Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01052/04
Data do Acordão:11/30/2004
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BAETA DE QUEIROZ
Descritores:JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
RECLAMAÇÃO GRACIOSA.
PEDIDO.
Sumário:I - São devidos juros indemnizatórios ao contribuinte que reclamou graciosamente da liquidação e viu atendida essa reclamação, se na liquidação houve erro imputável aos serviços do qual resultou o pagamento de imposto em montante superior ao devido.
II - A obrigação de pagamento dos juros indemnizatórios não depende da dedução do respectivo pedido aquando da dita reclamação graciosa.
Nº Convencional:JSTA00061255
Nº do Documento:SA22004113001052
Data de Entrada:10/18/2004
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LISBOA 2J PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - JUROS.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART61 N4.
LGT98 ART43 N1 ART100.
CPTRIB91 ART24 N6.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC26680 DE 2001/12/19.; AC STA PROC338/04 DE 2004/10/20.; AC STA PROC463/03 DE 2003/03/09.; AC STA PROC1306/02 DE 2003/02/05.; AC STA PROC1077/02 DE 2002/11/06.; AC STA PROC10/02 DE 2002/04/17.; AC STA PROC26669 DE 2002/02/20.
Aditamento:
Texto Integral: 1.1. A..., LDA., com sede em Lisboa, recorre da sentença do Mmº. Juiz do 2º Juízo do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa que julgou improcedente a impugnação do despacho do DIRECTOR DE FINANÇAS ADJUNTO DA 1ª DIRECÇÃO DE FINANÇAS DE LISBOA que indeferiu o seu pedido de juros indemnizatórios feito na sequência do provimento de reclamação contra a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) relativo ao exercício do ano de 1990.
Formula as seguintes conclusões:
«1.
A recorrente apresentou reclamação graciosa, tempestivamente, da liquidação adicional de IRC de 1990 e, apesar de a considerar ilegal, efectuou o respectivo pagamento;
2.
A reclamação graciosa logrou obter provimento, tendo-se admitido que a interpretação que os Serviços fizeram da lei para liquidar adicionalmente não era a mais consentânea com a realidade;
3.
Deferida a reclamação, a AF devolveu, em singelo, a importância ilegalmente exigida.
4.
Por entender que havia erro de direito que levou à anulação da liquidação adicional, e sentindo-se lesado nos seus direitos pelo desembolso indevido, depois de verificar a devolução em singelo, apresentou pedido de pagamento de juros indemnizatórios ao abrigo do art.º 24º do CPT;
5.
Este pedido foi autuado como reclamação graciosa, mas foi indeferido com o fundamento de que o recorrente nada havia dito sobre isso na reclamação graciosa que anulou a liquidação adicional referida;
6.
Impugnada esta decisão, no prazo legal, o TAF de Lisboa manteve a decisão proferida na reclamação graciosa, conforme a sentença agora recorrida.
7.
Quer na reclamação graciosa quer na impugnação judicial, o pedido foi indeferido porque na reclamação graciosa contra a liquidação o contribuinte não cumulou o correspondente pedido de anulação do acto tributário com um pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Mas sem razão.
8.
Constituem circunstâncias geradoras do direito a juros indemnizatórios, conforme previsão do art.º 24º do CPT: que o imposto tenha sido pago; que a respectiva liquidação seja anulada total ou parcialmente em processo gracioso ou judicial; e que seja determinado que a anulação se funda em erro imputável aos serviços.
9.
O direito a juros tem ainda como fundamento a disposição contida no art.º 81º, alínea d), e n.º 2 do CIRC à data, mas também aí não se exige a cumulação de pedidos, exigindo-se apenas que a declaração de anulação implica a existência de erro da AF;
10.
A interpretação restritiva do artº 24º do CPT assumida na douta decisão recorrida, viola claramente a letra e o espírito destes preceitos, uma vez que faz depender o surgimento do direito a juros da subsidiariedade do pedido no processo em que se aprecie a legalidade da liquidação quando este normativo nada diz sobre isso;
11.
A doutrina tem entendido que as referências constantes do art.º 24º do CPT a reclamação graciosa e a impugnação judicial não deverão ser interpretadas como reportando-se unicamente aos processos tributários que têm essa designação, mas como referências aos meios graciosos e contenciosos que os sujeitos passivos têm ao seu dispor para a impugnação do acto de liquidação.
12.
É claro, portanto, que o direito a juros pode ser definido em qualquer outro processo adequado, como será o caso de reclamação ou impugnação, onde sejam conferidos os requisitos objectivos definidos na lei para a existência de juros indemnizatórios que são, o prejuízo causado pelo pagamento de um imposto ilegal, verificada que seja a anulação da liquidação em processo de reclamação ou impugnação, como é o caso, e que essa anulação seja fundamentada em erro de facto ou de direito imputável à AF.

Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, se pede a revogação da decisão recorrida, com o consequente reconhecimento do direito a juros indemnizatórios sobre a importância paga, liquidados desde a data do pagamento até à data da respectiva devolução (...)».
1.2. Não há contra-alegações.
1.3. O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal é de parecer que o recurso merece provimento.
1.4. O processo tem os vistos dos Exmºs. Adjuntos.
***
2. A matéria de facto vem assim estabelecida:
«Os serviços de Administração Fiscal procederam à correcção do lucro tributável declarado para efeito de IRC, conforme cálculos efectuados no DC22 (cópia a fls. 24 do processo de reclamação), o que motivou uma liquidação adicional:
A empresa não se conformou com os procedimentos da Administração Fiscal e apresentou reclamação contestando a não aceitação como custo fiscal das menos-valias realizadas no montante de 71.854.365$00 (setenta e um milhões, oitocentos e cinquenta e quatro mil, trezentos e sessenta e cinco escudos), visando a anulação parcial do acto praticado, uma vez que houve acréscimos que não contestou.
A reclamação foi deferida, conforme despacho proferido pelo Exmo. Senhor Director Distrital de Finanças de Lisboa a fls. 25 da reclamação apensa, do qual foi notificada a Impugnante em 18 de Outubro de 1997. Em conformidade com o despacho da reclamação em 4 de Maio de 1998, foi devolvido à Impugnante o IRC, e juros compensatórios que a Impugnante havia pago em 29 de Dezembro de 1994.
Na sua reclamação a Impugnante não pediu juros indemnizatórios – fls. 17 do processo de reclamação.
Achando-se no direito ao recebimento de juros indemnizatórios nos termos do disposto no art. 24º do CPT e n.º 2 do art. 81º do CIRC, que não lhe foram pagos, apresentou reclamação requerendo à Administração Fiscal o pagamento de juros a que julga ter direito no montante de 16.505.677$00. Esta reclamação foi indeferida conforme despacho de fls. 67 de reclamação.
Informação junta a fls. 21.
O que motivou que o técnico da Administração Fiscal a não aceitar as menos-valias declaradas no valor de 71.854.365$00 como custo fiscal e consequentemente a corrigir o lucro tributável, está na interpretação dada ao conceito de “Imobilizado” constante do Plano Oficial de Contas. Segundo este conceito o “bem” para ser classificado como “Imobilizado” deve ter uma vida útil mínima de 1 ano, razão pela qual não foram considerados como “Imobilizado” mas como “existências” e como tal não permitindo o apuramento de menos-valias.
O técnico que informou a reclamação, com base na qual foi proferido o despacho de fls. 25 da reclamação fez uma análise diferente, atendeu mais à actividade desenvolvida pela empresa para classificar os bens em causa e menos ao conceito do Plano Oficial de Contas».
***
3.1. A sentença questionada no presente recurso jurisdicional é, como resulta do que até aqui se escreveu, aquela que incidiu sobre o pedido formulado pela recorrente, de que fosse anulado o despacho que indeferira a sua pretensão de lhe serem pagos juros indemnizatórios, na sequência do deferimento da reclamação contra um acto tributário de liquidação, sendo que a Administração Tributária se limitou a devolver o quantitativo pago a título de imposto e juros compensatórios, considerando não estar obrigada ao pagamento de juros indemnizatórios, por estes não terem sido peticionados na reclamação.
O Mmº. Juiz, considerando que não haviam sido pedidos juros indemnizatórios na reclamação, entendeu que não podia, mais tarde, impor-se à Administração o pagamento de tais juros. Essa a razão da improcedência da impugnação deduzida pela agora recorrente.
Esta decisão está, como aponta o Exmº. Procurador-Geral Adjunto, em clara discrepância com a jurisprudência firme deste Tribunal.
Conforme pode ler-se no seu parecer, «o direito ao pagamento de juros indemnizatórios não está subordinado ao princípio do pedido, devendo ser liquidados e atribuídos oficiosamente pela administração tributária. Sem embargo, a recorrente formulou autonomamente o pedido, em momento posterior à apresentação da reclamação graciosa. (...) Actualmente, consagrando solução em sentido oposto, é permitida a formulação autónoma do pedido em momento posterior à reclamação e impugnação judicial (art. 61º nº 4 CPPT). A obrigação de pagamento dos juros indemnizatórios, e respectivo conteúdo, radicam na lei, representando um efeito jurídico que se constitui pelo mero facto de o acto tributário ter sido anulado graciosamente ou contenciosamente (acs. STA 19.12.2001 recurso nº 26 680; 20.10.2004 recurso nº 338/04)».
Na verdade, é numerosa e unívoca a jurisprudência deste Tribunal no sentido propugnado pela recorrente, com o apoio do Ministério Público.
Entre muitos, vejam-se os acórdãos da Secção de 19 de Dezembro de 2001, no recurso nº 26680, 6 de Fevereiro de 2002, no recurso nº 1077/02, 20 de Fevereiro de 2002, no recurso nº 26669, 17 de Abril de 2002, no recurso nº 10/02, 9 de Outubro de 2002, no recurso nº 9/02, 6 de Novembro de 2002, no recurso nº 1077/02, 5 de Fevereiro de 2003, no recurso nº 1306/02, e 9 de Março de 2003, no recurso nº 463/03.
Para além de ser esta a posição sincrónica assumida pela Secção de Contencioso Tributário, ao menos desde o primeiro dos aludidos acórdãos, ela veio a merecer confirmação pelo Pleno da mesma Secção, chamado a pronunciar-se em 17 de Abril de 2002, no recurso nº 10/02.
Escasseando razões para nos afastarmos do entendimento que tão reiteradamente vem sendo seguido pelo Tribunal, ainda desta feita o acompanharemos, reeditando aqui, no essencial, o que se escreveu no acórdão de 6 de Fevereiro de 2002, atrás referido, de que foi relator o mesmo do presente.
3.2. Estabelece o artigo 100º da Lei Geral Tributária (LGT) que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Dispõe-se na mesma LGT, artigo 43º, que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao devido».
O desaparecimento do acto tributário de liquidação, seja por força da satisfação da reclamação graciosa, seja por obra da procedência da impugnação judicial, impõe à Administração Fiscal que reconstitua a situação jurídica hipotética que existiria caso não tivesse sido praticado o acto tributário anulado. Tal inclui, necessariamente, a restituição da quantia que ao contribuinte foi indevidamente exigida e que ele satisfez. Mas também integra a reconstituição da situação o pagamento de juros indemnizatórios, uma vez que o contribuinte esteve, desde o pagamento que efectuou, até ao reembolso, privado da utilização do correspondente capital.
Assim, e ao contrário do que foi decidido, o pedido de satisfação de juros indemnizatórios pode ser feito no processo de impugnação judicial, ou no de reclamação graciosa; mas, não o sendo, não fica precludida a possibilidade da obtenção desses juros.
Como se lê no apontado aresto de 19 de Dezembro: «Não há aqui necessidade da existência de uma sentença judicial que expressamente comine essa concreta obrigação jurídica, porque ela representa actualmente, à face do disposto no art.º 43º da LGT, um efeito jurídico que se constitui pelo simples facto de o acto tributário ter sido anulado graciosa ou contenciosamente e isso aconteça por razões de legalidade imputadas aos serviços da administração. Sendo a causa da anulação do acto tributário, em consequência de cuja prática ocorreu o pagamento do tributo, um erro imputável aos serviços, por abarcado nos efeitos jurídicos constituídos pela sentença se tem também esse concreto efeito jurídico em virtude de se terem de dar por satisfeitos todos os pressupostos de cuja existência aquele art.º 43º, n.º 1, da LGT o faz depender».
3.3. Pressuposto da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios é, como se viu, que tenha havido erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária.
No nosso caso, ignora-se, por enquanto, se tal erro existiu, ou não, porquanto a sentença impugnada não entrou na apreciação da questão, que resultou prejudicada.
Importa, pois, que se defina se os serviços incorreram em erro ao empreender a liquidação, e se tal erro, a existir, lhes é imputável.
Só em caso afirmativo é que à recorrente é devida, não apenas a restituição da quantia paga a título de IRC e juros compensatórios, que resultou anulada, como juros indemnizatórios sobre essa quantia, contados desde a data desse pagamento até à da emissão da respectiva nota de crédito, como estabelece o artigo 24º nº 6 do Código de Processo Tributário, aqui aplicável por ser o vigente aquando da formulação do pedido.
É matéria que o Tribunal recorrido há-de apreciar e decidir.
4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em, concedendo provimento ao recurso, revogar a sentença impugnada, para ser substituída por outra que, apreciando a questão relativa à existência de erro imputável aos serviços, decida a pretensão da recorrente.
Sem custas.
Lisboa, 30 de Novembro de 2004. – Baeta de Queiroz (relator) – Brandão de PinhoFonseca Limão.