Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0465/11 |
Data do Acordão: | 05/25/2011 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANTÓNIO CALHAU |
Descritores: | PRESCRIÇÃO OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO |
Sumário: | I - A redacção actual do n.º 3 do artigo 49.° da LGT, estabelecendo expressamente que a interrupção se opera uma única vez, aplica-se apenas aos factos interruptivos verificados após o início da vigência do diploma que introduziu a alteração da norma. II - A revogação do n.º 2 do artigo 49.° da LGT (cessação do efeito interruptivo do prazo de prescrição) pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, não opera quanto aos processos em que já tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por acto não imputável ao sujeito passivo. III - A prestação de garantia, aliada à pendência da impugnação, suspendendo a execução até à decisão do pleito, determina também a suspensão do prazo de prescrição, conforme resulta do disposto no n.º 4 do artigo 49.º da LGT e 169.º, n.º 1 do CPPT. |
Nº Convencional: | JSTA00066995 |
Nº do Documento: | SA2201105250465 |
Data de Entrada: | 05/09/2011 |
Recorrente: | A... |
Recorrido 1: | FAZENDA PÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Meio Processual: | REC JURISDICIONAL. |
Objecto: | SENT TT1INST LISBOA PER SALTUM. |
Decisão: | NEGA PROVIMENTO. |
Área Temática 1: | DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL. |
Legislação Nacional: | CPTRIB91 ART34. LGT98 ART49 N1 N2 N3 N4. CPPTRIB99 ART169 N1. CCIV66 ART12 ART297 N1 ART326 N1 ART327 N1. |
Jurisprudência Nacional: | AC STAPLENO PROC840/07 DE 2008/05/28. |
Referência a Doutrina: | JORGE DE SOUSA NOTAS SOBRE A APLICAÇÃO NO TEMPO DAS NORMAS SOBRE PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I – A…, SA, com os sinais dos autos, não se conformando com a decisão da Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação por si apresentada do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Loures 1 que indeferiu o pedido de declaração da prescrição da dívida de IRC de 1996, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões: 1. A sentença recorrida padece de erro na apreciação e na aplicação das normas jurídicas, pelo que deve a mesma ser revogada, declarando-se prescrita a dívida exequenda em causa no processo de reclamação judicial instaurado pela ora Recorrente. 2. Nos termos do art.º 297.º do CC, o prazo de prescrição aplicável é o prazo de 8 anos previsto na LGT, contado desde a data da sua entrada em vigor – 1 de Janeiro de 1999. 3. Com excepção do prazo em si, todo o regime prescricional aplicável é o previsto no art.º 34.º do CPT, pelo que relevam apenas as causas de interrupção ou suspensão a que este normativo atribuía essa relevância (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 19/02/2008, no proc. 2122/07). 4. O primeiro facto interruptivo ocorreu em 24 de Julho de 2001, com a instauração da execução. 5. Contado o prazo de prescrição desde a entrada em vigor da LGT, em 1 de Janeiro de 1999, o lapso de tempo entre esta data e 24 de Julho de 2001 (data da interrupção por efeito da instauração da execução) foi de 2 anos, 6 meses e 24 dias, faltando, para se completar o prazo de prescrição, 5anos, 5 meses e 6 dias. 6. Mesmo antes do n.º 3 do artigo 49.º da LGT, na redacção introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, a jurisprudência dominante vinha já considerando – e bem! – que apenas o primeiro facto interruptivo releva, não havendo interrupções sucessivas da prescrição (Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 09/08/2006, no proc. 0808/06; de 20/09/2006, no proc. 997/05; de 12/12/2006, no proc. 955/06; de 17/01/2007, no proc. 01129/06 e Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Norte de 30/04/2008, no proc. 81/08; de 12/10/2006, no proc. 367/04 e de 12/10/2006, no proc. 837/04). 7. Esta posição jurisprudencial – que não foi, em manifesto erro na aplicação de direito, seguida pelo ilustre Tribunal a quo – é a que melhor espelha o espírito da norma e constitui jurisprudência minoritária. 8. Aliás, foi precisamente na senda da corrente jurisprudencial dominante – a antes citada – que o legislador entendeu consagrar em letra de lei (através da Lei 63-A/2006, de 29 de Dezembro) a regra de que a interrupção tem lugar uma única vez. 9. Após as penhoras realizadas em 31 de Outubro de 2001 o processo de execução esteve parado por período superior a um ano (sem que tal paragem seja imputável à Recorrente). 10. Assim, e porque apenas o primeiro facto interruptivo releva, a interrupção produzida em 24 de Julho de 2001 com a instauração da execução degenerou em suspensão porque o processo de execução esteve parado mais de um ano entre 31 de Outubro de 2001 (data das penhoras) e 31 de Outubro de 2002 (um ano depois), por motivos exclusivamente imputáveis à AT e totalmente alheios à Recorrente, razão pela qual deve somar-se o período decorrido até à interrupção ao período decorrido após o termo da suspensão (em 31 de Outubro de 2002). 11. O prazo de prescrição retomou a sua contagem (porque cessou o efeito interruptivo) em 31 de Outubro de 2002, pelo que, contrariamente ao que afirma o ilustre Tribunal a quo, o prazo de oito anos de prescrição ocorreu em 6 de Abril de 2008 (5 anos, 5 meses e seis dias depois). 12. E refira-se que, embora a Reclamante haja requerido a suspensão do processo executivo em 9 de Agosto de 2001, o processo executivo apenas foi legalmente suspenso em 22 de Outubro de 2007. 13. Ora, não pode – contrariamente ao que parece afirmar o ilustre Tribunal a quo – considerar-se que a garantia prestada em 2007 fez suspender o prazo de prescrição (cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 09/05/2006 no recurso n.º 2353/99). 14. É que respeitando a dívida ao exercício de 1996, só por motivos exclusivamente imputáveis à AT foi a liquidação emitida 5 anos depois (em 21/03/2001), pelo que é exclusivamente imputável à AT que apenas em 2001 haja sido instaurada a execução, da mesma forma que é exclusivamente imputável à AT que apenas em 2007 haja sido prestada garantia e suspenso o processo executivo. 15. Reportando-se o facto tributário a um período em que vigorava ainda (e vigorou durante mais dois anos) o CPT, e aplicando-se este, como vimos, à contagem do prazo de prescrição (com excepção do prazo em si), e tendo o processo executivo vindo a ser instaurado apenas em 2001 e a garantia pedida e prestada muito mais tarde – em 2007 – é falacioso pretender que em 2007 se suspendeu a execução fiscal em virtude de uma reclamação deduzida em 2001 ou mesmo de uma impugnação deduzida em 2003. 16. Deverá, pois, ser reconhecida a prescrição da dívida aqui em causa, por decurso do prazo de 8 anos introduzido pela LGT, aplicável de acordo com o disposto no art.º 297.º do CC e contado nos termos do CPT, por ser este que rege a dívida na medida em que estava em vigor à data do facto tributário, revogando-se em consequência a sentença recorrida. Não foram apresentadas contra-alegações. O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso deve improceder. Com dispensa de vistos, vêm os autos à conferência. II – Na decisão recorrida, mostra-se assente a seguinte factualidade: A) Na sequência de acção de inspecção efectuada à Reclamante, foi emitida a liquidação adicional n.º 2001 8310003047, respeitante a IRC relativo ao exercício de 1996, cuja data limite de pagamento foi fixada em 23/5/2001 – cf. fls. 46; B) Corre termos no Serviço de Finanças de Loures 1, contra a ora Reclamante, o processo de execução fiscal n.º 15202200101016407 para cobrança da quantia de € 128 612,69, proveniente da liquidação adicional identificada em A) – cf. documento de fls. 45; C) O referido processo foi autuado em 24/7/2001 – cf. fls. 45; D) A Executada foi citada em 31/7/2001 – cf. fls. 47 a 49; E) Em 8/8/2001 a Reclamante apresentou reclamação graciosa tendo por objecto a liquidação identificada em A) – cf. fls. 50; F) Em 9/8/2001 a Reclamante requereu que o processo identificado em B) fosse suspenso até à apreciação da reclamação graciosa, indicando bens para penhora (equipamento informático e de escritório, e direito ao trespasse) – cf. fls. 55; G) Em 31/10/2001 foi efectuada a penhora de bens móveis relacionados em lista anexa ao auto de penhora, correspondente aos bens indicados pela reclamante, que se dá por integralmente reproduzida, para garantia da quantia exequenda e acrescido – cf. fls. 56; H) Não se conformando com o indeferimento da reclamação indicada em E), em 14/4/2003 a Reclamante apresentou impugnação judicial que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa, com o n.º 353/03 – cf. fls. 62 a 69; I) Tal impugnação seguiu os seus trâmites normais até 10/1/2005, data em que esteve parada até 7/12/2006 – cf. fls. 551 e 552 daqueles autos; J) Após notificação para o efeito, veio a Reclamante a prestar garantia bancária em 22/10/2007; K) Em 12/11/2008 foi proferida sentença julgando improcedente a acção identificada em H) – cf. fls. 71; L) A Reclamante apresentou recurso de tal decisão em 20/11/2008 – cf. fls. 79; M) Em 19/1/2009 a Reclamante requereu ao Chefe do Serviço de Finanças de Loures 1 que reconhecesse a prescrição da dívida de IRC de 1996 e, em consequência, ordenasse a extinção dos autos de execução – cf. fls. 133; N) Por despacho de 13/7/2010 foi a pretensão da Reclamante indeferida – cf. fls. 34; O) A Reclamante deduziu a presente acção de reclamação de tal despacho em 28/7/2010 – cf. fls. 5 dos autos. III – Vem o presente recurso interposto da decisão da Mma. Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou improcedente a reclamação judicial do indeferimento do requerimento arguindo a prescrição da dívida exequenda apresentado pela ora recorrente junto do órgão de execução fiscal. Alega a recorrente que tal decisão padece de erro na apreciação e na aplicação das normas jurídicas, pelo que deve a mesma ser revogada, declarando-se prescrita a dívida em causa, referente a IRC do exercício de 1996. Vejamos. Nos termos do artigo 34.° do CPT, o prazo de prescrição de tal dívida era, então, de dez anos, contando-se desde o início do ano seguinte àquele em que ocorreu o facto tributário, ou seja, neste caso, desde 1/1/1997. Com a entrada em vigor da LGT em 1/1/1999, o referido prazo de prescrição passou a ser de apenas oito anos. Nos termos do artigo 297. °, n.º 1, do Código Civil, “a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar”. Assim, neste caso, por não faltar menos tempo para o prazo se completar é aplicável o prazo previsto na lei nova, mas o mesmo só se conta a partir da entrada em vigor desta, ou seja, a partir de 1/1/1999. Havendo sucessão de leis no tempo, a lei nova é competente para determinar os efeitos sobre o prazo de prescrição que têm os factos que ocorrem na sua vigência, por força do disposto no artigo 12.° do Código Civil. Antes da alteração introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29/12, que entrou em vigor em 1/1/2007, dispunha o artigo 49.° da LGT, no seu n.º 1, que a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompiam a prescrição. No caso em apreço, tendo-se o prazo de prescrição iniciado em 1/1/1999, o mesmo, desde logo, foi interrompido com a citação da executada, ocorrida em 31/7/2001. Mas, como ressalta do probatório, outros factos interruptivos se sucederam: reclamação graciosa apresentada em 9/8/2001 e impugnação judicial deduzida em 14/4/2003. Ocorrendo várias causas de interrupção da prescrição antes da entrada em vigor da nova redacção do n.º 3 do artigo 49.° da LGT, introduzida pelo artigo 89.° da Lei 53- A/2006, de 29/12, devem todas elas ser consideradas (v. acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 28/5/2008, proferido no recurso n.º 840/07). A redacção actual do n.º 3 do artigo 49.° da LGT, estabelecendo expressamente que a interrupção se opera uma única vez, aplica-se apenas aos factos interruptivos verificados após o início da vigência do diploma que introduziu a alteração da norma. O facto interruptivo inutiliza para a prescrição o prazo decorrido até à sua verificação e o novo prazo só começa a correr com a decisão final (processo de natureza administrativa), a decisão que puser termo ao processo de execução fiscal ou o trânsito em julgado da decisão (processo judicial) - v. artigos 326.°, n.º 1 e 327.°, nº 1 do CC e Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado, e Notas sobre a aplicação no tempo das normas sobre prescrição da obrigação tributária. É certo que a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz, porém, cessar, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 49.° da LGT, o efeito previsto no seu número 1, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação. Ainda que o processo executivo tenha estado parado por motivo alheio à reclamante, ora recorrente, desde 31/10/2001, e que a referida paragem tenha feito cessar o efeito interruptivo da citação da executada, convertendo-o em suspensão, há que ter em atenção que em 14/4/2003 foi deduzida impugnação judicial, determinando nova interrupção do prazo prescricional. Tal impugnação esteve, também, parada desde 10/1/2005 até 7/12/2006 por motivo alheio à impugnante (v. alínea I) do probatório). A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar, como supra se disse, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo 49.° da LGT, o efeito previsto no seu número 1, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período ao que tiver decorrido até à data da autuação. Há que ter em conta ainda que a revogação do n.º 2 do artigo 49.° da LGT (cessação do efeito interruptivo do prazo de prescrição) pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, não opera quanto aos processos em que já tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por acto não imputável ao sujeito passivo. Por último, atente-se que em 22/10/2007 a reclamante prestou garantia bancária com vista à suspensão da execução e, assim sendo, a prestação de garantia, aliada à pendência da impugnação, suspendeu a execução até à decisão do pleito que no caso dos autos aguarda decisão em sede de recurso (v. alínea L) do probatório), conforme resulta do disposto no n.º 4 do artigo 49.º da LGT e 169.º, n.º 1 do CPPT. E, tendo o processo de execução fiscal ficado suspenso, o prazo de prescrição também ficou suspenso (v., neste sentido, entre outros, os acórdãos deste Tribunal de 4/3/09 e de 26/1/2011, proferidos nos recursos n.ºs 160/09 e 1/11, respectivamente). Razão por que, contado o prazo de prescrição de oito anos aqui aplicável de 1/1/1999 até 31/7/2001 (data da citação da executada) e somado tal prazo com o decorrido depois de 31/10/2002 (um ano após a data em que o processo executivo esteve parado) até 14/4/2003 (data em que foi deduzida impugnação judicial) e ainda com o que decorreu de 10/1/2006 (um ano após a paragem da impugnação) até 22/10/2007 (data em que foi prestada garantia), é evidente que o mesmo ainda se não completou. Improcedem, desta forma, as alegações de recurso apresentadas pela reclamante. Pelo contrário, a decisão recorrida ao considerar a dívida ainda não prescrita e, consequentemente, julgar a reclamação improcedente não merece, por isso, qualquer reparo. IV – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso, confirmando-se, assim, a decisão recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 25 de Maio de 2011. - António Calhau (relator) - Casimiro Gonçalves - Brandão de Pinho. |