Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0795/18.5BELSB
Data do Acordão:01/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24060
Nº do Documento:SA1201901110795/18
Recorrente:A....., S.A.
Recorrido 1:CTT-CORREIOS DE PORTUGAL, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………., SA intentou, no TAC de Lisboa, contra os CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, S.A, acção de contencioso pré contratual pedindo a anulação do relatório final da fase de qualificação do concurso que esta abriu e a sua substituição por outro que exclua propostas apresentadas pelas CI’s.

Indicou como contra-interessados o Agrupamento B…….., formado pela …………., LDA., e pela……………, S.A., a C……………., S.A., Agrupamento D………., formado pela ……………… S.A., e pela ……………, S.A., bem como o Agrupamento E………., formado pela …………., S.A., pela ……………, S.A., e pela…………., SAS (“CI”s),.

O TAC julgou o acto impugnado inimpugnável e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada instância.

E o TCA Sul, para onde a Autora apelou, negou provimento ao recurso.

É desse Acórdão que a A…….. vem recorrer (artigo 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O TAC de Lisboa não só julgou inimpugnável o relatório final da fase de qualificação do concurso aberto pelos CTT como alterou o valor atribuído à acção.
Justificou a inimpugnabilidade daquele acto do seguinte modo:
… Como é patente do regime do CCP, nos procedimentos de concurso limitado por prévia qualificação, como é o caso do dos autos, compete ao júri do procedimento elaborar um relatório de qualificação dos candidatos – cfr. os artigos 178.º e 184.º a 186.º do CCP.
Este relatório – ora impugnado pela A. – é posteriormente submetido ao órgão competente para a decisão de contratar, com vista a que seja tomada uma decisão de qualificação dos candidatos – cfr. artigo 187.º do CCP.
…..
Ou seja, a decisão administrativa de qualificação dos candidatos não surge com a elaboração do relatório final da fase de qualificação, pelo júri, mas sim com a decisão de qualificação, tomada pela entidade competente para a decisão de contratar. …..
Os relatórios do júri do procedimento mais não são do que meras propostas de decisão, não consubstanciando assim, atos administrativos impugnáveis, quer no que tange à ordenação das propostas quer no que se refere à decisão de adjudicação, já que a decisão é a que há-de ser proferida pelo órgão competente para a decisão de contratar, ainda que tendo por base o proposto no relatório final do júri.”
No tocante ao valor da causa ponderou:
“ ….. Respeitando, todavia, a ação a ato procedimental pré-contratual e considerando a estrutura do pedido formulado, em que o que em última análise a A. visa é que seja qualificada a sua candidatura, temos que o valor da ação, em termos da “utilidade económica imediata do pedido”, terá de considerar ou de atender, de harmonia com os arts. 31º, n.º 1, e 32º em conjugação com o corpo do art. 33º, todos do CPTA, ao “conteúdo económico do ato”, o qual se traduz no preço base do contrato posto a concurso, já que é pelo valor do mesmo que a A. irá participar no procedimento concursal no caso de lhe ser reconhecida razão nos presentes autos.
…. Note-se, aliás, que nas ações que tenham por objeto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução dum contrato o valor da causa afere-se pelo valor do contrato o qual é aferido em função do seu preço ou do seu valor estipulado pelas partes (cfr. n.º 3 do art. 32º do CPTA).”

Julgamento que o TCA confirmou com o seguinte discurso fundamentador:
“…
Assim, para que um ato de administração pública possa ser contenciosamente impugnável tem, desde logo (cf. artigo 148º CPA e 51º CPTA), de ser
(i) uma decisão (isto é, resolução de algo, determinando o rumo de acontecimentos) e
(ii) uma decisão com efeitos no âmbito de relações entre a A.P. e os particulares (ou que afete a situação jurídico-administrativa de coisas) ….
….
Ora, o relatório final previsto no artigo 186º do CCP nada decide, não vinculando em caso algum a entidade contratante, como resulta muito claro, i.a., dos seus nºs 3 e 4, cits.
…..
Portanto, a recorrente não tem razão. O TAC decidiu bem no momento referido nos artigos 89º/4-i) e 97º/1-c) do CPTA, aplicando corretamente os artigos 51º e 100º do CPTA.

2. A segunda questão a resolver diz respeito ao valor da causa fixado pelo TAC.
As partes entendem que esta ação é de valor processual indeterminável, logo, 30.000,01 euros. O TAC fixou o valor de 6.787.133, 40 euros, por referência ao preço base do contrato posto a concurso. ….
O valor da causa representa a utilidade económica imediata do pedido expressa em dinheiro – cf. artigos 31º/1 CPTA e 296º/1 CPC. ….
Do pedido concreto formulado, a proceder, resulta que todas as propostas seriam excluídas com exceção da da autora. Logo, está em causa o valor do contrato a adjudicar, que foi, de facto, o valor atendido pelo TAC para fixar o valor processual. …
Por esta razão, andou bem o TAC ....”

2. A Autora não se conforma com essa decisão pela seguinte ordem de razões:
F. … tal relatório de qualificação vincula e condiciona de forma evidente a tomada de posição pelo órgão decisor;
G. Uma vez que, caso assim não fosse, seria totalmente desnecessária a existência de relatórios de qualificação preliminar e final;
J. No que respeita ao valor da presente ação, a ora recorrente identificou o valor da ação, correspondendo o mesmo ao valor de € 30.000,01;
K. Tal é o valor em casos em que o valor da ação resulta indeterminável, como é o caso da presente ação;
M. …. a anulação do relatório final de qualificação em causa nos presentes autos, e substituição do mesmo por outro que garanta o cumprimento da legalidade, não resulta, de forma alguma, na adjudicação do concurso à ora recorrente.
N. Caso contrário seria essa adjudicação o pedido que a ora recorrente teria efetuado junto do Tribunal a quo, e não a anulação do relatório final de qualificação pelos vícios de que o mesmo padece;

3. Está em causa saber se o TCA, sufragando a decisão do TAC, ajuizou correctamente não só quando julgou inimpugnável o relatório final da fase de qualificação do concurso aberto pelos CTT como quando alterou o valor atribuído à presente acção.
Ora, tudo indica que decidiu bem já que parece não restarem dúvidas de que o impugnado relatório se limitou a preparar a decisão final do procedimento e nessa função se esgotou. Ou seja, nada decidiu. Por isso, como bem assinalaram as instâncias, o mesmo não vincula a entidade contratante que pode, ou não, fazer suas as conclusões a que ele chegou. E, se assim é, o mesmo não pode ser impugnado autonomamente. Quando muito os erros ou omissões de que o mesmo, eventualmente, padeça podem constituir fundamento da impugnação judicial da decisão final se esta estiver viciada por esses vícios.

Por outro lado, também parece que o Acórdão recorrido ajuizou bem a questão do valor da causa, questão que, de resto, não apresentava significativas dificuldades jurídicas.
Deste modo, não só não se justifica a admissão da revista para uma melhor aplicação do direito como, por outro lado, as questões aqui suscitadas não têm relevância, jurídica ou social, que mereçam a intervenção deste Supremo Tribunal.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Porto, 11 de Janeiro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.