Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:032/12
Data do Acordão:11/21/2012
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA HIERARQUIA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
Sumário:I - Deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, desde que estes, em abstracto, não sejam indiferentes para serem ponderados no julgamento da causa.
II - A questão da competência hierárquica é, uma questão prévia que tem de ser decidida abstraindo da solução de direito que o tribunal ad quem tomaria se fosse competente.
Nº Convencional:JSTA000P14871
Nº do Documento:SA220121121032
Data de Entrada:01/13/2012
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1 – RELATÓRIO
A……, Lda., NIPC ……, com sede na Rua ……., n°…., Riomeão, deduziu Impugnação Judicial versando as liquidações adicionais de IVA com os n.° 070 81 924 (€ 26 105, 29 a título de imposto) e 070 81 925 (€ 2 520,41 a título de juros compensatórios), que se reportam ao mês de Setembro de 2004.
Por sentença de 28 de Abril de 2011, o TAF de Aveiro julgou improcedente a Impugnação apresentada por A……, Lda., mantendo na íntegra as liquidações impugnadas. Reagiu a ora recorrente, interpondo o presente recurso, cujas alegações integram as seguintes conclusões:

I — Existe um manifesto lapso de escrita nos artigos 14.°, 17.°, 20.° e 45.° da petição inicial, uma vez que, onde está escrito B…… se pretendia escrever C……;
II — No decurso do processo a Impugnante centrou toda a sua actividade na demonstração das transacções tituladas pelas facturas emitidas pelo fornecedor C……;
III — A decisão recorrida não poderia ter sido tomada sem ter sido previamente ouvida a impugnante expressamente com o propósito de se pronunciar sobre a eventualidade dessa decisão;
IV — A sentença recorrida violou o n.° 3 do artigo 3.° do Código do Processo Civil;
V — Na condução do processo, o juiz deve prover a todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio;
VI — O poder, atribuído ao juiz, de convidar qualquer das partes a suprir insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, é um verdadeiro poder-dever, que deve ser prosseguido e cumprido imperativamente quando o juiz se apercebe que tais insuficiências ou imprecisões podem comprometer uma justa composição do litígio e o apuramento da verdade substancial, uma vez que foi em demanda desse apuramento que as partes recorreram à justiça soberana;
VII — A sentença recorrida violou os n.°s 2 e 3 do artigo 508.° do CPC;

Sem conceder,
VIII — Não se encontra provado que a administração fiscal dispusesse de indícios da falsidade das operações comerciais facturadas, que basearam as liquidações impugnadas;
IX — As liquidações impugnadas deveriam fundar-se em fundados indícios da falsidade das operações tituladas pelas facturas;
X — Não se encontrando provada a existência de tais fundados indícios, as liquidações impugnadas padecem do vício de falta de fundamentação.
Nestes termos, deve a sentença recorrida ser revogada determinando-se à 1ª instância a correcção do lapso existente na petição inicial, e a consequente apreciação da procedência do pedido no plano substancial;
Se assim não se entender, devem as liquidações impugnadas serem anuladas por falta de fundamentação. Como é de inteira e sã Justiça!
A recorrida não contra-alegou.

O EMMP pronunciou-se emitindo o seguinte parecer:
1. As conclusões das alegações delimitam o objecto do recurso (art.684° n°3 CPC/art.2° al.e) CPPT)
Embora interessando à apreciação do pedido subsidiário de anulação das liquidações impugnadas as conclusões II e VIII./X. impugnam proposições fácticas constantes do probatório da sentença (n°s 3/7), segundo as quais as facturas emitidas pelo fornecedor C…… que serviram de suporte a compras escrituradas e declaradas pela recorrente para efeitos fiscais não correspondiam a transacções comerciais reais ou a transacções com as características descritas nas facturas, dessa impugnação pretendendo extrair consequência jurídica relevante no sentido da ilegalidade da liquidação fundada naquele juízo fáctico.
Neste contexto o recurso não tem por exclusivo fundamento matéria de direito sendo o STA-SCT incompetente, em razão da hierarquia, para o seu conhecimento e competente o TCA Norte-SCT (arts. 26° al.b) e 38° al.a) ETAF 2002; art.280° n°1 CPPT)
2. A interessada poderá requerer, oportunamente, o envio do processo para o tribunal declarado competente (art. 18° n° 2 CPPT).
O Ministério Público tem legitimidade para a suscitação da incompetência absoluta do tribunal em processo judicial tributário (art.16° n°2 CPPT)
CONCLUSÃO
O STA-secção de Contencioso Tributário é incompetente, em razão da hierarquia, para o conhecimento do recurso, sendo competente o TCA Norte-SCT.

As partes foram notificadas deste parecer e não se pronunciaram.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte factualidade:
1. A firma A……, Lda., tem como objecto social a actividade de Comércio por Grosso de Sucatas e Desperdícios Metálicos, CAE 51571 — Cfr. Relatório pag. 3, fls. 6 do Processo Administrativo;
2. Ao abrigo da Ordem de Serviço OI200500541 de 04.04.2005 o Sujeito Passivo, A……, Lda., foi alvo de acção inspectiva externa que abrangeu os anos de 2003 e 2004 — cfr. fls, 6 do Processo Administrativo;
3. Na acção identificada em 2. concluiu-se que “as compras escrituradas e declaradas para efeitos fiscais por A……, com base em documentos emitidos em nome de ‘fornecedores’ aí identificados eram falsas, pelo facto de não corresponderem, quanto aos intervenientes, quanto às datas, tipo e características da mercadoria, quantidades, preços unitários e valores totais, às transacções efectivamente realizadas, ou por não corresponderem, pura e simplesmente, a qualquer transacção real. De entre os cinco ‘fornecedores’ indiciados, com interesse ao presente procedimento, relacionados com C……, (...)”— cfr. fls, 6 e 7 do Processo Administrativo;
4. Pela Ordem de Serviço OI200700249 de 06 de Junho de 2007, foi determinada a realização de uma inspecção interna ao Sujeito Passivo A……., Lda., que culminou com a elaboração de Relatório de Inspecção Tributário sancionado por despacho proferido em 11.04.2007 pelo Chefe de Divisão, no exercício de competências delegadas — cfr. fls. 4 e seguintes do Processo Administrativo;
5. Este procedimento de inspecção interna visou a actividade comercial relativa ao emitente de facturas C…… — cfr, fls 6 do Processo Administrativo (pag. 3 do Relatório);
6. O procedimento de inspecção interno teve como motivo as correcções devidas por indícios da prática de operações simuladas relativamente ao fornecedor C…… — cfr. fls. 6 do Processo Administrativo;
7. No culminar deste procedimento de inspecção foram feitas “correcções meramente aritméticas para efeitos de IVA, respeitantes as compras de sucata contabilizadas e declaradas para efeitos fiscais pela A…… com base em documentos emitidos por C…… — IVA indevidamente deduzido” — cfr. fls. 58 do Processo administrativo;
8. Estas correcções, mencionadas em 7., determinaram a emissão de uma liquidação adicional de IVA, n°07081924, referente ao ano de 2004, período 0409, no valor de €26 106,29— cfr. fls. 47 dos autos e 58 do Processo Administrativo;
9. Bem como a emissão da liquidação n°07081925, no valor de €2 520,41, referente a juros relativos ao período compreendido entre 10.11.2004 e 10.04.2007 — cfr fls. 48 dos autos;
10. Com a instauração da presente Impugnação o Sujeito Passivo, A……, Lda., pretende que o Tribunal declare nulas as liquidações identificadas em 8. e 9. — cfr. fls. 2 e seguintes dos autos;
11. Fundamenta o seu pedido no facto de todas as transacções tituladas por facturas emitidas pelo fornecedor B…… traduzirem compras que efectivamente ocorreram — cfr. fls. 2 e seguintes dos autos
12. Nas alegações apresentadas o Impugnante sustenta a sua posição no facto de a matéria de facto a apurar em sede de inquirição consistir essencialmente em “apurar se a administração fiscal dispunha, ou não, de fundados indícios de que a impugnante não teria adquirido efectivamente as mercadorias tituladas pelas facturas provenientes do fornecedor C……” — cfr. fls. 178 e seguintes dos autos.

3 – DO DIREITO
A competência em razão da hierarquia integra pressuposto processual relativo ao Tribunal, constituindo requisito de interesse e ordem pública devendo, por isso mesmo, o seu conhecimento preceder o de qualquer outra matéria – cf. artigos 16º n.º 1 e 2 do CPPT e 13º do CPTA.

Ora, de harmonia com o disposto nos artigos 26º al. b) e 38º al. a) do ETAF e 280º n.º 1 do CPPT-, à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo compete apenas conhecer dos recursos interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com exclusivo fundamento em matéria de direito,
Sendo que aos Tribunais Centrais Administrativos compete, por sua vez conhecer dos recursos de decisões dos tribunais tributários de 1ª Instância, com excepção dos referidos na alínea b) do n.º 1, do citado art. 26.º do referido Estatuto.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo a entender que na delimitação da competência do Supremo Tribunal Administrativo em relação à do Tribunal Central Administrativo deve entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, desde que estes, em abstracto, não sejam indiferentes para serem ponderados no julgamento da causa.
A questão da competência hierárquica é, ainda, uma questão prévia que tem de ser decidida abstraindo da solução de direito que o tribunal ad quem tomaria se fosse competente.
Nestas condições, o que há a fazer para decidir a questão da competência hierárquica, é apenas verificar se o recorrente pede a alteração da matéria de facto ou invoca factos que não vêm dados como provados e que estes, em abstracto, não sejam indiferentes para o julgamento da causa; se o faz, o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito.
Ora como bem refere o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, nas conclusões das suas alegações a recorrente questiona não só matéria de direito mas também matéria de facto nomeadamente o ponto 6 da matéria de facto onde se dá como provado que “6. O procedimento de inspecção interno teve como motivo as correcções devidas por indícios da prática de operações simuladas relativamente ao fornecedor C…… — cfr. fls. 6 do Processo Administrativo”, pois a recorrente nas suas conclusões defende que “VIII — Não se encontra provado que a administração fiscal dispusesse de indícios da falsidade das operações comerciais facturadas, que basearam as liquidações impugnadas;
IX — As liquidações impugnadas deveriam fundar-se em fundados indícios da falsidade das operações tituladas pelas facturas;
X — Não se encontrando provada a existência de tais fundados indícios .

Assim sendo, não se limitando o recurso à matéria de direito, é este Supremo Tribunal incompetente em razão da hierarquia. Neste sentido o acórdão de 23 de Fevereiro de 2012, proferido no Proc. nº 16/12. Vide, ainda, Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 2006, I volume, página 213.)

Ocorre, pois, a incompetência deste Supremo Tribunal Administrativo já que versando o recurso, também, matéria de facto, e não exclusivamente matéria de direito, será competente para dele conhecer o Tribunal Central Administrativo Norte – arts. 280º, nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 26º alínea b) e 38º alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

4-DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, se decide julgar a Secção de Contencioso Tributário do STA incompetente, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso jurisdicional, declarando-se competente para o efeito o Tribunal Central Administrativo Norte (Secção do Contencioso Tributário) nos termos do artº 18º, nº 3, do CPPT., para o qual a recorrente poderá requerer a remessa do processo, de harmonia com o preceituado no nº 2 do mesmo artigo.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 21 de Novembro de 2012. - Ascensão Lopes (relator) - Pedro Delgado - Casimiro Gonçalves.