Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0581/17
Data do Acordão:10/11/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:PAGAMENTO ESPECIAL POR CONTA
ACÇÃO
INSPECÇÃO
TAXA
Sumário:É ilegal a taxa decorrente da acção inspectiva a realizar pela AT, para obter o reembolso do pagamento especial por conta, por não ser aplicável o DL n.º 6/99, de 8 de Janeiro e a Portaria 923/99, de 20 de Outubro, à realização da referida acção.
Nº Convencional:JSTA000P22375
Nº do Documento:SA2201710110581
Data de Entrada:05/18/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: A………………… SA deduziu impugnação judicial da decisão de indeferimento do recurso hierárquico apresentado do indeferimento da reclamação graciosa contra o pagamento de taxa de inspecção no montante de 28.763,59 Eur.
Por decisão de 24/01/2017 foi a impugnação julgada totalmente procedente e anulada a liquidação.

Reagiu a Fazenda Pública apresentando recurso, para este STA que culmina com as seguintes conclusões:

«A. Julgou a Sentença recorrida procedente a impugnação deduzida contra a decisão de indeferimento do recurso hierárquico deduzido do indeferimento da reclamação graciosa contra o pagamento da taxa, no montante de €28.763,59, liquidada nos termos do Art.° 2°, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 6/99, 08 de Janeiro, devida pela realização de inspecção a pedido, calculada nos termos da Portaria n.º 923/99, de 20 de Outubro, na sequência do pedido apresentado relativo à restituição do pagamento especial por conta efectuado em sede de IRC, relativamente aos exercícios económicos de 2004 e 2005.

B. O Tribunal a quo considerou que não tem qualquer aplicação ao regime do PEC o previsto no D.L. n° 6/99, por não se tratar da prestação de um qualquer serviço pela Administração Tributária ao sujeito passivo, mas sim do exercício pelo sujeito passivo de um direito que lhe assiste por lei.

C. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim decidido, porquanto, considera que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a ilegalidade da taxa em crise.

D. Contrariamente ao sentenciado, considera a Fazenda Pública que, apesar da ausência de uma remissão expressa do n° 3 do artigo 93° do CIRC para o D.L. n° 6/99, de 8 de Janeiro, não há legitimidade para sustentar que não faria sentido que, ao reembolso do valor do PEC, dependente de acção inspectiva a pedido do sujeito passivo, não fosse aplicado o regime constante do referido Decreto-Lei.

E, dados os objectivos associados ao estatuído no n° 3 do artigo 93° do CIRC e atendendo ao elemento sistemático e à unidade do sistema jurídico, na determinação do exacto sentido e alcance da norma, e levando em conta que à data da criação deste normativo já se encontrava em vigor o D.L. nº6/99.

F. Acresce que, a lei (em vigor à data dos factos) não previa qualquer outra possibilidade de o sujeito passivo reaver o montante em excesso dos pagamentos especiais por conta.

G. Para mais, tendo em conta que, nos termos do n° 4 do art. 2° do DL n° 6/99, o deferimento do requerimento depende da invocação da prova do interesse legítimo do requerente na realização da inspecção, e que como decorre do termo “nomeadamente” previsto no n° 6 do mesmo artigo, é meramente exemplificativo o elenco das situações qualificadas como “interesse legítimo”, entende-se, pois, que o pedido de reembolso do pagamento especial por conta, efectuado ao abrigo do n° 3 do art. 93° do CIRC, qualifica-se como “interesse legítimo”, aplicando-se, em consequência, o regime constante do Decreto-Lei n° 6/99

H. Em concordância com a conclusão do parecer n° 6512011 de 27.09.2011 do Centro de Estudos Fiscais (elaborado na sequência de uma exposição da Provedoria da Justiça que suscitou a questão da inspecção a pedido para efeitos de reembolso do PEC), julga-se, pois, que a alínea b) do n° 3 do artigo 93° do Código do IRC estabelece, a partir da verificação dos requisitos nela constantes, uma remissão implícita para o regime constante do Decreto-Lei n° 6/99.

I. Os pagamentos especiais por conta poderão desembocar, quando não haja lugar a reembolso, por falta de preenchimento dos requisitos previstos pelo legislador no CIRC, numa verdadeira colecta mínima de imposto.

J. Ora, a acção de inspecção para efeitos de obtenção do reembolso do PEC visa, objectivamente, a confirmação de que os sujeitos passivos não obtiveram durante os cinco exercícios possíveis, colecta que justifique o pagamento efectuado e, concomitantemente, a restituição do imposto pago e não devido a final.

K. Mais, não faria de todo sentido, que a insuficiência de colecta que dá origem ao reembolso, fosse certificada por outra entidade que não a AT.

L. Logo, sendo a realização da acção inspectiva condição essencial para o reembolso do PEC em excesso, logo no interesse do contribuinte, será justo que os custos dela decorrentes sejam por ele suportados, o que configura um serviço público prestado ao sujeito passivo, daí resultando o pagamento de uma taxa.

M. Classificada a natureza da acção inspectiva, a mesma só poderá ser enquadrada no âmbito do regime especial de inspecção por iniciativa do sujeito passivo, previsto no art° 47 da LGT e regulamentado no Decreto-Lei n° 6/99 de 8 de Janeiro, com as consequências que daí advêm no que se refere ao pagamento da taxa devida pela realização da acção de inspecção.

N. Tal como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional n° 365/03, de 14.07.2003, a criação da taxa assenta numa relação sinalagmática que “há-de ter um carácter substancial ou material, e não meramente formal; isso não implica, porém, que se exija uma equivalência económica rigorosa entre ambos, não sendo incompatível com a natureza sinalagmática da taxa o facto de o seu montante ser superior (e porventura até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado.”

O. No caso em apreço, quanto aos pedidos de reembolso dos PEC’s pagos em 2004 e 2005, o DL n° 6/99 de 8 de Janeiro, conjugado com a Portaria n° 923/99, de 20 de Outubro, regula e determina os montantes devidos pela realização de inspecções a pedido do sujeito passivo.

P. Resulta da aplicação da tabela constante daquela Portaria (convertida para Euros), o pagamento de uma taxa no montante de €28.763,59, conforme informação da Direcção de Apoio e Planeamento da Inspecção Tributária junta aos autos.

Q. Conclui-se assim que se encontra legitimada a previsão da referida taxa e a sua subsequente liquidação impugnada que foi efectuada nos termos da Portaria n°923/99 de 20/10, pelo que, a mesma não merece censura, uma vez que foi efectuada conforme a legislação vigente e aplicável ao caso concreto.

R. Deve ser revogada a douta sentença recorrida, por padecer de erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação dos preceitos legais convocados para sustentar a ilegalidade da taxa em crise.

S. A sentença recorrida fez, assim, incorrecta interpretação e consequente aplicação da lei.

Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público neste STA emitiu parecer com o seguinte teor:

«Recurso interposto pelo representante da Fazenda Pública, sendo impugnante A……………, S.A.:

Do recurso interposto resulta como questão controvertida se é de aplicar taxa de acordo com o regime constante do Dec.-Lei n.º 6/99, de 8 de janeiro, mormente do seu artigo 4.º e na Portaria n.º 923/99, de 20 de outubro, no que respeita a ação inspetiva realizada para reembolso do P.E.C., a pedido do sujeito passivo, conforme previsto no art. 93º n°3 al. b) do C.I.R.C., na redação da Lei n° 3-B/2010, 28 abril.

Sobre a questão, foi entretanto já proferido pelo STA, acórdão a 31-5-2017 no recurso 072/17, publicado em dgsi.pt, o qual adota vários outros argumentos constantes da sentença ora recorrida, decidindo-se pela improcedência do recurso, razão pela qual não me alongarei tanto mais que o decidido merece inteira concordância.

Com efeito, não é de considerar a situação como de serviço prestado relativamente ao qual tem de ser paga taxa, mas antes “essencialmente” da aplicação de “imposto”, enquadrando-se o caso no art. 4.º n.º 1 da L.G.T..

Concluindo:

O recurso é de improceder, sendo de confirmar o decidido.»

Foram colhidos os vistos legais

2- FUNDAMENTAÇÃO:

A decisão de 1ª instância deu como assente a seguinte matéria de facto:

1. Por requerimentos do ano de 2009 a impugnante solicitou à Administração Tributária o reembolso dos montantes de Pagamento Especial por Conta do Imposto entregue e relativos aos exercícios de 2004 e 2005, no montante de €33.576,00 e €40.000,00 — fls. 20 e ss.;

2. Tendo aí invocado que não logrou recuperar aqueles PEC à colecta desse exercício nem à colecta dos quatro exercícios seguintes — fls. 20 e ss., do PA;

3. A AT notificou a impugnante de que a possibilidade de requerer a acção de inspecção tributária implicava o pagamento de uma taxa provisória, no montante de €28.763,59 — fls. 22;

4. A impugnante apresentou reclamação graciosa que lhe foi indeferida — PA em anexo;

5. Tendo apresentado recurso hierárquico que lhe foi igualmente indeferido — PA em anexo;

6. A impugnante pagou a taxa requerida — fls. 23;

7. Após acção inspectiva aos anos de 2004 a 2009 a Impugnante foi reembolsada não tendo havido qualquer correcção à matéria colectável declarada ou imposto a pagar — fls. 25;

3- DO DIREITO: segmento Decisório da decisão recorrida que se apresenta por extracto:

A impugnante requer a anulação da liquidação da taxa de inspecção referente aos pedidos de reembolso do PEC, por entender que a mesma é ilegal e inconstitucional, não sendo devida qualquer taxa.

Vejamos.

(…)

Da ilegalidade e inconstitucionalidade do regime de reembolso do Pagamento Especial por Conta

A impugnante alega que o regime de reembolso do PEC de IRC, tal como está entendido pela Administração Fiscal, está ferido de ilegalidade, por violação da norma ínsita no n° 3, do artigo 93, do CIRC bem como pela violação do normativo previsto no DL. n° 6/99, de 8 de Janeiro, e ainda de inconstitucionalidade por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da Justiça.

Desde o momento da sua aprovação que o regime de reembolso do PEC suscitou dúvidas na doutrina quanto à sua natureza bem como à sua interpretação, suscitando reservas quanto à sua constitucionalidade.

Ora, apesar de não haver jurisprudência firme sobre esta matéria, afigura-se-nos que assiste razão à Administração Tributária quando afirma que o legislador pretendeu com esta redacção do n° 3, do artigo 93, do CIRC, sujeitar o pedido de reembolso do PEC à realização de uma acção de inspecção feita por moto próprio. Mas tal não significará necessariamente a sujeição desta acção inspectiva ao previsto no D.L. n° 6/99 e ao inerente pagamento de taxas, como pretende a Administração Tributária.

O preâmbulo deste normativo (que contém a indicação de motivos do pensamento do legislador e, consequentemente, torna-se um elemento coadjuvante à correta interpretação da lei, conforme o previsto no n° 1, do artigo 9, do Código Civil) dispõe que: A inspecção tributária depende exclusivamente, no quadro da legislação actual, da iniciativa da própria administração tributária. No entanto, a certeza e segurança jurídicas e a necessidade de viabilizar negócios jurídicos relevantes do ponto de vista da reestruturação empresarial e da dinamização da vida económica aconselham a flexibilização desse regime, posto que com a devida salvaguarda dos interesses da administração tributária. É, assim, criado um regime especial de inspecção por iniciativa do sujeito passivo, com efeitos vinculativos para a administração tributária, cujo acesso depende da prova de interesse legítimo pelo sujeito passivo ou terceiro, devidamente autorizado por este.

Em consequência, este normativo tem fins deveras específicos, consubstanciando-se num serviço prestado pela Administração Tributária ao sujeito passivo para apuramento da situação tributária deste e tendo em vista a realização de actos de reestruturação empresarial, de operações de recuperação económica, entre outras.

De facto, o conceito de “interesse legítimo” do sujeito passivo está definido no n° 6, do artigo 2, do normativo em análise, que explica: O interesse legítimo referido no presente artigo consiste em qualquer vantagem resultante do conhecimento da exacta situação tributária do sujeito passivo, proveniente, nomeadamente, de actos de reestruturação empresarial, de operações de recuperação económica ou de acesso a regimes legais a que o requerente pretende ter direito.

Trata-se de um elenco meramente exemplificativo e reforça a ideia de se tratar de um serviço prestado pela Administração Tributária ao sujeito passivo, tendo em vista a obtenção por este de uma qualquer vantagem. E, como serviço que é, está sujeito ao pagamento de uma taxa, de montante variável consoante o âmbito e extensão da acção de inspecção, e cuja tabela vem prevista na já referida Portaria n° 923/99, de 20 de Outubro.

Desta interpretação só se pode concluir, a nosso ver, e ao contrário do defendido pela Administração Tributária, que não é aplicável este DL. n.º 6/99 ao regime de reembolso de PEC de IRC, mormente o seu artigo 4°, e concomitantemente, a tabela de taxas previstas na Portaria n° 923/99.

Trata-se de avaliar se existe uma falta de correspondência entre a finalidade inicial das inspecções a pedido com o regime previsto no n° 3, do artigo 93, do CIRC. E, na verdade, inexiste qualquer correspondência.

Como se acaba de expor, o regime previsto no D.L. 6/99 regulamenta um serviço prestado pela administração ao sujeito passivo quando este pretende realizar uma operação ou procurar uma qualquer vantagem, alheia a uma relação tributária preexistente.

Já quanto à inspecção feita a “pedido do sujeito passivo” para efeitos de reembolso de PEO de IRO, não estão em causa as mesmas finalidades. Não se trata de uma inspecção necessária à obtenção pelo particular de uma qualquer vantagem mas antes de um procedimento necessário ao exercício de um direito.

Do que se trata aqui é antes da ilisão de uma presunção legal.

De facto, determinava o n° 2, do artigo 106, do CIRC em vigor à data que O montante do pagamento especial por conta é igual a 1% do volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, com o limite mínimo de (euro) 1000, e, quando superior, é igual a este limite acrescido de 20% da parte excedente, com o limite máximo de (euro) 70.000 (sendo o volume de negócios correspondente ao valor das vendas e dos serviços prestados).

Estabeleceu o regime de PEC um conceito de “rendimento legal”: o legislador fixa um rendimento sem necessária correspondência com o rendimento real, o único tributável por imposição constitucional. E fê-lo qualificando aquele rendimento legal como uma verdadeira presunção legal, em sentido estrito. Como determina o artigo 349, do CC, Presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um desconhecido. E a lei, no CIRC, retira uma ilação de um facto conhecido, o volume de negócios do período de tributação anterior, para firmar um desconhecido, o rendimento do ano fiscal a que os pagamentos especiais por conta dizem respeito.

Ora, dispõe o n° 2, do artigo 350, do CC que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir. No que respeita ao PEC, não existe qualquer proibição legal da ilisão da presunção nem poderia nunca haver, atenta a imposição constitucional de tributação das pessoas colectivas segundo o seu rendimento real (n°2, do artigo 104, da CRP), estando antes taxativamente consagrada a possibilidade de ilidir tal presunção (artigo 73° da LGT).

Consequentemente, e ao contrário do entendimento da AT, não existe aqui qualquer “inversão”, ainda que aparente, da relação jurídica tributária, já que continuam a ser os mesmos o sujeito activo e o sujeito passivo daquela relação (nos termos previstos no artigo 18 e seguintes da LGT). Também não colhe o argumento de que a acção inspectiva é necessária para a verificação de um “pressuposto legal” do direito ao reembolso: este direito nasce ope legis, se o rendimento dito “legal” for superior ao rendimento real. Ocorre, apenas e tão-só, uma inversão do ónus da prova quanto à determinação do rendimento real do sujeito passivo.

Se normalmente compete à Administração, mediante a operação desta presunção legal passa a caber àquele o ónus de a ilidir, se com a mesma não se conformar. E o meio imposto pelo legislador para ilidir tal presunção, nos termos do previsto naquela norma do n° 3, do artigo 93, do CIRC, é a obrigação de o sujeito passivo pedir que lhe seja feita uma inspecção.

Todavia, não se trata aqui da prestação de um qualquer serviço pela Administração Tributária ao sujeito passivo, tendo por finalidade a obtenção por este de uma qualquer vantagem, mas sim, e exclusivamente, da única possibilidade que lhe é dada para provar que o seu rendimento real não correspondeu, no exercício em causa, ao rendimento legal fixado pelo legislador no supra referido normativo. Ou seja, trata-se do exercício pelo sujeito passivo de um direito que lhe assiste por lei.

Concluímos, assim, que não tem qualquer aplicação a esta situação o previsto no D.L. n°6/99.

Já Saldanha Sanches e André Salgado Matos, em op. cit., página 17) afirmavam que (...) dada a verdadeira natureza do procedimento em causa, não parece que se aplique o regime de inspecção por iniciativa do contribuinte previsto pelo Decreto-lei n° 6/99, de 20 de Outubro, designadamente em matéria de custas. Com efeito, seria constitucionalmente chocante admitir que o sujeito passivo teria que pagar para ser, como é seu direito, tributado segundo o seu lucro real!

(…)

Pelo exposto, conclui-se pela ilegalidade da taxa em crise, que não pode manter-se.

DECISÃO.

Pelo exposto, julgo a presente impugnação totalmente procedente e, em consequência, anulo a liquidação impugnada.

DECIDINDO NESTE STA

A impugnante questionou a legalidade da liquidação da taxa devida para a realização da acção inspectiva tendente ao reembolso do pagamento especial por conta, realizado no ano de alegando que a taxa é ilegal porquanto à acção inspectiva, requerida nos termos do disposto no artigo 93.º, n.º 3, alínea b), do CIRC, anterior artigo 87.º do CIRC, não é aplicável o DL n.º 6/99, de 8 de Janeiro e Portaria 923/99, porque as taxas, fixadas nos termos deste DL, são ilegais e inconstitucionais.

A sentença recorrida entendeu que não é aplicável o DL. n.º 6/99 ao regime de reembolso de PEC de IRC, mormente o seu artigo 4°, e concomitantemente, a tabela de taxas previstas na Portaria n° 923/99.

Questiona-se, pois, neste recurso o acerto da sentença que julgou procedente a impugnação da taxa, decorrente da acção inspectiva para obter o reembolso do pagamento especial por conta, no montante de Eur 28.763,59 (tal como consta do probatório).

Não se questiona nos presentes autos a legalidade ou inconstitucionalidade do regime de reembolso do Pagamento Especial por Conta mas diversamente a taxa, decorrente da acção inspectiva para obter o reembolso do pagamento especial por conta e desde já se adianta que a sentença é de manter com a fundamentação expressa no acórdão deste STA de 31/05/2017 tirado no recurso nº 072/17 ao qual com a devida vénia nos arrimamos. Ali se expendeu:

“Pretendeu o legislador com a redação, na altura vigente, do n° 3, do artigo 93, do CIRC, sujeitar o pedido de reembolso do PEC à realização de uma ação de inspeção. Mas tal não significava necessária e imediatamente a sujeição desta ação inspetiva ao previsto no DL n.º 6/99 e Portaria 924/99, de 20-10 e ao inerente pagamento de taxas, como pretende a Administração Tributária.

O preâmbulo deste normativo dispõe que: a inspeção tributária depende exclusivamente, no quadro da legislação atual, da iniciativa da própria administração tributária. No entanto, a certeza e segurança jurídicas e a necessidade de viabilizar negócios jurídicos relevantes do ponto de vista da reestruturação empresarial e da dinamização da vida económica aconselham a flexibilização desse regime, posto que com a devida salvaguarda dos interesses da administração tributária. É, assim, criado um regime especial de inspeção por iniciativa do sujeito passivo, com efeitos vinculativos para a administração tributária, cujo acesso depende da prova de interesse legítimo pelo sujeito passivo ou terceiro, devidamente autorizado por este.

Por isso este normativo tem fins específicos, consubstanciando-se num serviço prestado pela Administração Tributária ao sujeito passivo para apuramento da situação tributária deste e tendo em vista a realização de atos de reestruturação empresarial, de operações de recuperação económica, entre outras.

O conceito de “interesse legítimo” do sujeito passivo está definido no n° 6, do artigo 2, do normativo em análise, que explica que “o interesse legítimo referido no presente artigo consiste em qualquer vantagem resultante do conhecimento da exacta situação tributária do sujeito passivo, proveniente, nomeadamente, de actos de reestruturação empresarial, de operações de recuperação económica ou de acesso a regimes legais a que o requerente pretende ter direito.

Trata-se de um elenco meramente exemplificativo e reforça a ideia de se tratar de um serviço prestado pela Administração Tributária ao sujeito passivo, tendo em vista a obtenção por este de uma qualquer vantagem. E, como serviço que é, está sujeito ao pagamento de uma taxa, de montante variável consoante o âmbito e extensão da ação de inspeção, e cuja tabela vem prevista na já referida Portaria n° 923/99, de 20 de Outubro.

Desta interpretação só se pode concluir, ao contrário do defendido pela Administração Tributária, que não é aplicável este DL. n.º 6/99 ao regime de reembolso de PEC de IRC, mormente o seu artigo 4°, e concomitantemente, a tabela de taxas previstas na Portaria n° 923/99.

Trata-se de avaliar se existe uma falta de correspondência entre a finalidade inicial das inspeções a pedido com o regime previsto no n° 3, do artigo 93, do CIRC. E, na verdade, inexiste qualquer correspondência.

O regime previsto no DL n.º 6/99 regulamenta um serviço prestado pela administração ao sujeito passivo quando este pretende realizar uma operação ou procurar uma qualquer vantagem, alheia a uma relação tributária preexistente.

Já quanto à inspeção feita a “pedido do sujeito passivo” para efeitos de reembolso de PEC de IRC, não estão em causa as mesmas finalidades. Não se trata de uma inspeção necessária à obtenção pelo particular de uma qualquer vantagem mas antes de um procedimento necessário ao exercício de um direito.

Determinava o n° 2, do artigo 106, do CIRC, em vigor à data que o montante do pagamento especial por conta é igual a 1% do volume de negócios relativo ao período de tributação anterior, com o limite mínimo de (euro) 1000, e, quando superior, é igual a este limite acrescido de 20% da parte excedente, com o limite máximo de (euro) 70.000 (sendo o volume de negócios correspondente ao valor das vendas e dos serviços prestados).

Estabeleceu o regime de PEC um conceito de “rendimento legal”: o legislador fixa um rendimento sem necessária correspondência com o rendimento real, o único tributável por imposição constitucional. E fê-lo qualificando aquele rendimento legal como uma verdadeira presunção legal, em sentido estrito. Como determina o artigo 349º do CC, presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um desconhecido. E a lei, no CIRC, retira uma ilação de um facto conhecido, o volume de negócios do período de tributação anterior, para firmar um desconhecido, o rendimento do ano fiscal a que os pagamentos especiais por conta dizem respeito.

Ora, dispõe o n° 2, do artigo 350º do CC que as presunções legais podem ser ilididas mediante prova em contrário, exceto nos casos em que a lei o proibir. No que respeita ao PEC, não existe qualquer proibição legal de ilisão da presunção nem poderia nunca haver, atenta a imposição constitucional de tributação das pessoas coletivas segundo o seu rendimento real (n°2, do artigo 104, da CRP), estando antes taxativamente consagrada a possibilidade de ilidir tal presunção (artigo 73° da LGT).

Consequentemente, e ao contrário do entendimento da AT, não existe aqui qualquer “inversão”, ainda que aparente, da relação jurídica tributária, já que continuam a ser os mesmos o sujeito ativo e o sujeito passivo daquela relação (nos termos previstos no artigo 18º e seguintes da LGT). Também não colhe o argumento de que a ação inspetiva é necessária para a verificação de um “pressuposto legal” do direito ao reembolso: este direito nasce ope legis, se o rendimento dito “legal” for superior ao rendimento real. Ocorre, apenas e tão-só, uma inversão do ónus da prova quanto à determinação do rendimento real do sujeito passivo.

Se normalmente compete à Administração, mediante a operação desta presunção legal passa a caber àquele o ónus de a ilidir, se com a mesma não se conformar. E o meio imposto pelo legislador para ilidir tal presunção, nos termos do previsto naquela norma do n° 3, do artigo 93, do CIRC, é a obrigação de o sujeito passivo pedir que lhe seja feita uma inspeção.

Todavia, não se trata aqui da prestação de um qualquer serviço pela Administração Tributária ao sujeito passivo, tendo por finalidade a obtenção por este de uma qualquer vantagem, mas sim, e exclusivamente, da única possibilidade que lhe é dada para provar que o seu rendimento real não correspondeu, no exercício em causa, ao rendimento legal fixado pelo legislador no supra referido normativo. Ou seja, trata-se do exercício pelo sujeito passivo de um direito que lhe assiste por lei.

Não tem, por isso, aplicação a esta situação o previsto no D.L. n° 6/99.

Já Saldanha Sanches e André Salgado Matos, em op. cit., página 17) afirmavam que “(...) dada a verdadeira natureza do procedimento em causa, não parece que se aplique o regime de inspeção por iniciativa do contribuinte previsto pelo Decreto-lei n.º 6/99, de 20 de Outubro, designadamente em matéria de custas. Com efeito, seria constitucionalmente chocante admitir que o sujeito passivo teria que pagar para ser, como é seu direito, tributado segundo o seu lucro real”.

Concordando com esta fundamentação, para a qual se remete, conclui-se pela ilegalidade da taxa decorrente da acção inspectiva para obter o reembolso do pagamento especial por conta por não ser aplicável o DL n.º 6/99, de 8 de Janeiro e a Portaria 923/99, de 20 de Outubro, à realização da acção inspectiva tendente ao reembolso do pagamento especial por conta, em causa nos presentes autos.

4- DECISÃO:

Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, e em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 11 de Outubro de 2017. – Ascensão Lopes (relator) - Ana Paula Lobo - António Pimpão.