Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02573/12.6BELRS
Data do Acordão:01/25/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30497
Nº do Documento:SA22023012502573/12
Data de Entrada:11/21/2022
Recorrente:Z.......S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

N...S.A. (que incorporou, por fusão, a sociedade Z..., S. A.), …, recorre de sentença, proferida, em 6 de agosto de 2022, no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, que julgou improcedente impugnação judicial, visando “decisão da reclamação graciosa – na parte em que foi de indeferimento – da liquidação de Imposto de Selo, respeitante ao ano de 2009, com o nº [2011]6430000094 bem como das conexas, de juros compensatórios, com os n.ºs [2011]00000024006 a [2011]00000024013, no valor global originário de € 1.061.720,00”.

Alegou e concluiu: «

A) O presente recurso é interposto contra a Sentença, datada de 26 de julho de 2022, proferida nos autos de Impugnação Judicial que correram termos junto do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.° 2573/12.6BELRS, que julgou improcedente a pretensão da ora Recorrente e, consequentemente, manteve na ordem jurídica o ato tributário impugnado na parte relativa ao Imposto do Selo, correspondente a “outros Escritos de Contratos” emitido com referência ao período tributário de 2009.

B) No que respeita à Sentença que constitui objeto do presente recurso, e na qual se considera existir erro de julgamento, refere o Tribunal que “(...) dúvidas não há que os documentos assinados pelos clientes da impugnante, maxime os tais formulários com as condições aplicáveis aos contratos e, assim, ao respetivo contrato em particular, integram e integram-se no contrato de cada um deles celebrado com a Impugnante (...) formando parte desses contratos, senão o contrato na íntegra, ta! documentação, porque escrita, subsume-se à previsão do art. 1.°, n.° 1 do Código do imposto de Selo.

C) Ora, não pode a Recorrente conformar-se com o entendimento perfilhado na Sentença recorrida, a qual, como se demonstrará, padece de erro de direito, devendo ser revogada e substituída por outra conforme com as normas e princípios jurídicos aplicáveis.

D) No que respeita ao enquadramento legal, os formulários de adesão utilizados pela Recorrente tinham por objetivo dar cumprimento às obrigações previstas no regime jurídico das cláusulas contratuais gerais e no regime jurídico dos contratos celebrados à distância, sem que tal se traduza, ao contrário do que decorre do teor da Sentença, numa redução a escrito dos contratos celebrados com novos clientes.

E) Com efeito, andou mal o Tribunal a quo ao considerar que: “(…) formando parte desses contratos, senão o contrato na íntegra, tal documentação, porque escrita, subsume-se à previsão do art. 1.°, n.° 1 do Código de Imposto de Selo. E, assim, na ausência de uma particular previsão sobre eles, estão sujeitos a tributação em sede deste tributo, nos termos da verba 8.

F) No que respeita ao enquadramento em sede de Imposto do Selo, é de referir a extrema relevância conferida à assinatura pelas partes contratantes, a qual é, também, sublinhada pelo próprio Código do Imposto do Selo quando, na alínea a) do seu artigo 5.° determina que o nascimento da obrigação tributária ocorre, “nos actos e contratos, no momento da assinatura pelos outorgantes”, o que apenas se verifica quando o contrato é reduzido a escrito e assinado por ambos os contratantes.

G) A este respeito, da assinatura das partes e no que se refere aos canais de venda envolvidos no objeto do presente recurso (isto é, aos canais de venda que implicam contacto presencial), a Recorrente procede à divulgação dos seus serviços através de empresas contratadas para o efeito.

H) Assim, nas situações em que o formulário de adesão existe, tal formulário é assinado apenas pelo cliente, ou, em regra, é assinado pelo Cliente e pelo trabalhador da empresa contratada pela Recorrente.

I) Ora, as empresas contratadas (e com elas, consequentemente, o seu pessoal) não dispõem de poderes de representação da Recorrente, nomeadamente para a celebração e assinatura de contratos, limitando-se a disponibilizar as propostas de adesão fornecidas pela Recorrente, e a identificar-se nas propostas de adesão subscritas por clientes, para efeitos do disposto sobre remuneração variável nos contratos celebrados.

J) Ainda que se entendesse haver um contrato escrito, não podia ser exigido Imposto do Selo, qualquer que fosse a qualificação que deles se fizesse, uma vez que tais documentos fazem parte integrante de uma operação sujeita a IVA e, assim sendo, desse imposto legalmente não isento.

K) O Imposto do Selo assume um carácter formalista, materializado na exigência da assinatura de ambas as partes, o qual, apesar da abolição das estampilhas fiscais entretanto ocorrida, continuou a caracterizar a tributação dos escritos de contratos.

L) Em suma, a incidência da Verba 8 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo deverá tomar em linha de conta os seguintes aspetos:

(i) a tributação em sede de Imposto do Selo à luz desta Verba pressupõe a existência de um contrato entre duas (ou mais) partes;

(ii) nem todos os contratos se encontram sujeitos ao Imposto do Selo da Verba 8, mas apenas os que são formalizados por escrito;

(iii) o conceito de escrito aí previsto tem por referência, não a mera reprodução num papel da vontade de uma das partes, mas o documento no qual estas manifestam e expressamente acordam os termos negociais através da aposição da respetiva assinatura;

(iv) o nascimento da obrigação tributária apenas ocorre com a assinatura do escrito pelos outorgantes.

M) Nesse sentido, refere o Professor EDUARDO PAZ FERREIRA, que “(...) é necessário que o próprio contrato conste de documento escrito, não sendo suficiente (í) que a forma escrita se verifique quanto a uma das declarações que integram o processo de contratação; (ii) que o processo contratual envolva documentos que, em si mesmos, não são o contrato, por não representarem uma vontade específica de contratar entre os concretos sujeitos considerados; (iii) que exista um documento não assinado.

N) A este respeito, importa deixar claro que a informalidade na angariação e celebração dos contratos com os seus clientes não se trata de um fim, mas, tão-somente, de uma consequência natural da natureza da atividade da Recorrente.

O) Com efeito, a atividade exercida pela Recorrente não é, nem poderia ser de modo algum, compatível com a existência de negócios formais bilaterais.

P) De referir, também, que a relação contratual entre a Recorrente e o seu Cliente, apenas é consumada mediante a mera ativação dos serviços.

Q) Aliás, o processo que culmina com a aceitação final do novo cliente por parte da Recorrente é, na verdade, constituído por mais do que uma etapa, fazendo parte de uma delas as pessoas e entidades envolvidas na promoção das vendas.

R) Na verdade, depois da intervenção destes promotores de vendas, a Recorrente efetua testes de despistagem, vg. testes de validação de morada e confirmação de que não se trata de cliente já existente, em incumprimento relativamente a contrato anteriormente concluído, e só então se manifesta, finalmente, a aceitação da Recorrente em relação ao pedido de adesão formulado (em formulário de adesão) pelo consumidor, através da ativação dos serviços solicitados.

S) Ou seja, o contrato só se forma, isto é, só se conclui, através de uma manifestação de assentimento da Recorrente, revelada na ativação dos serviços solicitados pelo consumidor.

T) Encontramo-nos, assim, perante um modelo de negociação em que a contratualização se confunde com a própria utilização do serviço prestado pela Recorrente numa base contínua, tendo sempre esta última a possibilidade de o interromper em caso de incumprimento do cliente.

U) O modo de atuar e contratar, da Recorrente, não tem subjacente qualquer ratio fiscal, nomeadamente um eventual objetivo de não proceder ao pagamento do Imposto do Selo previsto na Verba 8 da Tabela Geral.

V) Com efeito, a relação contratual estabelecida entre a Recorrente e os seus clientes nasce com base num complexo de circunstâncias e comportamentos, designadamente o início do fornecimento do serviço pela Recorrente e poderá terminar, a qualquer momento, em caso de incumprimento do cliente, através da interrupção do fornecimento do serviço.

W) A Recorrente apenas adaptou os seus modelos negociais às exigências do mercado em que atua, o qual não se compadece com o formalismo inerente aos contratos escritos.

X) Adaptação essa que não foi acompanhada pela Verba 8 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo, porquanto a mesma se apresentava totalmente desadequada para abranger as práticas comercias praticadas no mercado em que a Recorrente desenvolve a sua atividade.

X) Adaptação essa que não foi acompanhada pela Verba 8 da Tabela Geral anexa ao Código do Imposto do Selo, porquanto a mesma se apresentava totalmente desadequada para abranger as práticas comercias praticadas no mercado em que a Recorrente desenvolve a sua atividade.

Y) Relembre-se que o modelo formalístico sobre o qual assentava a Verba 8 da Tabela Geral tinha subjacente uma aposição de fé pública que justificava a incidência de Imposto do Selo, na medida que a tributação que decorria da aplicação daquela era vista como o “selo que autenticava o documento”.

Z) Contudo, no tipo de relações contratuais que se estabelecem no sector em que Recorrente opera, a fé pública é totalmente desnecessária, na medida em que os meios de reação a situações de incumprimento por parte dos clientes se traduzem em ações diretas por parte da Recorrente.

AA) Em face do exposto, o ato de liquidação ora em apreço padece dos vícios apontados nos autos, porquanto não se encontram verificados os pressupostos de incidência de Imposto do Selo, devendo a Sentença recorrida ser substituída em conformidade, devendo também a Administração tributária ser condenada ao pagamento de juros indemnizatórios e, bem assim, ao pagamento de indemnização pela garantia prestada.

BB) Por fim, atento o grau de complexidade da causa e a conduta processual das partes, a Recorrente requer a dispensa do seu pagamento do remanescente de taxa de justiça.

TERMOS EM QUE, E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DETERMINANDO A REVOGAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA E, BEM ASSIM, A ANULAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO DE IMPOSTO DO SELO, PRATICADO COM REFERÊNCIA AO ANO DE 2009, COM A CONSEQUENTE CONDENAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA À RESTITUIÇÃO DO IMPOSTO PAGO INDEVIDAMENTE ACRESCIDO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS E INDEMNIZAÇÃO POR PRESTAÇÃO INDEVIDA DE GARANTIA. »


*

Não há registo de contra-alegações.

*

Por despacho do relator, foi suscitada a incompetência, no patamar da hierarquia, da Secção de Contencioso Tributário, do STA, para conhecer deste apelo.

Notificadas as partes, a recorrente (rte) insiste na competência do STA, porque, em síntese, “…, caso estivéssemos perante competência do Tribunal Central Administrativo, teria a Recorrente de indicar/demonstrar que os factos dados como provados pelo juiz a quo correspondem a uma incorreta valoração da prova produzida, a um erro de análise ou a um desrespeito pelas regras de direito probatório material, a modificar pelo tribunal ad quem.

O que não aconteceu”.


*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos apreciar e decidir a coligida exceção.

*******

# II.

Na sentença recorrida, consta: «

Perante o que recenseado ficou, as questões a apreciar e decidir sintetizam-se nas de saber se falta fundamentação aos atos, bem como fundamentação específica às liquidações de juros compensatórios, ou ainda se houve violação de audição prévia aos atos de tributação mediatamente impugnados. Por fim, saber se há erro de facto e de direito neles contido, na parte que deles subsiste e vem impugnada, atenta a norma de Imposto de Selo em que se esteiam. Caso proceda a anulação, acrescem as questões de saber se e em que medida cabem à Impugnante os direitos de ser indemnizada pela prestação de garantia, em dado período e, sob a forma de juros indemnizatórios, no subsequente àquele, aqui por efetivação do pagamento. Sobre tanto, da prova reunida resulta provada a seguinte factualidade:

1. A Impugnante, Z..., S. A., designadamente no ano de 2009, no âmbito da sua atividade de distribuição de sinais de televisão (por cabo, satélite, ou por outras plataformas), ou de prestação de serviços de comunicação de dados, de serviços de interatividade, etc., obteve novos clientes.

2. Dentre esses novos clientes, 156.795 acederam aos seus serviços mediante a subscrição ou de propostas de adesão em «vendas porta a porta», ou em «vendas em loja», ou ainda em ações de «promoção por agentes», sempre por intermédio de entidades terceiras e respetivos empregados ou colaboradores, as quais a Impugnante contratara para o efeito, bem como ainda por meio da «comercialização de kits de instalação».

3. Nesses casos, as propostas de adesão que lhe chegavam preenchidas, que naqueles termos disponibilizara ao público, eram objeto, por parte da Impugnante, de diversas operações de despistagem, desde a confirmação dos dados pessoais disponibilizados pelo subscritor – bem como de que não se tratava de um cliente já existente –, até à verificação da própria possibilidade técnica de lhe prestar o serviço no local que para o efeito era indicado.

4. No caso de a Impugnante não detetar haver algum óbice à prestação do serviço pretendido pelo subscritor, a Impugnante ativava-lho.

5. Para tudo isso, cada uma das propostas subscritas era vertida em formulários, pela Impugnante elaborados previamente, onde cada um daqueles preenchia os elementos da sua identificação e os mais dados necessários, como a escolha do produto ou serviço, o tipo de instalação, de equipamento e o modo de pagamento e dados para o efeito, acrescendo ao formulário ainda todo um elenco das condições estabelecidas pela Impugnante, por que iriam reger-se o trato entre ela e o novo cliente, no âmbito da prestação daqueles serviços.

6. Uma vez concluído positivamente o percurso descrito no pontos 1.-4., i. e., naqueles 156.795 acordos de prestação dos mencionados serviços, pela Impugnante conseguidos em 2008, ela não liquidou, nem consequentemente entregou ao Fisco, Imposto de Selo.

7. A Impugnante foi objeto de uma ação inspetiva pela Administração Tributária, a respeito do seu exercício de 2009, de caráter interno e parcial, que se iniciou a 7 de outubro de 2010 [ordem de serviço nº OI201000434].

8. Depois de ouvida a Impugnante sobre as correções propostas, no relatório inspetivo final daquela ação, de 17 de janeiro de 2011, além de outras, no que a Imposto de Selo concerne e a respeito daqueles 156.795 casos, concluiu-se que os referidos formulários preelaborados pela Impugnante, depois subscritos por cada pessoa, configuravam acordos de vontades com vinculação jurídica, cujo formulário preenchido e assinado – integrando além do mais as condições pela Impugnante definidas previamente –, conferiam forma escrita a esse contrato, dado ser o teor dessa documentação parte integrante e indissociável do trato estabelecido, onde se achavam, além da identificação do objeto do contrato, das partes e do modo da sua execução, todo o mais necessário, com vinculação de ambos a todas as suas condições, o que permitia definir a posição de cada uma das partes.

9. Como tal, concluiu-se assim que aqueles contratos estavam sujeitos a Imposto de Selo, pelo que se propôs a liquidação de tal tributo que a Impugnante omitira, de acordo com o disposto nos art. 1º nº 1 do Código do Imposto de Selo e sob a verba 8. [taxa de € 5,00 sobre cada contrato] da respetiva Tabela Geral; mais se concluiu que, em virtude de aquela omissão ter tido origem no comportamento da Impugnante, dever-lhe-iam ser ainda liquidados juros compensatórios pelo atraso que com essa omissão provocara na liquidação, nos termos dos art.[s. 23º nº 1 e 40º n.ºs 1 e 2 do Código do Imposto de Selo e] 35º da Lei Geral Tributária, conforme art. 559º do Código Civil (ex vi daquele art. 35º nº 10) e Portaria nº 291/2003 de 8 de abril.

10. Tais conclusões foram confirmadas por despacho de 24 de janeiro de 2011 do chefe de equipa e aprovadas por despacho de 27 desse mês, do chefe de divisão, de tudo isso sendo notificada a Impugnante, com menção de que a breve trecho, com base nas correções aritméticas que lhe eram comunicadas, ser-lhe-iam elaboradas liquidações, contra as quais poderia então reagir, nos prazos e modos a serem-lhe, também nessa altura, comunicados.

11. Assim, na sequência do descrito, a Administração Tributária viria a elaborar à Impugnante, a 4 de fevereiro de 2011, uma liquidação de Imposto de Selo com o nº [2007]6430000094, respeitante a 2009, que além do mais integrou a dívida de Imposto de Selo referida no ponto 9.; elaborou-lhe ainda então liquidações de juros compensatórios – tendo todas as liquidações prazo de pagamento voluntário com termo a 16 de março de 2011.

12. As liquidações de juros compensatórios (na parte em causa), assentaram no lapso de tempo decorrido desde que deveria ter sido entregue Imposto de Selo [dia 20 do mês seguinte ao contrato subscrito (e ativado)] e até dia 14 de janeiro de 2011, sob uma taxa de 4%:

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e assim sucessivamente:

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13. Como a Impugnante não satisfez as liquidações naquele prazo, no dia 7 de abril de 2011 foi instaurado, no Serviço de Finanças de Lisboa 8, o processo executivo visando a sua cobrança e do acrescido, com o nº 3107201101043099, no qual o Órgão de Execução Fiscal determinou a 3 de maio de 2011 a sua sustação, enquanto decorressem procedimentos ou processos em que se impugnassem aqueles atos, isto depois de a Impugnante ali ter prestado uma garantia bancária até ao montante de € 1.403.029,75, concedida a 4 de abril de 2011 pelo BANCO... [com o nº N00366182].

14. Com efeito, no dia 11 de julho de 2011 a Impugnante suscitou reclamação graciosa sobre as liquidações de Imposto de Selo e de juros compensatórios, com fundamentos iguais aos da presente impugnação judicial, quanto aos referidos contratos [procedimento a que coube o nº 3107201104003640, no referido Serviço de Finanças].

15. No termo da respetiva tramitação, quanto aos contratos supra-referidos, teve esse procedimento decisão de indeferimento, de 30 de agosto de 2012, com fundamento em que a fundamentação dos atos se encontrava expressa no relatório final da ação inspetiva, de que eram resultantes, contendo aliás, notificação das conclusões inspetivas, a menção de que as liquidações seriam ulteriormente elaboradas e notificadas, podendo então a Impugnante reagir contra elas, graciosa ou contenciosamente; assim, a liquidação de imposto continha ainda referência ao ano, aos períodos a que respeitam os seus montantes; por seu turno a liquidação de juros continha a indicação dos montantes sobre que incide e dos períodos de vencimento, bem como a taxa aplicada; mais se concluía que toda a intervenção da Impugnante nos procedimentos corroborava a sua integral compreensão dos atos.

16. Por outra parte concluía-se ali que havia, nesse contexto, subsequente que era a uma ação inspetiva, dispensa de audição prévia à elaboração dos atos de tributação.

17. Quanto ao mérito dos atos, naquela decisão reiterou-se a fundamentação do relatório da ação inspetiva, no sentido de que o formulário e o clausulado a que aderem os novos clientes contêm a obrigatoriedade de transmissão, por escrito, dos elementos essenciais à exequibilidade prática da relação contratual inerente, sem cujo fornecimento não é possível a prestação dos serviços solicitados, ao que acrescem as demais cláusulas igualmente escritas, a que pelo preenchimento do formulário se adere, sendo no momento em que se o formulário é assinado pelo novo cliente que o contrato passa vigorar e, por isso, é nesse momento que nasce a obrigação tributária a que se acha sujeito o contrato, a que os atos se referem; ainda, concluiu-se ali haver, pelo menos, negligência da Impugnante na não liquidação e entrega de Imposto de Selo, encontrando-se devidamente fundamentada, igualmente, a liquidação de juros compensatórios, nos termos do art. 35º nº 5 da Lei Geral Tributária.

18. Notificada dessa decisão no dia 7 de setembro de 2012, no dia 24 desse mês apresentou a Impugnante a petição na origem dos presentes autos.

19. Entretanto, no dia 20 de dezembro de 2013, a Impugnante procedeu ao pagamento, na execução, da quantia de € 783.975,00, intendendo com isso solver as dívidas exequendas, determinadas pelos atos mencionados nos pontos 10.-11., na parte em que subsistiam então, por não anulados administrativamente na referida reclamação graciosa, o que fez nos termos específicos do regime excecional instituído então pelo Decreto-Lei 151-A/2013 de 31 de outubro.

Não há outros factos provados. E, relevantes para a decisão, não resultaram já provados os seguintes:

1. Que as entidades terceiras, contratadas conforme o referido no ponto 1. da matéria de facto provada, não tivessem poderes de representação da Impugnante, no âmbito da contratação com potenciais novos clientes.

2. Que as liquidações de juros compensatórios referidas no ponto 12. da matéria de facto provada, na parte impugnada, não tivessem sido elaboradas de acordo com os montantes de imposto sucessivamente em falta em cada um dos meses, pelo lapso de tempo decorrido desde que a sua entrega está prevista na lei e até à conclusão da ação inspetiva mencionada na matéria de facto provada, bem como sob aplicação da taxa que por lei era aplicável à sua quantificação em concreto.

3. Por quanto tempo se manteve em vigor a garantia bancária mencionada no ponto 12. da matéria de facto provada.

4. Quais foram os encargos da Impugnante com a obtenção e manutenção daquela garantia. »


***

Nos termos (entre outros normativos, vertidos no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), que apontam no mesmo sentido (Arts. 26.º alínea b) e 38.º alínea a).)) do disposto no art. 280.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), das decisões dos tribunais tributários (de 1.ª instância) cabe recurso a interpor, em primeira linha, para os, dois, Tribunais Centrais Administrativos, “salvo quando a decisão proferida for de mérito e o recurso se fundamente exclusivamente em matéria de direito”, caso em que tal apelo tem de ser interposto para a Secção de Contencioso Tributário do STA.

A violação desta regra de competência, em razão da hierarquia, determina, por previsão explícita do art. 16.º n.º 1 do CPPT, a incompetência absoluta do tribunal, a que é, indevidamente, dirigido o recurso.

Versando a delimitação de competências entre o STA e o/s TCA/s para o conhecimento de recursos visando decisões dos tribunais tributários, o Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Cf. Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), anotado, 4.ª edição, Vislis, pág. 144 segs.) dá nota das posições que sobre a matéria o STA tem vindo a adotar (há longo tempo), de forma unânime e reiterada.

Assim, em síntese, é inquestionável e perfeitamente percetível, dever entender-se que um recurso “não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações (…), o recorrente pede a alteração da matéria fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm sequer suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa” (Nos específicos termos utilizados pelo acórdão, do STA, de 15 de novembro de 2006 (461/06), “…, o que há a fazer para decidir a questão da competência hierárquica, é apenas verificar se o recorrente pede a alteração da matéria de facto ou invoca factos que não vêm dados como provados (…)”.).
E, também, não tem esse imprescindível e específico fundamento “… se em recurso for pedida a apreciação da necessidade de realização de diligências (de) prova ou sua determinação”. Acresce o ditame de que “a questão da competência (…) tem de ser decidida em face do quid disputatum ou quid decidendum e não em face daquilo que, na sequência da actuação do tribunal competente, será mais tarde o quid decisum”.


In casu, visto o conteúdo das conclusões D), G), H), I), J) (em parte), O), P), Q) e W), complementado, no que tange às premissas das alíneas G) a I) com o teor do ponto 13. da correspondente alegação (sobretudo, págs. 19 e 20), é manifesto e objetivo, o suscitar, pela rte, de aspetos/questões determinantes, em princípio, da imposição do tratamento (consideração e valoração), por parte do tribunal competente para o recurso, de factualidade provada (e/ou não provada) nos autos.
Realce-se que, sem prejuízo de as demais poderem visar considerações de cariz factual efetuadas em diversos e dispersos, trechos da sentença sob crítica, no caso da conclusão I), é incontornável afirmar a, evidente, pretensão, da rte, de colocar em causa, direta e necessariamente, o julgamento da matéria de facto operada, pelo tribunal recorrido, ao dar como não provado “Que as entidades terceiras, contratadas conforme o referido no ponto 1. da matéria de facto provada, não tivessem poderes de representação da Impugnante, no âmbito da contratação com potenciais novos clientes”.
Destarte, sendo preciso (independentemente do resultado final) desenvolver atividade, judicial, com matriz probatória/factual, não estamos perante recurso que tem em matéria de direito o seu único, exclusivo, fundamento.

Cumpre, apenas, notar que, ao invés do pressuposto pela rte (parece), o julgamento, por parte do STA, da matéria da exceção em apreço, não tem de considerar se foi (ou não) processualmente correta a forma como o julgamento factual, vazado na sentença, vem questionado. Tal tarefa pertence, estritamente, ao tribunal competente para a apreciação e julgamento dessa matéria (de facto), o qual, aliás, mesmo que conclua por uma impugnação rejeitável, por incumprimento das pertinentes regras de processo, sempre, em último recurso, detém, além do mais, o poder de anular, oficiosamente, o julgado e ordenar a repetição da intervenção do tribunal de 1.ª instância, para suprimento de deficiências no apuramento da factualidade (provada e não provada) relevante para a boa e conscienciosa decisão do mérito da causa.


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# III.

Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos declarar, este, incompetente, hierarquicamente, para conhecer do presente recurso jurisdicional.


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Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

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Oportunamente, remeta-se o processo, ao Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) - art. 18.º n.º 1 do CPPT.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 25 de janeiro de 2023. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.