Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0776/13.5BEBRG 0241/17
Data do Acordão:11/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:TAXA DE SEGURANÇA ALIMENTAR MAIS
RESTRIÇÃO
FUNDAMENTOS
RECURSO
EFEITOS
Sumário:I - Tendo a recorrente impugnado, nas conclusões das alegações de recurso, apenas o fundamento da decisão de procedência da impugnação judicial consistente na violação de lei por erro de julgamento no cálculo do valor da taxa a aplicar ao sujeito passivo da TSAM, a decisão subsiste ancorada no fundamento não impugnado da preterição do direito de audiência.
II - Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo (art.635º nº5 CPC/art.2º al.e) CPPT).
Nº Convencional:JSTA000P25121
Nº do Documento:SA2201911060776/13
Data de Entrada:03/08/2017
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em 9 dezembro 2016, a qual julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, S.A., contra liquidação da Taxa de Segurança Alimentar Mais (TSAM), relativa ao ano de 2012, no montante de € 10 179,60.

1.2. A recorrente apresentou as suas alegações, que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
1.º A liquidação não sofre de qualquer vício invalidante e designadamente de erro de cálculo ou resultante de não aplicação da isenção;
2.º Nos termos da Portaria n.º 215/2012, a área tributável apura-se ou por recurso aos dados fornecidos pelo contribuinte ou, na sua ausência, àqueles de que disponha a entidade liquidadora;
3.º No caso, a Impugnante não comunicou esses dados, pelo que a DGAV lançou mão daqueles de que dispunha, as listagens da DGAE (n.º 4 e 5 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012);
4.º Aplicando depois às áreas assim comunicadas os coeficientes da Portaria n.º 200/2013, determinando a base tributária que multiplicada pelo valor da taxa para o ano de 2013 (art.º 4.º da Portaria n.º 215/2012), resulta no montante a cobrar, resultado que comunicou ao contribuinte nos termos do n.º 3 do art.º 5.º;
5.º O procedimento desenrolou-se, pois, de acordo com as regras aplicáveis e designadamente de acordo com o que se dispõe nos artigos 54.º e ss. da LGT;
6.º A materialidade que interessa à liquidação fixa-se de acordo com os elementos existentes no momento da prática do ato e não com aqueles que resultem da impugnação judicial;
7.º O processo impugnatório destina-se a reagir contra decisões ilegais da Administração não podendo o tribunal substituir-se-lhe para, neste processo, determinar a existência da isenção se esta não foi «detetada» por omissão do contribuinte e se o procedimento e a liquidação se mostram conformes à lei;
8.º O facto de a Impugnante ter indicado, agora e apenas neste processo, a área tributável, não torna a liquidação ilegal nem, por esta via, se lhe pode atribuir postumamente qualquer invalidade e designadamente o apontado erro;
9.º A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 5.º, 9.º e 10.º da Portaria n.º 215/2012 e no art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012.
Nestes termos e no mais que for doutamente suprido por Vossas Excelências, concedendo-se provimento a este recurso, Deve revogar-se a sentença considerando-se improcedente a impugnação, com o que farão, agora como sempre, a costumada JUSTIÇA

1.3. A recorrida apresentou contra-alegações, que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:
A - O Tribunal a quo, no que diz respeito à ilegalidade da Taxa de Segurança Alimentar Mais, para além de fazer uma correcta interpretação e aplicação das normas e princípios do procedimento tributário, aplicou imaculadamente as regras quanto às consequências previstas no caso de preterição de formalidades essenciais.
B - Ao contrário que que pretende a Fazenda Pública fazer crer, a ausência de comunicação do contribuinte não torna dispensável a participação do sujeito passivo para obter a certeza jurídica sobre a realidade tributária.
C. E, claro, preceitua o artigo 55º da Lei Geral Tributária que a Administração Tributária está vinculada à prossecução do “interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.”
D. A actuação da Recorrente ofende cada um desses princípios atrás enunciados, mas ofende, principalmente, o princípio do inquisitório, porquanto deveria aquela ter diligenciado no sentido de procurar saber qual a área tributável do estabelecimento comercial da Recorrida. Mesmo que não tivesse diligenciado nesse sentido, sempre poderia a Recorrente notificar a Recorrida para o exercício do direito de audição prévia contido no artigo 60º da Lei Geral Tributária, permitindo que esta demonstrasse qual a efectiva área tributável em sede de taxa de segurança alimentar mais.
E. Os direitos basilares dos contribuintes não se compadecem com “mecanismos substitutivos” encontrados ad hoc pela Recorrida.
F. Ao invés, prefere a DGAV, calcular o valor da taxa estabelecendo uma presunção com base em factos desconhecidos, ou, quanto muito, indemonstrados, tendo inteira noção de que possivelmente está longe de corresponder a verdade.
G - A Recorrente institui, assim, uma situação que lhe é mais conveniente, do que, procurar obter a certeza jurídica sobre a realidade tributária da Recorrida, nomeadamente, possibilitando-a a exercer o seu direito ao contraditório, concedendo-lhe, para tal, o direito a uma audiência prévia à liquidação.
H - A participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes dizem respeito é uma exigência constitucional (artigo 267º nº5 da CRP), estando vertida, inclusivamente, no artigo 60º da Lei Geral Tributária.
I - Ora, não obstante a Recorrente considerar que, conforme ficou demonstrado, a decisão final do procedimento teria sido diferente se lhe tivesse sido concedida a hipótese de se pronunciar em momento prévio à liquidação, veja-se o lapidar Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26/6/2015, no qual se disse que “Como afirmou já este Supremo Tribunal Administrativo «o direito de audiência não tem como única finalidade a possibilidade de participar na fixação da matéria colectável, antes podendo essa participação (que o direito de audiência visa assegurar) assumir muitos outros domínios da formação da decisão final» (Cfr. o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1374/13, ainda não publicado no jornal oficial (…)
J - Por outro lado, cumpre citar o lapidar Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-11-2011 (proc n.º 0539/11), do qual resulta que “a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, pelo direito de audição antes da liquidação (artigos 267.° da CRP e 60.° da LGT). A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente,” o que, pelo exposto supra, resulta que a decisão do procedimento teria de ser diferente caso tivesse sido assegura à Recorrente o exercício do direito de audição prévia.
K - Cite-se, ainda, o lapidar Acórdão do TCAN de 27.01.2012, proc. 00397/08.4BEPRT: “E não é o facto de o contribuinte faltar a um seu dever - para com a Administração que legitima esta a, por sua vez, desrespeitar um direito dele. (…) É certo que pode parecer que o contribuinte, ao faltar ao seu dever de declaração, se desinteressa de participar na definição da sua situação tributária.
Mas só aparentemente assim é […] nada permite afirmar que o contribuinte que se absteve de entregar a sua declaração não quer exercer o seu direito a participar na formação da decisão que, assente nessa omissão, a Administração venha a tomar.”
L - Sem prejuízo de todo o exposto, o direito de audição vem estabelecido e regulado no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, estando as situações de dispensa contidas, de forma taxativa, no número 2, cabendo referir que:
- Quanto à alínea a), a Recorrida efectuou a liquidação em causa sem ter por base qualquer declaração do contribuinte, não tendo existido qualquer decisão, em sede de procedimento;
- Quanto à alínea b), tratou-se de uma liquidação oficiosa, sem que, contudo, esta tenha sido efectuada com base em critérios e objectivos previstos na lei, nem tão pouco foi a Recorrente notificada para apresentar qualquer declaração ou dado em falta.
M - De resto, tendo por base a análise doutrinal e jurisprudencial que se faz do direito de audição prévia, também se dirá que a audição prévia dos interessados se configura como obrigatória nos procedimentos em que se verifica a existência de diligências instrutórias capazes de alterar a posição da Administração Tributária.
N - Pelo que se concluí conforme o disposto pelas doutas sentenças do TAF de Braga que, com a mesma identidade de factos e fundamento, tiveram por base da Impugnação da Taxa de Segurança Alimentar Mais, “trata-se, pois, não da simples omissão de uma formalidade essencial, mas da falta total do procedimento que conduz ao acto de liquidação, o que corresponde, como vimos, a uma absoluta falta de forma, subsumível na alínea f) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA (actual artigo 161º. n. 2, alínea g)).”
O - A impugnação judicial é configurada como uma acção de anulação, sendo o “objecto do ataque” do impugnante o acto impugnado e as “armas” desse ataque os vícios que lhe são apontados.
P - Estando a aplicação do regime da isenção intimamente ligada à liquidação efectuada, na medida em que, a verificação da primeira determina a decisão em não liquidar, se, atentas as circunstâncias do caso, a isenção seria de aplicar, e não tendo sido a mesma reconhecida, estamos perante um vício susceptível de ser apontado à liquidação e, tendo o mesmo sido arguido pela ora Recorrida, na sua petição de impugnação judicial, este constitui um facto objecto de litígio, devendo, portanto, ser conhecido pelo Tribunal.
Q - Ora, tendo-se verificado a preterição de formalidade essencial/legal, resulta necessariamente que o acto praticado com esse vício, diga-se a liquidação, tem de ser ANULADO.
Nestes Termos, Deverão V. Exas. negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida que determinou a anulação do acto de liquidação, por preterição de formalidades legais que no seu conjunto formariam o procedimento tributário legalmente exigido.

1.4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido da rejeição do recurso (processo físico, fls. 295)

1.4. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos:
1. A agora Impugnante é uma empresa do sector da distribuição de produtos alimentares e outros, que detém e gere o estabelecimento que se apresenta com a insígnia "……….", no qual exerce a atividade de comércio a retalho de produtos alimentares e outros - acordo, artigo 1° e 2° não impugnado;
2. O dito estabelecimento é um estabelecimento comercial misto com uma área total de 2.495 m2 sendo que 1.998,00 m2 são de área física de vendas de produtos alimentares - acordo, artigo 3° p.i. não impugnado;
3. Nele, à semelhança do que sucede com estabelecimentos idênticos, a Impugnante comercializa "produtos de origem animal e vegetal, frescos e congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados” — facto público e notório, não impugnado;
4. Pelo ofício n° 019168 de 13/11/2012, cujo aviso de receção foi assinado em 15/11/2012 a Direcção-Geral de Agricultura e Veterinária (DGAVL notificou a agora Impugnante para pagar a “Taxa de Segurança Alimentar Mais” criada pelo Decreto-Lei n° 119/2012, de 15 de Junho, relativa ao ano 2012 conforme fatura anexada, a° 52/F de 07/11/2012, no montante de € 10.179,60 - fls 1 a 6 do PA apenso;
5. Em 04-01-2013 o montante referido em 4) foi pago na totalidade - cfr. Doc n°2 junto aos autos a fls 24;
6. Em 15/04/2013 foi enviada pelo correio para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a petição inicial - fls. 31 dos autos;

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questão decidenda: legalidade da liquidação da taxa de segurança alimentar mais (TSAM)

2.2.2. Apreciação jurídica
A sentença recorrida apreciou os fundamentos da impugnação judicial deduzida contra a liquidação da TSAM, enunciados pela impugnante na petição inicial:
1. Inconstitucionalidade orgânica do diploma que criou a TSAM (DL nº 119/2012, 15 junho)
2. Inconstitucionalidade material do diploma citado, por violação dos princípios da capacidade contributiva, da tributação das empresas pelo lucro real, da proporcionalidade e da equivalência (declinação do princípio da igualdade no domínio das contribuições financeiras);
3. Ilegalidade da liquidação por preterição das seguintes formalidades legais:
- falta de fundamentação formal do acto tributário;
- preterição do direito de audiência
4. Ilegalidade da liquidação por erro de cálculo do valor da taxa e não aplicação do regime de isenção
O tribunal julgou improcedentes os fundamentos invocados de inconstitucionalidade orgânica e material e de falta de fundamentação formal do acto tributário; mas procedentes os fundamentos de preterição do direito de audiência no procedimento de liquidação e de violação da lei por erro no cálculo do valor da taxa com consequente verificação dos pressupostos de isenção da taxa, ambos determinantes da anulação do acto tributário

O recurso jurisdicional visa o reexame da decisão impugnada, no sentido da sua revogação, modificação ou confirmação, estando vedado ao tribunal de recurso o conhecimento de questão nova (não apreciada no tribunal de instância), salvo se for de conhecimento oficioso (acórdãos STA-SCT 27/6/2012, proc. nº 218/12; 23/2/2012, proc. nº 1153/11; 25/1/2012, proc. nº 12/12; 11/5/2011, proc. nº 4/11; de 1/7/2009, proc. nº 590/09; de 4/12/2008, proc. nº 840/08; de 30/10/08, proc. nº 112/07; de 2/6/2004, proc. nº 47978 Pleno)

O recorrente deve apresentar as suas alegações, sintetizando na respectiva conclusão os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (art.639º nº1 CPC / art.2º al.e) CPPT
Não obstante, tanto no texto como nas conclusões das alegações a recorrente dirige a sua crítica exclusivamente ao fundamento da violação de lei por erro no cálculo do valor da taxa e na inaplicação do regime de isenção, ignorando em absoluto o fundamento da preterição do direito de audiência do sujeito passivo da taxa no procedimento de liquidação.
Neste contexto a reapreciação pelo tribunal de recurso do fundamento julgado procedente pelo tribunal tributário e impugnado pela recorrente, configurado no vício de violação de lei por erro de cálculo do valor da taxa e consequente inaplicação do regime de isenção seria inútil, porque a decisão de improcedência da impugnação judicial manter-se-ia, ancorada na procedência do fundamento não impugnado da preterição do direito de audiência, na medida em que os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo (art.635º nº5 CPC /art.2º al.e) CPPT).

3. DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 6 de Novembro de 2019. – José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – José da Ascensão Nunes Lopes.