Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0689/18.4BEPRT
Data do Acordão:03/22/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24369
Nº do Documento:SA1201903220689/18
Data de Entrada:03/12/2019
Recorrente:A....., LDA
Recorrido 1:APDL-ADMINISTRAÇÃO DOS PORTOS DO DOURO E LEIXÕES, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:
A………., LDA intentou, no TAF do Porto, contra a APDL – ADMINISTRAÇÃO DOS PORTOS DO DOURO, LEIXÕES E VIANA DO CASTELO, S.A. a presente providência cautelar pedindo a suspensão da eficácia das deliberações do seu Conselho de Administração que determinaram: “a) a revogação do Título de Utilização dos Recursos Hídricos n.º 2014GD100007; b) a proibição de praticar nos embarcadouros instalados nos cais do Ouro e da Afurada; c) a revogação do Certificado de Utilização da Via, atribuído à embarcação B………….; d) a retirada das lonas com identificação da firma.”

O TAF indeferiu a requerida providência.

Decisão que o TCA Norte manteve.

É desse acórdão que o Autor vem recorrer justificando a admissão da revista com a relevância jurídica e social da questão suscitada e com a necessária intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. A Requerente, cujo objecto comercial é o transporte de passageiros por via fluvial e a exploração de infraestruturas nos locais de embarque e desembarque instalados no Cais da Afurada (V. N. Gaia) e no Cais do Ouro (Porto), foi notificada que, na sequência de várias queixas relativas à conduta adoptada pela Requerente e pelos seus representantes, o Conselho de Administração da APDL tinha deliberado (1) revogar o direito que aquela tinha de utilização privativa de uma área de 25m2 no Cais do Ouro, titulado pelo TURH n.º 2014GD100007, (2) revogar a modificação deste, que passou de uma área 25m2 para uma área de 51m2 e que aprovou as condições de isenção do pagamento de preço ou taxa pela sua utilização, (3) proibir a Requerente de praticar os referidos embarcadouros (4) revogar o Certificado de Utilização da Via, atribuído à embarcação B……… e (5) ordenar a retirada das lonas com identificação da firma.

A Requerente requereu a suspensão de eficácia daquelas deliberações.

O TAF indeferiu a requerida providência com os seguintes fundamentos:
....
Como se referiu, o art.º 120.º, n.º 1, do CPTA prescreve que, para ser decretada a providência cautelar, é necessário que “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal […]”.
.....
No caso dos autos, para sustentar a existência de periculum in mora, o Requerente alega .... que a não suspensão da eficácia dos atos impede a sua atividade e, portanto, implica, para si, prejuízos de difícil ou mesmo impossível reparação.
Mais alegou .. que a execução dos actos prejudica os próprios utilizadores da travessia fluvial.
.....
Não se nega que da execução dos atos em causa decorram prejuízos para a Requerente, mas, sublinhe-se, o pressuposto para o decretamento da providência cautelar não é a mera existência de um prejuízo, mas sim de prejuízo de difícil reparação, pelo que importaria aferir do tipo e medida desse prejuízo.
Todavia, como se referiu, a Requerente nem sequer esboçou qualquer factualidade que permitisse ao tribunal concretizar tal aferição.
Assim, não sendo possível aferir, nem sequer de forma sumária, em que medida é que a eficácia dos atos suspendendos poderão gerar prejuízos para a Requerente, não se pode concluir para verificação do requisito do periculum in mora.
.......
Como se referiu, os requisitos do decretamento da providência têm carácter cumulativo, pelo que basta a não verificação de um deles para, forçosamente, se decidir pelo indeferimento da pretensão cautelar.
Fica, assim, prejudicada a apreciação dos restantes requisitos – o fumus boni iuris e a prevalência do interesse privado na ponderação com o interesse público em causa –, sendo de indeferir a pretensão do Requerente e, consequentemente, recusar o decretamento da suspensão da eficácia do ato, por não se verificarem os pressupostos de que a lei faz depender a sua concessão.”

O TCA manteve aquela decisão com um discurso de que se destaca o seguinte:
“....
Alega a Recorrente que ocorreu preterição de prova testemunhal, o que constitui nulidade processual por omissão de acto que podia influenciar o exame e decisão da causa ......... .
.... a lei não impõe a obrigatoriedade de produção de prova (testemunhal ou outra), antes confere ao juiz a faculdade de ajuizar da necessidade da sua realização, face aos factos e ao direito invocados e aos elementos constantes dos, autos.
Posto o que, a contestada dispensa da diligência de prova testemunhal não configura a nulidade processual prevista no artigo 195.° do CPC.
.... .
Assim, considerando os articulados das partes, o teor do despacho interlocutório, no sentido de a demonstração indiciária dos factos com relevância para a decisão da presente providência carecer exclusivamente de prova documental, e da sentença recorrida, revela correcta a dispensa da produção de prova testemunhal, mormente no que respeita ao periculum in mora, considerando a natureza cumulativa dos requisites de adopção de providências cautelares. .....
Sendo que cabia à Recorrente a alegação de factos concretos subsumíveis na “provável constituição de uma situação de facto consumado ou na produção de prejuízos de difícil reparação” .... para dessa forma, se controvertidos e relevantes, poder concluir-se pela verificação de deficit instrutório.
Improcede a alegada nulidade processual, bem como, na qualificação do tribunal, o erro de julgamento por deficit instrutório.
*
Ora, face aos factos indiciariamente assentes e ao direito aplicável, não vemos razões para censurar a sentença recorrida.
Com efeito, compulsado o requerimento inicial, verifica-se que alguns dos prejuízos invocados não se reportam a prejuízos que se inscrevam na esfera jurídica da Requerente, mas antes na esfera de terceiros (dos seus trabalhadores), os quais não podem, naturalmente, relevar para efeitos da tutela cautelar requerida; e que não foram (sequer) alegados factos concretos e suficientes que permitissem, em juízo perfunctório, concluir que a não suspensão contenciosa dos actos suspendendos, causaria, muito provavelmente, prejuízos de difícil reparação pessoais, directos e imediatos para a Recorrente. Não podendo o julgador substituir-se à deficiente alegação de tais prejuízos, por falta e desconhecimento de elementos relevantes para o efeito.
Como bem refere a sentença, por falta de alegação, não sabe o tribunal, “se a atividade em causa é a única atividade por si exercida ou se tem um peso determinante no conjunto da sua atividade e em que medida a proibição de utilização dos embarcadouros ou a revogação dos títulos de utilização tem implicações significativas no conjunto das suas receitas.”; nem, acrescente-se quantas embarcações são usadas em tal actividade pela Recorrente e se dispõe ou não de outros locais de embarcadouro; etc.
Além disso, e com grande relevo nesta sede, resulta dos autos que a Recorrida suspendeu a deliberação de revogação dos títulos de utilização e de proibição de praticar nos e em causa (rectificada no sentido de não incluir a revogação do Certificado de Utilização da Via atribuído à embarcação B……….) até que o operador a escolher, na sequência de concurso público, inicie a atividade.
A referida suspensão dos efeitos dessa deliberação tem, naturalmente, como consequência que, à data dos factos (mantidos nesta sede de recurso, porquanto nada foi alegado e contrário), a mesma não produza qualquer dano para a esfera jurídica da Recorrente (sem prejuízo, de como se viu, não se ter provado, por falta de alegação cabal, a especialidade dos prejuízos prevista na lei).
No demais - isto é quanto ao pedido de suspensão da deliberação de retirada das lonas identificativas - atentando ao alegado pela Recorrente e aos factos indiciariamente provados e não provados, igualmente não se vislumbra em que medida a execução desta deliberação poderá acarretar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para a Recorrente.
Termos em que improcede o erro de julgamento de direito imputado à sentença recorrida.”

3. O Autor não se conforma com tal decisão e, por isso, pede a admissão desta revista por entender que “O acórdão não pode; por um lado, considerar que a recorrente não foi capaz de produzir provas dos factos que poderiam preencher o periculum in mora e, por outro, indeferir a audição das testemunhas arroladas, cuja audição tinha, precisamente a finalidade de provar tais factos. Impunha-se a audição das testemunhas arroladas, no sentido de ser proferida uma boa decisão, quanto à verificação dos pressupostos do nº 1, do artigo 120° do CPTA.”

4. Como se acaba de ver a questão que se suscita nesta revista é a de saber se o Acórdão recorrido fez correcto julgamento quando, confirmando a decisão do TAF, julgou desnecessária a inquirição das testemunhas arroladas e entendeu que não ocorria o periculum in mora e, com esse fundamento, indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do acto ora em causa.

A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas pelo Recorrente e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).
Ora, no caso, não está em causa uma situação que justifique a alteração desse entendimento.
Com efeito, o Acórdão sob censura não só justificou com discurso jurídico lógico e coerente a desnecessidade da produção da prova testemunhal como, por outro lado, demonstrou com uma desenvolvida e plausível fundamentação jurídica, o acerto do julgamento do TAF no tocante à não verificação do periculum in mora.
A admissão do recurso não é, pois, necessária para uma melhor aplicação do direito.
Sendo que, por outro lado, não está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental.

Termos em que acordam não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Porto, 22 de Março de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.