Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01143/06
Data do Acordão:03/06/2007
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JORGE DE SOUSA
Descritores:ACTO POLÍTICO.
LIMITES DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA.
PODERES DE COGNIÇÃO.
TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.
PROVIDÊNCIA CAUTELAR.
MANIFESTA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO NO MEIO PRINCIPAL
Sumário:I – Nos casos de evidente procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, previstos na alínea a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, a adopção das providências cautelares não é automática, sendo de recusar em situações em que se anteveja a possibilidade de existir grave prejuízo para o interesse público, uma vez que não se compreenderia que fosse possível obter a execução provisória de algo que não poderia ser obtido a título definitivo.
II – A função política corresponde à prática de actos que exprimem opções fundamentais sobre a definição e prossecução dos interesses ou fins essenciais da colectividade.
III – No entanto, relativamente à generalidade dos actos do Governo, mesmo em relação àqueles a que não caiba a designação de actos políticos, o n.º 1 do art. 3.º do CPTA revela a existência de uma reserva de Administração, uma zona da actividade administrativa não regulada por normas ou princípios jurídicos, que está fora dos poderes de sindicabilidade dos tribunais administrativos.
IV – O controle judicial da actuação administrativa nesta margem de reserva de Administração, terá de limitar-se à verificação da ofensa ou não dos princípios jurídicos que a condicionam e será um controle pela negativa, não podendo o tribunal substituir-se à Administração na ponderação das valorações que se integram nessa margem.
Nº Convencional:JSTA00064061
Nº do Documento:SA12007030601143
Data de Entrada:12/28/2006
Recorrente:A...
Recorrido 1:MINSAUD
Recorrido 2:B...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC EXCEPC REVISTA.
Objecto:AC TCA DE 2006/09/28.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC REVISTA EXECEPC.
Legislação Nacional:CPTA02 ART120 ART45 ART122 ART3.
CPC96 ART684 N4.
ETAF02 ART4 N2 A.
CONST ART266 N2 ART2 ART202 ART203 ART199.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC45990 DE 2001/02/06.; AC STA PROC28775 DE 2001/05/09.; AC STA PROC44693 DE 2002/04/24.
Referência a Doutrina:SÉRVULO CORREIA DIREITO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO VI PAG777-778.
ESTEVES DE OLIVEIRA E OUTRO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS VI PAG123.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – A A... interpôs o presente recurso de revista excepcional do acórdão, nos termos do art. 150.º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 28-9-2006, que negou provimento ao recurso jurisdicional que interpusera da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que julgou procedente a excepção de ilegitimidade do Hospital B... e indeferiu os pedidos de adopção de medidas cautelares que formulou.
Por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo 29-11-2006 foi admitido o recurso.
A Recorrente apresentou alegações com as seguintes conclusões:
A) A recorrente nas suas Alegações de recurso apresentadas no recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo atacou efectivamente e procedeu à ponderação do interesse a que alude o Artº 120, Nº 2 do C.P.T.A., considerando que os danos que resultariam da concessão da Providência Cautelar eram inexistentes, pelo que, logicamente não se colocaria, sequer, a questão do interesse público por ausência total de danos neste domínio.
B) Como consequência da inexistência de danos, ou sequer perigo, para o interesse público, sempre a providência requerida poderia ou poderá vir a ser decretada ao abrigo da alínea b) do Nº 1 do Artº 120 do C.P.T.A.
C) Face à inexistência de danos ou sequer ameaça de dano ou perigo para o interesse público e tendo em conta a notoriedade da probabilidade de procedência da pretensão formulada na acção principal também, por este motivo, em presença dos condicionalismos expostos (Matéria Provada em 1 Instância – Letras B a H da Sentença do T.A.F. de Castelo Branco), também, por força do disposto no nº 1 alínea a) do Artº 120 do C.P.T.A. deve a presente providência cautelar ser adoptada.
D) O despacho Nº 7495/2006 do Sr. Ministro da Saúde sofre de vício de “erro nos pressupostos de direito ” em que foi proferido (A Maternidade de ... não faz parte do S.N.S. nem é um serviço público), que o inquinam de inviabilidade reconduzivel a nulidade ou, pelo menos, à anulabilidade (Artº 135 e seguintes do C.P.A.);
E) O despacho Nº 7495/2006 do Sr. Ministro da Saúde sofre de vício de “violação dos contratos administrativos enquanto elemento de legalidade” (Doc. Nº 11 a 14) porquanto o seu conteúdo e os efeitos jurídicos dele decorrentes violam o bloco de legalidade (Doc. Nº 11 a 14) que limita “in casu” a actividade administrativa reconduzive1 à anulabilidade do despacho suspendendo: (Artº 135 do C.P.A.)
F) A resolução fundamentada elaborada e junta aos autos pelo Sr. Ministro da Saúde invocando grave prejuízo para o interesse público, para além de ilegal, tal como o despacho que pretende confortar na sua execução, não corresponde a preocupações ou perigos realmente existentes como se provará se for admitida a produção de prova solicitada no requerimento inicial da providência cautelar; (Artº 120, Nº 2 do C.P.T.A.)
G) A ameaça de execução do despacho Nº 7495/2006 do Sr. Ministro da Saúde e, hoje, a sua execução já implementada está a causar prejuízos à recorrente que, mais do que prejuízos de difícil reparação conduzirão à própria destruição económica e institucional, irreversível, da Fundação recorrente (Artº 120, nº 1, alínea b) do C.P.T.A.)
H) O Hospital B... pelo seu envolvimento e cooperação que resulta de contratos celebrados com a Fundação recorrente (Doc. Nº 11 a 14), mormente em matéria de recursos humanos e financeiros, é parte legítima no presente pleito por ter manifesto interesse em discutir e assumir ou não os resultados da presente discussão e da própria decisão final que venha a ser proferida (Artº 26 e seguintes do C.P.A) pelo Tribunal Administrativo competente;
I) Deve ser proferida decisão que, favorecendo a razão da recorrente, nos termos invocados no requerimento inicial e nas presentes alegações, defira a presente providência cautelar ao abrigo da invocada legislação administrativa e obrigacional, e ordene a suspensão imediata da eficácia da execução do despacho Nº 7495/2006 do Sr. Ministro da Saúde, por forma a evitar o decesso final económico e institucional da recorrente, com a “utilidade relevante que ainda tem no que toca aos efeitos que o acto ainda está a produzir e continuará” (Artº 129 do C.P.T.A.) assim se evitando o decesso final da recorrente (económico e institucional)
J) Entendendo-se, porventura e à cautela de patrocínio, que V.Exas considerem que a matéria de facto relevante para a decisão da causa e/ou do presente recurso, não está suficientemente esclarecida deverá ordenar-se, nos termos do Artº 118 e 149 do C.P.T.A., a designação de dia e hora para a realização de diligência de produção de prova;
A recorrente considera aqui como integralmente reproduzido o Parecer junto aos autos da autoria de ”... Associados” para cuja apreciação se remete, também, os melhores e mais doutos critérios de V.Exas.
Solicita a V. Exas que se solicite ao tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que junte cópia certificada do teor completo da petição inicial da Acção Principal (Artº 742 e 745 do C. Proc. Civil), o que, aliás, foi requerido no recurso interposto no Tribunal de 1ª Instância e não foi devidamente cumprido.
Nestes termos e nos demais de direito que V.Exas doutamente Suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado (Artº 150 do C.P.T.A.), revogando-se o Acórdão recorrido e proferindo-se Acórdão que defira a requerida Providência Cautelar nos termos que atrás se conclui com a correspondente apreciação, sucessiva e ordenada, de todas as questões suscitadas e assim se permitindo que se faça JUSTIÇA
O Ministério da Saúde contra-alegou, concluindo da seguinte forma:
1ª O recurso de revista interposto não obedece aos requisitos previstos no artigo 150.º do CPTA, pelo que deve ser preliminarmente recusado.
2ª A discussão pública ou a mediatização a propósito do encerramento da sala de partos do Hospital B... não integra o conceito de questão de importância social ou jurídica fundamental.
3ª Os valores constitucionais da justiça e da segurança não foram postos em causa pelo acto ministerial suspendendo.
4ª A interpretação feita pelas instâncias sobre a não verificação dos requisitos para o decretamento da providência cautelar foi inteiramente correcta e não suscita, no caso sub judice, qualquer complexidade jurídica especial a demandar uma melhor aplicação do direito.
5ª A excepcionalidade do recurso de revista é agravada quando está em causa a tutela provisória de uma situação que não se baseia numa questão jurídica fundamental de interpretação dos requisitos da suspensão de eficácia de um acto administrativo.
6ª O Tribunal Central Administrativo Sul julgou correctamente quando não deu provimento ao recurso pelo facto de a Recorrente não ter contestado a ponderação de interesses efectivada pelo Tribunal Administrativo a quo.
7ª A ponderação de interesses referida sempre seria, em qualquer caso, favorável à execução do despacho suspendendo porque este se fundamenta na defesa do direito à vida através da prestação de cuidados de saúde em termos adequados e tecnicamente incontestáveis.
8ª O despacho objecto de pedido de suspensão de eficácia baseia-se claramente num interesse público que justificou a respectiva execução, nos termos do n.º 1 do artigo 128.º do CPTA.
9ª A improcedência da acção principal não só é manifesta como o acto impugnado no processo principal não se relaciona com os eventuais efeitos de um alegado contrato administrativo que não foi sequer posto em causa pelo despacho suspendendo,
10ª É processualmente deslocado tentar reabrir a questão da alegada ilegalidade da resolução fundamentada, que reconheceu que o diferimento da execução do acto suspendendo seria gravemente prejudicial para o interesse público, porque a decisão judicial sobre a mesma transitou em julgado.
11ª A apreciação dos artigos 118.º e 149.º do CPTA carece de fundamento porque a factualidade com interesse para a decisão do presente recurso está suficientemente esclarecida e ponderada.
12ª O Hospital B... é parte ilegítima, como bem decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul.
13ª A procedência da pretensão processual da Recorrente afrontaria, de forma evidente, o princípio da separação de poderes, previsto no artigo 3.º do CPTA, na medida em que seria o Tribunal a fixar o local de partos, contra o juízo técnico e valorativo da Administração, num determinado hospital do Serviço Nacional de Saúde, de acordo com a interpretação criativa que implicitamente consentiria de um direito fundamental de natureza social.
Neste termos, e nos demais de direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA!
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
1º Por douto Acórdão de folhas 980 e seguintes, foi admitido o recurso de revista proferido pelo TCA Sul que negou provimento ao recurso jurisdicional, interposto pela A... da sentença do TAF de Castelo Branco que indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do despacho n.º 7495/2006 do Ministro da Saúde, bem como da intimação do Ministro da Saúde e do Hospital B... para, enquanto não fosse proferida decisão no processo principal, permitir e assegurar a manutenção em funcionamento de todos os Serviços da Maternidade A..., de Elvas, incluindo a sala de partos para assistência às mulheres grávidas na ocasião do parto.
2.º Conforme o referido Acórdão, o recurso em apreço tem como objectivo indagar sobre a possibilidade da providência cautelar se processou em conformidade com o quadro legal aplicável, mediante a apreciação dos aspectos jurídicos que dão consistência e peso aos interesses em conflito.
3.º Nos termos do n.º 2 do art.º 150.º do CPTA, a revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
4.º Sendo que, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, conforme dispõe o n.º 3 do mesmo artigo.
5.º O douto Acórdão recorrido deu como provada a matéria de facto provada na sentença recorrida, apelando ao disposto no n.º 6 do art.º 713.º do C.P.Civil.
6.º A decisão do TAF, indeferindo as pretensões da Recorrente com fundamento na não verificação dos critérios enunciados na alínea a) e b) do n.º 1 e n.º 2 do art.º 120.º do CPTA.
7.º As providências cautelares destinam-se a obter uma regulação provisória dos interesses envolvidos num determinado litígio, podendo traduzir-se, consoante o seu conteúdo, em antecipar, a título provisório, a constituição de uma situação jurídica nova cuja obtenção se visa alcançar, a título definitivo, no processo principal (providências antecipatórias), ou a manutenção, a título provisório, de uma situação jurídica já existente, até que a situação seja definida, a título definitivo, no processo principal (providências conservatórias). ( ( ) Cfr. Ac. do STA, de 27.4.2006, proferido no processo n.º 19/06. )
8.º Delimitado o objecto do recurso à verificação da existência de violação de lei substantiva ou processual – n.º 2 do art.º 150.º do CPTA – entende-se que, vista a matéria de facto apurada, a revista não deve ser concedida.
9.º As providências cautelares conservatórias serão concedidas desde que se verifiquem os seguintes requisitos: que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada, ou formular (fumus boni juris); que haja fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora); que da ponderação dos interesses em presença se conclua que os danos que resultam da concessão não são maiores de que os danos que resultam da recusa da providência (proporcionalidade e adequação da providência – art.º 120.º, n.º 1, al. b) e 2 do CPTA. ( ( ) Cfr. Acórdão do STA, de 25.8.04, proferido no processo n.º 870/04. )
10.º Na douta decisão do TAF entendeu-se que não se verificava o critério adoptado na alínea a) do art.º 120.º do CPTA, que o douto Acórdão recorrido manteve.
11.º Dispõe essa alínea que as providências cautelares são adoptadas “quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente”.
12.º A douta sentença do TAF, a propósito da não verificação do pressuposto relativo ao critério de fumus boni uris previsto na alínea a) do n.º 1 do art.º 120.º do CPTA, diz a dado passo:
13.º “Atento aos pedidos e causa de pedir, visto o teor do Despacho suspendendo, com relevância para a verificação do pressuposto relativo ao critério de fumus bani juris, e apenas com essa relevância, invoca a Requerente, com grau de concretização que permite identificar as alegadas ilegalidades, em síntese, o seguinte: v. g., nos artigos 67.º, 75.º, 80.º, 111.º (2.ª parte), 113.º, 117.º da petição inicial (p.i.) reportam-se a violação de direitos do Requerente que, sem se mostrarem claramente identificados são, no dizer da Requerente, os documentos do contrato ou contratos celebrados com o Hospital B... e expressamente ratificados pela Administração do Estado (Ministério da Saúde)”.
14.º Assim, como aí se refere, “invocada foi a violação de lei mas por vício decorrente da eventual violação dos contratos, o que falta determinar e, como questão prejudicial a esta, aqui não se pode cuidar, colocada que está fora do âmbito da presente acção enquanto questão de mérito”.
15.º E, como tal, e, também, se diz, “de todo o modo, do que vem alegado e acima se respigou, com invocação de repercussões ao nível dos contratos identificados, aquela matéria que se situa a jusante do acto em crise, em sede da sua execução mas já fora do âmbito e do objecto da presente causa, logo sem virtualidade directa e manifestamente invalidante do acto suspendendo.
16.º Na verdade – e atento ao probatório, designadamente ao teor do Despacho suspendendo e do contrato e adendas ali vertidos -, o dispositivo do despacho em crise, no que está em crise nestes autos determina apenas “o encerramento da sala de partos do Hospital B...”.
17.º Assim, tendo em atenção a matéria de facto apurada e o Despacho suspendendo, não se pode concluir haver ilegalidade manifesta.
18.º Tal como se diz no douto Acórdão recorrido “uma vez que as ilegalidades que apontou (a Recorrente) ao acto não se podem considerar evidentes para efeitos da aplicação da al. a) do n.º 1 do citado art.º 120.º, terá de se confirmar a sentença na parte em que indeferiu os pedidos.”
19.º Ora, vista a necessidade da verificação cumulativa dos requisitos para a adopção da providência, o recurso deverá improceder.
20.º Mas que assim não seja, como segundo requisito para a concessão das providências cautelares conservatórias exigem-se cumulativamente os pressupostos exigidos pela alínea b) do n.º 1 e pelo n.º 2 do referido art.º 120.º.
21.º Diz a Recorrente, na conclusão A) das suas alegações de recurso que “nas suas alegações de recurso apresentadas no recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo atacou efectivamente e procedeu à ponderação do interesse a que alude o art.º 120.º, n.º 2 do CPTA, considerando que os danos que resultavam da concessão da Providência Cautelar eram inexistentes, pelo que, logicamente não se colocaria, sequer, a questão do interesse público por ausência total de danos neste domínio”.
22.º Ora, conforme o douto Acórdão recorrido, a Recorrente não atacou a sentença do TAF, na parte em que essa sentença “procedeu à ponderação de interesses a que alude o n.º 2 do art.º 120.º do CPTA, considerando que os danos que resultariam da concessão da providência se mostravam superiores aos que poderiam resultar da sua recusa”.
23.º Assim – conclui o douto Acórdão recorrido, “porque neste recurso jurisdicional não se pode revogar a decisão recorrida na parte em que procedeu à ponderação de interesses a que alude o n.º 2 do art.º 120.º do CPTA, nunca a providência cautelar requerida poderá vir a ser decretada ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do citado art.º 120.º.
24.º Ora, porque são as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso – não as alegações – improcedem as conclusões A) a G).
25.º Na conclusão H), a Recorrente defende a legitimidade do Hospital B..., por ter manifesto interesse em discutir e assumir ou não os resultados da presente discussão e da própria decisão.
26.º A douta sentença do TAF afastou essa legitimidade e o douto Acórdão recorrido não conheceu dessa alegada legitimidade, pois que, “no caso em apreço, a transcrita conclusão E) da alegação da Recorrente - onde se defendia que o Hospital B... era parte legítima – trata de matéria completamente nova e não abrangida pela referida alegação”, pelo que improcede a conclusão H).
Termos em que deve confirmar-se o douto Acórdão recorrido não se concedendo a revista.
Sem vistos, vêm os autos à conferência para decidir.
2 – No acórdão recorrido deu-se como reproduzida a matéria de facto fixada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, que é a seguinte:
A) O Ministro da Saúde proferiu, em 14 de Março de 2006, o Despacho n.º 7495/2006 (2.ª série), in DR 67 SÉRIE II de 2006-04-04, com o seguinte teor:
“Despacho n.º 7495/2006 (2.ª série)
I - A Comissão Nacional da Saúde Materna e Neonatal entregou ao Ministro da Saúde, no passado dia 10 de Março, o relatório sobre organização perinatal nacional, no qual se insere o Programa Nacional de Saúde Materna e Neonatal, e a proposta de requalificação dos serviços de urgência perinatal. Os documentos, de elevado valor técnico, evidenciam o enorme progresso realizado em Portugal desde que foi lançado, em 1989, o Programa Nacional de Saúde Materno-Infantil. O Programa criou uma rede de referência materno-infantil, que neste momento protege 80% dos recém-nascidos portugueses e permitiu um considerável progresso na saúde da mãe e do recém-nascido.
Portugal passou de País mais atrasado da Europa em indicadores de saúde materno-infantil para uma colocação entre os 10 países da União Europeia com melhores indicadores de mortalidade materna, mortalidade infantil e mortalidade perinatal.
II - O sucesso deste Programa deveu-se a um conjunto de factores de natureza social, económica e cultural, mas sobretudo à melhoria da organização dos cuidados prestados à mãe e à criança na altura do parto. Está hoje bem definido o conjunto de meios técnicos para que o parto decorra em condições de total segurança: equipas de assistência compostas por obstetras, anestesista, pediatra-neonatologista e enfermeiras, equipamento técnico mínimo que permita acompanhar a vida fetal antes do parto e reanimar o recém-nascido, bem como o apoio permanente de serviço de sangue, de imagiologia, de laboratório e de cirurgia. A experiência nacional demonstra que estes requisitos apenas se conjugam, por óbvias razões de efectividade e eficiência, em serviços que garantam uma actividade de cerca de 1500 partos/ano.
III - De entre os 50 hospitais e maternidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) onde hoje se processam partos, apenas 27 acumulam as condições técnicas exigidas com ritmo de trabalho que mantenha a actualização e adestramento do respectivo pessoal. De entre os 23 locais onde o número de partos ocorridos é inferior a 1500/ano, 15 encontram-se abaixo dos 1200 partos/ano, 12 abaixo dos 1000 partos/ano e 5 abaixo de 500 partos/ano.
IV - Impõe-se, assim, uma política de concentração de locais de parto por razões de segurança da mãe e da criança. Uma perda de vida materna, por motivos de parto, é um acontecimento dramático para as famílias e que mancha a credibilidade do SNS. A perda actual de cerca de 12 vidas anuais de recém-nascidos por razões ligadas à insuficiente qualificação técnica dos locais onde o parto ocorre tem um intolerável custo social e afectivo.
V - A concentração de locais de parto não implica o encerramento dos serviços de obstetrícia, ginecologia e de cuidados ao recém-nascido. Os hospitais e maternidades onde hoje nascem crianças devem continuar a atender as grávidas que a eles acorram, a assistir aos seus recém-nascidos e a acompanhá-los no período pós-parto. Implica apurar que no momento decisivo do parto, dada a imprevisibilidade sempre associada ao acto e à forma como ele se processa, as mulheres portuguesas, onde quer que residam, disponham de iguais condições de acesso aos meios que a organização hospitalar do SNS já hoje coloca à sua disposição.
VI - O factor distância-tempo, marcado pela desigualdade geográfica e fluidez e rapidez do tráfego viário, constitui um importante, e por vezes, inultrapassável obstáculo à desejável igualdade de acessos. Em muitas localidades do interior do País o tempo de acesso a um local de parto que reúna todas as condições de qualidade do acto pode impedir o acesso em tempo útil. O que implica a necessidade de um equilíbrio difícil entre risco obstétrico por razões de menor qualificação do local e risco ocasionado pela dificuldade, perturbação e demora no acesso.
VII - O progresso cultural e a crescente informação das cidadãs parturientes têm gerado um fenómeno de orientação natural de procura para os locais que garantem segurança total às parturientes mais bem informadas. Esse fenómeno explica a erosão de procura de alguns hospitais e maternidades com menores condições, em favor da concentração da procura nos locais que oferecem maior segurança. Persistem, todavia, hábitos e padrões culturais onde, ou por escassez de informação, ou por atavismo ou, ainda, por naturais dificuldades socio-económicas, as grávidas não escolhem em tempo útil o local mais seguro e se orientam ou conformam com o lugar de parto mais próximo. Esta situação é comum nas zonas interiores do País de poucas acessibilidades, mas observa-se também em regiões da faixa litoral, onde a relação de proximidade ou até de familiaridade se sobrepõe à informação sobre a segurança do parto.
VIII - O SNS e o Ministério da Saúde, que por ele responde, têm obrigação de garantir às portuguesas, por livre escolha, o local onde entendam que a sua criança nasça nas melhores condições de segurança técnica. Cumpre-lhe garantir a qualificação dos locais que reúnam todas as condições. Tendo em conta as implicações da acessibilidade no risco do parto, incumbe-lhe ainda definir os regimes transitórios que permitam facultar a cada mulher, para cada localização possível, a melhor relação entre o desconforto da distância e o risco associado ao parto.
IX - Esta questão, que agora renova a problemática ocorrida no início da década de 90, quando o número de locais de parto foi concentrado de quase 200 iniciais para os actuais 50, chama de novo à colação a emotividade da sensação de pertença ao local de vida e trabalho e o desejo de que o nascimento de cada filho constitua a renovação desse compromisso com a terra onde vive. Este sentimento é claramente mais forte nas forças políticas locais que entre as próprias cidadãs. Na verdade, quando bem informadas, estas sabem exactamente o que querem, preferindo sempre a distância segura à proximidade insegura.
X - Acresce ainda um factor de crescente complexidade associado aos recursos humanos. Muitos médicos obstetras e pediatras estão a atingir a idade em que ou se reformam ou são dispensados de urgência nocturna, tornando cada vez mais difícil a dotação de equipas técnicas completas. Esta razão acresce a todas as anteriores como argumento adicional para a concentração do local de parto.
XI - A Comissão Nacional de Saúde Materna e Neonatal produziu um isento, objectivo e notável trabalho de análise e qualificação dos serviços de urgência perinatal, recomendando ao Governo uma maior concentração de locais de parto, agora facilitada pela visível melhoria de acessibilidades observada desde o início dos anos 90 até aos nossos dias. A Comissão considera que 16 dos actuais locais de parto não conferem segurança total em cuidados obstétricos e perinatais. Reconhece, todavia, que a difícil acessibilidade em algumas localizações pode aconselhar a manutenção extraordinária de alguns locais de parto, sobretudo no interior do País.
XII - Em termos operacionais, a Comissão recomendou o encerramento imediato dos blocos de partos dos hospitais de Barcelos, Santo Tirso, Lamego, Oliveira de Azeméis, Torres Vedras e Elvas.
No que se refere aos hospitais do Nordeste Transmontano (Mirandela, Bragança e Macedo de Cavaleiros), recomendou a concentração em um só dos três hospitais por decisão do respectivo Centro Hospitalar. No que se refere aos hospitais da Beira Interior (Guarda, Covilhã e Castelo Branco), a Comissão recomendou a articulação entre hospitais e a concentração daí decorrente por consenso entre administrações e profissionais. A Comissão recomendou ainda a cessação de actividades dos blocos de partos de Amarante, Figueira da Foz, Cascais e Vila Franca de Xira. Por especiais dificuldades de acessibilidade, a Comissão recomendou a manutenção em funcionamento do bloco de partos de Chaves.
Assim, com base no relatório da Comissão Nacional de Saúde Materna e Neonatal e tendo em conta o imperativo constitucional que obriga o Estado a "garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o País em recursos humanos e cuidados de saúde", determino:
1 - A consagração do direito de toda a mulher escolher livremente o local onde deseja ter os seus filhos em condições de melhor qualidade para a mãe e a criança.
2 - Até ao dia 30 de Junho do ano corrente, a concentração dos partos actualmente realizados no Hospital de Barcelos, no Hospital de São Marcos (Braga), no Hospital de Santo Tirso, no Hospital de São João de Deus (Famalicão), no Hospital de Oliveira de Azeméis e no Hospital de São Sebastião (Vila da Feira) e o encerramento da sala de partos do B... com liberdade de escolha da parturiente por outro estabelecimento que reúna requisitos de qualidade e conveniência.
3 - Até ao dia 31 de Dezembro do ano corrente, a concentração dos partos actualmente realizados no Hospital de São Gonçalo (Amarante), no Hospital Padre Américo (Vale do Sousa), no Hospital da Figueira da Foz, nos Hospitais da Universidade de Coimbra, no Centro Hospitalar de Coimbra e no Hospital de Santo André (Leiria), sem prejuízo da liberdade de escolha da parturiente por outro estabelecimento da rede de referenciação dos serviços de urgência perinatal.
4 - A concentração dos actuais locais de parto dos estabelecimentos do Centro Hospitalar do Nordeste Transmontano em um único estabelecimento, mediante proposta do respectivo conselho de administração a apresentar ao Ministro da Saúde até 31 de Dezembro do corrente ano.
5 - A articulação e concentração dos actuais locais de parto dos Hospitais da Guarda, Covilhã e Castelo Branco por proposta do conselho de administração do futuro Centro Hospitalar da Beira Interior, que reunirá os três estabelecimentos.
6 - A manutenção em funcionamento do bloco de partos do Hospital de Chaves, até à resolução do problema das acessibilidades a Vila Real.
7 - A manutenção em funcionamento do bloco de partos do Hospital de Lamego até à sua integração no Centro Hospitalar de Vila Real/Régua, com prévia garantia de acessibilidade das parturientes dos concelhos da margem esquerda do rio Douro.
8 - A manutenção em funcionamento do bloco de partos do Hospital de Torres Vedras até à conclusão e aprovação do estudo entretanto encomendado sobre o planeamento hospitalar da Estremadura/Oeste (Alcobaça, Caldas da Rainha, Peniche e Torres Vedras).
9 - O não encerramento dos blocos de partos dos Hospitais de Cascais e Vila Franca de Xira, apesar de situados abaixo do limiar técnico mínimo, uma vez que a alternativa de concentração implicaria de imediato uma intolerável sobrecarga nas maternidades de Lisboa, e se encontra prevista a criação de blocos de partos nos novos edifícios a construir nesses concelhos.
10 - Em todos os locais mencionados no presente despacho serão mantidas as actuais valências obstétricas, as quais continuarão a prestar serviço pré-parto e pós-parto, integrando-se os respectivos especialistas, médicos e enfermeiros nas equipas de urgência dos estabelecimentos onde se realiza a concentração.
11 - As administrações regionais de saúde, em colaboração com o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e com as corporações de bombeiros locais aperfeiçoarão o sistema de transporte de parturientes e recém-nascidos em condições que garantam a máxima segurança e comodidade.
14 de Março de 2006. - O Ministro da Saúde, ...”;
B) A Fundação A... é, na configuração jurídica actual, uma instituição particular de solidariedade social, reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública, com estatutos originariamente aprovados por alvará do Governo Civil de Portalegre, de 18 de Fevereiro de 1930;
C) Dá-se por reproduzida a declaração do Director-Geral da Segurança Social, de 1992, para publicação no Diário da República, junta como pág. 3 do doc. 2 em anexo ao requerimento inicial, designadamente: “Declara-se, em conformidade com o Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/83, de 25 de Fevereiro, alterado pelo Decreto-Lei nº 402/85, de 11 de Outubro e no Regulamento aprovado pela Portaria nº 778/83, de 23 de Julho, aplicável por força da Portaria nº 466/86, de 25 de Agosto, que se procedeu ao registo definitivo da alteração global dos estatutos da fundação abaixo identificada, instituição de solidariedade social, reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública.
A alteração dos estatutos foi aprovada por despacho de 5/7/91 da Secretária-Geral do Ministério da Saúde, exarado por delegação de competência do Ministro da Saúde e o respectivo registo foi lavrado em 11/12/91, pela inscrição nº 8/91, a fls. 51 verso e 52, do Livro 1 das Instituições com Fins de Saúde. (...)”;
D) Dá-se por inteiramente reproduzido o teor dos Estatutos da Fundação A..., constantes do doc. 2, pág. 5, junto com o requerimento inicial, designadamente:
“Artigo 2º - A Fundação A... tem por objectivos prestar assistência médico-social à mulher grávida mediante o seu internamento, em qualquer idade de gravidez, quando razões de ordem clínica o aconselhem a assisti-la tecnicamente na ocasião do parto, e a viajar e tratar as grávidas durante o puerpério. Haverá também uma consulta pré-natal para crianças até aos dois anos de idade. O seu âmbito de acção será nacional.
Artigo 3º - 1 – Para realização dos seus objectivos a Instituição fez cedência, em acordo formalizado por escritura pública de oito de Novembro de mil novecentos e oitenta e quatro, ao Hospital B..., das instalações da Maternidade, a fim de que se mantenham em funcionamento as actividades de assistência às parturientes.
2 – Além destas actividades, a Instituição exercerá outras, de acção social, de forma directa, promovendo o acompanhamento das grávidas durante a gravidez e o puerpério, propondo-se criar para o efeito, quando a situação financeira o permitir, um lar para o seu acolhimento.
Artigo 4º - A organização e o funcionamento dos diversos sectores de actividade constarão de regulamentos internos elaborados pelo Conselho de Administração.
(...)
Artigo 31º - A fundação, no exercício das suas actividades, respeitará a acção orientadora e tutelar do Estado, nos termos da legislação aplicável e cooperará com outras instituições particulares e com os serviços oficiais competentes para obter o mais alto grau de justiça, de benefícios sociais e de aproveitamento dos recursos.”;
E) Dá-se por inteiramente reproduzido o teor do doc. 11 junto com o requerimento inicial — correspondente a uma escritura denominada “Arrendamento e Aluguer”, celebrado no dia 08 de Novembro de 1984 no Cartório Notarial de Elvas, entre Doutor ..., ... e Doutor ..., que outorgaram na qualidade de Directores da “Maternidade ...”, e Doutor ..., Doutor ... e ..., que outorgaram na qualidade de membros do Conselho de Gerência do Hospital B... —, designadamente: “Que entre a primeira e o segundo outorgantes, foi acordado e reduzem à presente escritura o seguinte: A primeira cede de arrendamento ao segundo as instalações e o equipamento da Maternidade nas condições que se seguem: Primeiro: Todos os serviços da Maternidade, Obstetrícia e Ginecologia, hoje mantidos pela primeira outorgante em Elvas e que funcionaram no seu prédio à estrada de ..., ficarão a cargo do segundo outorgante; Segundo: O prédio inscrito no artigo novecentos e sessenta da matriz urbana da freguesia de Assunção, concelho de Elvas, descrito na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o número dezoito mil quinhentos e setenta e sete do Livro B-quarenta e sete, onde actualmente funcionam os serviços referidos na cláusula primeira, é cedido de arrendamento pela primeira ao segundo outorgante juntamente com todos os móveis e equipamentos a ele anexos, pelo prazo de um ano renovável por períodos idênticos e pela renda mensal de dezoito mil escudos, paga na secretaria do locador, vencendo-se até ao dia oito do mês a que respeita; (...) Quarto: A primeira outorgante autoriza desde já o segundo a: (...) d) Utilizar o material e edifício arrendados em qualquer dos fins que são próprios do segundo outorgante, apenas com a reserva de que este deverá manter em funcionamento uma secção da Maternidade com o nome de Dona ...; (...) Sétimo: O presente contrato entrará em vigor logo que, submetido pelas vias legais à aprovação superior seja aprovado, sendo nesta data lavrada a escritura de arrendamento, pelo que uma vez que já foi aprovado entra em vigor a contar de hoje, pela outorga desta escritura.”;
F) Dá-se por inteiramente reproduzido o teor do doc. 12, pag. 2, junto com o requerimento inicial, datado de 27 de Junho de 1995 e subscrito pelo Presidente do Conselho de Administração do Hospital B..., e pelo Director da Fundação A..., designadamente:
Em 8 de Fevereiro [riscado Fevereiro e emendado para Novembro] de 1984, foi celebrado um contrato de arrendamento entre o Hospital B...e a Fundação A... para cedência, por parte desta, de instalações de um edifício, sito na Estrada de .., Elvas, denominado Maternidade ....
Passados mais de 11 anos, e perante a nova realidade que foi a construção do Hospital B... – Elvas, que faz corpo com o edifício supra citado, torna-se necessário actualizar a situação, mediante a realização de uma adenda ao referido contrato.
Nestes termos, o Hospital B... , representado pelo seu Presidente do Conselho de Administração e director, ..., e a Fundação A..., Instituição Particular de Solidariedade Social, representada pelo seu Director Dr. ..., acordam o seguinte: 1º Em parte das instalações cedidas ao Hospital B..., hoje denominado Hospital B..., pelo contrato de arrendamento supra-citado, funcionará a valência de Obstetrícia/Ginecologia, vertente de partos, os quais decorrerão naquelas instalações desde que por vontade expressa das parturientes e sob a égide da fundação A....
(...) 4º O Conselho de Administração do Hospital B... disponibilizará, a título de empréstimo, o equipamento necessário à realização de actos obstétricos, designadamente de partos.
(...)”;
G) Dá-se por inteiramente reproduzido o teor do doc. 13, pág. 2, junto com o requerimento inicial — denominado “Protocolo”, datado de 29 de Novembro de 1996 e subscrito pelo Presidente do Conselho de Administração da ARS Alentejo, pelo Presidente do Conselho de Administração do Hospital B... e pelo Director da Fundação A... —, designadamente:
“(...) O Hospital B..., adiante designado Hospital, representado pelo Presidente do Conselho de Administração, Dr. ..., e a A..., adiante designada Fundação, representada pelo senhor Dr. ..., acordam o seguinte: Cláusula 1ª Nas instalações situadas no piso 3 do Hospital funcionará uma maternidade, denominada Maternidade ..., onde serão assegurados o internamento em obstetrícia, a realização de partos e a vigilância do puerpério.
Cláusula 2ª A Maternidade ... funcionará sob gestão da Fundação que assumirá a plena responsabilidade pelos cuidados de saúde nela prestados.
Cláusula 3ª A prestação de cuidados de saúde pela Maternidade ... efectuar-se-á em complementaridade e articulação com os serviços do Hospital.
Cláusula 4ª O Hospital assegurará a consulta externa e obstetrícia e a realização de meios complementares de diagnóstico inerentes à vigilância da grávida.
Cláusula 5ª 1. Hospital disponibilizará, para prestarem serviço na Maternidade ..., os médicos obstetras e a enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica que actualmente integram o respectivo quadro de pessoal.
2. Competirá à Fundação a contratação do demais pessoal necessário à constituição de equipas para eficaz funcionamento da Maternidade ..., de acordo com as regras técnicas em vigor.
Cláusula 6ª O Hospital assumirá o pagamento do acto do parto pelo valor que, tendo em conta os meios por ele disponibilizados para o funcionamento da Maternidade, vier a acordar com a Fundação.
Cláusula 7ª 1. O Estabelecido no presente protocolo não pode deixar prejudicado o exercício do direito de escolha da mulher grávida quanto ao local do parto.
2. Para efeitos do número anterior deve a grávida ser informada que pode optar pela realização do parto em estabelecimento integrado no Serviço Nacional de Saúde.
Cláusula 8ª 1. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, o estabelecido nas cláusulas anteriores vigorará, a título experimental, pelo período de dezoito meses, findo o qual o presente protocolo será revisto.
2. O presente protocolo pode ser rescindido a todo o tempo e por razões de interesse público expressas em despacho fundamentado do Ministro da Saúde. (...)”;
H) Dá-se por inteiramente reproduzido o teor do doc. 14, pág. 2, junto ao requerimento inicial — que consubstancia um “Regulamento do Protocolo celebrado entre o Hospital B... e a Fundação A..., homologado pela Ministra da Saúde em 03.12.1996, datado de 18 de Março de 1997 e subscrito pelo “Director da Fundação” e pelo “Director do Hospital” —, designadamente:
“ (...) 2. O despacho de 5/VII/91 da Secretaria Geral do Ministério da Saúde, exarado ao abrigo de competência delegada, aprovou os Estatutos da Fundação A..., adiante designada por Fundação, sobre os quais foi emitida declaração de conformidade legal nº 8/91 a fls. 51 verso e 52 do Livro 1 das Instituições com fins de Saúde, do competente serviço da Direcção Geral da Acção Social, reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública, tendo sido alterada a anterior designação de «Maternidade ...».
Os fins estatutários são a prestação de assistência médico social à mulher grávida, mediante o seu internamento em qualquer idade da gravidez, quando razões de ordem clínica o aconselhem, e assisti-la tecnicamente na ocasião do parto e a vigiar e tratar as grávidas durante o puerpério bem como assegurar uma consulta pré natal para consultas até aos dois anos de idade.
3. Por documento assinado em 29 de Novembro de 1996 pelos representantes do Hospital e Fundação, sufragado pelo representante da ARS do Alentejo, os representantes acordaram nos termos das cláusulas 1ª a 8ª do referido documento, designado protocolo, homologado pela Ministra da Saúde em 03.12.1996, que aqui se dá por inteiramente reproduzido e cuja execução por este meio se regulamenta.
4. Em conformidade com o atrás exposto, é aprovado o presente regulamento pelos representantes legais das partes outorgantes, depois de ter sido submetido a apreciação do Conselho de Administração da ARS do Alentejo, que vincula as partes como tal depois das respectivas assinaturas, prevalecendo sobre as demais estipulações que se não harmonizem com o disposto no protocolo citado no parágrafo anterior.
II – Dos Direitos e Deveres
1. O presente regulamento destina-se a disciplinar a forma de execução das cláusulas 1ª a 8ª do protocolo outorgado pelos representantes do Hospital B..., adiante designado por Hospital e da Fundação A..., adiante designada por Fundação, sufragado pelo representante da ARS do Alentejo, que assinaram em 29 de Novembro de 1996 nessa qualidade, e a explicitar os direitos e obrigações das partes outorgantes.
2. A Fundação encontra-se instalada no piso 3 do edifício de que é proprietária, devidamente identificado no primeiro parágrafo da Parte I do preâmbulo deste regulamento e prossegue os seus fins estatutários com total autonomia em relação ao Hospital.
Todo o equipamento existente nas instalações da Maternidade é constituído por bens que lhe pertencem, a quem cabe gerir os meios materiais e humanos de que dispõe e os que lhe estejam ou venham a estar afectos para prossecução dos respectivos fins estatutários.
3. Além dos serviços da Fundação, funcionam também no piso citado no ponto anterior alguns serviços do Hospital, em espaço cedido a título gratuito pela proprietária.
4. O Hospital colocará ao serviço da Maternidade, nas condições a fixar em protocolo celebrar no prazo máximo de 90 dias contados a partir da data do início do funcionamento da mesma, serviços e bens de que dispõe, sem prejuízo da garantia da prestação dos cuidados de saúde legalmente lhe cumpre assegurar, nas seguintes áreas: (...)
5. De igual modo, ficam os recursos humanos afectos à valência de ginecologia e obstetrícia Hospital vinculados à colaboração com a Fundação, nos termos a fixar no protocolo citado no número anterior.
6. Os recursos humanos necessários à prossecução dos fins da Fundação, que se não enquadrem no disposto nos números anteriores, constituem encargo exclusivo da mesma.
7. A fim de promover o início das actividades estatutárias da Fundação, durante o período de meses, o Hospital adiantará o montante mensal de 6.680.000$00, para garantia do pagamento encargos com o pessoal já existente, acrescido daquele que for necessário recrutar para assegurar funcionamento dos serviços indispensáveis.
Toda a facturação conseguida durante esse período pertencerá ao Hospital, que irá sendo deduzida àquela importância, até que a Fundação obtenha as condições de autofinanciamento.
(...)”.
3 – Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco invocaram-se vários fundamentos de indeferimento das pretensões da Recorrente, entre os quais o de que, efectuando a ponderação dos interesses públicos e privados em presença, prevista no n.º 2 do art. 120.º do CPTA, os danos que resultariam da suspensão de eficácia do acto e da intimação peticionada seriam maiores do que os que podem resultar da sua recusa (fls. 613-614).
No acórdão recorrido, entendeu-se que, nas alegações do recurso jurisdicional interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul, a Recorrente não atacou o decidido na sentença sobre este ponto e, como tal ponderação é necessária para a adopção de providências ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, decidiu-se que não havia que conhecer desta matéria, por não ser possível alterar o decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco.
No presente recurso jurisdicional, a Recorrente afirma que atacou efectivamente o decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco sobre a ponderação de interesses prevista no n.º 2 do art. 120.º do CPTA «considerando que os danos que resultariam da concessão da Providência Cautelar eram inexistentes, pelo que logicamente não se colocaria, sequer a questão do interesse público por ausência total de danos neste domínio».
Examinando as alegações do recurso jurisdicional interposto para o TCAS, constata-se que, efectivamente, em nenhum ponto a Recorrente afirma que foi errada a ponderação dos interesses público e privados efectuada na sentença recorrida, não fazendo sequer qualquer referência a tal ponderação ou ao n.º 2 do art. 120.º do CPTA, ao abrigo do qual ela foi efectuada.
Porém, a Recorrente, no presente recurso jurisdicional, sustenta que nas suas alegações do recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo afirmou que não havia qualquer prejuízo para o interesse público, pelo que estaria prejudicada a referida ponderação de interesses.
Independentemente de se conseguir ou não encontrar nas alegações do recurso interposto para o TCAS a afirmação da inexistência de interesses públicos, constata-se que, no caso, ela nunca poderia ser considerada bastante para infirmar o decidido sobre tal ponderação.
Com efeito, na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, a fls. 614, efectuando a ponderação de interesses públicos e privados, entendeu-se, «atendendo aos limites de sindicabilidade do Tribunal», ponderar «os interesses públicos consubstanciados, no caso e face ao teor do Despacho Suspendendo, nos valores colocados sob protecção da lei, designadamente o direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover, que incumbe prioritariamente ao Estado, decorrente do artº 64º da CRP, e os correspectivos direitos dos cidadãos que, atendendo ao teor do Despacho suspendendo, podem vir a ser afectados com inerentes prejuízos em sede de saúde e de vidas humanas e, por outro lado (...) os interesses privados em presença que se consubstanciam numa eventual e hipotética compressão do direito ou direitos contratuais decorrentes do apontado contrato ou contratos».
Isto é, entendeu-se na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco que, no que concerne aos interesses públicos, «atendendo aos limites de sindicabilidade do Tribunal» seriam de ponderar os que eram afirmados no Despacho Suspendendo, designadamente «em sede de saúde e vidas humanas». Ou, por outras palavras, entendeu-se que o Tribunal, atendendo aos limites de sindicabilidade tinha de aceitar os que eram invocados no Despacho Suspendendo.
Tendo a afirmação da relevância dos interesses públicos referidos sido efectuada com invocação dos «limites de sindicabilidade do Tribunal», um ataque eficaz ao decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco sobre esta matéria não podia bastar-se com a mera afirmação de que não há quaisquer prejuízos para interesses públicos, sendo imprescindível que se questionasse também o decidido sobre tais limites à sindicabilidade, isto é, que se defendesse que o Tribunal podia controlar o decidido pela Administração no que concerne à existência de perigo para tais interesses da saúde derivado da manutenção em funcionamento dos serviços de saúde em causa.
Assim, tem de concluir-se que, não tendo sido atacado o decidido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco sobre esta matéria, não podia o Tribunal Central Administrativo Sul alterar a ponderação de interesses que aquele efectuou (art. 684.º, n.º 4, do CPC), pelo que tinha de se considerar afastada a possibilidade de concessão das providências ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA, por ter de se considerar assente a verificação do fundamento de recusa previsto no n.º 2 do mesmo artigo.
4 – A segunda questão colocada pela Recorrente é a da adopção das providências ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA.
Estabelece-se nesta alínea a) que as providências serão adoptadas «quando seja evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, designadamente por estar em causa a impugnação de acto manifestamente ilegal, de acto de aplicação de norma já anteriormente anulada ou de acto idêntico a outro já anteriormente anulado ou declarado nulo ou inexistente».
No acórdão recorrido entendeu-se que «nos termos deste preceito, o «fumus boni iuris» (ou aparência do direito) é o único factor relevante para a concessão da providência e deve-se considerar verificado nas situações excepcionais de invalidade ostensiva ou grosseira do acto, norma ou procedimento em causa».
Este entendimento não é correcto, pelo que, antes de mais, convém precisar qual o regime que está consubstanciado naquela alínea a), interpretada à face das opções legislativas globais materializadas no CPTA.
No n.º 2 do referido art. 120.º, ao estabelecer-se a recusa de adopção de providências com fundamento na ponderação de danos derivados da adopção das providências e da sua recusa, faz-se referência apenas às alíneas b) e c) do n.º 1 do mesmo artigo, o que inculca que, no que concerne às situações previstas na alínea a), as providências podem ser adoptadas independentemente de os danos que resultarem da sua concessão se mostrarem superiores àqueles que resultariam da recusa.
No entanto, numa análise holística, imposta pelo princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica, não se pode concluir que a adopção de providências, nas situações enquadráveis na alínea a) do n.º 1 do art. 120.º seja uma consequência forçosa e automática da constatação da existência de uma situação de evidente procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal.
Com efeito, houve no CPTA uma clara opção legislativa no sentido de colocar limites à concretização da tutela judicial efectiva de direitos ou interesses ( ( ) Opção constitucionalmente admissível por o direito à tutela judicial efectiva não ser um direito absoluto e ter de ser compatibilizado com outros direitos e valores constitucionais. ), estabelecendo-se no seu art. 45.º, n.º 1, que, no caso de o cumprimento, por parte da Administração, dos deveres a que seria condenada originar um excepcional prejuízo para o interesse público, o tribunal julgue improcedente o pedido. ( ( ) Na redacção vigente do art. 45.º, n.º 1, do CPTA, introduzida pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de Fevereiro, prevê-se, para estas situações, uma verdadeira decisão de mérito, com absolvição do pedido, e não uma mera decisão processual de não conhecimento do pedido, como estava previsto na redacção inicial do n.º 1 do art. 45.º do CPTA, em que se previa que, nas situações em que o cumprimento, por parte da Administração, dos deveres a que seria condenada originasse um grave prejuízo para o interesse público, o tribunal não proferia a sentença requerida. )
Na mesma linha, nos casos em que é proferida uma decisão, transitada em julgado, decidindo a procedência das pretensões formuladas no processo principal, prevê-se a possibilidade de não se concretizar a execução dos julgados, se existirem causas legítimas de inexecução, dando-se relevância, para esse efeito, às situações em que a execução provocaria graves prejuízos para o interesse público (arts. 162.º, n.º 1, 163.º, 164.º, 166.º, 175.º, 176.º, 177.º e 178.º do CPTA).
Ora, se mesmo no caso de, à face das invalidades de que o acto enferma, haver, em princípio, razões para procedência da pretensão formulada no processo principal, ela pode ser negada se houver excepcional prejuízo para o interesse público (art. 45.º, n.º 1) e se pode ser recusada a execução de decisões já transitadas em julgado que julguem procedentes as pretensões, forçosamente se terá de concluir que, mesmo nos casos de evidente procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal, se terá de recusar a adopção de providências em situações em que se anteveja a possibilidade de existir um prejuízo desse tipo, uma vez que não se compreenderia que fosse possível obter a execução provisória de algo que não poderia ser obtido a título definitivo.
Ou, noutra perspectiva, o mesmo legislador que naqueles arts. 45.º e nas normas sobre execução de julgados aparece extremamente preocupado em evitar prejuízos graves do interesse público não pode ter tido a insensatez e leviandade de ser indiferente a tais lesões por via cautelar.
Isto significa que a coerência valorativa do sistema jurídico postula que se interprete a alínea a) do n.º1 do art. 120.º como não dispensando que, para a adopção de providências cautelares em situações de manifesta invalidade do acto impugnado, se aprecie se da adopção podem resultar graves prejuízos para o interesse público.
Obtida esta conclusão, a questão da evidente procedência necessária para decretamento de providências ao abrigo do disposto no art. 120.º, n.º 1, alínea a), do CPTA não pode bastar-se com a mera constatação da existência de uma invalidade manifesta no acto impugnado, antes aparece indissociável da questão da evidência de inexistência de excepcional prejuízo para o interesse público como consequência da adopção das providências cautelares.
Com efeito, se a existência de excepcional prejuízo para o interesse público justifica, só por si, a improcedência, nos termos do art. 45.º, n.º 1, a apreciação da existência ou não de um prejuízo deste tipo é inerente à própria apreciação da manifesta procedência prevista na alínea a) do n.º 1 do art. 120.º do CPTA.
Por outro lado, embora nos casos de grave prejuízo para o interesse público, previstos nas referidas normas sobre execução de julgados, não se esteja no âmbito da procedência das pretensões, mas sim da sua execução, a apreciação da possibilidade ou não de a adopção de providências provocar prejuízos deste tipo é indissociável da formulação de um juízo sobre a evidência de procedência, pelo facto de a execução das providências ser algo que é consequência directa e imediata da sua adopção, como decorre do n.º 1 do art. 122.º do CPTA, em que se estabelece que «a decisão sobre a adopção de providências cautelares é urgentemente notificada à autoridade requerida, para cumprimento imediato».
Isto é, ao apreciar se deve adoptar providências ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do art. 120.º, o tribunal não está apenas a decidir a adopção, está também a decidir execução imediata da providência a adoptar e, por isso, não pode a decisão sobre a adopção da providência dissociar-se da apreciação da possibilidade de existência ou não de grave prejuízo para o interesse público como consequência da execução do decidido.
5 – A questão da evidência ou não da procedência da pretensão formulada no processo principal pela Recorrente não depende apenas da apreciação casuística da evidência de procedência dos vários vícios de erro nos pressupostos de direito ou de violação de contratos administrativos referidos nas alegações do presente recurso jurisdicional, dependendo também, como pertinentemente refere o Ministério da Saúde nas contra-alegações que apresentou neste recurso jurisdicional, dos limites da jurisdição administrativa, pois, se se concluir que não é evidente que os tribunais administrativos podem sindicar o acto em causa não se poderá concluir que é evidente a procedência da formular no processo principal.
É colocada, assim, uma questão de limites da jurisdição que, como as de competência, deve considerar-se de conhecimento prioritário.
Entre as normas que delimitam o âmbito da jurisdição administrativa e os poderes de cognição dos tribunais administrativos assumem relevância, neste contexto, o art. 4.º, n.º 2, alínea a), do ETAF de 2002, que estabelece que está «excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto a impugnação de actos» «praticados no exercício da função política e legislativa»,e o art. 3.º, n.º 1, do CPTA que estabelece que «no respeito pelo princípio da separação e interdependência dos poderes, os tribunais administrativos julgam do cumprimento pela Administração das normas e princípios jurídicos que a vinculam e não da conveniência ou oportunidade da sua actuação».
A definição do conceito de «acto praticado no exercício da função política», designadamente no que concerne à sua distinção do acto praticado no exercício da função administrativa, que é a que releva para efeitos de delimitação do âmbito da jurisdição administrativa, não tem tido uma resposta uniforme a nível da jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tendo vindo a ser adoptado pela jurisprudência mais recente o entendimento de que a função política corresponde à prática de actos que exprimem opções fundamentais sobre a definição e prossecução dos interesses ou fins essenciais da colectividade. ( ( ) Neste sentido, podem ver-se os seguintes acórdãos:
– de 6-2-2001, recurso n.º 45990, AP DR 21-7-2003, página 944, em que se entendeu que «actos políticos são os actos próprios da função política e cujo objecto directo e imediato é a definição do interesse geral da comunidade, tendo em vista a conservação e o desenvolvimento desta» e que «a função política corresponde à prática de actos que exprimem opções sobre a definição e prossecução dos interesses essenciais da colectividade»;
– de 9-5-2001, recurso n.º 28775, AD 483, página 275, e AP DR 8-8-2003, página 3496, em que se entendeu que «actos políticos são actos dos órgãos superiores do Estado, próprios da função política ou de Governo, relativos à definição dos interesses ou fins primaciais do Estado»;
– de 24-04-2002, recurso n.º 44693, publicado em AP DR 10-2-2004, página 2828, em que se entendeu que «à função política respeitam as opções fundamentais para a defesa dos interesses gerais da comunidade». )
O acto em apreço nos presentes autos, que concretiza uma decisão governativa no sentido do encerramento imediato de blocos de partos de vários hospitais, não cabe naquele conceito restrito de acto político.
No entanto, relativamente à generalidade dos actos do Governo, mesmo em relação àqueles a que não caiba a designação de actos políticos, o transcrito n.º 1 do art. 3.º do CPTA claramente revela a existência de uma reserva de Administração, uma zona da actividade administrativa, não regulada por normas ou princípios jurídicos, que está fora dos poderes de sindicabilidade dos tribunais administrativos. ( ( ) Esta reserva, como zona fora da apreciação dos tribunais administrativos restringir-se-á apenas aos actos de autoridade, um vez que, por imperativo constitucional (art. 22.º da CRP) em matéria de responsabilidade civil extracontratual os poderes de apreciação dos tribunais administrativos em relação à globalidade da actividade administrativa, designadamente até aos limites do conceito lato de ilicitude fornecido pelo art. 6.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21-11-1967. )
Com efeito, à face daquele art. 3.º, os poderes de cognição dos tribunais administrativos abrangem apenas as vinculações da Administração por normas e princípios jurídicos e não a conveniência ou oportunidade da sua actuação, designadamente a conformidade ou não da sua actuação com regras ou princípios de ordem técnica ou a adequação ou não das escolhas que fizer sobre a forma de atingir os fins de interesse público que visa satisfazer com a sua actuação, pelo menos quando não se detectar concomitantemente a ofensa de princípios jurídicos, designadamente os da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé, enunciados no n.º 2 do art. 266.º da CRP.
De qualquer modo, o controle judicial da actuação administrativa nesta margem de reserva de Administração, terá de limitar-se à verificação da ofensa ou não dos princípios jurídicos que a condicionam e será um controle pela negativa, não podendo o tribunal substituir-se à Administração na ponderação das valorações que se integram nessa margem. ( ( ) Essencialmente neste sentido, pode ver-se SÉRVULO CORREIA, Direito do Contencioso Administração, volume I, página 778. ) Não terá de ser um controle limitado pela constatação da existência de violação grosseira ou manifesta de princípios jurídicos, pois a violação não grosseira ou não manifesta não deixa de ser ilegal, mas terá de ser um controle limitado pela possibilidade de afirmação segura e positiva da existência de tal violação.
Esta limitação dos poderes de cognição do tribunal está em consonância essencial com a opção constitucional, consubstanciada na adopção do princípio da separação e interdependência de poderes (art. 2.º da CRP), nos termos da qual cabe aos tribunais, tendo a lei como único elemento condicionante, «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados»(arts. 202.º, n.º 2, e 203.º da CRP), cabendo à Administração, além do mais, a escolha das providências necessárias para o desenvolvimento económico e social e a satisfação das necessidades colectivas [art. 199.º, alínea g), da CRP], dentro dos limites traçados pela lei, entendida como bloco de legalidade aplicável.
Como, com particular acuidade, referem MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA E RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA ( ( ) Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, página 123. )
E portanto de duas, uma: ou há (invoca-se que há) vínculos jurídicos a condicionar, de qualquer modo, a actuação da Administração no caso em apreço, e pede-se ao tribunal que averigúe da sua existência e (em caso afirmativo) que os torne efectivos, ou não há vínculos desses e o Tribunal só pode abster-se de julgar a conduta administrativa. Naqueles aspectos em que as decisões concretas da Administração relevam de uma qualquer opção discricionária ou de uma margem de apreciação ou valoração autónoma, os tribunais administrativos – não conseguindo formular sobre essa opção um juízo de desconformidade com o bloco legal que lhe é aplicável – ficam, por lei, proibidos de exercer um controlo sobre elas.
Na mesma linha, SÉRVULO CORREIA ( ( )Direito Contencioso Administrativo, volume I, página 777. ) refere:
«(...) pode extrair-se do CPTA uma orientação genérica no sentido de que a margem de livre decisão administrativa se encontra submetida a um pleno controlo de juridicidade mas, também, a um mero controlo de juridicidade: tudo aquilo que, no iter conducente à decisão, seja juridicamente determinado ou juridicamente valorável constitui campo de controlo jurisdicional; mas os critérios de valoração ou decisão de natureza extra-jurídica, autodeterminados pelo órgão administrativo no âmbito de uma margem de liberdade que lhe é deixada pela lei, constituem uma área em que ao juiz não são permitidas injunções sobre o se ou o como do agir ou decisões substitutivas. Assim é porquanto se trata de uma área de actuação que exige legitimidade democrática-eleitoral directa ou indirecta (e não mera legitimidade institucional) e origina responsabilidade política».
Isto significa que, em relação ao acto em apreço, estando-se num processo cautelar conexo com um processo de impugnação contenciosa ( ( )O processo principal com que este processo cautelar está conexionado é uma acção administrativa especial em que é pedida a anulação ou declaração de nulidade do despacho n.º 7495/2006. ), podem os tribunais, designadamente, apreciar se o despacho suspendendo está em conformidade com os requisitos formais dos actos administrativos, inclusivamente a competência da entidade que decidiu, ou se foi observado o procedimento legal adequado, se correspondem à realidade os pressupostos de facto em que assentou (na medida em que há um princípio jurídico que impõe essa correspondência, que está subjacente à qualificação do erro sobre os pressupostos de facto como vício de violação de lei), mas não podem os tribunais apreciar, por exemplo, se é ou não adequado o encerramento das salas de partos decidido no despacho suspendendo para atingir o fim em vista de redução da mortalidade infantil, designadamente se é ou não conveniente assegurar um ritmo de trabalho não inferior a 1500 partos anuais para adequada actualização e adestramento do pessoal. Não há, nestes aspectos, qualquer norma ou princípio jurídico aplicável, pelo que se trata de matéria que, em sede de impugnação contenciosa, os tribunais não podem apreciar.
No caso em apreço, as ilegalidades imputadas a acto suspendendo que a Recorrente refere no presente recurso jurisdicional, como fundamento da sua afirmação sobre a evidência de procedência da pretensão formulada no processo principal, são a existência de erro sobre os pressupostos de direito (por a Maternidade ... não fazer parte do Serviço Nacional de Saúde nem ser um serviço público) e a violação de contratos administrativos [alíneas D) e E) das conclusões do presente recurso jurisdicional]. ( ( ) A ilegalidade imputada na alínea F) das conclusões do presente recurso jurisdicional à «resolução fundamentada», emitida na sequência da apresentação do pedido de suspensão de eficácia, não é uma ilegalidade do acto suspendendo, pelo que nunca poderá relevar para efeitos de procedência da pretensão formulada no processo principal. )
Por isso, só estando afastada a sindicabilidade de actos praticados no exercício da função administrativa no que concerne à sua oportunidade ou conveniência, e não tendo a ver estas matérias as ilegalidades imputadas ao acto como fundamento do juízo sobre a evidência de procedência da pretensão formulada no processo principal, não tem razão o Ministério da Saúde ao defender a «manifesta ilegalidade» da pretensão formulada neste processo cautelar, com fundamento em insindicabilidade do acto suspendendo.
6 – No que concerne à ilegalidade imputada ao acto, qualificada como erro sobre os pressupostos de direito, refere a Recorrente que «o Sr. Ministro da Saúde, ao proferir o despacho n.º 7497/2006 em desconformidade com a realidade jurídica, terá considerado que a Maternidade A..., tal como as restantes maternidades do país visadas naquele despacho, fazia parte e estaria integrada no Serviço Nacional de Saúde» (fls. 893).
O próprio tom dubitativo com que a Recorrente aventa a hipótese de o Senhor Ministro da Saúde ter considerado que aquela maternidade fazia parte ou estava integrada no Serviço Nacional de Saúde, é, só por si, revelador que, a existir o alegado erro, ele está longe de poder ser considerado manifesto, a ponto de justificar um juízo sobre a evidência de procedência da pretensão formulada no processo principal.
Com efeito, em nenhum ponto do despacho referido se faz uma afirmação desse teor, nem mesmo se faz qualquer referência expressa à «Maternidade A...», aludindo-se apenas, no que concerne à situação em apreço, ao «encerramento da sala de partos do Hospital B...».
Assim, o apuramento da existência do alegado erro, dependerá de uma interpretação do acto, não podendo considerar-se evidente.
7 – A outra ilegalidade imputada ao acto suspendendo é da alegada violação de contratos administrativos, que a Recorrente refere com base nos documentos n.ºs 11 a 14 juntos com o requerimento de adopção das providências.
A ilegalidade invocada, a existir, também não se pode considerar evidente, designadamente no que concerne à determinação de cessação da sala de partos, uma vez que na cláusula 8.ª, n.º 2, do protocolo cuja cópia constitui o documento n.º 13 (ponto G da matéria de facto fixada) se estabelece que «o presente protocolo pode ser rescindido a todo o tempo e por razões de interesse público expressas em despacho fundamentado no Ministro da Saúde», o que deixa entrever que, mesmo que se comprove que houve rescisão do contrato, a actuação consubstanciada no despacho suspendendo poderá ter cobertura no próprio contrato.
Por isso, não pode deixar de concluir-se que, no mínimo, não se pode considerar evidente a procedência da pretensão formulada no processo principal.
8 – A Recorrente refere na conclusão F) a ilegalidade da resolução fundamentada emitida pelo Senhor Ministro da Saúde na sequência da apresentação do pedido de suspensão de eficácia,
Não se tratando de ilegalidade do acto suspendendo, não pode ter relevância para efeitos de apreciação da evidência de procedência da pretensão formulada no processo principal.
9 – Na conclusão H) a Recorrente refere a questão da legitimidade do Hospital B....
Examinado o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 29-11-2006, que admitiu o presente recurso jurisdicional, constata-se que nele se entendeu admitir o recurso «por forma a possibilitar a indagação sobre se o indeferimento da providência cautelar se processou em conformidade com o quadro legal aplicável, mediante a apreciação dos aspectos jurídicos que dão consistência e peso aos interesses em conflito».
Assim, só sobre a questão da correcção do indeferimento e não sobre a questão da legitimidade foi admitido o recurso, pelo que não há que conhecer desta última questão.
Termos em que acordam em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Sem custas, por a Recorrente estar isenta [art. 2.º, n.º 1, alínea c), do CCJ].
Lisboa, 6 de Março de 2007. Jorge de Sousa (relator) – Fernanda Xavier – Angelina Domingues.