Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0199/18
Data do Acordão:03/08/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:PROCEDIMENTO PRÉ-CONTRATUAL
CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO
PREÇO
ATRIBUTOS DA PROPOSTA
Sumário:Não é de admitir a revista quando, apesar das divergências manifestadas nas instâncias, o Acórdão recorrido a decidiu com ponderação e de acordo com a mais convincente interpretação das normas aplicáveis, evidenciando o erro em que o TAF tinha incorrido na interpretação que fizera daquelas normas.
Nº Convencional:JSTA000P23037
Nº do Documento:SA1201803080199
Data de Entrada:02/23/2018
Recorrente:A............, SA
Recorrido 1:B............, SA E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………, S.A. intentou, no TAF de Aveiro, contra a INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A. (doravante IP), acção de contencioso pré-contratual pedindo (1) a anulação da deliberação do Conselho de Administração da Ré, de 12/01/2017, que adjudicou à B…………, S.A., a Aquisição de Travessas de betão Bibloco com fixação para Carril 44E1 ou 60E1; (2) a condenação da Ré a adjudicar o objecto do concurso à Autora e (3) no caso o contrato objecto do concurso já ter sido celebrado ser o mesmo anulado com todas as consequências legais.
Indicou como contra interessada a B…………, S.A.

O TAF julgou a acção procedente, anulou o acto de exclusão da proposta da Autora, condenou a Ré a admitir a proposta desta e a ordená-la para efeitos de novo acto de adjudicação.

O TCA Norte, para onde a IP e a B………… apelaram, concedeu provimento a ambos os recursos revogando a decisão recorrida.

É desse Acórdão que a Autora recorre ao abrigo do disposto no artigo 150.º/1 do CPTA.

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III.O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Infra-Estruturas de Portugal abriu um concurso público para a aquisição de travessas de betão bibloco com fixação para carril cujo critério de adjudicação foi o do mais baixo preço, o qual foi adjudicado à contra interessada B………….
Inconformada por ter sido preterida, apesar de ter apresentado o preço mais baixo, a Autora vem impugnar o acto de adjudicação pedindo a sua anulação e a condenação da Ré a praticar acto que lhe adjudique o objecto do concurso.

O Tribunal de 1.ª instância deferiu aquelas pretensões por ter entendido que, estando em causa um concurso cujo critério de adjudicação era o do mais baixo preço, “os aspetos referentes a termos ou condições e parâmetros-base a estes respeitantes, formulados em termos fixos ou mediante limites dentro dos quais as propostas se devem conformar, constituem matérias que escapam ao juízo de avaliação - não tendo tradução no elenco de fatores e sub-fatores do modelo de avaliação em sede de critério da proposta economicamente mais vantajosa - mas não escapam, se inobservados, aos pressupostos vinculados do juízo de exclusão das propostas.”
Acrescia que, “tendo em linha de conta a factualidade constante do probatório, conclui-se que a proposta levada a concurso pela Autora não viola disposições e os parâmetros base fixados no Caderno de Encargos, nem apresenta quaisquer termos ou condições que violem aspetos da execução do contrato a celebrar por aquele não submetidos à concorrência e em face do que, não se mostram preenchidos os pressupostos defendidos pela Autora para a exclusão da proposta da Autora com base no disposto na alínea b) do art.º 70º/2 CCP.
Por outro lado, é inequívoco que no caso de concurso em que o critério de adjudicação é o do mais baixo preço, apenas o preço constitui atributo da proposta pois é o único “aspecto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos” (artigo 56º, n.º 2).
Deste modo, “Ao excluir a proposta da autora com fundamento na falta de entrega de alguns elementos que deveriam compor o dossier técnico dos materiais a fornecer, a entidade demandada serviu-se de fundamento não previsto na lei, em particular no artigo 70º do CPP, violando este preceito legal.
Por outro lado, o fundamento de exclusão da proposta da Autora com recurso à alínea d) do artigo 146.º do CCP, que, por sua vez remete para o n.º 1 do artigo 57.º do CCP, …… não permite sequer conexionar a qual das alíneas c) que comporta o mencionado artigo 57.º e pretendendo reportar-se à alínea c) do seu n.º 1, por referência à alínea d) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP, então estamos no domínio de termos ou condições, relativos a aspetos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule.
….
Nesta conformidade, não se mostrando verificados os pressupostos a que aludem as alíneas b) e c) do artigo 70.º do CCP, bem como das alíneas d), n.º 2 do artigo 146.º do CCP, com base no qual a Ré determinou a exclusão da proposta da Autora, a presente ação terá de proceder com as consequências legais.”

Outro foi, porém, o entendimento do TCA já que este considerou que o facto do critério de adjudicação ser o do mais preço não dispensava os concorrentes de juntar à sua proposta documento onde especificassem de forma detalhada as características do material que a adjudicante pretendia adquirir. Nesta conformidade, seriam “excluídas as propostas que não tenham os documentos exigidos e que devam conter os termos e ou as condições relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, mas aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule.
No entanto, a recorrente apresentou documento mas não com o detalhe a as características exigidas. Aliás a falta dos elementos estão referidos no ponto 14-2-5, ponto 8 do relatório final. Não foram apresentados cálculos, relativos à concepção e dimensionamento, o ensaio relativo ao teor de cloretos não foi realizado por entidade acreditada, não foi apresentado desenho nem identificação dos calibres, não foram apresentados alguns desenhos referentes à fixação de carril….e estes como apenas alguns exemplos.
Ou seja, num aspecto não submetido à concorrência a proposta da recorrente estava incompleta, o que foi considerado como não apresentada. Estava incompleta de tal forma que era inviável solicitar esclarecimentos, uma vez que em alguns casos nem de esclarecimentos se tratava porque estávamos perante omissões, referindo-se em muitas situações: “não apresentado”.
…..
Ora esta falta de apresentação de dados é violadora do previsto na alínea c), do art.º 57º, n.º 1, do CCP porquanto está em causa a apresentação de um documento «que contenha os termos ou condições, relativos a aspectos da execução do contrato não submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, aos quais a entidade adjudicante pretende que o concorrente se vincule».
Com uma declaração destas a entidade adjudicante não sabe o que estaria a contratar, estava a fazer uma contratação sem os dados suficientes à boa execução do contrato.
…..
E nem se diga, como na decisão recorrida, que tal não era obrigatório porque o único critério submetido à concorrência era o preço. Mas este critério pressupõe, nos termos do artigo 57º, n.º 1, alínea d) do CCP que sejam entregues os documentos que levem a que possa ocorrer a contratação. Levada ao limite a posição da recorrente teríamos o facto de a proposta da concorrente apenas apresentar o preço e depois logo se via….Mas não é isso que está em causa.
…..
A não apresentação de todos os dados, na apresentação da candidatura, que eram obrigatórios, e já lá vamos, poderia ser indiciadora da violação do princípio da concorrência. Uma entidade entregava todos os dados, e a outra apresentava apenas metade, ou os que considerava mais adequados, e depois do concurso ver-se-ia se preenchia todas as condições para o efeito. Não é esta a solução referida no artigo 146º n.º 1 alínea d) do CCP.
…..
De notar ainda que não foi o júri que definiu o nível de detalhe dos documentos a apresentar.
A exigência desse detalhe decorre desde logo das peças do procedimento, como se vê do pormenor com que está esmiuçado todo o ponto 14.2 ora em análise. A exigência dessa minúcia não derivou do júri como parece fazer crer o recorrido. …. Se o concorrente não os fornece como se pode concluir que se vinculará a eles?
De todo o exposto se conclui que têm de proceder as conclusões dos recorrentes devendo a decisão recorrida ser revogada e julgada improcedente a acção por não verificação dos vícios invocados.”

3. Resulta do exposto que apesar das divergências manifestadas nas instâncias acerca da questão suscitada nesta revista a verdade é que o Acórdão recorrido a decidiu com ponderação e de acordo com a mais convincente interpretação das normas aplicáveis, evidenciando o erro em que o TAF tinha incorrido na interpretação que fizera daquelas normas.
Deste modo, não se justifica a admissão da revista para uma melhor aplicação do direito.
Sendo que a questão suscitada no recurso não tem a relevância jurídica ou social susceptível de merecer a sua admissão.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 8 de Março de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.