possa pagar uma exorbitância a título de custas é admitir que a finalidade do processo de insolvência, plasmada no art.º 1.º do CIRE, fica esvaziada de qualquer sentido. Ao que acresce que, atento o elevado montante de custas, estas deveriam ter sido reduzidas, nos termos do art.º 302.º do CIRE, tanto mais quanto é certo que o processo não era de especial complexidade.
- A interpretação que o Acórdão recorrido fez das normas legais em causa é inconstitucional, por violação dos princípios da separação dos poderes, da proporcionalidade e de acesso aos Tribunais e da tutela jurisdicional efectiva.
- Violação do disposto no art.º 4.º, al.ª u), do RCP uma vez que esta isenta de custas as sociedades em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa pelo que a mesma deve ser isenta daquele pagamento.
- Violação do direito a um processo equitativo constante do art.º 6.º da CEDH.

4. A Recorrente, nas alegações do recurso que dirigiu ao TCA, suscitou as mesmas questões suscitadas nesta revista as quais não foram apreciadas na sua totalidade por aquele Tribunal.
Desde logo, o Acórdão recorrido não se pronunciou sobre as questões de inconstitucionalidade mas essa omissão não justifica a admissão do recurso na medida em que a sua apreciação é da competência do Tribunal Constitucional, a quem cabe sempre a última palavra nessa matéria. Nada impedindo que a Recorrente dirija directamente recurso para esse Tribunal referente a essas questões.
Acresce que o indeferimento da pretensão da Recorrente fundou-se no facto deste não ser uma sociedade em processo de liquidação, circunstância em que beneficiaria da isenção de custas, mas constituir a Massa Insolvente da Sociedade A……….., S.A. e, por isso, não beneficiar dessa isenção. Sendo certo que, quando foi proferida a sentença homologatória na sequência da transacção efectuada pelas partes – onde se determinou a condenação em custas em partes iguais – não foi requerida qualquer isenção ou redução das custas devidas.
Nesta conformidade, e atendendo que as instâncias decidiram de forma convergente e que tudo indica que decidiram bem uma vez que esse julgamento foi feito com uma adequada ponderação das leis em vigor e da matéria de facto provada é forçoso concluir que não estão preenchidos os requisitos de admissão de revista.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 28 de Junho de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.