Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01085/09
Data do Acordão:02/24/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IRS
Sumário:Em sede de IRS, o resultado líquido negativo apurado no âmbito da categoria B num determinado ano não pode ser deduzido no resultado líquido positivo, apurado no âmbito da categoria G, do mesmo ano (art. 55º do CIRS).
Nº Convencional:JSTA000P11523
Nº do Documento:SA22010022401085
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1.1. A…, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo TAF de Braga, lhe julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação de IRS do ano de 2003, no montante global de € 32.072,23, por não englobamento de quantias respeitantes a retenção na fonte e a perdas a reportar.
1.2. O recorrente termina as alegações do recurso formulando as Conclusões seguintes:
I – As “perdas a reportar” apenas foram suportadas pela venda do bem.
II – Pelo que deveriam ser consideradas.
III – Não o sendo, mostra-se violado o art. nº 109°, 1°, da C.R.P.
1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.
1.4. O MP emite Parecer no sentido da improcedência do recurso, fundamentando-se no seguinte:
«O resultado líquido negativo apurado no âmbito da categoria B, declarado pelo sujeito passivo no ano 2003, não pode ser deduzido no resultado líquido positivo do mesmo ano, apurado no âmbito da categoria G, porquanto:
a) o reporte apenas é possível nos resultados líquidos positivos dos seis anos seguintes àquele em que se apurou o resultado líquido negativo
b) o reporte apenas opera em relação a resultados líquidos positivos da mesma categoria, com excepção dos resultados líquidos positivos gerados pelo exercício de actividade agrícola, silvícola ou pecuária (art. 55° nºs. 1 e 3 als. a) e c) CIRS)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.»
1.5. Colhidos os vistos legais, cabe decidir
FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados e não provados os factos seguintes:
2.1. Factos provados:
1. Pela liquidação nº 2007 5004587033, respeitante a IRS do ano de 2003, foi apurado imposto na quantia de € 32.072,23, conforme melhor consta da respectiva nota demonstrativa, junta pelo impugnante a fls. 17 dos autos e a fls. 40 a 42 do apenso, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
2. O impugnante apresenta, “perdas a reportar”, nos anos fiscais de 1998 a 2005, sendo que relativamente a 2003, apresenta perdas a reportar no montante de € 67.174,78, relativamente — fls. 2 a 14 do apenso.
3. O impugnante em 29.01.2003, efectuou permuta pelo preço de € 199.520,00 de um prédio rústico, inscrito na matriz sob o art. 505, da freguesia de Monção, pelas fracções G, J e BE, posteriormente avaliadas no valor global de € 204.990,00, e tendo apresentado declaração de rendimentos, não reflectiu nesta os ganhos de mais valias obtidos com aquele contrato — cf. fls. 14 a16 do apenso.
4. Não tendo o impugnante apresentado declaração de substituição e apuradas mais valias no montante € 101.779,50, foram oficiosamente alterados os rendimentos declarados, relativamente à categoria G, para o montante de € 101.779,50 — cf. fls. 20 a 22.
5. Em 2003 o impugnante possuía contabilidade organizada e apresentou prejuízos fiscais declarados no âmbito da categoria B. — cf. apenso.
2.2. Factos não provados:
Que os prejuízos fiscais respeitem à categoria G.
3.1. Com base nesta factualidade e definindo como questão a decidir a que se prende com a invocada errónea quantificação dos rendimentos (por não terem sido consideradas as verbas de € 2.654,15, respeitante a retenções na fonte, e de € 67,174,78, respeitante a perdas a reportar), a sentença veio a julgar improcedente a impugnação, com fundamentação que, em síntese, é a de que o montante de € 2.654,15 foi efectivamente considerado, contrariamente ao alegado, e o montante de € 67.174,78 não tinha que ser considerado, face às regras estabelecidas nos arts. 22º, nº 1 , 47º e 55º, nºs. 1 e 3 do CIRS, uma vez que as perdas da categoria B não são comunicáveis mas apenas reportáveis a rendimentos líquidos positivos da mesma natureza, isto é, da mesma categoria se os houver.
3.2. Em divergência com o assim decidido, o recorrente continua a sustentar que as “perdas a reportar” apenas foram suportadas pela venda do bem, pelo que deveriam ser consideradas e, não o sendo, se mostra violado o nº 1 do art. 109° da CRP.
Vejamos.
4.1. Segundo se dispõe no nº 1 do art. 22º do CIRS, o rendimento colectável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos no mesmo código.
E em termos de determinação do rendimento colectável, o art. 55º (também do CIRS), sob a epígrafe «Dedução de perdas» dispunha, à data dos factos (redacção da Lei nº 32-B/2002, de 30/12), o seguinte:
«1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, é dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos.
2 - O resultado líquido negativo apurado na categoria F só pode ser reportado aos cinco anos seguintes àquele a que respeitam, deduzindo-se aos rendimentos líquidos da mesma categoria.
3 - O resultado líquido negativo apurado na categoria B é tratado de acordo com as seguintes regras:
a) O resultado só pode ser reportado, de harmonia com a parte aplicável do artigo 47º do Código do IRC, aos seis anos seguintes àquele a que respeita, deduzindo-se aos resultados líquidos positivos da mesma categoria, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes;
b) As perdas resultantes do exercício de actividades agrícolas, silvícolas e pecuárias não são todavia comunicáveis, mas apenas reportáveis, de harmonia com a parte aplicável do artigo 47º do Código do IRC, a rendimentos líquidos positivos da mesma natureza;
c) O resultado líquido negativo apurado nas restantes actividades da categoria B não é igualmente comunicável aos rendimentos líquidos positivos resultantes do exercício de actividade agrícolas, silvícolas e pecuárias, mas apenas reportável, de harmonia com a parte aplicável do artigo 47º do Código do IRC, a rendimentos líquidos positivos das restantes actividades daquela categoria;
d) Os respectivos titulares deverão, salvo se estiverem sujeitos ao regime simplificado, assegurar os procedimentos contabilísticos que permitam distinguir claramente os resultados das actividades agrícolas, silvícolas e pecuárias dos das restantes actividades da categoria B.
(…)».
Por sua vez, o art. 47º do CIRC (dedução de prejuízos), dispunha:
«1 - Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores.
2 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, nos exercícios em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indirectos, os prejuízos fiscais não são dedutíveis, ainda que se encontrem dentro do período referido no número anterior, não ficando, porém, prejudicada a dedução, dentro daquele período, dos prejuízos que não tenham sido anteriormente deduzidos.
3 – (…)
4 - Quando se efectuarem correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo sujeito passivo, devem alterar-se, em conformidade, as deduções efectuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se forem decorridos mais de seis anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeite.
(…)».
4.2. Embora configurado em termos de estrutura cedular (por categorias de rendimento), o IRS é um imposto único sobre o rendimento; daí a regra contida no nº 1 deste seu art. 55º: é dedutível ao conjunto dos rendimentos líquidos sujeitos a tributação o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria de rendimentos.
Mas, como logo se refere no segmento inicial deste nº 1, tal regra sofre as excepções constantes dos números seguintes do mesmo artigo [excepções que, no dizer de André Salgado Matos - Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, Anotado, 1999, Nota 2 ao art. 54º, pag. 329 – e reportando-se o autor à redacção que então constava no art. 54º) quase que esvaziam a regra do nº 1, «estabelecendo a incomunicabi1idade dos resultados líquidos negativos apurados precisamente nas categorias em que eles são mais susceptíveis de ocorrer. Trata-se de uma enorme brecha no carácter unitário do IRS e uma concessão muito extensa à cedularidade.»].
Ou seja, embora os rendimentos desta categoria B, se forem positivos, sejam, em princípio, comunicáveis aos rendimentos das outras categorias, já não são comunicáveis se forem negativos, devendo, antes, a perda sofrida ser reportada, para efeitos da respectiva dedução, aos eventuais rendimentos positivos apurados nesta categoria nos anos posteriores.
No caso dos autos, o resultado líquido negativo (- 67.174,78 Euros), foi declarado (relativamente ao ano de 2003) em sede dos rendimentos da categoria B (cfr. os nºs. 1 e 5 do Probatório e o facto julgado não provado) e o recorrente pretende que esse resultado negativo seja dedutível aos resultados líquidos positivos da categoria G.
Todavia, falece-lhe a razão legal.
É que, conforme resulta do art. 55º que acima se deixou transcrito, nomeadamente do seu nº 1 e das als. a) e c) do seu nº 3, tal resultado líquido negativo apurado no âmbito da categoria B, além de apenas poder ser objecto de reporte nos anos seguintes (e não no ano em que o prejuízo é declarado), também apenas pode operar em relação a resultados líquidos positivos daquela mesma categoria B, com excepção dos resultados líquidos positivos gerados pelo exercício de actividade agrícola, silvícola ou pecuária.
4.3. Na Conclusão III o recorrente alega que, não sendo as ditas perdas consideradas, se viola o art. 109°, 1°, da CRP.
4.3.1. Ora, por um lado, este invocado art. 109º da CRP (que nem sequer tem aquele nº 1) nada tem a ver com esta matéria: inserido na Parte III, Organização do poder político, Título I, Princípios gerais, determina, sob a epígrafe «Participação política dos cidadãos» que «A participação directa e activa de homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos.».
4.3.2. Mas, por outro lado, se o recorrente se está a referir ao disposto no nº 1 do art. 103º ou ao nº 1 do art. 104º, ambos da CRP, o que é certo é que também não explicita de que modo aquele art. 55º do CIRS viola tais normas.
O nº 1 do art. 103º dispõe que «O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.»
E o nº 1 do art. 104º dispõe que «O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.»
Ora, não se vê que aquele regime de dedução de perdas previsto no art. 55º do CIRS afronte tais disposições constitucionais.
É certo que embora o nº 1 desse art. 55º pareça, à primeira vista, consagrar «o princípio da intercomunicabilidade dos custos das diversas categorias de rendimento, um princípio que parece decorrer do princípio da capacidade contributiva, mais especificamente do seu vector qualificado designado por princípio do rendimento líquido (…) lendo o disposto nos números seguintes desse artigo, logo nos damos conta de que um tal princípio é totalmente infirmado, uma vez que neles é negada inclusive a intercomunicabilidade de custos dentro da própria categoria B» (Casalta Nabais, Direito Fiscal, 2ª Edição, Almedina, pags. 517/518). Solução que, será «de difícil articulação com a tributação pelo rendimento real e a unicidade do imposto» (Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª Edição, Coimbra Editora, pag. 333).
Não parece, porém, que este regime de excepções consagrado no art. 55º do CIRS viole aqueles princípios constitucionais, atendendo a que a lei, considerando as dificuldades de conhecimento efectivo dos reais rendimentos obtidos em sede das categorias ali mencionadas, mas pretendendo, ainda assim, harmonizar todas as exigências do sistema de tributação unitária do rendimento, proceda a essa harmonização, consagrando concomitantemente, todavia, as derrogações que entendeu necessárias e adoptando a regra do reporte nos resultados líquidos positivos, da mesma categoria, dos seis anos seguintes àquele em que se apurou o resultado líquido negativo. Reporte que garantirá ao contribuinte a possibilidade de, afinal, poder deduzir as perdas verificadas.
Veja-se que mesmo quanto ao princípio da tributação pelo lucro real das empresas (nº 2 do art. 104º da CRP) o Tribunal Constitucional (cfr. ac. nº 84/2003, de 12/2/2003) entendeu que, não se tratando de uma imposição absoluta, “… a tributação das empresas pelo seu rendimento real constitui um princípio ou uma regra que permite, excepcionalmente, desvios ou excepções.”
Concluímos, assim, que o regime de dedução de perdas previsto no art. 55º do CIRS também não seria incompatível com as ditas regras constitucionais.
DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 24 de Fevereiro de 2010. - Casimiro Gonçalves (relator) - Dulce Neto - Pimenta do Vale.