Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0331/08
Data do Acordão:07/02/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
COIMA
ATENUAÇÃO ESPECIAL
REQUISITOS CUMULATIVOS
Sumário:De harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 32.º do RGIT a atenuação especial da coima exige a verificação cumulativa de dois pressupostos, a saber: o reconhecimento da sua responsabilidade por parte do infractor e a regularização da situação tributária até à decisão do processo.
Nº Convencional:JSTA00065089
Nº do Documento:SA2200807020331
Data de Entrada:04/18/2008
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A...
Recorrido 2:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA II PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART32.
RGCO ART18.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A Exmª. Magistrada do Ministério Público não se conformando com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa II, que concedendo parcial provimento à impugnação judicial deduzida pela A…, Lda. contra a decisão administrativa que lhe aplicou uma coima por infracções tributárias, fixou a coima a pagar em € 1.510.00, por não ter entregue nos cofres do Estado no prazo legal, as retenções de IRS referentes ao exercício de 2000, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1ª - Nos termos do art. 19° do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei nº 20°- A/90, de 15 de Janeiro, a determinação da medida concreta da coima deve ser feita “em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa e da situação económica do agente e deverá, sempre que possível, exceder o beneficio económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação”.
2ª - A tarefa de determinação da medida da coima é fundamentalmente idêntica à da determinação da medida da pena, sendo aplicáveis, por via do disposto no art. 32° do RGIT e, antes, no art. 4°, nº 2 do RJIFNA e 32° do RGCO, aprovado pelo DL 433/82, de 27 de Outubro, os critérios previstos no Código Penal quanto às circunstâncias de especial valor atenuativo, susceptíveis de modificar a moldura penal abstracta da coima, constantes, designadamente, do art. 72°, nº 1 do Código Penal.
3ª - As circunstâncias a que se refere o art. 32°, nº 2 do RGIT: reconhecimento pelo infractor da sua responsabilidade e regularização da situação tributária até à decisão do processo, não têm, por si só, na sua existência objectiva, um valor atenuativo especial, tendo de ser relacionadas com um determinado efeito que terão de produzir: a diminuição acentuada da ilicitude do facto ou da culpa do agente.
4ª - Se a verificação das referidas circunstâncias apenas diminuir a ilicitude ou a culpa por forma não acentuada, então influirá na determinação da medida concreta da coima, valendo como atenuante geral.
5ª - A arguida entregou o IRS por si retido quando já haviam decorrido mais de dois anos desde a data em que o deveria ter feito, prática que não é adequada a um juízo de diminuição de forma acentuada da ilicitude do facto.
6ª - Com efeito, são relevantes as consequências negativas na arrecadação da receita pela Fazenda Pública, mais de dois anos depois da data em que deveria ter ocorrido.
7ª - Acresce que está em causa imposto que a arguida reteve com a obrigação de fazer a entrega ao Estado das quantias retidas, inserindo-se essa sua actividade no cumprimento dos deveres de cooperação atribuídos pela lei ao sujeito passivo da relação jurídica como forma normal de constituição desta.
8ª - A actuação da arguida consubstancia violação dos referidos deveres de cooperação e postergação dos fins visados pela lei ao impor aos contribuintes a obrigação do pagamento atempado dos impostos.
9ª - Sendo de levar em consideração o aspecto peculiar da posição da arguida, aproximada à de fiel depositário das quantias de imposto por si retidas.
10ª - O “reconhecimento da responsabilidade”, afirmado pela arguida no recurso da decisão administrativa de aplicação da coima é feito com reservas, não sendo, também, de molde a justificar a atenuação especial da pena.
11ª - Nomeadamente, como anota a sentença recorrida, “a arguida não provou o facto de ter sido o seu Técnico Oficial de Contas que deixou de fazer o pagamento atempado do imposto em falta, aliás nem o procurou fazer, pois nunca arrolou testemunhas ou qualquer outra prova atendível”.
12ª - Atenta a factualidade dada como assente na decisão recorrida, não estão reunidos, na situação em apreço, os pressupostos para que a coima seja especialmente atenuada, nos termos do nº 2 do art. 32° do RGIT, cuja aplicação supõe culpa, ilicitude e necessidade de coima de forma acentuadamente reduzida - art. 72°, nº 1 do Código Penal.
13ª - A arguida é imputada a prática da infracção p. e p. p. art. 98°, nº 3 do CIRS e 29°, nº 2 do RJIFNA, correspondendo-lhe como variável entre 10% e metade do imposto em falta.
14ª - No caso dos autos, estes limites correspondem a € 3.004,76 e € 15.023,84, respectivamente.
15ª_ A sentença recorrida errou, violando o disposto nos arts. 32°, nº 2 do RGIT; 4°, nº 2 e 19° do RJIFNA; 18°, nº 3 e 32° do RGCO e 72°, nº 1 do Cód. Penal.
16ª - Deve ser revogada e substituída por outra que fixe uma coima concreta não inferior ao limite mínimo da moldura abstracta estabelecido no art. 29º nº 2 do RJIFNA, compreendida entre € 3.004,76 e € 15. 023,84.
2 – Os recorridos Fazenda Pública e A… , Lda. não contra -alegaram.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
3-O despacho recorrido fixou a seguinte matéria de facto:
1. Aos 08/05/2004, foi levantado o Auto de Notícia, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido, pelo Inspector Tributário, B… , dos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Distrito de Lisboa, onde afirma que verificou pessoalmente que a arguida não procedeu à entrega das retenções de IRS, referentes ao exercício de 2000, no montante de € 30 047,69 devendo ser punido pelo disposto nos arts. 29º nº2 do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras (RJIFNA) (cfr. doc. junto a fls. 3 e segs. dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
2. O auto de notícia identificado no ponto 1 deu origem ao presente processo de contra-ordenação fiscal nº …, cuja parte administrativa correu termos no Serviço de Finanças de Loures 1 e foi autuado em 04/05/04 (cfr. capa do processo);
3. Por ofício cuja data se desconhece, do Serviço de Finanças de Loures 1, foi a arguida notificada da decisão identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 6 a 8 dos autos);
4. Por requerimento entrado no Serviço de Finanças de Loures em 21/07/04, a arguida reagiu contra a aplicação da coima, tendo também solicitado o pagamento voluntário da coima (cfr. fls. 9 a 19);
5. A arguida efectuou o pagamento do imposto em falta entre finais de 2003 e Janeiro/Fevereiro de 2004 (cfr docs. juntos a fls. 21 a 42 dos autos);
6. Por despacho de 19/10/04, que aqui se dá por integralmente reproduzido foi aplicada a coima à arguida no montante de € 6.100,0 (cfr. doc. junto a fls. 43 a 45 dos autos);
7. Por ofício de 20/10/0, do Serviço de Finanças de Loures 1, foi a arguida notificada da decisão da coima identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 46 dos autos);
8. Em 15/11/04, a arguida veio apresentar a presente impugnação (cfr. doc. junto a fls. 49 e segs. dos autos).
6- O despacho recorrido, no segmento que vem objecto do presente recurso, após ponderar que a arguida, ora recorrida, procedera ao pagamento do imposto em falta ainda antes da decisão administrativa que lhe aplicara a coima, decidiu atenuá-la especialmente ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2 do RGIT e daí que, em face da redução para metade dos limites mínimos e máximo nos termos do artigo 18.º, n.º 3 do RGCO, julgou parcialmente o recurso e condenou-a na coima de € 1.510,00.
A Ex.ma Magistrada recorrente, inconformada com essa decisão, alega que, no essencial, “atenta a factualidade dada como assente na sentença recorrida, não estão reunidos, na situação em apreço, os pressupostos para que a coima seja especialmente atenuada, nos termos do artigo 32.º n.º 2 do RGIT, cuja aplicação supõe culpa, ilicitude e necessidade de coima de forma acentuadamente reduzida - artigo 72.º n.º 1 do Código Penal” (conclusão 12.ª).
Vejamos.
De harmonia com a previsão normativa constante do n.º 2 do artigo 32.º do RGIT, ao abrigo da qual o segmento da decisão impugnada foi proferido, “a coima pode ser especialmente atenuada no caso do infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a sua situação tributária até à decisão do processo.”
Constata-se, deste modo, que a atenuação especial da coima exige a verificação cumulativa de dois pressupostos, a saber: o reconhecimento da sua responsabilidade por parte do infractor e a regularização da situação tributária até à decisão do processo.
Ora, acontece que no caso “sub judicio”, se é inquestionável que se verifica o segundo dos aludidos pressupostos (5. do probatório), em parte alguma da matéria de facto assente com interesse para a decisão de mérito se pode concluir que a recorrida infractora tenha reconhecido a sua responsabilidade.
Bem pelo contrário, na decisão sob recurso dá-se conta que “ a arguida não provou o facto de ter sido o seu Técnico Oficial de Contas que deixou de fazer o pagamento atempado do imposto em falta, aliás nem o procurou fazer, pois nunca arrolou testemunhas ou qualquer outra prova atendível” (v. fls. 147).
Tal asserção permite concluir que, ao invés de assumir a sua responsabilidade pela infracção tributária em causa, a ora recorrida socorreu-se na sua opção de defesa da alegação de factos que por alguma forma a desresponsabilizassem da omissão ocorrida.
Tem, pois, razão a Magistrada recorrente quando defende que não se verificam os pressupostos para que a coima tivesse sido especialmente atenuada.
Sendo assim, a decisão recorrida não pode manter-se na parte em que atenuou especialmente a coima a aplicar à ora recorrida, sendo certo que se apresenta como justa e adequada à gravidade da infracção verificada e circunstâncias envolventes a coima no montante de € 6.100,00 aplicada à recorrida pelo Chefe do Serviço de Finanças Loures 1 (fls. 43).
Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido no segmento que vem impugnado e em consequência do que se nega provimento ao recurso interposto da decisão administrativa de aplicação da coima de € 6.1000.
Sem custas neste STA, ficando as custas na instância a cargo da ora recorrida, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 2 de Julho de 2008. – Miranda de Pacheco (relator) – Brandão de Pinho – António Calhau.