Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0142/18
Data do Acordão:05/23/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:Não se encontrando alegados, nem demonstrados os pressupostos de admissão do recurso excecional de revista, previsto no artigo 150.º do CPTA, não deve o mesmo recurso ser admitido.
Nº Convencional:JSTA000P23311
Nº do Documento:SA2201805230142
Data de Entrada:02/09/2018
Recorrente:A......, SA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o atual n.º 6 do artigo 150.º do CPTA:
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1.1. A……, S.A., requereu o pedido de pronúncia arbitral relativa à liquidação de IRC e juros compensatórios do exercício de 2014, tendo peticionado a sua nulidade.
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1.2. O Centro de Arbitragem Administrativa, pelo acórdão de 23/05/2017, Processo n.º 564/2016-T, julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
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1.3. Dessa decisão foi interposto recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 26/10/2017 (fls. 50/62), julgou improcedente a impugnação do acórdão arbitral.
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1.4. É desse acórdão que a recorrente vem requerer a admissão do recurso de revista excecional terminando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«Admissibilidade do Recurso
A. Guiado por ratios diferentes, o legislador estabeleceu no RJAT dois regimes de recurso diversos, consoante o tipo de vício em causa: relativamente ao controlo do mérito das decisões arbitrais, entendeu o legislador consagrar o princípio da irrecorribilidade; relativamente ao controlo da legalidade formal da decisão, o legislador optou apenas por restringir os fundamentos de recurso;
B. O princípio da irrecorribilidade foi, portanto, pensado e consagrado exclusivamente para a revisão do mérito das decisões arbitrais (artigo 26.º do RJAT), não do controlo formal feito em processo de anulação (artigo 27.º do RJAT);
C. Ou seja, se o legislador não consagrou a irrecorribilidade da decisão arbitral com fundamento em vícios formais, não pode o intérprete substituir-se ao legislador e tratar como iguais dois casos que são desiguais (recurso de mérito vs recurso de forma), para lhes aplicar cegamente o mesmo princípio, sem base normativa e teleológica para tanto;
D. Consequentemente, a Revista Excecional é admissível em processo de anulação de decisão arbitral, por não lhe ser aplicável o princípio da irrecorribilidade; Mas, mesmo que assim não fosse, o princípio da irrecorribilidade não impediria a admissibilidade da Revista Excecional em processo de anulação, por imperativo de coerência sistemática;
E. Se o legislador, em exceção ao princípio da irrecorribilidade do mérito, consagrou a possibilidade de sindicância das decisões arbitrais para uniformização de jurisprudência, não pode afirmar-se que em matéria de anulação a restrição é maior, afastando a Revista Excecional, que veicula precisamente os mesmos princípios, sobretudo numa jurisdição de direitos indisponíveis, como é o caso da fiscal;
F. Se o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) pode fazer revisão quanto ao mérito das decisões arbitrais para efeitos de uniformização, tem de o poder fazer também quanto à forma, pois quem pode o mais, pode o menos;
G. Qualquer interpretação que considere a Revista Excecional inadmissível em processo de anulação da sentença arbitral é inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, o que expressamente se invoca, por mera cautela de patrocínio;
Pressupostos da Revista Excecional
H. Interpõe-se recurso do Acórdão que considerou a decisão arbitral fundamentada, na medida em que entendeu que da fundamentação da decisão arbitral se retira a doutrina jurídica em que a mesma se baseia;
I. Por, na verdade, a decisão arbitral não demonstrar por que motivo jurídico é a vontade das partes um critério relevante para efeitos fiscais, nem por recurso a normas, nem a princípios, nem a doutrina jurídica;
J. A decisão do Tribunal a quo padece, portanto, de erro crasso na apreciação do conceito de fundamentação com base em doutrina jurídica e na subsunção do mesmo ao caso concreto;
K. Consequentemente, in casu, é essencial esclarecer, em primeiro lugar, se a Revista Excecional é admissível em processo de anulação de decisão arbitral; e, em segundo lugar, o que se pode considerar como fundamentação com base em doutrina jurídica, pois a absoluta indefinição jurisprudencial deste conceito pode inutilizar a falta de fundamentação como motivo de anulação das decisões arbitrais.
E. Quanto ao primeiro ponto, relembra-se a dignidade constitucional dos princípios veiculados pela Revista Excecional e salienta-se que, em matérias de última ratio como as abrangidas pela Revista Excecional, não há motivo para distinguir entre a impugnação de uma decisão judicial e arbitral, pois o fim de harmonização de aplicação do direito é válido para ambas, na mesma exata medida;
M. Mais, a complexidade deste tema é tal que a admissibilidade da Revista Excecional em matéria de arbitragem tributária foi objeto de decisões contrárias por parte do STA, havendo uma necessidade clara de uniformização de jurisprudência nesta matéria;
N. Assim, não só é manifesta a relevância jurídica da questão, como a sua solução é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pelo que, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, a Revista Excecional deve ser admitida;
O. Quanto ao segundo ponto, importa definir que uma decisão desacompanhada de uma única menção a normas ou princípios jurídicos, a orientações de juristas de reconhecido mérito, ou a jurisprudência, não pode nunca ser considerada como fundamentada de Direito, muito menos com base em doutrina jurídica;
P. A fundamentação das decisões é um princípio basilar do sistema jurídico, com assento constitucional, portanto, a definição do que se entende por fundamentação é de manifesta relevância jurídica, sobretudo neste caso concreto, em que o Tribunal recorrido tratou a matéria de forma ostensivamente errada e juridicamente insustentável qualificando como doutrina o que é apenas uma tese sem base legal, tornando a intervenção do STA essencial para regulação da matéria;
Q. Assim, atenta a manifesta (a) relevância jurídica da questão e o facto de a sua solução ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, a Revista Excecional deve ser admitida, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA
Fundamentação
R. Da decisão arbitral não se retira sequer fundamentação jurídica, quanto mais doutrina jurídica. O que se retira da decisão é, tão-só, uma adesão ao critério da Autoridade Tributária, sem a preocupação de apresentar qualquer raciocínio jurídico que a justifique e permita a sua aplicação, ao abrigo da lei ao caso concreto;
S. Para que haja fundamentação de uma decisão exige-se que esteja demonstrado um iter de raciocínio jurídico que convença o leitor de que a lei dá relevância a certos factos jurídicos. Isto porque, sem este passo de fundamentação normativa (por recurso a normas, princípios ou doutrina), a decisão não tem base jurídica e, consequentemente, é arbitrária;
T. Ou seja, a fundamentação de um ato jurisdicional tem de ser lógico-jurídica e não meramente lógica, pois os tribunais são órgãos de soberania vinculados à aplicação da lei;
U. No caso concreto, a decisão arbitral explica por que motivos lhe parece bem que se aplique o valor declarado na escritura (em suma, porque é consensual), porém, não demonstra, nem convence, por que motivo o consenso das partes é juridicamente relevante para efeitos fiscais, pois não refere nenhuma norma, princípio ou doutrina jurídica que o afirme – ou seja, omite em absoluto a motivação jurídica positiva da decisão tomada, violando o dever de fundamentação;
V. Mais grave, o critério encontrado, além de vir desacompanhado de qualquer base legal ou apoio doutrinário, é juridicamente insustentável, pois tem o efeito perverso de permitir que as partes possam manipular, por retificações às escrituras (por consenso), elementos fiscalmente relevantes.
W. Portanto, ainda que se admita que a decisão evidencia o raciocínio lógico que lhe subjaz (embora ilógico, porque insustentável), é notório que o mesmo não é lógico-jurídico, como a lei impõe, pois não é feita qualquer ponderação ou exegese jurídica da questão (normativa, sistemática ou outra);
X. Em suma, apresentar uma motivação meramente lógica não é cumprir o dever de fundamentação jurídica, pois não demonstra que a decisão é fundamentada na lei;
Y. A fundamentação jurídica só é baseada em doutrina jurídica se se suportar em opiniões doutrinárias de juristas de reconhecido mérito ou em orientações jurisprudenciais, regulares ou exemplares.
Z. Ora, a decisão arbitral não cita uma única decisão judicial ou arbitral, não cita qualquer parecer jurídico, nem sequer faz menção a um único jurista, portanto, ao contrário do que decidiu o Tribunal recorrido, é mais que manifesto que a decisão arbitral não se fundamenta em doutrina jurídica;
AA. Na verdade, o que a decisão arbitral faz é limitar-se a aderir descaradamente à posição da Autoridade Tributária, que é parte no processo, o que é proibido pelo n.º 2 do artigo 158.º do CPC;
BB. Face a tudo o exposto, é notório que a decisão arbitral não é fundamentada de Direito, nem é baseada em doutrina jurídica alguma, nem sequer tenta sê-lo – tenta sim fazer doutrina, sem base legal, seja uma norma, um princípio ou considerações sistemáticas lógico-jurídicos, o que não se pode aceitar;
CC. Se a motivação de uma decisão arbitral não é nem uma norma, nem um princípio, nem uma verdadeira doutrina jurídica, então a fundamentação apresentada não é jurídica, é uma mera aparência de fundamentação e não pode ser admitida como ratio da decisão arbitral, sob pena de se concluir que os tribunais arbitrais não estão vinculados ao Direito, como os demais, não lhes sendo exigível fundamentação normativa das suas decisões.
DD. Ou seja, uma motivação que não é jurídica tem de equivaler a ausência total de fundamentação, que gera a nulidade da decisão;
EE. Mais grave, se a aparente fundamentação é, na verdade, uma mera adesão à posição de uma das partes, é inválida, por violação da lei processual;
FF. Por tudo o exposto, não podia a questão da falta de fundamentação ter sido decidida sem verificar se a motivação realizada incluía elementos de ponderação jurídica da matéria, muito menos, podia ter-se considerado que foi aplicada uma doutrina jurídica sem haver uma única menção a qualquer autor renomado ou jurisprudência;
GG. Consequentemente, por erro na interpretação e aplicação do conceito de fundamentação com base em doutrina jurídica, impõe-se a revogação do Acórdão recorrido e ordenar a sua substituição por outro que declare a falta de fundamentação da decisão arbitral sob recurso.
Termos em que, e nos melhores de direito que V. Exas. suprirão, deve o presente Recurso ser admitido e julgado procedente e consequentemente ser revogado o Acórdão do Tribunal a quo revogado e substituído por outro declare a existência de falta de fundamentação da decisão arbitral e, consequentemente, ordene a sua anulação.»
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1.5. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.6. O MP pronunciou-se a fls. 115 afirmando que a sua intervenção se circunscreve à apreciação do mérito do recurso que é posterior à apreciação preliminar sumária sobre a verificação dos pressupostos para conhecimento do recurso.
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1.7. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«a) A Requerente é uma Sociedade que se dedica à promoção imobiliária, aquisição, compra e revenda de imóveis (doc. 1 junto à p. i.);
b) A Requerente tinha como sócia única a sociedade B..., Lda. (doc. 1 junto à p. i.);
e) Os Estatutos da Requerente previam a entrega de prestações acessórias gratuitas e não reembolsáveis (doc. 2 junto à p. i.);
d) Em 08.11.2007, foi deliberada a realização de prestações acessórias em espécie, a título definitivo e gratuito, não reembolsáveis, por parte da sócia única (doc. 3, junto à p. i.);
e) Por escritura pública outorgada no dia 28.11.2007, a sócia única entregou à Requerente, a título de tais prestações acessórias, um conjunto de imóveis, identificados no (doc. n.º 4 junto à p.i.;
f) Os imóveis estavam inscritos na contabilidade da sócia única pelo valor de € 3.059.425,00;
g) O qual foi o valor atribuído a tais bens, quer na deliberação, quer na escritura;
h) A Requerente contabilizou os imóveis pelo valor de € 7.528.814,00 (doc. 5, junto à p. i.);
i) Montante que considerou corresponder ao seu valor de mercado;
j) Tal valor foi apurado com base em 2 (duas) avaliações, efetuadas por empresas para tal contratadas (Doc. 6, junto à p. i).
k) Tais avaliações ocorrerem em 2008, sendo que a Requerente fez reportar tal alteração ao exercício de 2007, melhor, à data da escritura.
1) Em 03.11.2015, a Requerente foi alvo de uma ação inspetiva motivada pela transmissão dos imóveis em causa, ocorrida durante o ano de 2014, a qual deu origem à liquidação ora impugnada.
Aí se consignou que não existem factos não provados com relevância para a apreciação da causa e que os factos dados como provados constam do relatório de inspeção e não foram controvertidos.».
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3.1. Sustenta a recorrente que a revista excecional é admissível na situação concreta dos presentes autos, em processo de anulação de decisão arbitral, pois que não há motivo para distinguir entre a impugnação de uma decisão judicial e arbitral, pois o fim de harmonização de aplicação do direito é válido para ambas, na mesma exata medida pois que se o Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) pode fazer revisão quanto ao mérito das decisões arbitrais para efeitos de uniformização, tem de o poder fazer também quanto à forma, pois quem pode o mais, pode o menos (F, K e E) e que qualquer interpretação que considere a Revista Excecional inadmissível em processo de anulação da sentença arbitral é inconstitucional, por violação do princípio do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, o que expressamente invoca, por mera cautela de patrocínio (G).
Quanto aos pressupostos da revista excecional sustenta a recorrente (H) que o presente recurso é interposto do acórdão do TCA que considerou a decisão arbitral fundamentada, que (I) a decisão arbitral não demonstra por que motivo jurídico é a vontade das partes um critério relevante para efeitos fiscais, nem por recurso a normas, nem a princípios, nem a doutrina jurídica.
Que (J) a decisão do Tribunal a quo padece de erro crasso na apreciação do conceito de fundamentação com base em doutrina jurídica e na subsunção do mesmo ao caso concreto.
Que (K) é essencial esclarecer o que se pode considerar como fundamentação com base em doutrina jurídica, pois a absoluta indefinição jurisprudencial deste conceito pode inutilizar a falta de fundamentação como motivo de anulação das decisões arbitrais.
Que (M) a complexidade deste tema é tal que a admissibilidade da revista excecional em matéria de arbitragem tributária foi objeto de decisões contrárias por parte do STA, havendo uma necessidade clara de uniformização de jurisprudência nesta matéria;
Que (N) não só é manifesta a relevância jurídica da questão, como a sua solução é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, pelo que a revista excecional deve ser admitida;
Que (O) importa definir que uma decisão desacompanhada de uma única menção a normas ou princípios jurídicos, a orientações de juristas de reconhecido mérito, ou a jurisprudência, não pode nunca ser considerada como fundamentada de direito, muito menos com base em doutrina jurídica;
Que (P) a fundamentação das decisões é um princípio basilar do sistema jurídico, com assento constitucional, portanto, a definição do que se entende por fundamentação é de manifesta relevância jurídica, sobretudo neste caso concreto, em que o Tribunal recorrido tratou a matéria de forma ostensivamente errada e juridicamente insustentável qualificando como doutrina o que é apenas uma tese sem base legal, tornando a intervenção do STA essencial para regulação da matéria;
Que (Q) atenta a manifesta relevância jurídica da questão e o facto de a sua solução ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, a revista excecional deve ser admitida.
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3.2. O acórdão recorrido, depois do relatório de fls. 50 a 53, sob o ponto III, afirmou o seguinte:
“…
«O acórdão arbitral, após equacionar que a única questão a decidir é a de saber qual o valor que deve ser fiscalmente considerado como sendo o valor de aquisição de imóveis que foram transmitidos à Requerente pela sua sócia única a título de prestações acessórias gratuitas: se o valor pelo qual constavam da contabilidade desta (valor indicado também na deliberação social relativa à realização das prestações acessórias e na escritura que formalizou a transmissão), se o valor pelo qual foram contabilizados pela Requerente, em resultado de uma avaliação, que esta entende corresponder ao valor de mercado de tais bens no momento da transmissão, julgou totalmente improcedente o pedido com base na seguinte fundamentação que, do mesmo, se transcreve:
“O centro da discussão jurídica do presente caso prende-se com o valor de aquisição a considerar para efeitos da determinação das mais-valias logradas pela Requerente aquando da alienação de um conjunto de imóveis, por permuta ocorrida em 2014.
Tais imóveis passaram a integrar o património societário da Requerente por via da realização de prestações acessórias gratuitas exigidas à sócia única (e por esta realizadas) em 2007, tendo o valor das mesmas sido fixado, na escritura pública que concretizou o cumprimento de tais prestações, em € 3.059.425,00. Este valor coincidia com o valor de registo contabilístico dos imóveis na esfera da sócia.
Já em 2008, tais imóveis foram objeto de uma avaliação levada a cabo pela Requerente, destinada a determinar o seu “valor de mercado”, com fundamento no artigo 21.º/2 do Código do IRC e na Diretriz Contabilística n.º 2/91; o valor resultante de tal avaliação foi de € 7.528.814,00. É este segundo valor que a Requerente considera como valor de aquisição de tais imóveis.
Por seu turno, a AT contesta a consideração deste valor como valor de aquisição para efeitos de determinação da mais-valia registada e 2014, entendendo, ao invés, que deve ser considerado para tal efeito o valor vertido na escritura pública
II - Entende este Tribunal Arbitral que o artigo 21.º/2 do Código do IRC e Diretriz Contabilística n.º 02/91 não encontram aplicação no presente caso.
Cremos, com efeito, que o regime consagrado em tais normas - do qual se valeu a Requerente - não se concilia com as prestações acessórias aqui em causa, mesmo assumindo terem natureza gratuita.
Primeiro, porquanto, sendo tais prestações instrumentos de capital próprio (e esta parece ser também a leitura da Requerente estariam excluídas na quantificação do lucro tributável do exercício em que aconteceram, por força do disposto no art.º 21.º/n.º1/alínea a) do Código do IRC.
Assim sendo, o artigo 21.º/n.º 2 deste Código não lhes é aplicável, uma vez que esta disposição pressupõe, precisamente, esse concurso na quantificação do lucro tributável: “Para efeitos da determinação do lucro tributável, considera-se como valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito o seu valor de mercado...”.
Se, do ponto de vista literal, a aplicação direta desta norma se revela, portanto, inadmissível, não menos o será atentos outros elementos que devem presidir à interpretação de um preceito legal, nomeadamente a sua ratio. A posição do prestador de prestações acessórias de “gratuitas” não é, com efeito, idêntica à de um doador, como também a Requerente expressamente reconhece.
Na verdade, atenta a natureza jurídica das operações em causa, vemos que o devedor da prestação de doação (doador) não só não possui direito a uma qualquer contraprestação como, a partir do momento em que realiza a doação, perde definitivamente qualquer interesse ou pretensão sobre o objeto doado.
Diversamente se passam as coisas com o prestador de prestações acessórias gratuitas, o qual, sem prejuízo de não ter direito a uma contraprestação definida e concreta da parte da sociedade - daí a designação legal de “gratuita”, como explica a doutrina - reserva, apesar disso, um interesse residual futuro (e que sai alargado por força, precisamente, da realização das prestações gratuitas) na mesma sociedade, fruto da sua condição de sócio.
É, assim, a própria inexistência de identidade de situações que inviabiliza a “extensão” da aplicação daquela norma ao caso concreto.
Acaso não se considerassem tais prestações acessórias instrumentos de capital próprio, o subsequente resultado seria o concurso integral do valor dos imóveis entregues em cumprimento daquelas prestações acessórias para a determinação do lucro tributável e a consequente tributação plena desta variação patrimonial positiva logo em 2007 - o que não sucedeu (não é alegado ter sucedido).
A AT, por seu turno, toma como referência o valor identificado para os imóveis na escritura de concretização das prestações acessórias.
Trata-se, com efeito, de um valor que resultou da convergência da vontade das partes naquele negócio jurídico, do valor do bem por elas estimado naquele momento. É, por conseguinte, um valor válido para consideração fiscal enquanto valor de aquisição em operações futuras que tomem por base os imóveis entregues.
Houve, indiscutivelmente, duas mensurações dos ativos em causa, por diferentes valores: uma no ato da escritura (coincidente com o valor constante da ata da Assembleia Geral da Requerente que decidiu a realização de tais prestações); outra resultante da avaliação posteriormente efetuada pela Requerente. E isto sem prejuízo do facto de na contabilidade de a Requerente apenas constar um único valor (o da avaliação), por os seus efeitos (o valor dela resultante) terem sido reportados à data da escritura.
Note-se a diferença essencial entre estas duas mensurações do valor dos bens transmitidos: a constante da escritura resultou de um acordo bilateral das partes, a Requerente e a sua sócia única. Da avaliação efetuada pela Requerente resultou uma fixação unilateral do valor dos imóveis, que apenas relevou, contabilística e fiscalmente, na esfera desta (como resulta do alegado pela Requerente).
Assim, a admitir-se tal relevância fiscal da avaliação efetuada pela Requerente, tão pouco se compreenderia que o valor pelo qual os bens imóveis passaram a integrar a esfera patrimonial desta sociedade pudesse ser distinto daquele valor pelo qual tais bens deixaram de integrar a esfera patrimonial do sócio prestador. Esta disparidade de registo - que traduziria uma disparidade de valor entre os intervenientes na operação - não abona, igualmente, em favor da tese da Requerente, uma vez que permitiria a artificial criação de um muito significativo valor económico não tributável, um step-up.
Tal divergência resulta, ainda, menos aceitável se tivermos presente o facto de a Requerente ser uma sociedade que era totalmente dominada pela sua sócia única.
Pode, até, aceitar-se que o valor escriturado dos imóveis em causa não correspondia ao seu valor de mercado. Mas, nesse caso, estando em causa o valor de bens transmitidos por força de negócio jurídico bilateral, o valor atribuído teria forçosamente que ser corrigido por acordo de ambas as partes (v.g. através de retificação da escritura), de forma a produzir efeitos, contabilísticos e fiscais, na esfera de ambas.
Concluindo: a avaliação efetuada pela Requerente só pode ser considerada como uma reavaliação, decidida unilateralmente e desprovida de efeitos fiscais (ainda que, porventura, contabilisticamente útil) – como entende a AT –, donde o valor vertido na escritura se consolidou enquanto valor de aquisição para todos os efeitos fiscais.
Por último, sempre se acrescentará que a questão que se coloca no presente caso não é a de saber, em abstrato, como se deve determinar o valor dos bens transmitidos por força de prestações acessórias gratuitas, se o mesmo deve corresponder ao custo histórico ou ao valor de mercado; o que importa, isso sim, é saber, no caso concreto, da relevância fiscal da alteração (para o valor de mercado), tal como foi feita, do valor inicial atribuído a tais bens (o qual correspondia ao seu valor histórico).”
Como se sabe, o regime da arbitragem voluntária em direito tributário foi introduzido pelo Decreto-Lei n.º 10/11, de 20 de Janeiro, que regula o regime jurídico da arbitragem em matéria tributária, no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril (RJAT).
No que respeita aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, estabelece o art. 28.º, n.º 1, do RJAT que a decisão é impugnável com fundamento na:
“a) Não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
b) Oposição dos fundamentos com a decisão;
c) Pronúncia indevida ou na omissão de pronúncia;
d) Violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, nos termos em que estes são estabelecidos no artigo 16.º.”
Trata-se de uma enumeração taxativa dos fundamentos de impugnação da decisão arbitral (neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, in Guia da Arbitragem Tributária, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, pp. 234 e ss; e, entre outros,
Acórdãos do TCAS, de 27/02/14, proc. n° 07088/13; de 11/12/12 proc. n° 5856/12, de 19.02.2013, proc. n.º 5203/11, de 21.05.2013, proc. n.º 5922/12, de 18.06.2013, proc. n.º 6121/12 e de 10.09.2013, proc. n.º 6258/12, de 27.03.2014, proc. n.º 5739/12, e de 29.05.2014, proc. n.º 6023/12).
In casu, a presente impugnação fundamenta-se na falta de especificação dos fundamentos de direito, sendo que, no entender da impugnante, não é possível vislumbrar qual o raciocínio jurídico que conduziu à solução encontrada, pois que nenhuma norma ou princípio fiscal ou contabilístico é invocado, nem expressa nem tacitamente no acórdão. Entende a impugnante que o Tribunal decidiu no caso com base no “critério da escritura” sem identificar as normas potencialmente aplicáveis e sem efectuar a subsunção dos factos a normas, ou seja, sem interpretar nem aplicar uma única norma jurídica donde se retire que tal valor é o relevante
Mais entende que a aplicação da lei não conduzia ao resultado pretendido, pois que a mera tentativa de fundamentação de direito da decisão sempre imporia a procedência do pedido pois, aplicando as normas legais aplicáveis, i.e., as regras sobre preço de transferência (maxime o artigo 63.º e 64.º do CIRC), obrigaria a concluir que o valor a considerar, no caso concreto, seria o valor que foi contabilizado pela Impugnante, por corresponder ao valor de mercado, mesmo que tal conclusão gerasse uma dupla não tributação (cfr. conclusões J e K).
Isto o que importa apreciar.
Afigura-se-nos não assistir razão à impugnante na invocada nulidade do acórdão decorrente de falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão.
A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, vício com previsão na al. a) do nº 1 do art. 28 do RJAT e art°s 125 nº 1 do CPPT e 615 nº 1 al b) do CPC, determinante de nulidade da decisão, como é entendimento, praticamente unânime, da doutrina e da jurisprudência, só se verifica quando haja uma total e absoluta ausência de ambas e não quando ela possa ser entendida, como medíocre, insuficiente ou inadequada, circunstâncias que apenas são susceptíveis de colidir com o valor doutrinal da decisão. A este propósito já ensinava ALBERTO DOS REIS, in CPC anotado que «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do art. 668.º».
Assim, tal nulidade só ocorre quando falte em absoluto a fundamentação, e não já quando se verifique a sua deficiência ou incongruência e, muito menos, quando haja erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta. Isto é, só se verificará quando a fundamentação não exterioriza minimamente as razões (factuais e jurídicas) que levaram o julgador a decidir naquele sentido e não noutro qualquer, ou quando a fundamentação aduzida é ininteligível ou não tem relação perceptível com o julgado, situação em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Em causa, como nulidade do acórdão, está só a invocada falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão.
Como se sabe, a fundamentação de direito deverá consistir na indicação, interpretação e aplicação das normas em que se baseia a decisão como resulta do nº 3 do art. 607 do CPC.
Como refere Jorge Lopes de Sousa in CPPT anotado II V, 6ª edição, a pág. 360 e 361, a fundamentação de direito poderá também ser constituída por mera indicação dos princípios jurídicos ou doutrina jurídica em que se baseia.
A este propósito, entendeu-se no Ac. do STJ de 19.10.2004, proc. 04B2638.dgsi.Net que a nulidade prevenida pela al. b) do nº 1 do art. 668 do CPC (actual art. 615) só realmente se verifica quando de todo em todo – absolutamente e efectivamente – falte a fundamentação de facto e de direito: não assim quando essa fundamentação se revele sumária ou insuficiente, não sendo, designadamente, a falta de indicação das normas legais pertinentes que, sem mais, integra a falta de fundamentação de direito prevista na sobredita disposição legal. Também no Ac. da RL de 5.7.2007, proc. 3129/2007-1.dgsi.Net se entendeu que a circunstância de, no despacho judicial, não constar o preceito legal violado, constitui apenas uma deficiente ou incompleta fundamentação do mesmo, mas não acarreta a sua nulidade, nos termos do art. 668 nº 1 al. b) do CPC (actual art. 615 do CPC).
Também no Ac. do STA de 15.11.90, proc. 12693, Ap-DR de 15.4.93, pág. 1252 e AD, nº 354, pág. 781, considerou-se estar fundamentada de direito uma decisão que embora não referisse expressamente qualquer preceito legal, apontava, todavia, a doutrina jurídica em que se baseava, sendo que no mesmo sentido se pronunciam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, a pág. 688.
Como se verifica da decisão (acórdão), o Tribunal entendeu que o regime consagrado no artigo 21.º/n.º 2 do Código do IRC e Diretriz Contabilística n.º 02/91 de que se valeu a requerente, não se concilia com as prestações acessórias em causa, mesmo assumindo terem natureza gratuita, pelo que o artigo 21.º/n.º 2 deste Código não lhes é aplicável, uma vez que esta disposição pressupõe, precisamente, esse concurso na quantificação do lucro tributável: “Para efeitos da determinação do lucro tributável, considera-se como valor de aquisição dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito o seu valor de mercado”.
Mais se entendeu na decisão quanto ao valor de aquisição a considerar para efeitos de determinação da mais valia o seguinte:
“Se, do ponto de vista literal, a aplicação direta desta norma se revela, portanto, inadmissível, não menos o será atentos outros elementos que devem presidir à interpretação de um preceito legal, nomeadamente a sua ratio. A posição do prestador de prestações acessórias de “gratuitas” não é, com efeito, idêntica à de um doador, como também a Requerente expressamente reconhece.
Na verdade, atenta a natureza jurídica das operações em causa, vemos que o devedor da prestação de doação (doador) não só não possui direito a uma qualquer contraprestação como, a partir do momento em que realiza a doação, perde definitivamente qualquer interesse ou pretensão sobre o objeto doado.
Diversamente se passam as coisas com o prestador de prestações acessórias gratuitas, o qual, sem prejuízo de não ter direito a uma contraprestação definida e concreta da parte da sociedade - daí a designação legal de “gratuita”, como explica a doutrina - reserva, apesar disso, um interesse residual futuro (e que sai alargado por força, precisamente, da realização das prestações gratuitas) na mesma sociedade, fruto da sua condição de sócio.
É assim, a própria inexistência de identidade de situações que inviabiliza a “extensão” da aplicação daquela norma ao caso concreto.
Acaso não se considerassem tais prestações acessórias instrumentos de capital próprio, o subsequente resultado seria o concurso integral do valor dos imóveis entregues em cumprimento daquelas prestações acessórias para a determinação do lucro tributável e a consequente tributação plena desta variação patrimonial positiva logo em 2007 - o que não sucedeu (não é alegado ter sucedido).
A AT, por seu turno, toma como referência o valor identificado para os imóveis na escritura de concretização das prestações acessórias.
Trata-se, com efeito, de um valor que resultou da convergência da vontade das partes naquele negócio jurídico, do valor do bem por elas estimado naquele momento. É, por conseguinte, um valor válido para consideração fiscal enquanto valor de aquisição em operações futuras que tomem por base os imóveis entregues.
Houve, indiscutivelmente, duas mensurações dos ativos em causa, por diferentes valores: uma no ato da escritura (coincidente com o valor constante da ata da Assembleia Geral da Requerente que decidiu a realização de tais prestações); outra resultante da avaliação posteriormente efetuada pela Requerente. E isto sem prejuízo do facto de na contabilidade de a Requerente apenas constar um único valor (o da avaliação), por os seus efeitos (o valor dela resultante) terem sido reportados à data da escritura.
Note-se a diferença essencial entre estas ditas mensurações do valor dos bens transmitidos: a constante da escritura resultou de um acordo bilateral das partes, a Requerente e a sua sócia única. Da avaliação efetuada pela Requerente resultou uma fixação unilateral do valor dos imóveis, que apenas relevou, contabilística e fiscalmente, na esfera desta (como resulta do alegado pela Requerente).
Assim, a admitir-se tal relevância fiscal da avaliação efetuada pela Requerente, tão pouco se compreenderia que o valor pelo qual os bens imóveis passaram a integrar a esfera patrimonial desta sociedade pudesse ser distinto daquele valor pelo qual tais bens deixaram de integrar a esfera patrimonial do sócio prestador. Esta disparidade de registo - que traduziria uma disparidade de valor entre os intervenientes na operação - não abona, igualmente, em favor da tese da Requerente, uma vez que permitiria a artificial criação de um muito significativo valor económico não tributável, um step-up.
Tal divergência resulta, ainda, menos aceitável se tivermos presente o facto de a Requerente ser uma sociedade que era totalmente dominada pela sua sócia única.
Pode, até, aceitar-se que o valor escriturado dos imóveis em causa não correspondia ao seu valor de mercado. Mas, nesse caso, estando em causa o valor de bens transmitidos por força de negócio jurídico bilateral, o valor atribuído teria forçosamente que ser corrigido por acordo de ambas as partes (v.g., através de retificação da escritura), de forma a produzir efeitos, contabilísticos e fiscais, na esfera de ambas.
Concluindo: a avaliação efetuada pela Requerente só pode ser considerada como uma reavaliação, decidida unilateralmente e desprovida de efeitos fiscais (ainda que, porventura, contabilisticamente útil) – como entende a AT –, donde o valor vertido na escritura se consolidou enquanto valor de aquisição para todos os efeitos fiscais.”
O Acórdão diz expressamente que o artigo 21.º/n.º2 do Código do IRC e Diretriz Contabilística n.º 2/9, não se concilia com as prestações acessórias em causa, mesmo assumindo terem natureza gratuita, pelo que não lhes é aplicável, uma vez que esta disposição pressupõe, precisamente, esse concurso na quantificação do lucro tributável e que a avaliação efectuada pela Requerente só pode ser considerada como uma reavaliação, decidida unilateralmente e desprovida de efeitos fiscais (ainda que, porventura, contabilisticamente útil) – como entende a AT –, donde o valor vertido na escritura se consolidou enquanto valor de aquisição para todos os efeitos fiscais.
A não indicação, in casu, de norma jurídica concreta para a justificação do valor de aquisição a considerar não integra a invocada nulidade, pois que da fundamentação do acórdão se retira a doutrina jurídica em que o mesmo se baseia e se afasta a aplicação do regime invocado pela requerente, ora impugnante. Somos, pois, de concluir que o acórdão se encontra fundamentado de direito. Poderá tal fundamentação ser incompleta ou insuficiente, mas a mesma não integra a falta de fundamentação de direito com previsão na al. a) do nº 1 do art. 28 do RJAT e art. 615, nº 1 al. b) do CPC.
O que a impugnante verdadeiramente expressa nas conclusões J e K é uma verdadeira discordância em relação ao mérito do acórdão impugnado, mas que não integra o fundamento de nulidade invocado ou qualquer outro com previsão no art. 28 do RJAT.
Improcede, pois, a invocada nulidade com previsão na al. a) do n° 1 do art. 28 do RJAT, pelo que a impugnação terá que soçobrar mantendo-se, pois, o acórdão arbitral.».
…”.
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3.3. Parece sustentar a recorrente que a revista excecional é admissível na situação concreta dos presentes autos, em processo de anulação de decisão arbitral, pois que não há motivo para distinguir entre a impugnação de uma decisão judicial e arbitral.
O presente recurso vem interposto de acórdão do TCA que apreciou acórdão arbitral proferido no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).
É aquele e não este que está em apreciação nos presentes autos.
E a primeira questão que importaria apreciar seria a de determinar se o presente recurso seria admissível desde que se encontrassem reunidos os pressupostos do recurso de revista excecional previstos no nº 1 do artigo 150º do CPTA.
Não se encontrando, contudo, reunidos os pressupostos do recurso de revista excecional, nos termos do nº 1 do artigo 150º do CPTA, fica, desde logo prejudicada a questão de determinar se o recurso de revista excecional é admissível na situação concreta dos presentes autos.
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3.4. Torna-se, por isso, necessário proceder à apreciação preliminar sumária da verificação dos pressupostos da admissibilidade do recurso de revista excecional, nos termos do artigo 150º do CPTA.
Estabelece este artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista” o seguinte:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.
Resulta do n.º 1 do artigo transcrito a excecionalidade do recurso de revista, estando a sua admissibilidade condicionada por um critério qualitativo que exige que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou que a admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito.
Deve este recurso de revista excecional funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como mais uma instância generalizada de recurso.
Como se escreveu no acórdão deste STA, de 02 de abril de 2014, rec. N.º 01853/13, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso:
«(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».
Tem igualmente afirmado o STA, sobre esta questão, que os requisitos de admissão do recurso de revista para “uma melhor aplicação do direito” implicam «a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito» a qual resultará «da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se ver a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas - ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.» (STA 17/02/2016, proc. 0945/15).
No mesmo sentido podem consultar-se, entre muitos outros os acórdãos do STA de 30/05/2012, processos n.º 304/12 e 415/12, e a jurisprudência nestes referida.
A mesma jurisprudência do STA tem igualmente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito e que se trata não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.ºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser acionada naqueles precisos termos.
Tem, ainda, entendido a referida jurisprudência que o recorrente deve demonstrar essa excecionalidade e que deve demostrar que a questão que coloca ao STA assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.
Daí que não seja de admitir o recurso de revista excecional quando se trate de uma questão pontual e puramente individual, que não é particularmente complexa ou melindrosa do ponto de vista jurídico e não reveste uma importância fundamental do ponto de vista social, e quando não se invoca que a doutrina e/ou jurisprudência se tenha vindo a pronunciar em sentido divergente sobre a questão, tornando necessária a sua clarificação de forma a obter a melhor aplicação do direito, nem se invoca ou vislumbra que tenha ocorrido um erro manifesto ou grosseiro na decisão recorrida (Acórdão do STA, de 21 de Março de 2012-P. 084/12).
A relevância jurídica fundamental verificar-se-á quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intrincado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tenha suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina.
A relevância social fundamental ocorrerá quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando esteja em apreciação questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso individual e concreto das partes envolvidas.
Ocorrerá, ainda, a necessidade de admissão da revista para melhor aplicação do direito quando se preveja a possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e correspondente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma contraditória, quando se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se gere incerteza e instabilidade a exigir a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa para dissipar dúvidas tornando-se necessário e útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.
Daí que se possa afirmar que a intervenção do STA no recurso excecional de revista só se justifica em materiais de relevância e complexidade, sob pena de se desvirtuarem os fins tidos em vista pelo legislador com esse recurso (acórdão do STA, de 9 de Outubro de 2013-P. 0185/13).
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3.5. Segundo a recorrente o acórdão do TCA considerou que a decisão arbitral está fundamentada e que a recorrente não demonstrou por que motivo jurídico é a vontade das partes um critério relevante para efeitos fiscais, nem por recurso a normas, nem a princípios, nem a doutrina jurídica.
Que a decisão do Tribunal a quo padece de erro crasso na apreciação do conceito de fundamentação com base em doutrina jurídica e na subsunção do mesmo ao caso concreto.
Que é essencial esclarecer o que se pode considerar como fundamentação com base em doutrina jurídica, pois a absoluta indefinição jurisprudencial deste conceito pode inutilizar a falta de fundamentação como motivo de anulação das decisões arbitrais.
Que a complexidade deste tema é tal que a admissibilidade da revista excecional em matéria de arbitragem tributária foi objeto de decisões contrárias por parte do STA, havendo uma necessidade clara de uniformização de jurisprudência nesta matéria.
Que importa definir que uma decisão desacompanhada de uma única menção a normas ou princípios jurídicos, a orientações de juristas de reconhecido mérito, ou a jurisprudência, não pode nunca ser considerada como fundamentada de direito, muito menos com base em doutrina jurídica;
Que a fundamentação das decisões é um princípio basilar do sistema jurídico, com assento constitucional, portanto, a definição do que se entende por fundamentação é de manifesta relevância jurídica, sobretudo neste caso concreto, em que o Tribunal recorrido tratou a matéria de forma ostensivamente errada e juridicamente insustentável qualificando como doutrina o que é apenas uma tese sem base legal, tornando a intervenção do STA essencial para regulação da matéria;
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3.6. O acórdão do TCA, que se deixou, integralmente transcrito, no antecedente ponto 3.2, concluiu que improcede a invocada nulidade com previsão na al. a) do n° 1 do art. 28 do RJAT, pelo que a impugnação terá que soçobrar mantendo-se o acórdão arbitral pois que o que a impugnante verdadeiramente expressa nas conclusões J e K é uma verdadeira discordância em relação ao mérito do acórdão impugnado, mas que não integra o fundamento de nulidade invocado ou qualquer outro com previsão no art. 28 do RJAT.
Que não assiste razão à impugnante na invocada nulidade do acórdão decorrente de falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Que tal nulidade só se verifica quando haja uma total e absoluta ausência de fundamentação e não quando ela possa ser entendida, como medíocre, insuficiente ou inadequada, circunstâncias que apenas são susceptíveis de colidir com o valor doutrinal da decisão.
Que tal nulidade só ocorre quando falte em absoluto a fundamentação, e não já quando se verifique a sua deficiência ou incongruência e, muito menos, quando haja erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta.
Que só se verificará quando a fundamentação não exterioriza minimamente as razões (factuais e jurídicas) que levaram o julgador a decidir naquele sentido e não noutro qualquer, ou quando a fundamentação aduzida é ininteligível ou não tem relação perceptível com o julgado, situação em que se está perante uma mera aparência de fundamentação.
Que em causa, como nulidade do acórdão, está só a invocada falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão.
Que a fundamentação de direito deverá consistir na indicação, interpretação e aplicação das normas em que se baseia a decisão como resulta do nº 3 do art. 607 do CPC.
Que a avaliação efetuada pela Requerente só pode ser considerada como uma reavaliação, decidida unilateralmente e desprovida de efeitos fiscais (ainda que, porventura, contabilisticamente útil) – como entende a AT –, donde o valor vertido na escritura se consolidou enquanto valor de aquisição para todos os efeitos fiscais.
Que a decisão arbitral diz expressamente que o artigo 21.º/n.º2 do Código do IRC e Diretriz Contabilística n.º 2/9, não se concilia com as prestações acessórias em causa, mesmo assumindo terem natureza gratuita, pelo que não lhes é aplicável, uma vez que esta disposição pressupõe, precisamente, esse concurso na quantificação do lucro tributável e que a avaliação efectuada pela Requerente só pode ser considerada como uma reavaliação, decidida unilateralmente e desprovida de efeitos fiscais (ainda que, porventura, contabilisticamente útil) – como entende a AT –, donde o valor vertido na escritura se consolidou enquanto valor de aquisição para todos os efeitos fiscais.
Que a não indicação, in casu, de norma jurídica concreta para a justificação do valor de aquisição a considerar não integra a invocada nulidade, pois que da fundamentação do acórdão se retira a doutrina jurídica em que o mesmo se baseia e se afasta a aplicação do regime invocado pela requerente, ora impugnante.
Que a decisão arbitral se encontra fundamentada de direito.
Que poderá tal fundamentação ser incompleta ou insuficiente, mas a mesma não integra a falta de fundamentação de direito com previsão na al. a) do nº 1 do art. 28 do RJAT e art. 615, nº 1 al. b) do CPC.
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3.7. Continua a recorrente a questionar, no presente recurso, o mérito do acórdão do TCA ainda que sobre a pretensa veste de uma eventual falta de fundamentação.
Como já neste se escreveu “o que a impugnante verdadeiramente expressa nas conclusões … é uma verdadeira discordância em relação ao mérito do acórdão impugnado, mas que não integra o fundamento de nulidade invocado ou qualquer outro com previsão no art. 28 do RJAT”.
Compreende-se, por isso, que o acórdão recorrido afirme que existe tal fundamentação quando refere o seguinte:
“… a avaliação efetuada pela Requerente só pode ser considerada como uma reavaliação, decidida unilateralmente e desprovida de efeitos fiscais (ainda que, porventura, contabilisticamente útil) – como entende a AT –, donde o valor vertido na escritura se consolidou enquanto valor de aquisição para todos os efeitos fiscais.
… a decisão arbitral diz expressamente que o artigo 21.º/n.º2 do Código do IRC e Diretriz Contabilística n.º 2/9, não se concilia com as prestações acessórias em causa, mesmo assumindo terem natureza gratuita, pelo que não lhes é aplicável, uma vez que esta disposição pressupõe, precisamente, esse concurso na quantificação do lucro tributável e que a avaliação efectuada pela Requerente só pode ser considerada como uma reavaliação, decidida unilateralmente e desprovida de efeitos fiscais (ainda que, porventura, contabilisticamente útil) – como entende a AT –, donde o valor vertido na escritura se consolidou enquanto valor de aquisição para todos os efeitos fiscais.
… a não indicação, in casu, de norma jurídica concreta para a justificação do valor de aquisição a considerar não integra a invocada nulidade, pois que da fundamentação do acórdão se retira a doutrina jurídica em que o mesmo se baseia e se afasta a aplicação do regime invocado pela requerente, ora impugnante.”.
Compreende-se, por isso, a afirmação do acórdão recorrido de que a decisão arbitral se encontra fundamentada de direito e que, ainda, que tal fundamentação possa ser incompleta ou insuficiente, a mesma não integra falta de fundamentação.
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3.8. Atendendo a que o recurso de revista excecional, a que se refere o artigo 150º do CPTA, só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito e que se trata não de um recurso ordinário de revista, mas antes de uma «válvula de segurança do sistema» e que o recorrente não demonstrou essa excecionalidade nem que a questão em apreciação assume relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito entende-se que o mesmo não é de admitir.
Com efeito estamos perante uma questão pontual e puramente individual que não se reveste de importância fundamental
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Não se encontrando alegados, nem demonstrados os pressupostos de admissão do recurso excecional de revista, previsto no artigo 150.º do CPTA, não deve o mesmo recurso ser admitido.
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4. Termos em que se acorda em não admitir o presente recurso por não estarem preenchidos os pressupostos do recurso de revista excecional previstos no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 23 de maio de 2018.- António Pimpão (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.