Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0181/08
Data do Acordão:06/04/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE LINO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
COIMA
RECURSO JUDICIAL
TAXA DE JUSTIÇA INICIAL
Sumário:Em processo de recurso judicial por aplicação de coima fiscal não há lugar ao pagamento de taxa de justiça inicial.
Nº Convencional:JSTA00065062
Nº do Documento:SA2200806040181
Data de Entrada:02/26/2008
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:DESP TAF MIRANDELA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA-ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART66 ART80 N1.
CCJ03 ART73-A N2.
CCJ96 ART86 ART87 N1C ART97.
CPPTRIB99 ART97.
CPTRIB91 ART118.
DL 433/82 DE 1982/10/27 ART93 N1 N2 N3.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS 2008 ANOTAÇÃO AO ART66.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1 O Ministério Público vem interpor recurso do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que indeferiu liminarmente a petição inicial e absolveu a Fazenda Pública da instância nos presentes autos de recurso de contra-ordenação fiscal em que é arguida “A…”.
1.2 Em alegação, o Ministério Público recorrente formula as seguintes conclusões.
1. Para haver obrigatoriedade de pagamento de taxa mister é a existência de norma que fixe essa obrigação, em termos de incidência real, sobre que prestação de serviços recai, e de incidência pessoal, quem são os sujeitos passivos da mesma.
2. No caso de interposição de recursos de contra-ordenação não existe qualquer norma que estabeleça tal incidência, isto é, a obrigação de pagamento de taxa de justiça inicial.
3. Ao invés, existe sim uma norma no DL 433/82, de 27/10, o art. 93, n° 2, que estabelece que “está também isenta de taxa de justiça a impugnação judicial de qualquer decisão das autoridades administrativas”.
4. Esta norma não pode deixar de ser aplicável aos recursos de contra-ordenações fiscais, subsidiariamente, como impõe o art. 3 do RGIT.
5. Pelo que a interposição de recurso de contra-ordenação fiscal não está sujeita a taxa de justiça inicial.
6. Assim, o douto despacho recorrido enferma de erro de aplicação e de interpretação do direito, violando o disposto nos arts 93º, n° 2, do RGCO e 3, al. b), do RGIT, e, por erro de aplicação, também os arts 73-A e 1, n° 2, do CCJ, 97, n° 1, al. q), do CPPT e 101, al. c), da LGT pelo que deve ser substituído por despacho que receba o recurso, seguindo-se os ulteriores termos processuais.
1.3 Não houve contra-alegação.
1.4 Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência.
Em face do teor das conclusões da alegação, a questão essencial que aqui se coloca é a de saber se o caso é de indeferimento liminar da petição, por falta de pagamento da taxa de justiça inicial.
2.1 De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 80.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, «As decisões de aplicação das coimas e sanções acessórias podem ser objecto de recurso para o tribunal tributário de 1.ª instância, no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contra-ordenação».
Nos recursos judiciais da decisão de aplicação de coimas em processos de contra-ordenação tributária, o pagamento da taxa de justiça inicial deixou de ser regulado pelo Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, atenta a revogação parcial constante do n.º 6 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que aprovou o Código das Custas Judiciais.
A matéria de custas encontra-se agora regulada nos artigos 73.º-A e seguintes do Código das Custas Judiciais, conforme dispõe o n.º 2.º do artigo 73.º-A do Código das Custas Judiciais.
Com efeito, sob a epígrafe “Regime das Custas”, o artigo 73.º-A do Código das Custas Judiciais, preceitua que «O processo judicial administrativo está sujeito a custas, nos termos deste Código e da lei de processo administrativo» [n.º 1]; que «O processo judicial tributário, bem como os actos judiciais praticados no âmbito do procedimento tributário, estão sujeitos a custas, nos termos deste Código» [n.º 2].
A nosso ver, no conceito de «processo judicial tributário», utilizado no art. 73.º-A, n.º 2, do Código das Custas Judiciais cabem apenas os meios processuais indicados no art. 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e os introduzidos depois do Código de Procedimento e de Processo Tributário, mas não o processo de contra-ordenação fiscal. O processo de contra-ordenação fiscal era incluído no âmbito do «processo judicial tributário» pelo artigo 118.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e não foi incluído no equivalente artigo 97.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por se pretender afastar a aplicação das regras próprias dos processos tributários, optando-se pela aplicação subsidiária das regras do regime geral das contra-ordenações. Não havendo normas especiais para a fase judicial dos processos de contra-ordenações tributárias no Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro (que aprovou o Código das Custas Judiciais), tem de fazer-se apelo à 1.ª parte do artigo 66.º do Regime Geral das Infracções Tributárias – a dizer que «Sem prejuízo da aplicação subsidiária do regime geral do ilícito de mera ordenação, social nomeadamente no que respeita às custas nos processos que corram nos tribunais comuns...» –, e concluir pela aplicabilidade do regime de custas previsto no Regime Geral das Contra-Ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro) para as contra-ordenações comuns – cf., a este respeito, especialmente, Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 2008, anotação ao artigo 66.º, de Jorge Lopes de Sousa, e Manuel Simas Santos.
Nos termos do artigo 93.º do Regime Geral das Contra-Ordenações, sob a epígrafe “da taxa de justiça”, «Está também isenta de taxa de justiça a impugnação judicial de qualquer decisão das autoridades administrativas» [n.º 2]; e «Dão lugar ao pagamento de taxa de justiça todas as decisões judiciais desfavoráveis ao arguido» [n.º 3].
Do confronto dos n.ºs 2 e 3 deste art. 93.º, em que, por um lado, se «isenta de taxa de justiça a impugnação de qualquer decisão das autoridades administrativas» e, por outro, se estabelece que «dão lugar ao pagamento de taxa de justiça todas as decisões desfavoráveis ao arguido», conclui-se que, apesar da imprecisão da terminologia utilizada, o que o n.º 2 pretenderá isentar não será a globalidade do processo de contra-ordenação judicial, pois as decisões desfavoráveis ao arguido implicam condenação em taxa de justiça, mas sim o pagamento de taxa pela própria interposição do recurso judicial, a pagar no momento da impugnação de decisão das autoridades administrativas, isto é, a actualmente denominada taxa de justiça inicial. Esta interpretação confirma-se pelos artigos 86.º, 87.º e 97.º do Código das Custas Judiciais, na redacção dada pelo DL 224/96, de 26 de Novembro, em que se prevê que nos recursos de decisões proferidas por autoridades administrativas em processos de contra-ordenação é devida taxa de justiça, a fixar entre 1 UC e 20 UC [artigos 87.º, n.º 1, alínea c), e 97.º], mas não se estabelece o pagamento de «taxa devida pela interposição de recurso» para esses processos (artigo 86.º, em que apenas se prevê pagamento de taxa de justiça pela interposição de recursos ordinários e extraordinários, que são os recursos jurisdicionais indicados nos títulos I e II do Livro IX do Código de Processo Penal, categorias em que não se enquadra o recurso judicial de decisões das autoridades administrativas em processo contra-ordenacional), regime este que foi mantido na redacção do Código das Custas Judiciais introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, que, neste ponto, apenas alterou o limite mínimo da taxa de justiça para 2 UC e introduziu um novo artigo 86.º. Assim, conclui-se que na fase judicial dos processos de contra-ordenações tributárias há lugar a pagamento da taxa de justiça pelo arguido, no caso de ser proferida decisão desfavorável, mas não há taxa de justiça inicial, devendo interpretar-se o n.º 1 do Código das Custas Judiciais, na parte em que se refere a autoliquidação de taxa de justiça inicial que seja condição de seguimento do recurso, como reportando-se apenas aos recursos jurisdicionais, ordinários e extraordinários, que se referem no n.º 1 do artigo 86.º do mesmo Código – cf., de novo, Jorge Lopes de Sousa, e Manuel Simas Santos, no Regime Geral das Infracções Tributárias, Anotado, 2008, em anotação ao mesmo artigo 66.º.
2.2 No caso sub judicio, o despacho recorrido apresenta o seguinte teor integral.
A…, NIPC 503158232, veio recorrer judicialmente da decisão de aplicação de coima, nos termos da Pi de fls. 3 e ss, para a qual se remete, sem ter pago a taxa de justiça inicial.
O processo judicial tributário está sujeito a custas - Cfr. Art.° 73.º - A do CCJ.
As custas compreendem a taxa de justiça e os encargos. Art.° 1°, n.° 2 do CCJ.
No caso, tratando-se de uma PI de um processo judicial tributário (Art.° 97.º, nº 1, al. q) do CPPT e 101.º, n.° c) da LGT), deveria ter sido junto com aquele articulado, e não foi, o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial ou, quando muito, efectivar o seu pagamento dentro dos três dias subsequentes ao termo do prazo, com multa. Cfr. Art.°s 150.° - A, n.° 1, e 145.°, n.° 5, todos do CPC.
Pelo exposto indefiro liminarmente a petição inicial e absolvo a FP da instância. - Art.° 288.°, n.° 1, al. e) do CPC.
Custas pela Recorrente.
Registe e Notifique.
Como se vê, o despacho recorrido indeferiu liminarmente a petição do presente recurso judicial da decisão de aplicação de coima, sob o fundamento de que «deveria ter sido junto com aquele articulado, e não foi, o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça inicial».
Ora, em face do que se deixou lançado supra no ponto 2.1, tal entendimento é erróneo, salvo o devido respeito.
Daí que, sem necessidade de mais alargados considerandos, devamos concluir, em resposta à questão decidenda, que o presente caso não é de indeferimento liminar da petição, por falta de pagamento da taxa de justiça inicial.
Nesta conformidade, e já que assim o não entendeu, o despacho recorrido deve ser revogado.
E, então, havemos de concordar que, em processo de recurso judicial por aplicação de coima fiscal, não há lugar ao pagamento de taxa de justiça inicial.
3. Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido, a substituir por decisão que não rejeite o recurso judicial pelo motivo agora afastado.
Sem custas.
Lisboa, 4 de Junho de 2008. – Jorge Lino (relator) – Brandão de Pinho – Pimenta do Vale.