Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0439/06
Data do Acordão:01/16/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
DIREITO COMUNITÁRIO
NÃO RESIDENTE
Sumário:O n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.
Nº Convencional:JSTA00064759
Nº do Documento:SA2200801160439
Data de Entrada:05/03/2006
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOULÉ.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRS.
Área Temática 2:DIR COMUN.
Legislação Nacional:CIRS88 NA REDACÇÃO DA L 109-B/2001 DE 2001/12/27 ART43 N2.
Referências Internacionais:AC TRIJ PROC C-443/06 DE 2007/10/11.
AC TRIJ PROC C-222/97 DE 1999/03/16 IN COLECTÂNEA PAG1661 N24.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A… impugnou judicialmente no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé a liquidação de IRS respeitante ao ano de 2003.
Por sentença daquele Tribunal, a impugnação foi julgada improcedente.
Inconformada, a Impugnante interpôs o presente recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, apresentando alegações com as seguintes conclusões:
1.ª O disposto no n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, se aplicado no sentido de excluir da limitação da incidência de imposto a 50% as mais valias realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia, viola o disposto nos artigos 12.º, 18.º, 39.º, 43.º e 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia porque
a) discrimina injustificadamente entre residentes em Portugal e residentes num outro Estado da União Europeia;
b) tributa estes últimos, em igualdade de circunstâncias, de forma mais gravosa do que os primeiros;
c) torna objectivamente menos favorável a estes últimos o exercício dos seus direitos de livre circulação e estabelecimento, quer quanto a pessoas quer quanto a capitais.
2.ª A citada norma de direito interno, aplicada, como o foi, para fundamentar o acto de Liquidação impugnado, discrimina contra a ora recorrente, tributando-a por uma medida mais gravosa do que outras pessoas colocadas em idêntica situação patrimonial, mas residentes em Portugal.
3ª É ilegal o acto de liquidação impugnado, na medida em que se fundamenta em norma de direito interno incompatível com o Direito Comunitário.
Termos em que, com o douto suprimento de V.Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogada a douta decisão recorrida e anulado o acto tributário Impugnado, se necessário após reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça nos termos do art. 234.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, com todas as consequências legais, e o Estado condenado a indemnizar a ora recorrente dos custos incorridos com a garantia prestada no respectivo processo de execução, nos termos dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.
A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
1. O imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) sujeita, em regra (com excepção das taxas liberatórias e taxas especiais), o rendimento global dos contribuintes a uma única taxa de tributação, que é uma consequência da sua característica de imposto único;
2. O Art. 13.º do CIRS delimita a incidência pessoal do imposto, considerando que ficam sujeitas a IRS as pessoas singulares que residam em território português e as que, nele não residindo, aqui obtenham rendimentos;
3. O âmbito da sujeição do imposto está previsto nos n.ºs 1 e 2 do Art. 15.º do CIRS, pelo que sendo as pessoas residentes em território português, o IRS incide sobre a totalidade dos seus rendimentos, incluindo os obtidos fora desse território (obrigação de âmbito pessoal) e tratando-se de não residentes, o IRS incide unicamente sobre os rendimentos obtidos em território português (obrigação de âmbito real);
4. As taxas do IRS classificam-se em normais e progressivas (Art. 68.º do CIRS) e em especiais e proporcionais (Arts. 71.º e 72.º do CIRS);
5. As taxas normais são progressivas, aumentando medida que aumenta a matéria colectável, pelo que funcionam por escalões e aproximam o imposto da sua finalidade redistributiva (equidade) e as taxas especiais são proporcionais dado se manterem constantes, independentemente do montante da matéria colectável:
6. A taxa especial de 25% (n.º 1 do Art. 72.º do CIRS) é aplicável às mais valias outros rendimentos auferidos por não residentes em território português que sejam imputáveis a estabelecimento estável nele situado e que não sejam sujeitos a retenção na fonte a taxas liberatórias, salvo o disposto no n.º 4;
7. O acto tributário ora impugnado resultou da aplicação pela Administração Tributária, do disposto no n.º 2 do Art. 43.º do IRS em que o saldo apurado entre as mais valias e as menos valias respeitantes às transmissões efectuadas por residentes previstas na alínea a) (...) do n.º 1 do Art. 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor;
8. Respeitando o caso sub judice, a uma mais valia realizado por um Sujeito passivo não residente em Portugal (a ora recorrente é residente na Alemanha), o valor dessa mais valia não pode ser considerado apenas em 50% do seu valor mas sim pela sua totalidade, interpretação que se infere da referida norma legal a contrario sensu:
9. A citada norma legal não viola nem discrimina os direitos dos não residentes por contraposição aos residentes em Portugal, conforme propugna a ora recorrente, porque os Estados Membros da União Europeia, em matéria de impostos directos (IRS), têm competência para legislar e exercer a sua jurisdição fiscal, de conformidade com as leis tributárias vigentes no seu ordenamento jurídico-tributário, que no caso de Portugal se rege pela norma constitucional do n.º 1 da al. i) do Art. 165.º da CRP (reserva de lei da Assembleia da República em matéria fiscal).
10. Assim, tais matérias não se encontram incluídas na esfera de competências da Comunidade, mas sim nas competências próprias de cada Estado Membro, que embora tenham que respeitar o direito comunitário, têm ainda como limite principal à sua soberania fiscal, os chamados acordos de dupla tributação que visam eliminar a dupla tributação internacional e evitar a fraude e a evasão fiscal internacionais;
11. A lei tributária portuguesa não é discriminatória no tratamento fiscal dado aos residentes e não residentes em Portugal, simplesmente delimitou que um sujeito passivo residente é tributado pela totalidade dos rendimentos auferidos em Portugal e fora de Portugal enquanto um sujeito passivo não residente apenas é tributado pelos rendimentos obtidos em território português (n.º 1 do Art. 13.º do CIRS conjugado com os n.ºs 1 e 2 do Art. 15.º do CIRS);
12. A forma de tributação dos rendimentos provenientes de mais valias obtidas por residentes e por não residentes em território português é diferente mas não origina nem desigualdades nem violação do princípio da capacidade contributiva na tributação do rendimento, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar, o qual é o princípio estruturante do ordenamento jurídico tributário português;
13. O princípio da igualdade previsto no Art. 13.º da CRP proíbe discriminações arbitrárias entre os cidadãos, não significa isto, que a lei deva garantir na sua aplicação um resultado igual para cada um dos seus destinatários mas sim que a diferenciação dos resultados deve corresponder à efectiva diferença existente entre os destinatários;
14. A igualdade não pode ser entendida em sentido estrito, pois, a igualdade tanto quantitativa como qualitativa do imposto conduziria sempre a uma desigualdade no sacrifício imposto aos destinatários da lei fiscal, por isso, para que seja garantida uma efectiva igualdade na distribuição da carga fiscal entre os contribuintes impõe-se que haja tratamento diferente do que é realmente diferente para que se concretize o princípio do justiça tributária.
15. Logo, aferir a capacidade contributiva de um residente é mais fácil do que o de um não residente pois, enquanto aquele é obrigado a declarar todos os rendimentos obtidos tanto no território português como fora do território, este apenas está obrigado a declarar os rendimentos auferidos em território português, pelo que se torna muito difícil saber qual é a capacidade contributiva de um não residente, que pode auferir outros rendimentos tanto no país da sua residência como ainda noutros países;
16. Daí que, a lei fiscal tenha estabelecido um diferente tratamento entre residentes não residentes, que não origina discriminações nem desigualdades entre ambos mas antes visa tratar diferentemente situações diferentes e não iguais, sem violar qualquer princípio constitucional ou disposições comunitárias:
17. O disposto nos Arts. 12.º, 18.º, 39.º, 43.º e 56.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia não foi violado pela aplicação do n.º 2 do Art. 43.º do CIRS ao caso sub judice, ao contrário do propugnado pela ora recorrente, porque a limitação da incidência de imposto a 50% das mais valias realizadas por residentes em Portugal, não origina qualquer discriminação entre os cidadãos nacionais e os cidadãos comunitários em razão da nacionalidade;
18. Isto porque não se pode tributar da mesma forma duas situações diferentes, tanto mais que idêntico regime está instituído relativamente à tributação liberatória por retenção na fonte dos não residentes por contraposição aos residentes, nas categorias B e E (rendimentos empresariais e de capitais), ou seja, a tributação liberatória impõe-se aos não residentes devido à impossibilidade de englobamento dos rendimentos por eles obtidos, o mesmo já não acontece com os residentes que podem sempre optar pelo englobamento previsto no n.º 6 do Art. 71.º do CIRS;
19. Já quanto à decisão do Tribunal de Justiça invocada pela ora recorrente, bem decidiu o Mm.º Juiz o quo quando julgou que o aresto citado em abono da Sua tese nada tinha a ver com o caso sub judice, porque o que aí estava em causa era liberdade de estabelecimento face à transferência do domicílio fiscal para outro Estado Membro e as regras de tributação das mais valias de valores mobiliários enquanto nos autos trata-se apenas de tributar uma mais valia efectivamente realizada por um não residente em Portugal;
20. Assim sendo, o acto tributário de liquidação é legal porque está em conformidade com as leis tributárias vigentes no ordenamento jurídíco-tributário português, não violando quaisquer princípios ou normas constitucionais nem disposições comunitárias.
Face à factualidade exposta, e porque a douta sentença bem decidiu, deve a mesma ser mantida e o recurso apresentado considerado improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
1. Recorrente: A…
2. Objecto do recurso: legalidade do acto de liquidação do IRS impugnado, que tributou as mais valias realizadas pela recorrente com a venda do imóvel identificado na sua declaração de rendimentos na sua totalidade, nos termos do art. 43º, nº 1 e 2 do Código do IRS, por interpretação a contrario sensu, interpretação esta que, no entender da recorrente, viola o disposto nos artigos 12º, 18º, 39º, 43º e 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia.
Para o efeito alega a recorrente que o artigo 43º n. º 2 do Código do IRS, interpretado e aplicado no sentido de excluir da limitação da incidência de imposto a 50% as mais-valias realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia, viola o disposto nas referidas normas de direito comunitário porque:
a) Discrimina injustificadamente entre residentes em Portugal e residentes num outro Estado da União Europeia;
b) Tributa estes últimos, em igualdade de circunstâncias, de forma mais gravosa do que os primeiros;
c) Toma objectivamente menos favorável a estes últimos o exercício dos seus direitos de livre circulação e estabelecimento, quer quanto a pessoas quer quanto a capitais.
3. Fundamentação:
Como se vê de fls. 62 a decisão recorrida entendeu não se descortinar naquela norma do Código do IRS qualquer discriminação entre os cidadãos nacionais e os comunitários em razão da nacionalidade, e, do mesmo modo, não vislumbrar nenhuma limitação do direito qualquer cidadão da União goza do direito de circular, permanecer ou trabalhar livremente no território dos Estados-Membros.
A nosso ver, porém, a questão de não conformação do art. 43º nº 2 do Código do IRS com o direito comunitário não está suficientemente tratada na decisão recorrida sendo que ali não se fundamenta porque não se vislumbra qualquer discriminação entre os cidadãos nacionais e os comunitários em razão da nacionalidade.
Sobre a questão alega a Exm.ª Representante da Fazenda Pública que a citada norma legal não viola nem discrimina os direitos dos não residentes por contraposição aos residentes em Portugal, porque os Estados Membros da União Europeia, em matéria de impostos directos (IRS), têm competência para legislar e exercer a sua jurisdição fiscal, de conformidade com as leis tributárias vigentes no seu ordenamento jurídico – tributário.
Ora a questão suscitada pelo recorrente prende-se com um problema chave do direito comunitário que é o de saber qual o impacto do princípio comunitário da livre circulação de pessoas nas legislações fiscais internas relativas ao imposto sobre o rendimento.
Com efeito, ao contrário do IVA, o tratado CEE não contém qualquer prescrição no sentido da harmonização dos impostos directos dos estados membros.
A harmonização só é obrigatória em matéria de fiscalidade indirecta (artigo 99º. do Tratado CE).
Porém a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) tem-se pronunciado no sentido de que mesmo em domínios que são da sua exclusiva competência, os Estados-membros não podem adoptar medidas que tenham por efeito entravar sem justificação a livre circulação dos trabalhadores, das profissões independentes, dos serviços ou dos capitais.
Assim, qualquer legislação fiscal que introduza uma discriminação em razão da nacionalidade, quer esta discriminação seja ostensiva ou dissimulada, deve poder ser examinada à luz das normas do tratado que garantem aqueles direitos de livre circulação de mercadorias, de pessoas, de serviços e de capitais, nomeadamente os arts. 39º e 56º invocados pelo recorrente – vide neste sentido Acórdãos do TJCE de 14 de Setembro de 1999. - Frans Gschwind contra Finanzamt Aachen-Au8enstadt, Processo C-391/97, (parágrafo 20), de 12.12.2002, De Groot, Processo C-385/00, e de 14.12.2000, Amid, processo C-141/99, todos publicados in europa.eu.intleur-lex/pt/index.html.
Ora no caso o recorrente alega que aquela norma do Código do IRS, se aplicada no sentido de negar aos residentes de outros Estados membros a consideração de apenas 50% do valor dos rendimentos qualificados como mais-valias na determinação do seu rendimento colectável, concedendo-a apenas aos residentes em Portugal, torna objectivamente menos favorável aos primeiros o exercício dos seus direitos de livre circulação e estabelecimento, quer quanto a pessoas quer quanto a capitais, consagrados no Tratado que Institui a Comunidade Europeia.
Pois que os não residentes que queiram liquidar o seu património imobiliário situado em Portugal, para transferir o respectivo capital dentro deste Estado ou para outro Estado membro, designadamente para aí se estabelecerem, ficam, pelo simples facto de não serem residentes em Portugal, sujeitos a tributação sobre uma base que é duas vezes maior do que a base tributável de um residente, nas mesmas circunstâncias.
Suscita-se assim a não conformação daquela norma do Código do IRS ao direito comunitário em termos que se nos afiguram justificarem o reenvio prejudicial junto do TJCE, tanto mais que não é conhecida, sobre a questão, jurisprudência clara daquele Tribunal de Justiça.
Em face do exposto somos de parecer que deve ser deferido o pedido de reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça para esclarecimento da questão suscitada no presente recurso e que é a seguinte:
O disposto no n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001,de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas por residentes em Portugal, viola o disposto nos artigos 12º, 18º, 39º, 43º e 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia?
Nomeadamente porque:
a) discrimina injustificadamente entre residentes em Portugal e residentes num outro Estado da União Europeia?
b) tributa estes últimos, em igualdade de circunstâncias, de forma mais gravosa do que os primeiros?
c) torna objectivamente menos favorável a estes últimos o exercício dos seus direitos de livre circulação e estabelecimento, quer quanto a pessoas quer quanto a capitais?
Notificadas as partes para se pronunciarem sobre este douto parecer, apenas a Excelentíssima Representante da Fazenda Pública se pronunciou, dizendo o seguinte:
Notificada do douto parecer de fls.104, a representante da Fazenda Pública, à questão suscitada, de não conformação do artigo 43º, n º 2 do CIRS ao direito comunitário, considera que, como defende nas suas alegações a recorrida Fazenda Pública, a delimitação do âmbito de aplicação desta norma a contribuintes residentes no território português não implica desfavor dos não residentes.
Com efeito, o regime de tributação por taxa liberatória, nos termos do artigo 72º, n º 1, do CIRS, consubstancia uma especificidade que visa precisamente uma não desigualdade entre contribuintes residentes e não residentes, atento a regra da tributação do rendimento ilíquido dos não residentes.
Com a tributação por taxa liberatória, o contribuinte beneficia de uma taxa proporcional que o coloca fora do alcance da aplicação de taxas mais elevadas aplicáveis aos contribuintes residentes no território português.
Por isso, se viesse a ser aplicada a taxa liberatória conjugadamente com a almejada limitação da incidência do imposto a 50% do valor das mais valias, nos termos do artigo 43º, nº 2, seria o contribuinte não residente quem viria auferir um injustificado benefício.
Pelo que é possível, desde já, determinar que o n º 2 do artigo 43º do CIRS não viola os artigos 12º, 18º, 39º, 43º e 56º do Tratado que institui a Comunidade Europeia, devendo ser indeferido o pedido do reenvio prejudicial formulado pela recorrente.
Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 28-9-2006 foi decidido proceder a reenvio prejudicial para o T.J.C.E. relativo à questão de saber se
O disposto no n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas por residentes em Portugal, viola o disposto nos artigos 12º, 18º, 39º, 43º e 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.
Na sequência desse reenvio, o T.J.C.E. proferiu o acórdão de 11-10-2007, processo n.º C-443/06, em que entendeu que
O artigo 56.º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.
2 – Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
A ora Impugnante é, e foi no ano de 2003, residente na Alemanha.
No ano de 2003, a ora Impugnante obteve os seguintes rendimentos em Portugal:
– Rendimentos prediais, no valor de € 19.752,47;
– Mais-valias resultantes da alienação onerosa do direito de propriedade sobre um bem imóvel sito em Portugal, pelo preço de € 625.000.
O imóvel alienado fora adquirido pela ora Impugnante a título gratuito, por herança aberta por morte de seu marido, B… , em 1998, tendo-lhe sido liquidado imposto sobre as sucessões e doações sobre o respectivo valor patrimonial de € 4.598,72.
A mais-valia realizada pela ora Impugnante na venda do imóvel foi de € 619.757,46 que corresponde à diferença entre o referido valor de realização e o valor patrimonial sujeito a imposto sobre as sucessões e doações, este corrigido para € 5.242,54 pelo coeficiente a 1,14 aprovado pela portaria do Ministro das Finanças n. º 287/2003, de 3 de Abril.
A administração tributária considerou a totalidade dessa mais-valia na determinação do rendimento colectável, somando esse valor aos demais rendimentos tributáveis liquidando IRS sobre o rendimento global de € 636.248,57, assim apurado:
Rendimentos prediais líquidos das respectivas deduções
específicas: € 16.491,11
Mais-valias da alienação de direitos reais
sobre bens imóveis: € 619.757,46
€ 636.248,57
3 – No artº 10.º do CIRS estabelece-se o regime de tributação em IRS de mais valias, incluindo-se nela, além do mais, os ganhos resultantes da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis.
Os n.ºs 1 e 2 do art. 43.º do CIRS estabelecem que «o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes» e que «o saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efectuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor». ( ( ) Redacção da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro. )
A administração tributária, na liquidação impugnada, interpretou este n.º 2 como aplicando-se apenas a residentes em Portugal, entendendo que, em relação a cidadãos residentes no estrangeiro, inclusivamente num Estado-Membro da União Europeia, deve ser considerado, para efeito daquela tributação, 100% do saldo referido.
Este entendimento consubstancia-se num tratamento diferenciado dos cidadãos da União Europeia residentes e não residentes em Portugal.
Como se vê pelo acórdão do T.J.C.E., a operação de liquidação de um investimento imobiliário, como a que está em causa neste processo, constitui um movimento de capitais, à face da jurisprudência daquele Tribunal ( ( ) Acórdão de 16 de Março de 1999, Trummer e Mayer, C-222/97, Colect., p. I-1661, n.º 24. ), sendo, por isso, abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia.
Este art. 56.º estabelece o seguinte:
1. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
2. No âmbito das disposições do presente capítulo, são proibidas todas as restrições aos pagamentos entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros.
De harmonia com o decidido pelo T.J.C.E. no acórdão junto aos autos «o artigo 56.º CE proíbe todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros, sem prejuízo das justificações previstas no artigo 58.º CE»;
«as disposições conjugadas do CIRS prevêem, para as mais-valias realizadas aquando da alienação onerosa de um bem imóvel sito em Portugal, regras fiscais diferentes consoante os sujeitos passivos residam ou não nesse Estado-Membro»;
«nos termos do artigo 43.º, n.º 2, do CIRS, o montante das mais-valias realizadas por residentes aquando da alienação de bens imóveis em Portugal é apenas considerado em 50% do seu valor. Ao invés, para os não residentes, o CIRS prevê que a tributação do valor das mais-valias realizadas no caso de alienação dos referidos bens incide sobre a totalidade deste valor»;
«Daqui decorre que, nos termos das disposições pertinentes do CIRS, a tributação das mais-valias realizadas não é a mesma para residentes e não residentes. Assim, no que diz respeito à venda de um mesmo bem imóvel sito em Portugal, no caso de realização de mais-valias, os não residentes estão sujeitos a uma carga fiscal superior àquela que é aplicada a residentes, encontrando-se, portanto, numa situação menos favorável que estes últimos.
«(...) uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal tem por efeito tornar a transferência de capitais menos atractiva para os não residentes, dissuadindo-os de efectuar investimentos imobiliários em Portugal e, consequentemente, operações relacionadas com estes investimentos, tal como a venda de um bem imóvel.
Nestas condições, cabe concluir que o facto de se prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 56.º CE.
Assim, à face do decidido neste acórdão do T.J.C.E., o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, ao limitar a residentes em território nacional, para efeitos de determinação da matéria tributável de IRS, a redução a 50% do saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas em cada ano é incompatível com o referido art. 56.º.
Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Desta norma decorre, por força da Constituição, que as disposições do Tratado referido, que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos do direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
Por isso, o acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, na redacção vigente, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do CPA).
Termos em que acordam em
– conceder provimento ao recurso jurisdicional;
– revogar a sentença recorrida;
– julgar a impugnação procedente;
– anular o acto de liquidação impugnado.
Custas pela Fazenda Pública, com procuradoria de 20%.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2008. – Jorge de Sousa (relator) – Baeta de QueirozPimenta do Vale.