Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0992/17
Data do Acordão:11/30/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
NULIDADE
Sumário:*
Nº Convencional:JSTA000P22634
Nº do Documento:SA1201711300992
Data de Entrada:10/13/2017
Recorrente:A....
Recorrido 1:IFAP - INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A………………………, devidamente identificada nos autos, intentou no TAF de Castelo Branco a providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão do Presidente do Conselho Directivo do IFAP- Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P, [IFAP, I.P.], que determinou a alteração do contrato de financiamento n°02030876/0, referente ao pedido de apoio na operação n°020000040402, designada por área agrupada (AA) da ………….. e Anexas, e a devolução do valor de €524.383,54.

Termina formulando os seguintes pedidos:

(i) condenação da entidade requerida a abster-se de executar a decisão do seu presidente do conselho directivo, que determinou a alteração do contrato de financiamento nº 0203 0876/O, referente ao pedido de apoio na operação nº 020000040402, designada por área agrupada (AA) da ……………. e Anexas, e a devolução do valor de €524.383,54, incluindo designadamente, mas não exclusivamente, abster-se de lhe exigir a devolução do referido valor ou compensar o referido valor com o valor de outros subsídios;

(ii) intimação da entidade requerida a abster-se de suspender o pagamento do valor dos subsídios referentes à operação na AA da ………….. e Mexas e às restantes operações financiadas pela entidade requerida e,

(iii) intimação da entidade requerida a abster-se suspender a análise e aprovação das candidaturas submetidas para a execução de operações em áreas agrupadas (AA) e em zonas integradas florestais (ZIF’s)».


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O TAF de Castelo Branco concedeu parcial provimento ao pedido e suspendeu a decisão do Presidente do Conselho Directivo do IFAP I.P nos seguintes termos:

«I. Julga-se a acção parcialmente procedente e em consequência:

a) suspende-se a eficácia da decisão do presidente do conselho directivo da entidade requerida, que determinou a alteração do contrato de financiamento nº 02030876/0, referente ao pedido de apoio na operação nº 020000040402, designada por área agrupada (AA) ………….. e Anexas, e a devolução do valor de €524.383,24 o que implica, designadamente, mas não exclusivamente, a obrigação da entidade requerida de abster-se de exigir à requerente a devolução do referido valor ou de compensar o referido valor com o valor de outros subsídios;

b) absolve-se a entidade requerida do pedido de intimação a abster-se de suspender o pagamento do valor dos subsídios referentes à operação na AA …………. e Anexas e às restantes operações da requerente e,

c) absolve-se a entidade requerida do pedido de intimação a abster-se de suspender a análise e aprovação das candidaturas submetidas para a execução de operações em áreas agrupadas e em zonas integradas florestais».


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Interposto pelo IFAP I.P., recurso jurisdicional para o TCA Sul, este veio a proferir o acórdão recorrido, o qual determinou conceder provimento ao recurso, revogar decisão recorrida e indeferir o pedido cautelar formulado.

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E é desta decisão que vem interposto o presente recurso de revista, por parte da autora/ora recorrente, A…………………, que alegou apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

«1º A admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, em face das manifestas nulidades do acórdão recorrido e do erro grosseiro de julgamento quanto à não verificação do “periculum in mora” (cfr nº 1 do artº 150 CPTA);

2º As nulidades em causa só podem ser arguidas em sede de recurso ordinário de revista (cfr. nº 4 do artº 615º CPC);

3º O recorrente, ora Recorrido, recorreu da sentença da 1ª instância evocando como único fundamento o erro de julgamento quanto ao requisito do “fumus boni iuris”, aceitando que a sentença recorrida apreciou e julgou devidamente o requisito do “periculum in mora”, previstos no nº 1 do artº 120º CPTA;

4º O acórdão “a quo” decidiu assim com fundamento que não foi evocado nem emerge das conclusões da alegação de recurso do recorrente, ora Recorrido;

5º O acórdão “a quo” padece de manifesto vício de excesso de pronúncia, sendo por isso nulo, à luz do nº 1 do artº 95º CPTA e dos artºs. 3º nº 3, 615º nº 1 d) e 635º CPC, aplicáveis ex vi artº 1º CPTA;

6º O acórdão “a quo” ao apreciar o recurso conhecendo de uma questão que não emerge das conclusões do recorrente, sem o conhecimento prévio e pronúncia do recorrido, ora Recorrente, violou o princípio do contraditório consagrado no nº 3 do artº 3º CPC, sendo por isso nulo (cfr. artº 195º nº 1º CPC);

7º O acórdão “a quo” violou o nº 1 do artº 95º CPTA e os artºs. 3º, nº 3, 615º nº 1 d) e 635º CPC, aplicáveis ex vi artº 1º CPTA.

Sem prescindir,

8º É manifesto que da matéria assente nos autos resulta provado o periculum in mora na execução imediata da decisão impugnada;

9º O acórdão “a quo” padece também de um manifesto erro grosseiro de julgamento, quanto à não verificação do periculum in mora;

10º O acórdão “a quo” faz uma errada interpretação e aplicação do nº 1º do artº 120º CPTA»:


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O ora recorrido IFAP I.P. apresentou contra alegações que concluiu da seguinte forma:

«A. O presente recurso não deve ser admitido porquanto a Recorrente não logrou demostrar o preenchimento do requisitos dos quais depende a sua admissão.

B. Resulta do regime estabelecido no artigo 150º do CPTA, a regra que as decisões proferidas pelos Tribunais Centrais Administrativos, não são suscetíveis de recurso.

C. Apenas o sendo – por via do recurso de revista excecional – quando “esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” (cfr artigo 150º, nº 1 do CPTA).

D. No caso dos autos a Recorrente limita-se a imputar ao douto acórdão proferido nulidades e erros de julgamento, peticionando a sua revogação por esse superior tribunal.

E. Não tendo porém identificado sequer qual a questão cuja apreciação é submetida a julgamento e nem qual a relevância do recurso para uma melhor aplicação do direito.

F. Assim deixando de cumprir o ónus que sobre si impendia de acordo com o regime estabelecido no artigo 150º do CPTA.

G. No caso em concreto, deverá ser aplicada a Jurisprudência conhecida e pacífica desse Supremo Tribunal Administrativo de acordo com a qual “atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo as mesmas ser arguidas em reclamação para o tribunal recorrido, nos termos do artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil”


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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 21 de Setembro de 2017, nele se tendo consignado:

«A……………………… interpôs a presente revista do acórdão do TCA-Sul que, revogando o que se sentenciou no TAF de Castelo Branco, indeferiu a sua pretensão de que suspendesse a eficácia do acto, emanado do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, que, no âmbito de um contrato de financiamento, impusera à ora recorrente a devolução de 524.383,54 €, por ela recebidos a título de subsídio ao investimento.

A recorrente diz que o recebimento da revista se justifica para se anular e corrigir o acórdão recorrido — que teria claudicado ao negar que houvesse «periculum in mora».

O recorrido, ao invés, defende a não admissão da revista, não só porque a recorrente não teria identificado a questão a apreciar, mas também porque o aresto andou bem ao desatender os pontos de facto relacionados com aquele requisito.

(…)

«In casu», o acórdão recorrido revogou o segmento da sentença, que suspendera a eficácia do acto, por uma única razão: porque o TCA entendeu que «não foi provado» o «periculum in mora», indispensável à concessão da providência.

A recorrente acomete o acórdão de dois modos: por um lado, ele seria nulo, por excesso de pronúncia, visto que a apelação não questionara a existência desse requisito; por outro lado, ele seria erróneo, já que incorreu num «error juris» ao qualificar os factos assentes relacionados com o mesmo requisito.

Isto mostra logo que o recorrido não tem razão quando diz que a recorrente não identificou as «quaestiones juris» a resolver pelo STA. E, ao invés do afirmado na contra-alegação, nada impede que os recursos de revista também se ocupem das nulidades presentes nos arestos sob escrutínio.

Ora, e numa summaria cognitio», a primeira crítica da recorrente ao acórdão do TCA parece ter algum suporte — o que, a confirmar-se, alterará o desfecho do meio cautelar. E a outra censura dela, embora subsidiária, aponta também para a necessidade de se reapreciar o acórdão «sub specie», já que o TCA — limitando-se à asserção pura e simples de que o referido requisito se não provara — não explicou minimamente os motivos por que desatendeu os diversos pontos de facto donde a 1.ª instância partira para afirmar a ocorrência do «periculum in mora».


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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, emitiu parecer que consta de fls. 361 e 362 no sentido na nulidade do acórdão recorrido, por excesso de pronúncia, devendo a sentença que decretou a suspensão de eficácia da decisão que alterou o contrato e ordenou a devolução da quantia em referência ser mantida, quer na parte em que foi confirmada pelo acórdão do TCAS, quer na parte em que “transitou em julgado”.

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Sem vistos, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto pertinente é a dada como provada no aresto «sub censura», a qual aqui damos por integralmente reproduzida – como decorre do artº 663º, nº 6, do CPC.


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2.2. O DIREITO

A presente revista vem interposta pela requerente nos autos/ora recorrente, do Acórdão do TCAS proferido a 21/07/2017 que relativamente à providência cautelar requerida e deferida no TAF de Castelo Branco, apenas no tocante à «suspensão de eficácia da decisão do presidente do conselho directivo da entidade requerida, que determinou a alteração do contrato de financiamento nº 02030876/0, referente ao pedido de apoio na operação nº 020000040402, designada por área agrupada (AA) …………… e Anexas e a devolução do valor de 524.383,24€, o que implica, designadamente, mas não exclusivamente, a obrigação da entidade requerida de abster-se de exigir à requerente a devolução do referido valor ou de compensar o referido valor com o valor de outros subsídios», revogou a decisão com o fundamento de que, pese embora, se verifique o requisito previsto no nº 1 do artº 120º do CPTA do fumus boni iuris, não se verificava o fundamento do periculum in mora.

Antes, porém, de entrarmos na análise do objecto do recurso, importa atentar no seguinte:

O TAF de Castelo Branco, conhecendo da providência de suspensão de eficácia, relativamente ao primeiro pedido enunciado pela requerente, considerou verificarem-se as condições de instrumentalidade em relação ao pedido anulatório formulado na acção principal e de provisoriedade, entendendo que através desta providência a requerente não obterá uma regulação definitiva da situação; mais considerou e decidiu que também se verificava o fumus boni iuris [falta de fundamentação e erro nos pressupostos de facto].

De seguida, julgou não verificado que resulte qualquer prejuízo para o interesse público, com o deferimento da providência, assim deferindo a providência quanto ao primeiro pedido requerido pela requerente/ora recorrente.

Não se conformando com o assim decidido, o requerido IFAP - Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, interpôs recurso para o TCAS, alegando nulidade por excesso de pronúncia e erro de julgamento, por na sua óptica não se verificar no caso presente, unicamente, o fumus boni iuris, nada mais imputando à decisão de 1ª instância, nem dela discordando, designadamente, quanto ao decidido no respeitante à ponderação de interesses.

Por último, o acórdão recorrido proferido no TCAS rejeitou a existência de nulidade da decisão do TAF e, analisando o requisito do fumus boni iuris julgou-o procedente; mas fez mais, pois também conheceu do requisito do periculum in mora [que não cabia no objecto do recurso].

E é contra o assim decidido que a requerente da providência/ora recorrente se insurge no presente recurso, alegando que tal fundamento ou questão de direito [periculum in mora], não integrou o objecto do recurso dirigido ao TCAS, pelo que este ao conhecer dos seus pressupostos e ao decidir pela não verificação do mesmo, incorreu em excesso de pronúncia, o que torna o acórdão nulo à luz do disposto nos artºs 3º, nº 1, 615º, nº 1, al. d) e 635º, nº 4 do CPC, aplicáveis ex vi artº 1º do CPTA.

Cumpre, pois, decidir:

E é, este, na essência, o objecto do recurso que nos vem dirigido, pelo que, se impõe, desde já apurar se, no âmbito da presente providência conservatória, o acórdão recorrido, proferido pelo TCAS em 21/07/2017 conheceu de matéria que lhe estava vedada conhecer.

Ora, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e perfeitamente consagradas na lei – artºs 607º, nº 2, 635º, nºs 2, 3, 4 e 5, 639º, nºs 1 e 2 todos do Código de Processo Civil.

E a jurisprudência é uniforme no sentido de que os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova não submetida ao recurso: daí que, em princípio não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, nem alvo de recurso, salvo questões de conhecimento oficioso.

Ou como também afirmado na doutrina, os recursos são meios para obter o reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre – Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pág. 147, Cardona Ferreira, Guia dos Recursos em Processo Civil, pág. 187, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs.80-81. …”.

No caso sub judice, o TAF de Castelo Branco analisou a providência cautelar de suspensão de eficácia à luz dos critérios previstos no artº 120º do CPTA tendo decidido que se verificava o fumus boni iuris previsto no nº 1 da citada norma; daí que, face a esta procedência, o julgador tivesse, por força da lei, de partir para a análise e decisão do pressuposto previsto no nº 2 do mesmo normativo [de verificação cumulativa] que expressamente dispõe: «Nas situações previstas no número anterior, a adopção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências»

Interposto recurso para o TCAS, o recorrente IFAP nas alegações e conclusões enformadoras das mesmas, apenas manifesta discordância quanto à decisão acerca da verificação do fumus boni iuris, nada dizendo acerca da ponderação de interesses feita pelo TAF, ou seja, não manifestando discordância acerca desta ponderação, pelo que ter-se-à de entender que aceitou o ali decidido quanto ao preenchimento do nº 2 do artº 120º do CPTA.

E se assim é, tal matéria encontra-se fora do objecto do recurso interposto para o TCAS.

Ainda, mais, quando o TCAS no acórdão recorrido, depois da análise do objecto do recurso, que como vimos era a mera apreciação do fumus boni iuris, o dá como verificado, assim improcedendo o recurso, no único ponto que o tribunal ad quem foi chamado a decidir.

Ou seja, atentas as regras processuais supra enumeradas do CPC, teremos de concluir que o acórdão recorrido ao pronunciar-se sobre o juízo de ponderação de interesses que não foi objecto de recurso [e em relação ao qual já se havia formado caso julgado formal, impedindo o tribunal recorrido de voltar a apreciar tal requisito] conheceu de matéria que não podia ter conhecido, porque por um lado, não fazia parte do objecto do recurso que lhe foi dirigido e, por outro não era de conhecimento oficioso.

Ao fazê-lo, o acórdão recorrido conheceu de questão que não podia ter conhecido, incorrendo assim no alegado vício de excesso de pronúncia que a recorrente lhe imputa (artºs. 140º do CPTA, 615º, 1, d), 2ª parte, 628º, 666º, nº 1, 635º, nº 5 e 679º do CPC), o que gera a sua nulidade e prejudica o conhecimento das demais questões, que aliás se mostram suscitadas a título subsidiário.

Verificando-se a nulidade do acórdão recorrido por excesso de pronúncia, manter-se-à na ordem jurídica a decisão de 1ª instância do TAF de Castelo que decretou a providência cautelar de suspensão de eficácia, nos termos que dela constam.


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3 - DECISÃO:


Atento o exposto, acordam em conferência os juízes que compõem este Tribunal em declarar nulo o acórdão recorrido proferido pelo TCAS por excesso de pronúncia, mantendo-se o decidido na decisão da primeira instância.

Custas a cargo da recorrida.

Lisboa, 30 de Novembro de 2017. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.