Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01263/12.4BEPRT 0512/16
Data do Acordão:04/28/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:PROVA
PREÇO FIXO
PRINCÍPIO DA IMPUGNAÇÃO UNITÁRIA
Sumário:I - Em matéria de recorribilidade dos actos, a regra no direito tributário é a que emerge do princípio da impugnação unitária, consagrado no artigo 54.º do CPPT, segundo o qual, “salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.
II - O acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo (artigo 139.º CIRC) é aquele que decide se os sujeitos passivos podem utilizar para a determinação do lucro tributável o valor de compra e venda de um imóvel constante do contrato, quando este valor seja inferior ao valor patrimonial tributável que serviu de base à liquidação do IMT ou que serviria se o negócio estivesse abrangido pelo âmbito de incidência daquele imposto.
III - O acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo (artigo 139.º CIRC) é um acto, por natureza, interlocutório do procedimento de liquidação do IRC, ou seja, um acto que põe termo a um (sub)procedimento especial que se inscreve no âmbito do procedimento geral de liquidação geral do IRC e que respeita a um aspecto específico da determinação da matéria colectável daquele imposto.
IV - Da conjugação do n.º 5 do artigo 139.º do CIRC com o n.º 4 do artigo 86.º, n.º 4 da LGT não resulta uma previsão expressa de recorribilidade do acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo, nem o mesmo tem carácter imediatamente lesivo.
V - Não sendo um acto destacável, nem imediatamente lesivo, a irrecorribilidade do acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo e a determinação legal de impugnação dos respectivos vícios no âmbito da impugnação do acto de liquidação do IRC ou daquele que determine a correcção de prejuízo fiscais, não violam a garantia da tutela jurisdicional efectiva.
Nº Convencional:JSTA00071125
Nº do Documento:SA22021042801263/12
Data de Entrada:04/05/2017
Recorrente:A.......... SGPSA, SA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TCA NORTE
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO
Área Temática 2:IMPUGNAÇÃO DO ACTO
Legislação Nacional:ARTIGOS N.ºS. 54º DO CPPT, 89º, N.º 4 DA LGT E 139º DO CIRC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I - Relatório

1. O Banco A……………., S.A., com os demais sinais nos autos, interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do Tribunal Administrativo Norte que, em 10 de Dezembro de 2015, negou provimento ao recurso jurisdicional e manteve a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em 17 de Julho de 2014, que julgou improcedente a acção administrativa especial, por si deduzida, a qual visava a anulação do acto de indeferimento do Chefe de Serviço de Apoio às Comissões de Revisão da Direção de Finanças do Porto, de 9 de Fevereiro de 2012, exarado no requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, nos termos do artigo 139.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (CIRC), com referência à alienação do prédio urbano sito na freguesia de São Jorge de Arroios, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
1º Entende o Recorrente que estão verificados os requisitos de que depende a admissão do presente recurso de revista;
2º Em face do decidido em segundo grau de jurisdição, considera o Recorrente verificar-se a violação de lei na interpretação conferida ao artigo 139.° do Código do IRC e ao artigo 54.º do CPPT, colocando-se, designadamente, as seguintes questões:
a. Saber se o procedimento de prova do preço efetivo instaurado nos termos do disposto no artigo 139.º do Código do IRC é um procedimento legalmente equiparado ao procedimento de revisão de matéria coletável fixada através de métodos indiretos previstos nos artigos 91.º e 92.º da LGT;
b. Saber se a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo apresentada nos termos do artigo 139.º do Código do IRC é um ato não impugnável, conforme propugna o Tribunal a quo, ou se integra o conceito de atos impugnáveis constante do artigo 54.º do CPPT.
3º Entende o Recorrente que resulta evidente a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo no caso sub judice, já que, de facto, nos termos do artigo 150.º do CPTA, a revista impõe-se para uma melhor aplicação do Direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica e social fundamental;
4º No que concerne à primeira questão, referente à alegada equiparação entre o procedimento de prova efetivo e o procedimento de revisão da matéria tributável fixada através de métodos indiretos, entendeu o Tribunal recorrido que esta equiparação resulta do disposto no artigo 139.º, n.º 5, do Código do IRC e que, em face da mesma, importa concluir, à semelhança do que sucede em matéria de métodos indiretos, pela inimpugnabilidade autónoma da respetiva decisão;
5º Trata-se de uma decisão ostensivamente errada à luz das disposições normativas aplicáveis, na medida em que, embora o artigo 139.º, n.º 5, do Código do IRC preveja efetivamente a aplicação dos artigos 86.º, n.º 4, 91.º e 92.º da LGT, não se verifica uma remissão para todas as normas aplicáveis à avaliação indireta da matéria coletável, nem o legislador optou por, de forma expressa e inequívoca, equiparar um a outro procedimento;
6º Acresce que, no caso do procedimento de prova do preço efetivo, está-se perante um procedimento que integra indiscutivelmente o âmbito da avaliação direta da matéria coletável nos termos do artigo 86.º da LGT, razão pela qual uma equiparação ao regime da avaliação indireta da matéria coletável nunca poderia ser absoluta;
7º A questão relativa à alegada equiparação com o procedimento de revisão da matéria coletável fixada através de métodos indiretos, por se tratar de uma questão relativamente à qual os tribunais não deram uma resposta cabal, encerra um potencial foco de litígio que merece a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo;
8º No que concerne à segunda questão, assente na impugnabilidade da decisão que põe termo ao procedimento de prova do preço efetivo, é igualmente ostensivo o erro sufragado pelo Tribunal recorrido nesta temática, já que, ao invés de conceber a lesividade do ato como a repercussão da decisão nos direitos e interesses do contribuinte, o Tribunal recorrido exclui a lesividade do ato pela circunstância de haver impugnabilidade do ato de liquidação, quando a intenção inequívoca do legislador tributário, consagrada no artigo 54.º do CPPT, assenta na regra da impugnação unitária dos atos finais do procedimento, salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte;
9º Para além de ser um juízo juridicamente insustentável, esta questão não é, de igual modo, uniformemente tratada na jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais;
10º A relevância jurídica fundamental manifesta-se, assim, na circunstância de as questões em discussão merecerem revista e se terem prestado a diversas dúvidas na jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais, como resulta da própria decisão recorrida, em que o Tribunal a quo adere ao entendimento sufragado pelo mesmo Tribunal em 29.05.2014, no âmbito do recurso n.º 1270/11.4BEPRT, e pelo Supremo Tribunal Administrativo em 06.02.2013, no âmbito do recurso n.º 989/12, afastando o acórdão mais recente do STA de 03.12.2014, no âmbito do processo n.º 881/12, em que foi adotado entendimento contrário, bem como os acórdãos do TCAN nos processos n.º 1918/09.0BEPRT, n.º 3148/10.0BEPRT e n.º 1271/11.2BEPRT, também a favor da impugnabilidade da decisão que pôs termo ao procedimento de prova do preço efetivo;
11º Vislumbra-se ainda a relevância jurídica na complexidade das operações lógicas e jurídicas necessárias à resolução da questão, já que, para além da questão de aferir se há uma verdadeira equiparação do procedimento de revisão da matéria coletável fixada através de métodos indiretos ao procedimento de prova do preço efetivo, ou se ocorre uma mera remissão para normas específicas daquele procedimento, como acima se aludiu, impõe-se ainda ao Tribunal que decide a questão avaliar se a decisão constitui: i) um ato interlocutório ou um ato final do procedimento; ii) um ato destacável ou não destacável; e iii) um ato lesivo ou não lesivo;
12º De facto, haverá que esclarecer, para além do alcance da remissão efetuada no artigo 139.º, n.º 5, do Código do IRC para os artigos 86.º, n.º 4, 91.º e 92.º da LGT, tendo presente a distinta natureza das avaliações em causa (direta e indireta), de que modo o artigo 139.° do Código se compagina com o disposto nos artigos 54.° e 60.° do CPPT, relativos à impugnabilidade dos atos, e com o próprio artigo 86.° da LGT, que estabelece a impugnabilidade autónoma da avaliação direta;
13º A questão interpretativa coloca-se numa abundância de situações e ao longo dos tempos, pelo que se afigura inequívoca a relevância social de importância fundamental (cf., em sentido semelhante, o Acórdão do STA de 21.11.2014, proferido no processo n.º 141/14-30), projetando-se para além da esfera jurídica do Recorrente, com potencial interesse para um número indeterminado de casos;
14º A decisão sobre as questões não é meramente teórica e tem inerentes efeitos práticos, com claro reflexo para o contribuinte, já que, caso se trate de um ato final do procedimento e/ou destacável, a não impugnação do mesmo preclude o direito a discutir os vícios de que o mesmo padece na impugnação judicial da liquidação de imposto que vier a ser emitida, não sendo, pois, indiferente a necessidade de determinar a impugnabilidade das decisões que põem termo ao procedimento de prova do preço efetivo;
15º Assim, considera a Recorrente que a interpretação proferida em segundo grau de jurisdição, em clara violação da lei, por perfilhar aceção contrária ao próprio espírito do legislador tributário, é suscetível de se aplicar em numerosos novos litígios administrativos e judiciais, e inclusivamente originá-los, por seguimento dos serviços de inspeção tributária, gerando uma avultada incerteza e instabilidade e fazendo antever como objetivamente útil a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo;
16º Por estas razões, a dilucidação da questão revela-se também necessária para uma melhor aplicação do Direito;
17º Pelo que se afigura, também quanto a esta questão, estarem preenchidos os requisitos necessários à admissibilidade do recurso previsto no artigo 150.º do CPTA;
18º Salvaguardando o devido respeito, entende o ora Recorrente que o douto acórdão recorrido decidiu em violação do disposto no artigo 139.º do Código do IRC e no artigo 54.º do CPPT, na medida em que, contrariamente ao que resulta do douto acórdão recorrido, inexiste qualquer limitação legal à impugnabilidade da decisão que põe termo ao procedimento de prova do preço efetivo e qualquer equiparação legal entre este procedimento e o procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos;
19º Desde logo, a circunstância de, em consequência da decisão que for proferida no âmbito do procedimento de prova do preço efetivo previsto no artigo 139.º do Código do IRC, poder vir a ser emitido um ato tributário de liquidação de imposto, não significa que aquela decisão não seja uma decisão impugnável;
20º Importa notar ainda que, diversamente do que sucede com o procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos, o procedimento de prova do preço efetivo constitui uma avaliação direta da matéria coletável;
21º Acresce que, inexiste qualquer remissão do n.º 5 do artigo 139.º do Código do IRC para alguma norma que preveja a inimpugnabilidade da decisão objeto dos presentes autos;
22º Efetivamente, embora o n.º 5 do artigo 139.º do Código do IRC estabeleça que “O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei”, não decorre, no entanto, dos supra identificados preceitos, qualquer impossibilidade de impugnação contenciosa direta da decisão do procedimento instaurado para a prova do preço efetivo na transmissão de imóveis;
23º Com efeito, a impossibilidade de impugnação contenciosa direta da decisão final do procedimento de revisão da matéria tributável mediante o recurso a métodos indiretos resulta apenas do disposto no n.º 3 do artigo 86.º da LGT, nos termos do qual “A avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação”, preceito esse para o qual o n.º 5 do artigo 139.º do Código do IRC não remete, excluindo-se por conseguinte a sua aplicação ao procedimento instaurado para a prova do preço efetivo na transmissão de imóveis;
24º Pelo que, assim sendo, só se pode concluir que, se o legislador não estabeleceu esta inimpugnabilidade contenciosa em concreto, não pretendeu o mesmo impedir a impugnação contenciosa direta da decisão final do procedimento instaurado para a prova do preço efetivo na transmissão de imóveis;
25º E nem sequer se invoque, o que apenas por mero dever de patrocínio se concede, que a remissão operada pelo n.º 5 do artigo 139.º do Código do IRC para as normas supra mencionadas implicaria, por maioria de razão, a inimpugnabilidade da decisão final de procedimento, já que, apesar da aplicação do disposto nos artigos 91.º e 92.º, assim como no n.º 4 do artigo 86.º da LGT a situação sub judice não configura uma avaliação indireta;
26º Com efeito, um entendimento que atribuísse ao procedimento de prova do preço efetivo a natureza de avaliação indireta afrontaria o disposto no n.º 1 do artigo 81.º e n.º 1 do artigo 85.º da LGT, os quais constituem corolário lógico da aplicação do princípio constitucional da prevalência da tributação do lucro real e efetivo previsto no n.º 2 do artigo 104.º da CRP, bem como dos elementares princípios da segurança e da certeza na definição das relações jurídicas;
27º Razão pela qual, inexistindo qualquer norma que preveja, no que se refere à decisão do procedimento instaurado para a prova do preço efetivo na transmissão de imóveis, a impossibilidade de impugnação contenciosa direta da decisão do mesmo, resulta evidente o erro em que incorreu o Tribunal recorrido;
28º Deste modo, e em face de todo o exposto, resulta evidente que inexiste equiparação legal entre o procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indiretos e o procedimento de prova do preço efetivo que suporte a inimpugnabilidade da decisão proferida no âmbito deste procedimento;
29º Por último, e no que concerne à segunda questão, não pode deixar de admitir-se a impugnabilidade contenciosa imediata de atos que têm repercussões diretas e lesivas na esfera jurídica dos particulares;
30º Com efeito, importa referir que a menção ao artigo 139.º, n.º 7, do Código do IRC não permite sustentar, de longe, a alegada falta de lesividade do ato, sendo certo que a impugnabilidade contenciosa imediata do ato depende, apenas, da lesão de direitos do contribuinte;
31º Acresce que, não é verdade que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo não afete os direitos ou interesses do Recorrente;
32º Efetivamente, a imediata lesividade do ato decorre da circunstância de a decisão que negar provimento ao pedido de prova do preço efetivo fazer cristalizar na ordem jurídica que o preço praticado pelo Recorrente na transmissão de determinado imóvel não foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT e, consequentemente, determinar o acréscimo, para efeitos de apuramento do lucro tributável ou do prejuízo para efeitos fiscais, do montante correspondente à diferença entre o valor constante do contrato de transmissão do imóvel e o valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação de IMT;
33º Trata-se, assim, de uma decisão com impacto imediato na situação jurídica dos contribuintes e que, por esse motivo, constitui um ato lesivo diretamente impugnável;
34º Para além de todo o acima exposto, e a evidenciar ainda a lesividade imediata da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo e, como tal, a sua impugnabilidade direta, está a circunstância de, quando confrontado com aquela decisão, o contribuinte desconhecer, em regra, se haverá, ou não, a emissão de uma liquidação de imposto ou, sequer, se apurará lucro tributável no exercício em questão;
35º De facto, apesar de aquela decisão de indeferimento apontar para a realização de um acréscimo, para efeitos de apuramento do lucro tributável ou do prejuízo para efeitos fiscais do exercício, o contribuinte desconhecerá se, no exercício em questão, haverá lugar ao apuramento de lucro tributável ou de prejuízo para efeitos fiscais, ao apuramento de matéria coletável ou ao apuramento de imposto no exercício, na medida em que, na generalidade dos casos, aquando da apresentação do pedido de prova do preço efetivo, não foi submetida ainda a declaração de rendimentos modelo 22 do exercício a que respeita a aquisição do imóvel;
36º Deste modo, é evidente que, em caso de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo, e mesmo sabendo que será realizado um acréscimo para efeitos de apuramento do lucro tributável ou do prejuízo para efeitos fiscais na sua declaração periódica de rendimentos modelo 22, o contribuinte não tem forma de saber, em regra, se haverá liquidação de imposto que possa, posteriormente, vir a contestar;
37º Trata-se de situação que não sucede, designadamente, ao nível do procedimento de revisão da matéria coletável por métodos indiretos, na medida em que, uma vez notificado da decisão do pedido de revisão da matéria coletável, o contribuinte sabe, de imediato, se apura matéria coletável e imposto, caso em que poderá impugnar o ato de liquidação que vier a ser emitido, ou se, ao invés, apura prejuízo para efeitos fiscais ou matéria coletável nula, caso em que impugnará a própria decisão de avaliação indireta (cf. o n.º 3 do artigo 86.° da LGT);
38º Atendendo a que este conhecimento antecipado sobre qual o ato a contestar pode não ocorrer aquando da notificação da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo, impõe-se, por forma a garantir o direito à tutela judicial efetiva dos direitos dos cidadãos através da impugnação contenciosa de atos administrativos lesivos (cf. artigos 20.°, n.º 1 e 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa [CRP]), o reconhecimento da imediata lesividade da decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo e, por conseguinte, da sua impugnabilidade direta;
39º Com efeito, a interpretação do disposto no artigo 139.º do Código do IRC, no sentido de que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo não constitui um ato lesivo dos direitos do contribuinte e impugnável contenciosamente, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para todos os efeitos legais;
40º Por fim, cumpre mencionar ainda que, no caso sub judice, está-se perante uma decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efetivo que não conhece do mérito do pedido e que se suportou exclusivamente na falta de apresentação dos documentos de autorização do levantamento do sigilo bancário dos administradores do Recorrente, em que a lesividade é ainda mais evidente, particularmente quando se perspetiva que dali resultou a emissão de uma liquidação de imposto;
41º Acresce que, considerar, como fez o Tribunal recorrido, que a apreciação da legalidade da decisão se fará em sede de impugnação judicial da liquidação de imposto que for emitida encaminha para o domínio do contencioso de anulação - como é o contencioso tributário - a apreciação da legalidade de uma decisão administrativa, sem que o Tribunal tributário possa substituir-se à administração tributária, o que, à luz do direito à tutela judicial efetiva, não constituirá a solução que melhor se compagina com os direitos e interesses do contribuinte;
42º Em face do exposto, resulta evidente a lesividade do ato e a sua imediata impugnabilidade, impondo-se pois concluir que o acórdão incorreu em ilegalidade;
43º Assim, em face da enunciada violação de lei, não pode o acórdão recorrido manter-se.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido, devendo ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, nesta parte, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

2. A recorrida contra-alegou tendo concluído do seguinte modo:
A) Foi o presente recurso interposto pelo Recorrente, por entender que se encontram preenchidos os requisitos exigidos pelo art. 150.° do CPTA o qual dispõe que: “das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua importância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
B) A Recorrente coloca em causa as seguintes questões:
i) Saber se o procedimento de prova do preço efectivo instaurado nos termos do disposto no artigo 13.º do Código do IRC é um procedimento legalmente equiparado ao procedimento De revisão da matéria colectável fixada através de métodos indirectos previsto nos artigos 91.º e 92.º da LGT;
ii) Saber se a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo apresentada nos termos do artigo 139.º do Código do IRC é um ato não impugnável, conforme propugna o Tribunal a quo, ou se integra o conceito de atos impugnáveis constante do artigo 54º do CPPT.
C) Em causa está a decisão recorrida que julgou inimpugnável o acto posto em crise no âmbito da presente acção administrativa especial relacionada com o despacho, por delegação, do Chefe do Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR), da Direcção de Finanças do Porto (...), o qual determinou o indeferimento do requerimento de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, apresentado pelo ora Autor, em 05.01.2012, nos termos do disposto no artigo 139.° do Código do IRC, com referência à alienação do prédio urbano sito na freguesia de São Jorge de Arroios, concelho de Lisboa, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1949, fracções A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, K, L, M, N, O, P, Q, R, S e T, absolvendo a entidade demandada da instância, ou seja, analisar, se a decisão proferida no procedimento previsto no art. 139.° do CIRC é susceptível de impugnação contenciosa autónoma.
D) O Acórdão recorrido considerou: “(…) importa ter presente o exposto no Ac. do STA de 06-02-2013, Proc. N.° 0989/12, www.dgsi.pt. onde se ponderou que: “... Salvo o devido respeito, toda a tese da Recorrente assenta num equívoco, qual seja o de que a decisão proferida no final do procedimento previsto no art. 129.º do CIRC é susceptível de impugnação judicial autónoma.” E prossegue: “...o regime do art. 129.º do CIRC (hoje 139°) permite ao sujeito passivo de IRC a prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre imóveis foi inferior ao VPT, obviando assim à aplicação do disposto no art. 58.º-A, nº 2, do IRC (...) sendo que de acordo com o disposto no n.° 7 do art. 129.° do CIRC, esse procedimento de prova do preço efectivo constitui condição de impugnabilidade da liquidação que resultar das correcções efectuadas ao abrigo do art. 58.°-A do CIRC (...) e atento do disposto no n.° 5 do art. 129.° do CIRC, a esse procedimento são aplicáveis, com as devidas adaptações, as regras dos arts. 91.°, 92.° e 86.°, n.° 4 da LGT, o que significa, designadamente, que da decisão final aí proferida não cabe impugnação judicial autónoma, o que quer dizer que se impõe acompanhar a parte final da decisão recorrida quando aponta que o acto impugnado não é directamente impugnável, sem prejuízo de os vícios de que eventualmente enferme poderem oportunamente ser arguidos na impugnação contenciosa da liquidação, sendo que, em função de tudo o que entretanto ficou exposto, não existe qualquer situação de inconstitucionalidade nos termos reclamados pelo Recorrente.”
E) Mas, salvo o devido respeito, a Recorrente não tem razão, nem tal questão assume relevância jurídica ou social, aferida em termos da utilidade jurídica, com capacidade de expansão da controvérsia que ultrapasse os limites da situação singular, pois o Acórdão recorrido limitou-se a aplicar as normas adequadamente, cumprindo todos os princípios constitucionais.
F) Além do que, nem decorre, da interposição do presente recurso, a possibilidade de melhor aplicação do direito, dado que o Acórdão recorrido nada mais fez do que, aplicar correctamente as normas legais aplicáveis, à situação em concreto, não se vislumbrando a necessidade de uniformização do mesmo direito.
G) Neste sentido, a jurisprudência tem sido unânime quanto à excepcionalidade deste tipo de recurso, sendo a sua admissibilidade como refere, entre outros, o Acórdão n.° 0400/15 de 09/09/2015 do STA: “...sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo - o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito - devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
H) E, prossegue o douto Acórdão: “E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o recente Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 que «(...) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas - ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.»
I) Na esteira do mais recente jurisprudência do STA, processo n.° 0945/15 de 17/02/2016, vem a este propósito referir: “Segundo o disposto no nº 1 do artigo 150.º do CPTA, “das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, competindo a decisão sobre o preenchimento de tais pressupostos, em termos de apreciação liminar sumária, à formação de Juízes prevista no n.º 5 do referido preceito legal.
Tal preceito prevê, assim, a possibilidade recurso de revista excepcional para o STA quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. Razão por que a jurisprudência tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que ele só pode ser admitido nos estritos limites fixados no preceito, já que não se trata de um recurso ordinário de revista, mas, antes, de uma ’válvula de segurança do sistema”, quedeve ser accionada nos estritos limites do preceito.
Em suma, o recurso de revista só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou em que ele seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
E como tem sido repetidamente explicado nos inúmeros acórdãos proferidos sobre a matéria, que nos dispensamos de enumerar, a relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de complexidade jurídica superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas que cumpra efectuar, quando se esteja perante um enquadramento normativo particularmente complexo ou quando se verifique a necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis ou se exija ao intérprete e ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas.
Já a relevância social fundamental verificar-se-á nas situações em que esteja em causa uma questão que revele especial capacidade de repercussão social ou de controvérsia relativamente a futuros casos do mesmo tipo, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio, ou nas situações em que se possa entrever, ainda que reflexamente, a existência de interesses comunitários especialmente relevantes ou em que esteja em causa matéria particularmente sensível em termos do seu impacto comunitário.
Por fim, admissão da revista para uma melhor aplicação do direito terá lugar quando esteja em causa uma questão bem caracterizada e passível de se repetir em casos futuros, e cuja análise e decisão pelas instâncias venha suscitando dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios, assim fazendo antever como objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema, ou quando a decisão recorrida se mostre ostensivamente errada ou juridicamente insustentável.
Daí que quem interpõe este tipo de recurso deva demonstrar a sua excepcionalidade, isto é, deva demostrar que a questão que coloca ao STA assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamentai ou, então, que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.
Não basta, pois, invocar o erro de julgamento do acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os requisitos de admissibilidade da revista.
(…)”
J) Neste sentido, o Acórdão do STA, processo n.° 0851/14 de 17/09/2014, pronuncia-se, igualmente, sobre esta questão, como a seguir enunciamos: “Interpretando este n° 1, o STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.° 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas enos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito. Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito (Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que: - (i) só se verifica aquela relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. - e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
K) No presente caso, não se nos afigura estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista.
L) Nos termos do n° 1 do art.º 150.º do CPTA, o recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo é um meio reactivo excepcional que depende do preenchimento de um conjunto de pressupostos taxativamente previstos.
M) Exige-se que este em causa a apreciação de uma questão que, pela relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.
N) O Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo que “só questões juridicamente” melindrosas ou “socialmente relevantes”, que permitam a “expansão da controvérsia em discussão” justificam o recurso de revista.
O) Isto é, segundo a firmada jurisprudência do STA, tem de estar em causa uma questão de relevância jurídica entendida como “relevância prática”, de onde decorra a “utilidade jurídica da revista” e que seja susceptível de se repetir em “um número indeterminado de casos futuros, o que justifica, também, a revista em termos de garantia de uniformização do direito”.
P) O Acórdão recorrido, aliás, na esteira de outros, do mesmo tribunal, considerou o "...regime do art. 129.° do CIRC (hoje 139.°) permite ao sujeito passivo de IRC a prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre imóveis foi inferior ao VPT, obviando assim à aplicação do disposto no art. 58.º-A, n.° 2, do IRC (...) sendo que de acordo com o disposto no n.º 1 do art. 129.º do CIRC, esse procedimento de prova do preço efectivo constitui condição de impugnabilidade da liquidação que resultar das correcções efectuadas ao abrigo do art. 58.º-A do CIRC (...) e atento do disposto no n.° 5 do art. 129.° do CIRC, a esse procedimento são aplicáveis, com as devidas adaptações, as regras dos arts. 91.°, 92.° e 86.°, n° 4 da LGT, o que significa, designadamente, que da decisão final aí proferida não cabe impugnação judicial autónoma, o que quer dizer que se impõe acompanhar a parte final da decisão recorrida quando aponta que o acto impugnado não é directamente impugnável, sem prejuízo de os vícios de que eventualmente enferme poderem oportunamente ser arguidos na impugnação contenciosa da liquidação...”
Q) No caso vertente, afigura-se-nos que não estão verificados os requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional. Vejamos:
- A 06/01/2012, deu entrada na Direcção de Finanças do Porto um pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, nos termos do artigo 139.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), respeitante às referidas alienações.
- Em 23/01/2012, o Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direcção de Finanças do Porto, notificou o requerente para, no prazo de 10 dias, juntar ao pedido os documentos de autorização para acesso à informação bancária dos seus administradores ou gerentes, sob pena da rejeição liminar do pedido por falta de requisitos legais.
- A 31/01/2012, deu entrada na Direcção de Finanças do Porto, em resposta, uma exposição na qual o ora Recorrente afirma que a notificação para apresentação das declarações de autorização de levantamento de sigilo bancário de cada um dos administradores deveria ter sido feita na pessoa de cada um deles, não podendo ser considerada condição sine qua non do conhecimento do pedido, defendendo que tal interpretação constitui manifesta violação de vários princípios estruturantes do nosso ordenamento jurídico-constitucional, designadamente do direito à reserva da intimidade da vida privada e do principio da proporcionalidade, não tendo junto as referidas declarações de autorização.
- Através do ofício n.º 8903/0208, o SACR da Direcção de Finanças do Porto, notificou o requerente do despacho do Chefe do SACR de 09/02/2012, exarado na Informação n.º 09/2012, no qual é indeferido, por falta de requisitos legais, o pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóveis, respeitante às alienações mencionadas no articulado 3).
- Intentou a acção administrativa especial na sequência da decisão do supra referido indeferimento. Por sua vez a causa de pedir, expressa na presente acção administrativa especial, reside numa alegada inconstitucionalidade do disposto no n.º 6 do artigo 139.º do CIRC, socorrendo-se o ora Recorrente, para o efeito, da doutrina expendida no Acórdão n.º 442/2007 do Tribunal Constitucional.
- Concluindo, por fim, não só pela anulação do acto, mas pela sua substituição por uma decisão que defira o pedido de prova do preço efectivo, com referência à transmissão das fracções do prédio urbano acima identificado.
- A sentença proferida julgou verificada a excepção deduzida pela aqui Recorrida - impugnabilidade do acto, tal como o Acórdão do TCAN que decidiu “que o acto impugnado não é directamente impugnável, sem prejuízo de os vícios de que eventualmente enferme poderem oportunamente ser arguidos na impugnação contenciosa da liquidação...".
R) Deste acórdão do TCA Norte, o recorrente interpõe agora o presente recurso de revista excepcional, alegando que se está perante uma questão que pela sua relevância jurídica e social se reveste de importância fundamental e de ser necessária uma melhor aplicação do direito.
S) Em causa não está uma questão jurídica fundamental, porquanto a apreciação de uma decisão proferida no procedimento previsto no artigo 139° do CIRC e a susceptível impugnação contenciosa autónoma, não reveste de elevada complexidade jurídica, não exigindo, para ser solucionada, de difíceis operações exegéticas, nem um enquadramento jurídico especialmente intricado, nem, ainda, a concatenação de diversos regimes legais ou institutos jurídicos.
T) Assim, se reafirma que, não existindo divergência do acórdão recorrido relativamente à jurisprudência do TCA Norte proferida em situações idênticas à dos autos, não estamos perante uma questão jurídica fundamental, porquanto não reveste de elevada complexidade jurídica, nem complexidade jurídica superior ao comum.
U) Não se trata, igualmente, de uma questão de relevância social fundamental, nem qualquer repercussão social porquanto não se vislumbra a necessidade de intervenção do STA.
V) Pelo exposto, não deve ser admitido o presente recurso de revista, uma vez que a questão objecto do mesmo não preenche os requisitos previstos no artigo 150° do CPTA.
W) Quanto ao mérito do presente recurso, constata-se que o Acórdão recorrido fez uma correcta interpretação e aplicação da lei, nomeadamente das disposições indicadas pelo Recorrente, o art. 64.° e 139.° do CIRC e do art. 54.° do CPPT, aos factos, pelo que, se deve manter nos seus precisos termos.
X) O Acórdão recorrido faz, primeiramente, uma interpretação do procedimento consignado no n° 3 do artigo 129° (actual art. 139.° do CIRC), referindo que o mesmo se rege pelas disposições da Lei Geral Tributária (LGT), nomeadamente pelos artigos 91.°, 92.° e 86.°/4. Refere a este prepósito: “(...) a lei equipara este procedimento ao pedido de revisão da matéria colectável fixada por métodos indirectos, permitindo que na impugnação do acto tributário de liquidação sejam discutidas, não só as legalidades desse acto, como também todas as ilegalidades verificadas ao longo do procedimento do art. 129.° do CIRC, carceando apenas essa possibilidade relativamente ao valor que tenha encontrado por acordo entre os peritos, tudo como decorre do princípio da impugnação unitária, expressamente aplicável ex vi da remissão feita pelo n.° 5 do art. 129.° do CIRC para o n° 4 do art. 86.° da LGT, norma legal que dispõe: «Na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo.»”
Y) Deste modo, o procedimento previsto no n.° 3 do art. 139.° do CIRC constitui uma condição de procedibilidade da impugnação quando nesta se pretenda discutir o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis.
Z) E, assim termina a análise desta questão, referindo:” o regime do art. 129.° do CIRC (hoje 139°) permite ao sujeito passivo de IRC a prova de que o preço efectivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre imóveis foi inferior ao VPT, obviando assim à aplicação do disposto no art. 58.°-A, n° 2, do IRC (...) sendo que de acordo com o disposto no n.° 7 do art. 129.° do CIRC, esse procedimento de prova do preço efectivo constitui condição de impugnabilidade da liquidação que resultar das correcções efectuadas ao abrigo do art. 58.º-A do CIRC (...) e atento do disposto no n° 5 do art. 129.° do CIRC, a esse procedimento são aplicáveis, com as devidas adaptações, as regras dos arts. 91.°, 92.° e 86.°, n.° 4 da LGT, o que significa, designadamente, que da decisão final aí proferida não cabe impugnação judicial autónoma, o que quer dizer que se impõe acompanhar a parte final da decisão recorrida quando aponta que o acto impugnado não é directamente impugnável, sem prejuízo de os vícios de que eventualmente enferme poderem oportunamente ser arguidos na impugnação contenciosa da liquidação, sendo que, em função de tudo o que entretanto ficou exposto, não existe qualquer situação de inconstitucionalidade nos termos reclamados pelo Recorrente.
Donde se retira que o Acórdão recorrido fez uma análise adequada das normas aplicáveis à situação em causa, na medida em que identificou e fundamentou a aplicação das mesmas, e, por outro lado, deduziu as razões pelas quais fez a interpretação daquelas disposições legais, pelo que, se deve manter nos seus precisos termos.

3. O Excelentissímo Procurador- Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer, mas nele não se pronunciou sobre a questão aqui em apreço.

4. Por acórdão de 13 de Julho de 2016, foi a presente revista admitida com o seguinte fundamento:
“(…) a recorrente pretende ver reapreciadas pelo STA as questões que se prendem com saber se o procedimento de prova do preço efectivo instaurado nos termos do disposto no art. 139.° do CIRC é um procedimento legalmente equiparado ao procedimento de revisão da matéria colectável fixada através de métodos indirectos previsto nos arts. 91º e 92º da LGT e saber se a decisão de indeferimento desse pedido (de prova do preço efectivo) é um acto não impugnável, ou, ao invés, integra o conceito de actos impugnáveis constante do art. 54º do CPPT.
Ora, tendo em conta até os termos em que estas questões são enunciadas no próprio acórdão recorrido (que, além disso, também dá conta de eventuais divergências jurisprudenciais, acabando por optar por um dos entendimentos referenciados) desde logo parece materializar-se uma situação em que a admissão deste recurso de revista se reveste de relevância jurídica e social e em que se manifesta claro interesse objectivo (dado que transpõe os limites do caso concreto aqui em apreciação, constituindo um caso “tipo” que se repete e previsivelmente continuará a repetir-se) e em que também se reconhece a utilidade de intervenção do STA, com vista a uma pronúncia que possa servir como orientação para os tribunais de que aquele Tribunal é órgão de cúpula, assim contribuindo para uma melhor aplicação do direito.
Trata-se, na verdade, de questões que encerram potencialidade de litígio, tanto mais que se invocam, igualmente, entendimentos não coincidentes da jurisprudência dos Tribunais superiores, como resulta do próprio acórdão recorrido e dos arestos do STA e do TCAN, nele referenciados, além dos acórdãos proferidos nos procs. n.ºs 01918/09.0BEPRT e 03148/10.0BEPRT, referenciados na alegação da recorrente.
(…).”

5. O Excelentissímo Procurador-Geral Adjunto interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de admissão do recurso de revista. Este Tribunal, por acórdão de 24 de Fevereiro de 2017, decidiu no sentido do não provimento do recurso.


II – Fundamentação

1. Dos factos
A decisão recorrida deu como assente a seguinte factualidade concreta:
A) Através da escritura pública intitulada “Entrega de imóveis como contribuição para um fundo de pensões", outorgada em 22/03/2011, a ora Autora declarou transmitir para o “Fundo de Pensões Banco A……………", gerido pela sociedade “A………… - Pensões, Sociedade Gestora de Fundos de Pensões, S.A.”, pelo valor de € 27 500 000,00, o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de São Jorge de Arroios sob o artigo 1949 - cfr. fls. 8 a 10 do processo administrativo (PA) apenso aos autos.
B) Ao imóvel mencionado na alínea antecedente, constituído como prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, foi atribuído um valor patrimonial tributário global de € 27 850 690,00 - cfr. fls. 12 a 31 do PA apenso aos autos.
C) Em 06/01/2012, a ora Autora requereu ao Diretor de Finanças do Porto, ao abrigo do art.° 139.°, n.º 3, do CIRC, a instauração do procedimento para prova do preço efetivamente praticado na transmissão do imóvel mencionado na alínea A) supra, tendo em vista o afastamento do disposto no art° 64°, n.º 2, do sobredito diploma legal – cfr. fls. 5 a 7 do PA apenso aos autos.
D) Em 23/01/2012, o Serviço de Apoio às Comissões de Revisão (SACR) da Direção de Finanças do Porto notificou a aqui Autora para, em 10 dias, juntar ao procedimento a autorização de acesso à informação bancária dos seus administradores, sob pena de rejeição liminar do pedido - cfr. fls. 4 do PA apendo aos autos.
E) Em 31/01/2012, deu entrada na Direção de Finanças do Porto uma resposta à notificação mencionada na alínea antecedente, na qual a ora Autora refere, além do mais, que (…) não pode dar cumprimento a tal determinação desde logo por não ter em seu poder tais documentos e tal não lhe ser exigível" e requer o prosseguimento do procedimento de prova do preço efetivo na transmissão do imóvel - cfr. fls. 2 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
F) Em 09/02/2012, o Chefe do SACR da Direção de Finanças do Porto proferiu despacho de indeferimento do pedido formulado pela aqui Autora de prova do preço efetivo na transmissão do imóvel, por falta de requisitos legais (falta de apresentação dos documentos de autorização de acesso à informação bancária dos administradores da requerente) - cfr. fls. 33 e 34 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por reproduzido.
G) A decisão mencionada na alínea antecedente foi notificada à ora Autora em 13/02/2012 - cfr. fls. 35 do PA apenso aos autos.
H) A presente ação deu entrada neste tribunal, via SITAF, em 14/05/2012.»


2. Questões a decidir
A questão que vem suscitada no âmbito da presente revista prende-se com a determinação da impugnabilidade ou não do acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo na transmissão de um imóvel, previsto no artigo 139.º do CIRC, incluindo uma análise a respeito da “equiparação” ou não deste procedimento ao procedimento de avaliação por métodos indirectos.


3. De direito
3.1. Na origem do presente litígio está a impugnação pela A. e aqui Recorrente do despacho proferido pelo Chefe do SACR da Direção de Finanças do Porto, que indeferiu o pedido de prova do preço efectivo na transmissão de imóvel para um fundo imobiliário, por falta de requisitos legais. Inconformada com aquela decisão, que reputou de ilegal, a A. intentou acção administrativa especial no TAF do Porto tendo em vista obter a respectiva anulação. Porém, a sentença do TAF do Porto considerou o acto irrecorrível, decisão que foi confirmada pelo acórdão do TCA Norte, com fundamento na equiparação entre o procedimento de prova do preço efectivo e o procedimento de revisão da matéria tributável fixada através de métodos indirectos; uma equiparação que, no entender da referida jurisprudência, resultaria do disposto no artigo 139.º, n.º 5, do Código do IRC, da qual adviria a inimpugnabilidade autónoma do acto de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo, devendo aplicar-se, neste caso, o princípio da impugnação unitária.
A decisão do acórdão recorrido fundamentou-se no disposto no artigo 139.º, n.º 5 do CIRC, no qual se dispõe expressamente o seguinte: “O procedimento previsto no n.º 3 rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da mesma lei”. Importa, por isso, começar por analisar, brevemente, o procedimento de prova do preço efectivo.

3.2. O procedimento de prova do preço efectivo constitui a forma legalmente prevista para que os alienantes e adquirentes de direitos sobre bens imóveis possam “inscrever” o valor constante do contrato pelo qual se transaccionou aquele bem para efeitos de determinação do lucro tributável quando o mesmo seja inferior ao valor patrimonial tributável do imóvel. Só através da utilização deste procedimento é possível “afastar” a regra legal que impõe que o valor a considerar para efeitos de lucro tributável seja o correspondente ao VPT do imóvel, quando o mesmo tenha sido transmitido por um valor inferior (artigo 64.º, n.ºs 1 e 2 e artigo 139.º, n.º 1 do CIRC).
Trata-se de um procedimento especial, a instaurar pelo interessado, mediante a apresentação de requerimento dirigido ao director de finanças competente, em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado nessa data, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se torne definitiva, nos restantes casos (artigos 64.º, n.º 4 e 139.º, n.º 3 do CIRC).
A apresentação deste pedido suspende a liquidação na parte correspondente ao valor da diferença positiva entre o valor pelo qual o imóvel seja alienado e o respectivo VPT. Em caso de indeferimento total ou parcial do pedido, compete à Direcção-Geral dos Impostos proceder à liquidação do montante de imposto em falta (artigo 139.º n.º 4 do CIRC).
De acordo com o já mencionado n.º 5 do artigo 139.º do CIRC, o procedimento instaurado nos termos deste artigo rege-se pelo disposto nos artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária, com as necessárias adaptações, sendo igualmente aplicável o disposto no n.º 4 do artigo 86.º da LGT.
O legislador impõe ainda que o sujeito passivo que queira impugnar uma liquidação ou uma correcção ao lucro tributável com fundamento na aplicação ilegal do disposto no n.º 2 do artigo 64.º da LGT tenha de iniciar previamente este procedimento de prova do preço efectivo do imóvel, constituindo o mesmo uma condição de impugnabilidade da liquidação (artigo 139.º, n.º 7 do CIRC).

3.3. Ora, o que está em causa nos autos – já o dissemos – é saber se o acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo é ou não um acto impugnável. E a resposta releva, tanto em termos gerais, para apurar se a decisão final daquele procedimento se deve qualificar como acto recorrível ou não, como no que respeita ao circunstancialismo do caso, em que o pedido foi indeferido liminarmente por o requerente não ter procedido à junção dos documentos de autorização para acesso à informação bancária, alegando que essa exigência violava diversos preceitos e princípios constitucionais, designadamente no respeitante à reserva da vida privada. Vejamos, por isso, a questão sob os dois prismas e de forma separada.

3.3.1. Lembremos que a regra no direito tributário é a que emerge do princípio da impugnação unitária, consagrado no artigo 54.º do CPPT, segundo o qual, “salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.
O acto cuja impugnabilidade autónoma aqui se questiona de forma genérica é o acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo, ou seja, aquele que decide se os sujeitos passivos podem utilizar para a determinação do lucro tributável o valor de compra e venda de um imóvel constante do contrato quando este valor seja inferior ao valor patrimonial tributável que serviu de base à liquidação do IMT ou que serviria se o negócio estivesse abrangido pelo âmbito de incidência daquele imposto.
Ora, a primeira premissa é a de que este é um acto, por natureza, interlocutório do procedimento de liquidação do IRC, ou seja, um acto que põe termo a um (sub)procedimento especial que se inscreve no âmbito do procedimento geral de liquidação geral do IRC e que respeita a um aspecto específico da determinação da matéria colectável daquele imposto nos casos em que da mesma façam parte receitas ou despesas relativas à transmissão onerosa de imóveis e em que o valor atribuído a essa transmissão seja inferior ao do VPT do imóvel para efeitos de IMT. Nessa medida, tratando-se de um acto interlocutório, aplicar-se-á, em princípio, a regra prevista no princípio da impugnação unitária, pelo que, os vícios de que o mesmo padeça devem ser invocados na impugnação do acto de liquidação ou de correcção da matéria colectável.
Lembramos que é uma ideia de economia procedimental e processual que está subjacente ao princípio da impugnação unitária, pelo qual se alcança uma declaração de autoridade a respeito da situação tributária dos sujeitos passivos de forma mais célere – como impõe a necessidade de obter recursos financeiros públicos – sem contudo comprometer a garantia da tutela jurisdicional efectiva, ou seja, sem pôr em causa, as garantias dos contribuintes em relação a todos os aspectos que estejam subjacentes ao teor do acto de liquidação, os quais são analisados e decididos no âmbito do processo de impugnação do mesmo. Soma-se ainda a exigência de que esses actos interlocutórios, cuja apreciação da respectiva ilegalidade é “diferida” para o momento da impugnação da liquidação, não poderem ter carácter lesivo a não ser através do próprio acto de liquidação (ou seja, têm de ser actos que, em si, não sejam aptos a produzir imediatamente efeitos lesivos para o sujeito passivo).
O legislador admite apenas duas excepções a este princípio da impugnação unitária: i) os casos em que estas decisões interlocutórias sejam imediatamente lesivas, pois nesse caso prevalece a garantia do sujeito passivo a poder repelir de imediato um acto que lhe esteja a provocar uma lesão efectiva; e ii) os casos em que o legislador expressamente preveja a impugnação imediata e autónoma dessa decisão interlocutória.
Importa por isso saber se o acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo se pode integrar em alguma destas excepções.

3.3.2. A Recorrente alega que na prova do preço efectivo estamos perante um procedimento de avaliação directa da matéria colectável e, como tal, tem de aplicar-se o disposto no n.º 1 do artigo 86.º da LGT, onde se afirma que “a avaliação directa é susceptível, nos termos da lei, de impugnação contenciosa directa”. Acrescenta ainda, em abono da tese da impugnação directa e autónoma do acto em apreço, que, por se tratar de um acto que fixa os direitos dos contribuintes quanto à questão da determinação do valor da transmissão do imóvel a inscrever no âmbito do apuramento da matéria colectável em sede de IRC, é um “acto definitivo” segundo o artigo 60.º do CPPT, e, nessa medida, imediatamente recorrível. E mobiliza ainda, no mesmo sentido, um argumento literal, assente no facto de no artigo 139.º do CIRC, n.º 5 não se fazer remissão para o n.º 3 do artigo 86.º da LGT, o único onde se afirma que a “avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a qualquer liquidação”. Acrescenta, por último, que não pode falar-se de falta de lesividade do acto de avaliação, uma vez que a decisão deste procedimento não vem acompanhada da liquidação adicional ou da correcção dos prejuízos que lhe permita saber se terá posteriormente a oportunidade de atacar esta decisão. No essencial, a Recorrente considera que neste caso se conjugam e estão presentes as duas excepções ao princípio da impugnação unitária, ou seja, que da conjugação do artigo 139.º do CIRS com o artigo 86.º, n.º da LGT resulta uma previsão expressa da impugnação imediata da decisão do procedimento de prova do preço efectivo; e que o carácter imediatamente lesivo daquela decisão dita igualmente a sua recorribilidade imediata.
Mas, como veremos, sem razão.

3.3.2.1. Em primeiro lugar, não é verdade que resulte expressamente da lei a imediata recorribilidade da decisão daquele procedimento. Uma tal recorribilidade não tem previsão expressa no artigo 139.º do CIRC e ela também não se retira do disposto no n.º 1 do artigo 86.º da LGT. Pelo contrário, a remissão que encontramos no n.º 5 do artigo 139.º do CIRC para o n.º 4 do artigo 86.º da LGT – artigo onde se afirma que “na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo” – no qual se indica, expressamente, que as eventuais ilegalidades que possam ser assacadas à decisão que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo podem (ou seja, devem) ser invocadas na impugnação do acto tributário de liquidação, que venha ser praticado ao abrigo do n.º 4 do artigo 139.º do CIRC.
De resto, a remissão do artigo 139.º do CIRC para as regras do procedimento de determinação da matéria colectável por métodos indirectos compreende-se porque, aqui (no procedimento de prova do preço efectivo), tal como ali (na decisão de quantificação a matéria colectável com recurso a métodos indirectos), a obrigação de previamente lançar mão de um meio administrativo (ali o pedido de revisão da matéria colectável nos termos do artigo 91.º da LGT e aqui o procedimento de prova do preço efectivo) constituem, como já dissemos, condição de impugnabilidade do acto final de liquidação, quando o impugnante o pretenda atacar a respectiva fundamentação (ali, uma ilegalidade na quantificação da matéria tributável, aqui, uma ilegal quantificação do valor do imóvel para efeitos de determinação do lucro tributável).
E por isso não tem sentido, como pretende a Recorrente, a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 86.º da LGT, pois não estamos perante um problema de avaliação directa da matéria colectável (não estamos a corrigir ou a discutir o valor nominal pelo qual o imóvel é transmitido), mas sim perante um expediente procedimental necessário para afastar uma presunção legal (a de que o imóvel foi transmitido pelo valor do respectivo VPT, quando o valor dessa transmissão seja inferior àquele) prevista no artigo 64.º, n.º 2 do CIRC.

3.3.2.2. E também não tem razão a Recorrente quando alega que a decisão do procedimento para a prova do preço efectivo é imediatamente lesiva, pois o n.º 4 do artigo 139.º do CIRC estipula, expressamente, que o procedimento de prova do preço efectivo tem efeito suspensivo da liquidação na parte correspondente ao valor da diferença entre o preço que alegadamente foi praticado e o VPT que serviu de base à liquidação do IMT. Na prática, isto quer dizer que, em caso de transmissão do imóvel por valor inferior ao VPT, o sujeito passivo, no ano a que corresponde o negócio de transmissão do imóvel, declara, liquida e paga o IRC correspondente ao valor da transmissão e dá início ao procedimento de prova do preço efectivo. Quando esse procedimento termina e caso a decisão lhe seja desfavorável, haverá lugar à prática, pela AT, de um acto de liquidação adicional ou de correcção de prejuízos no valor correspondente àquela diferença (artigo 139.º, n.º 4 CIRC) e são esses os actos impugnáveis (artigo 139.º, n.º 7 do CIRC).
Na hipótese aventada pelo Recorrente, de que a AT não venha a praticar o acto subsequente – seja a liquidação adicional, seja a correcção dos prejuízos – então também não se produzirá a lesão, tendo em conta que o sujeito passivo auto-liquidou o imposto apenas com base no valor que atribuiu à transmissão.
Assim, também não se preenche o pressuposto legal da imediata lesividade do acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo para efeitos de excepção ao princípio da impugnação unitária.

3.3.3. Em suma, quer do que resulta da interpretação dos preceitos legais em crise – artigos 139.º e 86.º, n.º 4 da LGT – quer do regime regra do procedimento tributário assente no princípio da impugnação unitária – artigo 54.º do CPPT – conclui-se que o acto que põe termo ao procedimento de prova do preço efectivo não é impugnável, devendo os eventuais vícios de que o mesmo enferme ser alegados e conhecidos no âmbito da impugnação do acto de liquidação adicional ou do que determine a correcção de prejuízos fiscais.

3.3.4. E nem a situação dos autos – querer discutir a conformidade constitucional da norma que impõe o acesso à informação bancária (artigo 139.º, n.º 6 do CIRC) como condição para a instrução do procedimento de prova do preço efectivo e o acto de indeferimento liminar daquele procedimento em caso de recursa – altera o que antes afirmámos, pois a lesividade deste indeferimento liminar apenas se projectará na esfera jurídica do Recorrente por intermédio do acto de liquidação adicional ou de correcção dos prejuízos fiscais.


3.4. Da alegada inconstitucionalidade

O Recorrente sustenta, por último, que a interpretação do disposto no artigo 139.º do Código do IRC, no sentido de que a decisão de indeferimento do pedido de prova do preço efectivo não constitui um acto lesivo dos direitos do contribuinte e não é impugnável contenciosamente de forma autónoma, é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP.
No essencial, o Recorrente alega que o princípio da impugnação unitária constitui, neste caso, uma violação do acesso ao direito e garantia da tutela jurisdicional efectiva. Mas uma vez mais sem razão, atento o facto de, como antes demonstrámos, a decisão que, ao abrigo daquela regra do processo tributário, se considera irrecorrível, não consubstanciar uma lesão imediata.
Cumpre acrescentar também, em linha com a jurisprudência do Tribunal Constitucional vertida no acórdão n.º 410/2015, que a decisão do procedimento da prova do preço efectivo é, claramente, uma decisão de um procedimento interlocutório do procedimento de liquidação do IRC, seja, por se tratar de um subprocedimento enxertado no procedimento de liquidação daquele imposto, seja porque a decisão que aí seja adoptada esgota a sua eficácia no âmbito da liquidação do IRC (não se comunicando, desde logo, à liquidação de IMT).
Assim, concluindo-se que não estamos ante um acto destacável (ou seja, um acto que a lei determine que seja impugnado autonomamente), nem imediatamente lesivo, e que se trata de um acto interlocutório, haverá que concluir que a aplicação da regra da impugnação unitária não fere as garantias fundamentais dos contribuintes consagradas nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP.


III - decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário], com dispensa do remanescente da taxa de justiça atenta a proporcionalidade entre o serviço prestado e o montante devido.


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Lisboa, 28 de Abril de 2021. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes.