Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0815/12.7BEPRT 0101/18
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IVA
DIRECTIVA COMUNITÁRIA
REPARAÇÃO DE ELEVADORES
REENVIO PREJUDICIAL
Sumário:-Não resultando de forma clara das normas legais nacionais e europeias, nem existindo jurisprudência europeia que tenha esclarecido a questão, importa formular, em sede de reenvio prejudicial, as questões de saber:
I- É conforme com o direito da União Europeia, nomeadamente, com o anexo IV da 6.ª Diretiva de IVA uma aplicação da verba 2.27, da Lista I anexa ao Código IVA, entendida como incluindo a reparação e manutenção de elevadores efetuada pela empresa referida nos factos acima resumidos e aplicando taxa reduzida de IVA?
II- É conforme com o Direito Comunitário, nomeadamente, com o anexo IV da 6.ª Diretiva de IVA, uma aplicação dessa mesma disposição do Código do IVA que leve ainda em conta o previsto em demais direito nacional - artigos 1207.º, 204.º, n.º 1, al. c) e 3 e 1421.º, nº 2 al. a) do Código Civil (normas em que se prevê os conceitos de empreitada, de imóvel e o ascensor ser de presumir como parte comum de prédio em regime de propriedade horizontal)?
Nº Convencional:JSTA000P27210
Nº do Documento:SA2202102170815/12
Data de Entrada:02/07/2018
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......., S.A
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1- Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Autoridade Tributária e Aduaneira, visando a revogação da sentença de 16-10-2017, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação intentada por A…….., S.A., com os demais sinais nos autos, das liquidações de IVA referentes aos meses de Janeiro a Dezembro do ano de 2007, bem como dos respetivos juros compensatórios, nos montantes, respetivamente, de €123.442,31 e € 21.226,57.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente Autoridade Tributária e Aduaneira as seguintes conclusões:

“A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença, por erro na aplicação do direito, ao julgar procedente a impugnação judicial e anular os actos tributários de liquidação adicional de IVA.

B. A fundamentação, de facto e de direito, subjacente às liquidações ora impugnadas, e que aqui se dá aqui por integralmente reproduzida, para todos os efeitos legais, consta devidamente explicitada no Relatório de Inspecção Tributária (RIT), a fls.12 a 22/v. do PA.

C. Nos termos do referido Relatório, na base das liquidações impugnadas encontra-se a não aceitação, pela Autoridade Tributária, da aplicação da taxa reduzida do IVA aos serviços de reparações e remodelações de elevadores, realizados pela impugnante, tendo-os enquadrado na verba 2.27 da Lista I anexa ao Código do IVA, em violação do disposto nos art.ºs 18.º e 27.º do Código do IVA.

D. A douta sentença ora recorrida decidiu julgar procedente a impugnação deduzida por considerar, aplicando os conceitos civilísticos, que “os elevadores são parte integrante dos edifícios nos quais se integram.(…) Face a tal entendimento, não parece de ser excluída a taxa reduzida relativamente a reparações e manutenções de tais elevadores, desde que, realizados ao abrigo dum contrato de empreitada, tal como a norma em causa prevê, e apenas aplicada à mão-de-obra.”

E. Posto isto, e com o devido respeito que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com a assim doutamente decidido por entender que a sentença a quo incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, uma vez que, em nosso entender, não efectuou correctamente a interpretação do disposto nos art.ºs 18.º e 27.º do Código do IVA e da verba 2.27 da Lista I anexa ao Código do IVA.

F. Os SIT procederam a uma análise detalhada à verba 2.24 da Lista I anexa ao CIVA, assim como à sua evolução legislativa à luz do direito comunitário, dada a introdução da Lista I ter resultado da transposição para o ordenamento nacional das previsões legais criadas ao nível da Comunidade Europeia, análise essa expressa no Capítulo III do Relatório, e aqui posta em causa pela impugnante;
Com efeito,

G. No âmbito da acção inspectiva credenciada pela OI201105207, detectou-se que o sujeito passivo apresentava uma situação tributária irregular por estar a aplicar a taxa reduzida aos serviços por si prestados relativos à remodelação e reparação de elevadores e que, segundo a Administração Fiscal, não têm esse enquadramento, devendo ser-lhes aplicada a taxa normal.

H. O IVA é um imposto geral sobre o consumo, aplicado às actividades económicas que implicam a produção e a distribuição de bens e a prestação de serviços. As disposições relativas à criação do sistema comum do IVA da União Europeia (UE) são codificadas, desde 01/01/2007, pela Directiva 2006/112/CE, de 28/11 - Directiva IVA – que reformulou a Directiva 77/388/CEE, de 17/05 – 6ª Directiva, harmonização absolutamente essencial para a criação do Mercado Interno, objectivo da criação da actual União Europeia, e a introdução no CIVA da verba 2.27 da lista I anexa ao CIVA, acima referida, resulta da transposição para o ordenamento nacional das previsões legais criadas ao nível da União Europeia.

I. Relativamente à natureza dos serviços em causa neste caso, a Directiva 1999/85/CE, do Conselho, de 22 de Outubro de 1999, que alterou a 6ª Directiva, veio possibilitar aos Estados-Membros a aplicação de uma taxa reduzida a serviços com alta intensidade do factor trabalho, enumerados no Anexo K, por um período experimental e numa base facultativa.

J. Dado o carácter experimental desta medida, a aplicação da taxa reduzida estava estritamente limitada no tempo e seria apenas aplicável aos serviços previstos no Anexo K adicionado à Directiva 77/388/CEE, a referida 6ª Directiva, entre os quais se encontram “renovation and repair of private dwellings” expressão traduzida para português como “obras de reparação e renovação em residências particulares”.

K. Portugal foi um dos nove países que requereu autorização para efectuar esta alteração numa base experimental. Ao abrigo do artigo 28º da 6ª Directiva, o Conselho, por decisão de 28/02/2000 (conforme Ofício-Circulado 30025, de 07/08/2000), deu autorização a Portugal para introduzir no ordenamento jurídico interno um preceito prevendo a aplicação da taxa reduzida aos serviços acima referidos, incluídos no anexo K daquela Directiva.

L. Nesta medida, a Lei nº 3-B/2000, de 4 de Abril (Orçamento de Estado para 2000), veio aditar à Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, a verba 2.24 (actual 2.27) com a seguinte redacção: “2.24 - As empreitadas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afectos à habitação, com excepção dos trabalhos de limpeza, de manutenção dos espaços verdes e das empreitadas em bens imóveis que abranjam a totalidade ou uma parte dos elementos constitutivos de piscinas, saunas, minigolfe, campos de ténis ou golfe e instalações similares. A taxa reduzida não abrange os materiais incorporados, salvo se o respectivo valor não exceder 20% do valor global da prestação de serviços”.

M. Assim, a taxa reduzida passou a abranger algumas empreitadas sobre bens imóveis afectos a habitação, excluindo, no entanto, os materiais que constituíssem uma parte significativa do serviço prestado.

N. Esta verba deveria vigorar, à partida, entre 01/01/2000 e 31/12/2002, tendo sido prorrogada a sua aplicação até final de Dezembro de 2003, pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (OE 2003), seguindo indicações de uma directiva comunitária (Council Directive 2002/92/EC) a estender o período de aplicação da taxa reduzida aos serviços indicados.

O. A Lei que aprovou o Orçamento de Estado para o ano de 2005 (Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro), e no seguimento de novas instruções comunitárias, voltou a introduzir esta verba naquela lista, resultando na prática que, desde a sua criação, só não existiu aplicação da mesma durante o ano de 2004.

P. No sentido de esclarecer o conteúdo daquela verba, foi divulgado, por altura da sua introdução no CIVA, o Ofício-Circulado n.º 30025, de 07/08/2000, e, posteriormente, o Ofício-Circulado n.º 30036 (Doravante OFCD), de 04/04/2001, ambos da Direcção de Serviços do IVA e que vinculam a Administração Fiscal, conforme indica a actual redacção do artigo 68º-A da LGT.

Q. O OFCD 30025 esclareceu, quanto ao âmbito de aplicação, que os serviços considerados são as empreitadas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação realizadas em imóveis para habitação.

R. Os imóveis, ou partes de imóvel, considerados serão os que, não estando licenciados para outros fins, estejam afectos à habitação, considerando imóvel ou parte de imóvel afecto à habitação o que esteja a ser utilizado como tal no início das obras e que, após a execução das mesmas, continue a ser efectivamente utilizado como residência particular.

S. Quanto aos beneficiários da taxa reduzida é o próprio OFCD 30025 que esclarece que podem ser beneficiários da taxa reduzida quer o dono da obra seja o proprietário ou o locatário. Nos casos em que o dono da obra é um condomínio, este é também beneficiário da taxa reduzida, desde que a obra seja realizada em imóvel afecto à habitação e o condomínio esteja abrangido pela isenção do nº 23 do art. 9.º do CIVA.

T. Refere ainda o OFCD 30025 que, face à redacção da verba 2.24 (actual verba 2.27), estão excluídos da aplicação da taxa reduzida as obras de construção e similares (acréscimos, sobreelevação e reconstrução de bens imóveis).

U. Do mesmo modo, estão claramente afastadas do preceito as empreitadas sobre bens imóveis utilizados para o exercício de uma actividade profissional, comercial, industrial ou administrativa.

V. Considerando que a taxa reduzida não abrange a transmissão de bens, conforme esclarece o OFCD referido, não têm enquadramento nesta verba, nomeadamente, os fornecimentos de elevadores, meios de aquecimento ou refrigeração, sanitários, pavimentos, equipamentos domésticos e mobiliários, tais como fornecimento de cozinhas e lareiras.

W. Quanto aos serviços prestados com incorporação de materiais, resulta da redacção da referida verba, que "a taxa reduzida não abrange os materiais que constituam uma parte significativa do valor do serviço prestado". Considera-se que os materiais revestem uma parte significativa do valor do serviço prestado quando representem mais de 20% do custo da obra realizada.

X. O OFCD 30036, de 4/04/2001 da DSIVA, completou o esclarecimento do âmbito de aplicação desta previsão legal, considerando que a expressão “imóveis afectos à habitação” constante daquela verba deve ser interpretada restritivamente, de modo a assegurar a sua conformidade com o estabelecido no direito comunitário, concretamente no ponto 2 do anexo K da 6ª Directiva, pelo que não cabem neste conceito equipamentos como elevadores, escadas rolantes, antenas e outros, entendendo, deste modo, que “a ratio legis deste preceito não contempla a sua aplicação a serviços de reparação e manutenção de equipamentos que sejam partes integrantes de imóveis”.
Y. Conclui-se, assim, que os serviços de reparação e manutenção de elevadores e escadas rolantes não têm enquadramento na verba 2.24 (actual verba 2.27) da Lista I Anexa ao CIVA, devendo ser sujeitos a liquidação de IVA à taxa normal.

Z. Pelo que fica deste modo afastado o conceito, para efeitos fiscais, indicado na alínea b) do nº 2 do artigo 1421.º do Código Civil que, relativamente às partes comuns do prédio, inclui os ascensores.

AA. Neste caso, estabeleceu-se o conceito de habitação para efeitos fiscais, completando de forma esclarecedora a tipificação prevista no Código do IVA e que resulta, conforme foi já referido, da transposição de uma directiva comunitária para o ordenamento nacional respeitando a imposição prevista no Tratado da UE (Ex-Tratado da CE) relativamente aos efeitos pretendidos pelas directivas.

BB. Sobre a aplicação das taxas reduzidas, deverão ter-se em conta as recomendações da Comissão sobre aplicação das taxas reduzidas de IVA (Conforme comunicação da Comissão Europeia COM (2003) 397,final, disponível em http://ec.europa.eu/taxation_customs/taxation/vat/index_en.htm): “A Comissão não tenciona por em causa o carácter facultativo das taxas reduzidas de IVA, e toma nota de que os Estados-Membros não são obrigados a aplicar a mesma taxa de IVA a toda uma categoria do anexo H (relativo aos itens susceptíveis de serem tributados à taxa reduzida), desde que essa flexibilidade não se traduza em distorções da concorrência”; “Assim, dado que a taxa reduzida é a excepção (ao princípio geral da tributação das transmissões de bens e prestações de serviços à taxa normal), a limitação da sua aplicação a certos aspectos concretos e específicos é coerente com o princípio segundo o qual as isenções ou derrogações devem ser interpretadas restritivamente” (Ver a este propósito o acórdão de 18 de Janeiro de 2001, Comissão/Espanha, C-83/99, e o acórdão de 8 de Maio de 2003, Comissão/França, C-384/01, disponível em http://curia.europa.eu/).

CC. O mesmo se poderá obviamente aferir relativamente aos serviços incluídos no Anexo K à 6ª Directiva (actual anexo IV à Directiva IVA).

DD. Contudo, e no intuito de promover a aplicação simples da legislação, conforme se pode ler na referida comunicação, a Comissão recomenda aos Estados-Membros que, “na definição do âmbito de aplicação das taxas reduzidas, evitem distinções cuja complexidade possa criar riscos de erro quando as empresas têm de determinar a taxa aplicável aos produtos que fabricam ou comercializam. Com efeito, essa complexidade é prejudicial a todos, devendo ser respeitado o princípio da unicidade das taxas, abrindo excepções apenas para os casos em que é possível e evidente a diferenciação entre os bens e/ou serviços sujeitos à taxa reduzida (ou a duas taxas reduzidas diferentes) e os que estão sujeitos à taxa normal”.

EE. Portanto, é importante circunscrever muito cuidadosamente o âmbito de aplicação das taxas reduzidas de IVA para que esses elementos não perturbem o bom funcionamento do mercado interno. O IVA não deverá ser utilizado como uma subvenção a determinados sectores nem a aplicação das taxas reduzidas a novos sectores poderá colocar em causa o grau de harmonização já conseguido neste imposto, alerta a Comissão Europeia na referida Comunicação.

FF. Os Estados-Membros manterão, assim, a possibilidade de aplicar uma taxa reduzida somente a determinadas categorias do Anexo H ou, dentro de uma mesma categoria, a algumas das operações visadas, pode ler-se nas recomendações em causa.

GG. Os Estados-Membros continuam a ser livres para delimitar o âmbito de aplicação das taxas reduzidas (Conforme também refere a Comissão Europeia na Comunicação COM (2007)380, disponível em http://ec.europa.eu/taxation_customs/taxation/vat/index_en.htm) e estes terão sempre a possibilidade de aplicarem a taxa reduzida a uma categoria total ou limitar a sua aplicação a uma parte (mesmo muito pequena) de uma determinada categoria indicada no anexo III da Directiva IVA (anterior anexo H à 6ª directiva).

HH. Também o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) se pronunciou já sobre esta questão e, em conformidade com a jurisprudência deste Tribunal, é importante clarificar a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem uma taxa reduzida à totalidade ou apenas a uma parte de uma categoria do Anexo H.

II. Isto implica, tal como indicado pelo Tribunal no seu acórdão de 8 de Maio de 2003, supra citado, a possibilidade de limitar a aplicação de uma taxa reduzida a aspectos concretos e específicos de um fornecimento de bens ou uma prestação de serviços, uma vez que é coerente com o princípio segundo o qual as isenções ou derrogações devem ser interpretadas de uma forma restritiva, conforme foi já referido, e por uma questão de segurança jurídica.

JJ. Assim, é possível, por exemplo, que um Estado-Membro limite a aplicação de uma taxa reduzida a aspectos concretos e específicos, como é o caso de uma subscrição que dá direito a uma quantidade mínima de electricidade para os interessados, ou excluir o fornecimento de bebidas alcoólicas da taxa reduzida que esse Estado-Membro aplicaria aos serviços de restauração, refere o TJUE naquele seu Acórdão.

KK. Face ao exposto, podemos concluir que a interpretação da AT cumpre com as disposições comunitárias de forma integral, tendo sido delimitado o âmbito de aplicação da taxa reduzida e excluído de forma inequívoca a prestação de serviços relativos à reparação de elevadores.

LL. Esta tipificação foi esclarecida em tempo oportuno e o desrespeito pela norma significa uma violação das disposições comunitárias configura uma distorção das regras de mercado, em especial, pelo facto de os clientes deste tipo de serviços serem, muitas das vezes, particulares para quem o IVA liquidado significa um encargo a suportar, sem direito à dedução do imposto.

MM. No caso em apreço, a impugnante factura todos os materiais incorporados à taxa normal, sujeitando à taxa reduzida apenas a mão-de-obra.

NN. Ora, em nada se poderá colocar em causa a legitimidade da Administração Fiscal com base nos argumentos explanados no referido direito de audição, dado que a fundamentação das correcções efectuadas não teve por base factos abrangidos pelos pontos invocados pelo sujeito passivo, dado que não estiveram aqui em causa transmissões de bens, mas antes, prestações de serviços.

OO. A exclusão dos serviços prestados sobre elevadores, encontra, assim, fundamento no Direito Comunitário que, nos termos do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) é aplicável na ordem interna no respeito pelo princípio do primado do Direito Comunitário.

PP. Refere a impugnante que a lei é clara nas excepções que considera, referindo não haver nenhuma interpretação literal da norma que possa excluir as prestações de serviços sobre elevadores; Tendo que se recorrer aos elementos sistemático, histórico e, em especial teleológico, para se concluir sobre a correcta interpretação desta norma que, segundo a Administração Fiscal, deverá ser feita, relativamente a este aspecto, em sentido restrito, quer pelos fundamentos apresentados no próprio ofício-circulado 30036 quer pelo enquadramento da referida norma na filosofia daquelas que lhe deram origem, nomeadamente as directivas referidas no projecto de relatório da inspecção tributária, bem como, das comunicações aí citadas e toda a filosofia que sustenta a criação e evolução do sistema do IVA na Comunidade Europeia.

QQ. A este propósito será relevante salientar as Comunicações da Comissão Europeia sobre este assunto, nomeadamente, a Comunicação COM(2003)309 final, de 02/06/2003, onde se pode ler, no seu ponto 3.3.1., que a maior parte dos países que implementaram esta medida, limitaram o seu âmbito de acordo com a idade dos imóveis ou a natureza dos serviços, bem como um resumo das principais razões que levaram à implementação da possibilidade de aplicar um taxa reduzida a este tipo de serviços.

RR. Deste modo, constatou-se ter sido erradamente aplicada a taxa reduzida sobre o valor de mão-de-obra facturado nos serviços de reparação e manutenção de elevadores, ao qual deveria ter sido aplicada a taxa normal, resultando em IVA não liquidado nos montantes melhor indicados nos quadros do cap. III do RIT.

SS. É neste contexto que se situam as liquidações de IVA cuja legalidade vem questionada nos presentes autos.

TT. Razão pela qual, se considera que o tribunal incorreu em erro de julgamento de direito por violação do disposto na verba 2.27 da Lista I anexa ao Código do IVA, em violação do disposto nos art.ºs 18.º e 27.º do Código do IVA.”


Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de ser colocado à apreciação do TJUE, a título prejudicial, as questões que enumera no seu douto Parecer e que no discurso jurídico infra se destacarão.

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Os autos vêm à conferência satisfeitos os vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:


1. A Impugnante foi objeto de uma inspeção tributária, tendo decorrido entre o dia 11 de Outubro de 2011 e 14 de novembro de 2011 – cfr. fls. 16 do P.A. (processo administrativo);
2. No âmbito da inspeção referida em 1), a Impugnante exerceu o seu direito de audição, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 23 a 28 verso do P.A.;
3. Finda a inspeção, foi redigido a 30 de dezembro de 2011, Relatório de Inspeção Tributário, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 13 a 22 verso do P.A.;
4. Consta do Relatório referido em 3)
3)Actividade desenvolvida
O sujeito passivo está registado para o exercício da actividade de Fabricação de ascensores, monta-cargas e passadeiras rolantes, CAE 28221, prestando também serviços de reparação e manutenção de elevadores.
(…)
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
(…)
No âmbito da ação inspectiva (…) detectou-se que o sujeito passivo apresentava uma situação tributária irregular por estar a aplicar a taxa reduzida aos serviços por si prestados relativos à remodelação e reparação de elevadores e que, segundo a Administração Fiscal, não têm esse enquadramento, devendo ser-lhes aplicada a taxa normal.
(…)
No caso em apreço, o sujeito passivo factura todos os materiais incorporados à taxa normal, sujeitando à taxa reduzida apenas a mão-de-obra. Verificou-se, também, que relativamente às restantes instruções contidas nestes Ofícios Circulados referidos, o sujeito não apresentou nenhuma situação que fosse contrária a essas instruções.
Deste, modo, constatou-se ter sido erradamente aplicada a taxa reduzida sobre o valor de mão-de-obra facturado nos serviços de reparação e manutenção de elevadores, ao qual deveria ter sido aplicada a taxa normal (…).” – cfr. fls. 12 a 22 do P.A.;

5. A 04 de Abril de 2001 foi emitido o Ofício-Circulado 30036 da Direção de Serviços do IVA, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 36 do P.A.;
6. A 07 de Agosto de 2000 foi emitido o Ofício-circulado 30025 da Direção de Serviços do IVA, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 37 a 39 do P.A.;
7. A 05 de março de 2001 foi emitida a Informação nº 1136, pelo Sr. Diretor Geral dos Impostos, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzida – cfr. fls. 40 a 44 do PA;
8. Os presentes autos deram entrada a 26 de março de 2012 – cfr. fls. 3 do processo físico.
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a impugnação, padece de erro na aplicação do direito, ao ter entendido ser aplicável a taxa reduzida de 5% de IVA no caso de serviços de mão-de-obra prestados na reparação e manutenção de elevadores.
Vejamos.
Da materialidade fixada na sentença sobressai que a recorrente está registada para o exercício da atividade de fabricação de elevadores, monta-cargas e passadeiras rolantes, CAE 28221, prestando também serviço de reparação e manutenção de elevadores, e, no âmbito de acção inspectiva a AT considerou existir uma irregularidade consistente na aplicação de taxa reduzida por serviços por si prestados em 2007, relativos à remodelação e reparação de elevadores, ainda que facturando todos os materiais incorporados à taxa normal.
E os autos ainda revelam que a Direcção de Serviços do IVA tinha emitido em 2000 e 2001 ofícios-circulares e uma informação sobre o assunto, conforme melhor consta dos autos, nomeadamente, a fls. 82.
Com base nessa factualidade essencial, na sentença recorrida decidiu-se pela procedência da impugnação judicial com fundamento em que os serviços de mão-de-obra prestados pela impugnante quanto à reparação e manutenção de elevadores sujeitos à taxa de IVA de 5%, de acordo com a verba 2.27 (anterior verba 2.24) da Lista I anexa ao CIVA, sufragando o entendido de que “os elevadores são parte integrante dos edifícios” não sendo “excluída tal taxa reduzida relativamente a reparações e manutenções de tais elevadores, desde que realizados ao abrigo dum contrato de empreitada, tal como a norma em causa prevê, e apenas aplicada à mão-de-obra".
Contra o assim fundamentado e decidido se rebela a recorrente pelas razões que se extraem das conclusões recursórias e que apontam à sentença erro na aplicação de direito na interpretação efetuada do disposto nos artigos 18.º e 27.º do CIVA e da referida verba 2.24. (actual verba 2.27).
Destaca-se ainda do alegatório da recorrente AT que, no seu entender, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) já se pronunciou sobre esta questão e, em conformidade com a jurisprudência deste Tribunal, é importante clarificar a possibilidade de os Estados-Membros aplicarem uma taxa reduzida à totalidade ou apenas a uma parte de uma categoria do Anexo H o que implica, tal como indicado pelo Tribunal no seu acórdão de 8 de Maio de 2003, a possibilidade de limitar a aplicação de uma taxa reduzida a aspectos concretos e específicos de um fornecimento de bens ou uma prestação de serviços, uma vez que é coerente com o princípio segundo o qual as isenções ou derrogações devem ser interpretadas de uma forma restritiva, conforme foi já referido, e por uma questão de segurança jurídica.
Por esse prisma, entende a recorrente que, no caso em apreço, a impugnante factura todos os materiais incorporados à taxa normal, sujeitando à taxa reduzida apenas a mão-de-obra pelo que a exclusão dos serviços prestados sobre elevadores, encontra fundamento no Direito Comunitário que, nos termos do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) é aplicável na ordem interna no respeito pelo princípio do primado do Direito Comunitário.
Na mesma vertente controverte ainda a recorrente AT a afirmação da impugnante que a lei é clara nas excepções que considera, referindo não haver nenhuma interpretação literal da norma que possa excluir as prestações de serviços sobre elevadores já que, tendo que se recorrer aos elementos sistemático, histórico e, em especial teleológico, para se concluir sobre a correcta interpretação desta norma que, segundo a Administração Fiscal, deverá ser feita, relativamente a este aspecto, em sentido restrito, quer pelos fundamentos apresentados no próprio ofício-circulado 30036 quer pelo enquadramento da referida norma na filosofia daquelas que lhe deram origem, nomeadamente as directivas referidas no projecto de relatório da inspecção tributária, bem como, das comunicações aí citadas e toda a filosofia que sustenta a criação e evolução do sistema do IVA na Comunidade Europeia.
Em abono da sua tese, invoca as posições assumidas nas Comunicações da Comissão Europeia sobre este assunto, nomeadamente, a Comunicação COM (2003)309 final, de 02/06/2003, onde se pode ler, no seu ponto 3.3.1., que a maior parte dos países que implementaram esta medida, limitaram o seu âmbito de acordo com a idade dos imóveis ou a natureza dos serviços, bem como um resumo das principais razões que levaram à implementação da possibilidade de aplicar um taxa reduzida a este tipo de serviços.
Em suma: foi erradamente aplicada a taxa reduzida sobre o valor de mão-de-obra facturado nos serviços de reparação e manutenção de elevadores, ao qual deveria ter sido aplicada a taxa normal, resultando em IVA não liquidado nos montantes melhor indicados nos quadros do cap. III do RIT.
No entanto, o Magistrado do Ministério Público, na sua promoção, veio defender que, por haver dúvidas no que respeita à sua interpretação, ser de colocar à apreciação do T.J.U.E., a título prejudicial, as seguintes questões:
“- É conforme com o direito da União Europeia, nomeadamente, com o anexo IV da 6.ª Diretiva de IVA uma aplicação da verba 2.27, da Lista I anexa ao Código IVA, entendida como incluindo a reparação e manutenção de elevadores efetuada pela empresa referida nos factos acima resumidos e aplicando taxa reduzida de IVA?
- É conforme com o Direito Comunitário, nomeadamente, com o anexo IV da 6.ª Diretiva de IVA, uma aplicação dessa mesma disposição do Código do IVA que leve ainda em conta o previsto em demais direito nacional - artigos 1207.º, 204.º, n.º 1, al. c) e 3 e 1421.º, nº 2 al. a) do Código Civil (normas em que se prevê os conceitos de empreitada, de imóvel e o ascensor ser de presumir como parte comum de prédio em regime de propriedade horizontal)?”.
Quid juris?
Antecipe-se que, em tese e na senda do que defende a recorrente AT, estamos plenamente de acordo que é de respeitar a aplicação da regra do primado do Direito Comunitário.
Mas, para tanto, torna-se exigível a existência de total clareza da norma em causa.
Na verdade, o art.° 234° impõe aos tribunais supremos dos Estados-membros que recorram ao TJCE sempre que se ponha uma questão de interpretação ou de apreciação de validade.
Mas alguns tribunais supremos podem logicamente ser levados a admitir que nos casos em que haja lugar a aplicação de uma norma comunitária não surge necessariamente uma questão para os efeitos do art.° 234.° e assim será quando a norma comunitária aplicável for perfeitamente clara, não suscitando a mínima dificuldade de interpretação, sendo desrazoável forçar o tribunal nacional a reenviar ao Tribunal Comunitário, isso honrando o velho princípio jurídico segundo o qual «in claris nonfit interpretado».
Por essa razão e para eliminar um conflito latente nas suas relações com alguns Tribunais Supremos dos Estados-membros, o TJCE veio a admitir a chamada teoria do acto claro, ao julgar no seu Acórdão de 6.10.1982, tirado no caso CILFIT, que «O artigo 177°, 3° parágrafo do Tratado (agora 234°), deve ser interpretado no sentido de que uma jurisdição cujas decisões não são susceptíveis de um recurso judicial de direito interno é obrigada, sempre que uma questão de direito comunitário lhe é posta, a observar a sua obrigação de reenvio, a menos que tenha concluído que a aplicação correcta do direito comunitário se impõe com tal evidência que não deixa lugar a qualquer dúvida razoável.
«A existência de tal eventualidade deve ser avaliada em fun­ção das características próprias do direito comunitário, das dificuldades particulares que a sua interpretação apresenta e do risco de divergência de jurisprudência no interior da Comunidade».
Tendo isso presente vemos que, no caso posto, a aplicação de taxa reduzida de IVA insere-se em matéria harmonizada, conforme previsto na 6.ª Directiva de IVA, n.º 77/388, de 17-5-1977, atinente à harmonização das legislações dos Estados-membros da então Comunidade Económica Europeia no que respeita aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do IVA: matéria colectável - o previsto no Anexo IV em que se contempla a regra prevista quanto a tal é possível, mediante prorrogação autorizada.
Mas manifestamos concordância com a asserção do EPGA de que se mostra muito duvidoso que seja possível, face ao direito comunitário, adoptar-se o entendimento como o sufragado na sentença recorrida no sentido de se considerar como englobados os factos acima referidos nesse anexo IV, em que a taxa reduzida está instituída no concernente a “obras de reparação e renovação em residências particulares, excluindo os materiais que representam uma parte significativa do valor da prestação".
No ponto, como vimos e decorre da temática em debate, a recorrente ampara a tese de que deve fazer-se uma interpretação restritiva, mas, a nosso ver, a jurisprudência apontada do T.J.U.E. não se pronunciou especificamente sobre a questão da conformação da disposição constante da verba 2.27 da Lista I anexa ao Código do IVA, em que se ancorou o entendimento perfilhado na sentença recorrida.
Todavia, o acolhimento duma visão mais restritiva, importaria a postergação da tese sustentada na decisão recorrida de que a aludida taxa reduzida será aplicável por referência a "empreitada” em "imóvel” "afeto a habitação”, segundo o constante da dita verba 2.27 interpretado ainda de acordo com demais direito nacional - artigos 1207.º e 204.º n.º 1 al. e) e 3 do Código Civil.
Há no entanto que aditar-se que o prognosticado na referida verba 2.27 na lista I anexa do Código do IVA, não é totalmente coincidente com aquele desiderato, pois aí expressamente se mencionam "empreitadas de beneficiação, remodelação, renovação, restauro, reparação ou conservação de imóveis ou partes autónomas destes afetos à habitação (...)".
Por assim ser, estamos em completa sintonia com o EPGA sobre a necessidade de colocar à apreciação do T.J.U.E., a título prejudicial, a conformidade com o referido Direito Comunitário da sujeição à taxa reduzida de IVA., bem como se o entendimento tido com fundamento no demais direito nacional é ainda conforme com o dito Direito Comunitário. E que deverá abranger-se em tal pedido a norma respeitante à presunção dos elevadores integrarem em “partes comuns” de prédio, constante do artigo 1421.º n.º 2 al. b) do C. Civ., no que respeita à propriedade horizontal, regime previsto com o fim de habitação.
Entende-se, pois, como necessária e obrigatória a pronúncia em reenvio prejudicial do Tribunal de Justiça da União Europeia nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), para respostas às seguintes questões:
I- É conforme com o direito da União Europeia, nomeadamente, com o anexo IV da 6.ª Diretiva de IVA uma aplicação da verba 2.27, da Lista I anexa ao Código IVA, entendida como incluindo a reparação e manutenção de elevadores efetuada pela empresa referida nos factos acima resumidos e aplicando taxa reduzida de IVA?
II- É conforme com o Direito Comunitário, nomeadamente, com o anexo IV da 6.ª Diretiva de IVA, uma aplicação dessa mesma disposição do Código do IVA que leve ainda em conta o previsto em demais direito nacional - artigos 1207.º, 204.º, n.º 1, al. c) e 3 e 1421.º, nº 2 al. a) do Código Civil (normas em que se prevê os conceitos de empreitada, de imóvel e o ascensor ser de presumir como parte comum de prédio em regime de propriedade horizontal)?.
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3. - Decisão

Nestes termos, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em suspender a instância até à pronúncia do TJUE e ordenar a passagem de carta, a dirigir pela Secretaria deste Supremo Tribunal à daquele Tribunal, com pedido de decisão prejudicial, acompanhada do translado do processo, incluindo cópias da petição inicial, da sentença, das alegações de recurso da recorrente e contra-alegações da recorrida, bem como de todas as peças processuais posteriores e fotocópia dos diplomas legais mencionados no presente acórdão.
Custas a final.
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3.- Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em:
A) Submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia as questões prejudiciais supra enunciadas sob os n.ºs. I e II; e, em consequência,
B) Suspender esta instância de recurso, nos termos do artigo 267.º do TFUE;
C) Ordenar a transmissão do pedido à Secretaria do Tribunal de Justiça, por via electrónica, acompanhado de cópia digital da petição inicial, da sentença, das alegações de recurso da recorrente, bem como de todas as peças processuais posteriores, fotocópia dos diplomas legais mencionados no presente acórdão e da indicação dos dados concretos das partes no litígio no processo principal e dos eventuais representantes destas, dando ainda cumprimento às demais recomendações do TJUE (2019/C 380/01).

Não são devidas custas.
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Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. - José Gomes Correia (relator) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.