Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01292/12
Data do Acordão:04/30/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LINO RIBEIRO
Descritores:REVERSÃO
IMPUGNAÇÃO
Sumário:I - É a oposição à execução fiscal o meio processual adequado para o revertido impugnar contenciosamente o despacho que ordena a reversão.
II - A falta de entrega ao citado dos elementos essenciais da liquidação do imposto, incluindo a fundamentação, consubstancia uma nulidade secundária enquadrável no artigo 198º do CPC, que tem que ser arguida pelo interessado no prazo para a dedução da oposição, não constituindo tal ilegalidade fundamento de impugnação judicial.
III - Havendo erro na forma de processo, a convolação só é admissível, para além da idoneidade da respectiva petição para o efeito, desde que não seja manifesta a improcedência ou extemporaneidade da petição apresentada, em função do meio processual adequado.
Nº Convencional:JSTA000P15674
Nº do Documento:SA22013043001292
Data de Entrada:11/23/2012
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A……., devidamente identificada nos autos, interpõe recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que, por erro na forma de processo, julgou improcedente a impugnação do despacho de 27/9/2010 do órgão de execução que determinou a preparação para efeitos de reversão da execução fiscal nº 1848200701078615, instaurada contra B…….., LDA,
Nas respectivas alegações, conclui o seguinte:
1. A falta da notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade e a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, constituem fundamentos de oposição à execução – cfr. art. 204º, nº 1 e) e h) do CPPT;
2. Assim, assegurando a lei meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, consubstanciada em ilegalidade por falta de audiência prévia, não constitui fundamento de oposição à execução – cfr. art. 204º, nº 1, h) do CPPT;
3. Do mesmo modo, a nulidade da citação para a execução por reversão decorrente, designadamente, da falta de notificação dos fundamentos da liquidação, não parece configurar-se também como fundamento de oposição à execução – cfr. art. 204º nº 1, al. i) do CPPT;
4. A nulidade da citação deverá ser suscitada na execução quando os oponentes para ela forem citados;
5. Com efeito, consistindo o objectivo final da oposição na extinção da execução, a nulidade da citação a ela não conduz, pelo que não pode constituir fundamento de oposição à execução
6. Uma irregularidade do tipo da detectada neste processo (não observância do comando ínsito no art. 22º nº 4 da LGT é susceptível de, por princípio, determinar a nulidade da citação, em harmonia com o regime previsto no art. 198º do Código de Processo Civil (aplicável ex vi art. 2º al. e) do CPPT);
7. A impugnação da liquidação com que estão conexionados estes requisitos da citação de responsáveis solidários e subsidiários é feita fora do processo de execução fiscal, através do processo de impugnação, pelo que não se pode justificar que a não observância destas formalidades constituem nulidade do processo de execução fiscal, pois apenas podem ter tal qualificação deficiências que tenham directa repercussão no processo.

1.2 Não houve contra-alegações.
1.3 O Ministério Público junto do TCAN emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

2. Numa petição inicial excessivamente confusa, que em devido tempo deveria ter sido objecto de aperfeiçoamento, a recorrente usou a forma processual de “impugnação judicial” para formular os seguintes pedidos; (i) «deve o despacho de preparação da reversão ser declarado nulo por preterição de formalidades essenciais”; (ii) «caso assim se não entende deve reconhecer-se que a exponente não agiu com culpa, pelo que não responde subsidiariamente pelas dívidas executadas».
Nos articulados dessa peça processual, começa por identificar acto impugnado como sendo o “despacho de 27.09.2010” do órgão de execução fiscal que determinou a preparação do processo para efeitos de reversão (artigos 2º e 3º), mas em posteriores artigos também alude à anulação do “despacho de reversão” (artigo 97º e ss).
Como causa de pedir daqueles pedidos indica os seguintes fundamentos: (i) a impugnante nunca exerceu de facto as funções de gerente; (ii) não está provado o nexo de causalidade entre a actuação da impugnante e a inexistência de bens da empresa originariamente devedora; (iii) não está provado que a impugnante tenha agido com dolo e que com a sua atitude tenha provocado prejuízos à devedora originária; (iv) falta da demonstração da insuficiência de bens da devedora originária; (v) nulidade da citação, porque não fornece a natureza das liquidações cujo pagamento lhe é exigido, nem os respectivos fundamentos.
A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação com fundamento em que “a impugnação contenciosa do despacho de reversão deve ser efectuada no processo de oposição e não no processo de impugnação” e que não é possível a convolação, dada a intempestividade da oposição.
Se bem se compreende as alegações de recurso, a recorrente não se conforma com essa decisão por entender que a nulidade da citação, por falta dos elementos essenciais da liquidação e dos seus fundamentos, constitui fundamento de impugnação da liquidação. Reproduzindo quase textualmente a petição inicial, vem defender que a “nulidade da citação” não é fundamento de oposição à execução, mas pode ser alcançada na impugnação.
A sua tese é que a impugnação judicial é o meio processual adequado para se apreciar a ilegalidade da liquidação exequenda com fundamento nas irregularidades detectadas na citação por reversão, designadamente não se ter observado o disposto no nº 4 do artigo 22º da LGT.
Mas tal tese não só tem sido reiteradamente contrariada pela jurisprudência tributária, como não se ajusta ao esquema delineado pelo legislador para se controlar a validade da liquidação exequenda.
A lei demarcou nitidamente o campo de aplicação das vias possíveis de reacção contra o acto tributário subjacente ao título executivo: na impugnação, o objecto do processo é o direito substantivo afirmado pelo contribuinte como lesado por um acto tributário, apreciando-se a situação de facto e de direito existente no momento da emissão do acto tributário; na oposição, o objecto do processo é o próprio titulo executivo que surge como base (causa) da execução, apreciando-se os fundamentos supervenientes que possam tornar injusta (oposição de mérito) ou ilegítima (oposição de forma) a execução por falta de correspondência com a situação material existente no momento que se inicia a execução.
Por razões de economia processual e de respeito pela força ou autoridade do caso julgado administrativo, o legislador fez uma separação nítida entre os dos meios processuais, afectando um à ilegalidade do acto e o outro à ilegalidade superveniente desse mesmo acto na sua função de titulo executivo.
Essa separação acarreta duas ordens de consequências: por um lado, decorrido o prazo de impugnação judicial, fica esgotada a possibilidade de no processo de execução se invocar causas de invalidade do acto tributário; por outro, a interposição da impugnação, dado o efeito meramente devolutivo que tem, não afecta o início e o desenvolvimento do processo de execução, enquanto o título subsistir.
Se não houvesse tal separação e distinção estariam criadas as condições para um alargamento, por tempo indefinido, do prazo de sanação dos actos tributários, como todo o prejuízo que isso representaria para a necessidade de segurança jurídica.
Mas a independência dos dois tipos de processos não é, porém, absoluta, no sentido de que não admite excepções ou desvios. Para além da execução se dever conformar com a sentença proferida no processo de impugnação, o que demonstra que o título executivo, por si, não dá a garantia absoluta de que o direito existe, existem «zonas de ilegalidade» que podem ser invocadas na oposição. São as situações excepcionais em que a certeza e segurança jurídica do título cede lugar à justiça e verdade material da relação jurídica tributária, como acontece com os casos que a doutrina e a jurisprudência chama de ilegalidade abstracta, ou seja, a ilegalidade resultante do tributo não existir nas leis em vigor ou não estar autorizada a sua cobrança para o respectivo ano.
Assim se estabelece no artigo 204º do CPPT, que indica taxativamente os fundamentos da oposição e de onde se infere que no processo de execução, por regra, não se discute a legalidade do acto exequendo. Em quase todos os fundamentos de oposição aí enunciados, por razões de segurança jurídica e de certeza objectiva, o título executivo existe e subiste independentemente (ou abstraindo) da relação material substancial. Só em situações excepcionais, baseadas em razões de justiça e de verdade material, é que se permitir aos executados invocar tal relação para se eximirem aos efeitos decorrentes do título executivo.
Ora, considerando a pretensão que a recorrente pretende fazer valer em tribunal com a acção de impugnação, logo se vê que o meio adequado teria que ser oposição à execução fiscal, pois não toca na relação jurídica tributária conformada pela liquidação exequenda. Todos os argumentos invocados na impugnação são direccionados ao processo de execução, visando impedir que seja chamada a esse processo através da reversão.
A recorrente identificou o acto impugnado como sendo o despacho que ordenou a audição prévia à reversão. Embora a sentença não o referisse, se fosse dado por assente que se pretendeu impugnar esse acto, naturalmente que se imporia a rejeição da acção, por inimpugnabilidade do acto, pois, sendo um “acto interlocutório”, só poderia ser invocado na impugnação do despacho de reversão (cfr. art. 54º do CPPT).
Mas, como a recorrente chegou a exercer o direito de audição prévia, embora não apreciado por intempestividade (cfr. fls. 48 do p.a.) e como foi citada e notificada do despacho de reversão muito antes da impugnação dar entrar em juízo (cfr. fls. 44 e 46 do p.a), pode admitir-se que a sua pretensão visou anular a reversão, até porque centrou a impugnação nas eventuais irregularidades do acto de citação.
Relativamente a essa pretensão é indiscutível a impropriedade do meio processual utilizado, pois a reversão è um acto processual praticado no desenvolvimento do processo de execução fiscal, e por isso mesmo faz parte de um modelo processual composto por actos que asseguram plenamente a tutela dos revertidos contra a ilegalidade desse acto, como é o caso da oposição à execução fiscal. A jurisprudência deste Tribunal tem reiteradamente assumido que o meio adequado para reagir contra o despacho de reversão é a acção de oposição à execução fiscal prevista nos art. 203º a 213º do CPPT (cfr. acs. do STA, de 30/9/2009, rec. nº 0626/09, de 30/9/09, rec. nº 0587/2009, de 27/10/2010, rec nº 038/10, de 30/3/2011, rc nº 0742/10 e de 29/6/2011, rec. nº 0121/11, de 10/11/2011, rec. nº 0681/11, de 12/1/2012, rec. nº 0633/11).
Para além do ataque que é feito ao procedimento de reversão, não se encontra na petição inicial a referência a qualquer “elemento” do acto de liquidação que esteja em discordância com a ordem jurídica. As ilegalidades que invoca são todas elas, sem excepção, apontadas ao acto de reversão e ao acto de citação para a execução. Como referimos, as ilegalidades expostas na petição reportam-se ao acto de reversão, nomeadamente, porque nunca exerceu de facto as funções de gerente, por não estar provado o nexo de causalidade entre a actuação da impugnante e a inexistência de bens da empresa originariamente devedora, por não estar provado que tenha agido com dolo e que com a sua atitude tenha provocado prejuízos à devedora originária, por falta da demonstração da insuficiência de bens da devedora originária. A única irregularidade que se pode autonomizar do acto reversão ou que lhe exterior, é nulidade da citação, porque não fornecer a natureza das liquidações cujo pagamento lhe é exigido, nem os respectivos fundamentos.
Ora, a única dúvida que se levanta, e que em parte está na origem do recurso, é sobre esta última ilegalidade que, no entender da recorrente, é dirigida ao acto de liquidação, pois quanto às demais é a própria lei que identifica a fundamentação e a insuficiência do património como elementos formais e materiais do acto de reversão (cfr. art. 23º nº 4 e 24º da LGT e art. 159º do CPPT).
Não é, porém, verdade que a recorrente tenham invocado a falta de fundamentação da liquidação das quantias exequendas. O que ela alega é que a “citação” que recebeu não indica os “elementos essenciais” da liquidação, incluindo a “fundamentação”. Ora, não se pode confundir a fundamentação do acto tributário com a comunicação dos fundamentos. A lei tributária distingue de forma clara a fundamentação do acto tributário da comunicação dos fundamentos (cfr. nº 1 do art. 77º e nº 1 do art. 36º do CPPT). A comunicação do acto, seja na forma de citação ou notificação, não é um elemento intrínseco que faça parte da sua existência ou validade, mas sim um elemento que lhe é extrínseco, cuja função é dar a conhecer o seu conteúdo, e por isso mesmo uma condição de eficácia.
No caso da reversão, o nº 4 do art. 22º da LGT impõe a obrigatoriedade da «notificação ou citação conter os elementos essenciais da sua liquidação, incluindo a fundamentação nos termos legais». Mas este dever não pode ser entendido como um momento que faça parte da validade do acto de liquidação, pois, tal como considera a generalidade da doutrina, o nº 6 do art. 77º da LGT estabelece que «a eficácia da decisão depende da notificação».
Portanto, a falta de notificação dos fundamentos da liquidação não coloca quaisquer problemas à sua perfeição ou validade, tornando apenas nulo o acto instrumental, com a consequência da sua ineficácia. Tudo se passando como a liquidação não tenha sido comunicada, de modo que não está em condições de produzir efeitos em relação ao seu destinatário. Ainda assim, o nº 1 do art. 37º do CPPT estabelece que, em caso de falta de comunicação integral dos fundamentos, os interessados têm a faculdade de requerer a notificação ou certificação das indicações omitidas, o que funciona como diferimento para o momento da notificação do início da contagem do prazo dos diversos meios de reacção contra o acto notificando.
Do que a recorrente se queixa é pois da ineficácia do acto de liquidação por falta de comunicação dos fundamentos. Como teve notícia da existência da liquidação através da «citação» para a execução, a ser verdade que esta não foi acompanhada dos fundamentos da liquidação, então o meio de reagir contra essa nulidade processual é arguí-la no processo executivo perante o órgão de execução fiscal. Na verdade, a jurisprudência deste Tribunal tem vindo a decidir que a falta de entrega ao citado dos elementos essenciais da liquidação do imposto, incluindo a fundamentação, consubstancia uma nulidade secundária enquadrável no artigo 198º do CPC, que tem que ser arguida pelo interessado no prazo para a dedução da oposição, e por conseguinte, a ilegalidade dessa citação não pode constituir fundamento de impugnação judicial (cfr. Acs. do STA, de 10/2/2010, rec nº 01178/09, de 26/5/2010, rec nº 0137/10, de 10/3/2011, rec. nº 042/11).
Se o pedido de nulidade da liquidação não tem por causa de pedir o incumprimento do dever de fundamentação desse acto, mas apenas o incumprimento do dever de comunicação dos seus fundamentos, naturalmente que esse pedido não se presta a indicar a impugnação judicial como a forma processual adequada à apreciação de tal pretensão. Continua a existir erro na forma de processo relativamente a essa pretensão, uma vez que se usou a impugnação em vez de se arguir a nulidade da citação perante o órgão de execução fiscal.
O erro na forma de processo não envolve necessariamente a inutilização de todos os actos já praticados. Por aplicação dos artigos 97º, nº 3 da LGT e 98º, nº 4 do CPPT, podia pensar-se na possibilidade de “convolação” do processo para a forma mais adequada. Se o articulado for aproveitável para a forma processual conveniente, por razões de economia processual, deve adaptar-se o processado a essa forma.
Mas, no caso dos autos, como se refere na sentença recorrida, esse aproveitamento da petição não é possível por dois motivos: por um lado, os pedidos formulados não correspondem à mesma forma processual: o pedido de invalidade da reversão é efectuado na oposição à execução e o pedido de nulidade da citação, é feito por requerimento ao órgão de execução fiscal, com reclamação para o tribunal; por outro lado, mesmo que se admita que a ineficácia relativa do acto de liquidação constitui fundamento de oposição, constata-se que a oposição é extemporânea, porquanto o impugnante foi citado no processo executivo no dia 30/09/2010, e os presentes autos foram instaurados em 19/011/2010, tendo já decorrido o prazo legal de 30 dias, que terminou em 4/11/2010.

4. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso, confirmando-se, com a presente fundamentação, decisão recorrida.

Custas pela recorrente.
Lisboa, 30 de Abril de 2013. – Lino Ribeiro (relator) – Dulce Neto – Isabel Marques da Silva.