Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0119/10
Data do Acordão:04/28/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:MIRANDA DE PACHECO
Descritores:IRC
MAIS VALIAS
DAÇÃO EM CUMPRIMENTO
Sumário:I – A dação em cumprimento de um prédio urbano, enquanto causa da extinção das obrigações (artigo 837.º do CC), define-se como uma alienação onerosa do direito real de propriedade sobre bem imóvel para efeito do disposto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do CIRS.
II – Daí podendo resultar para o contribuinte um efectivo ganho passível de tributação em sede de mais valias no caso de ocorrer uma diferença positiva entre o valor pelo qual o imóvel saiu por esse acto de disposição do património do contribuinte e o valor pelo qual entrou nesse património.
Nº Convencional:JSTA000P11731
Nº do Documento:SA2201004280119
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1– A…, com os sinais dos autos, não se conformando com sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra o acto de liquidação de IRC, referente ao ano de 2004, no montante de € 77.526,47, dela vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
A. A Douta Sentença manteve uma liquidação que viola o disposto no Art.º 10.° n° 1 do CIRS, porque faz incidir imposto, não sobre um rendimento, mas sobre uma liberalidade que não determinou para o sujeito passivo a obtenção de um ganho compaginável com previsão do referido Artº 10° n ° 1. do CIRS
B. Atentas as circunstâncias concretas da situação sub judice, considerar a supressão do passivo da Recorrente como um ganho, para efeitos da previsão do Artº 10 nº1 do CIRS, implica ofensa do princípio da capacidade contributiva e do princípio da tributação do rendimento efectivo
C. A dação em cumprimento sub judice, não determinou para a Recorrente a obtenção de qualquer ganho do qual se possa “retirar” uma parte para fazer face ao pagamento de imposto.
D. A liquidação impugnada incide, no sobre um rendimento real, mas antes sobre uma liberalidade assumida pelos credores da sociedade Recorrente, consubstanciada na renúncia ao direito de crédito de que eram titulares.
E. Só de forma artificial se pode considerar que o valor de realização corresponde ao valor do passivo suprimido com a dação em cumprimento, porque só artificialmente se pode concluir que a Recorrente “realizou” esse montante.
F. Não revela capacidade contributiva, a circunstância de um credor aceitar um bem pagamento de uma divida Ainda que, contabilisticamente, tal realidade possa resultar na obtenção de uma vantagem, ela não constitui a Recorrente na possibilidade concreta ou abstracta de fazer face a uma dívida de imposto.
G. Assim, e porque para que o imposto seja pago, é forçoso que a Recorrente obtenha um outro rendimento, em nada relacionado com o negocio que fez nascer a divida de imposto, tal consideração deverá ser suficiente para concluir que a liquidação sub judice, que tem por escopo a tributação do rendimento obtido, é ilegítima.
H. Não se defende que o Imposto não é devido porque a Recorrente não tem como pagar. Defende-se que o imposto não é devido, porque incide sobre uma vantagem patrimonial abstracta que não tem por base um efectivo enriquecimento/rendimento da Recorrente.
L. Assim, andou mal o Tribunal a quo ao assumir a percepção de um ganho, questionando apenas se o mesmo é tributável.
J. Deveria o Tribunal quo ter formulado como questão primacial a de saber se, para os efeitos previstos no Artº 10º ° n ° 1 do CIRS, a Recorrente obteve efectivamente um ganho
2 – A Fazenda Publica contra-alegou nos termos que constam de fls. 85 e segts, que se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, para concluir do seguinte modo:
a) A impugnante, na qualidade de devedora entregou ao credor coisa diversa da prestação devida, ou seja, o prédio objecto da dação em cumprimento.
b) Dai resultando uma alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis, facto que a impugnante acolhe.
c) Resultando um ganho efectivo tributável em mais valias.
d) Esse ganho traduz-se no preço do prédio acordado entre as partes e que corresponde ao valor da dívida, com a consequente supressão do passivo.
e) Sendo esse ganho efectivo, idêntico ao que teria obtido se tivesse optado por vender a um terceiro o prédio e depois pagar ao credor, como bem salienta a douta sentença recorrida.
f) Estando esta situação factual de harmonia com a ratio da norma prevista no artº 10°, n°1 al. a) do CIRS.
3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: a questão objecto do presente recurso consiste se o ganho obtido com a dação em cumprimento do imóvel descrito no probatório constitui mais valia tributável em sede de IRC (por remissão para o artº 10º nº 1 do CIRS).
Alega a recorrente que a decisão recorrida violou o disposto no artº 10º, nº 1 do CIRS porquanto faz incidir o imposto não sobre um rendimento, mas sobre uma liberalidade que não determinou para o sujeito passivo a obtenção de um ganho abrangido pela previsão do artº 10, nº 1 do CIRS.
Fundamentação: Afigura-se-nos que o recurso não merece provimento.
Nos termos do artº 10º, n 1 do CIRS constituem mais-valias tributadas pelas regras da categoria G, os ganhos que não sendo considerados rendimentos profissionais e empresariais, de capitais ou prediais, resultem da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis.
Como se sublinha no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12.12.2006, recurso 1100/05, «o que se pretendeu com a mudança de regime de tributação operada a partir de 1989 foi tributar em IRS, categoria G, todas as transmissões onerosas sobre imóveis».
No caso em apreço é manifesto que com a dação em cumprimento se operou a transmissão do imóvel, ocorrendo assim uma alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis.
Facto que a recorrente, aliás, não contesta, defendendo que não obteve um ganho abrangido pela previsão do artº 10º, nº1, do CIRS.
Mas não lhe assiste razão.
Como bem sublinhava já o MP na 1ª instância, a recorrente obteve um ganho idêntico ao que teria obtido se tivesse optado por vender o prédio a um terceiro e depois pagasse ao credor.
Há efectivamente um ganho, que constitui mais valia, (ver neste sentido, quanto à formulação geral do conceito de mais-valia, José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real, pag. 431) e que se materializa na diferença entre o valor por que um activo (o imóvel) entrou no património do contribuinte e o valor por que dele saiu por um acto de disposição, no caso a transmissão do imóvel por via da dação em cumprimento.
Improcederá pois a argumentação da recorrente, pelo que somos de parecer que o presente recurso não merece provimento, confirmando-se a decisão recorrida.”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
4-A sentença recorrida fixou a seguinte matéria de facto:
A) — A coberto da ordem de serviço Interna n.º 01200701766 de 2007/11/06, emitida pela Direcção de Finanças de Faro, a Impugnante alvo de uma inspecção com incidência temporal no ano de 2004, cfr. fls. 32.
B) — Da inspecção iniciada em 2007/12/04 e concluída em 2007/12/13, foi elaborado o relatório de inspecção tributária, que aqui se dá por integralmente reproduzido, donde resulta com interesse para a decisão (fls. 30 e segs.):
«RELATÓRIO DE INSPECÇÃO TRIBUTÁRIA
1. CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO
1.1. Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção
No ano de 2004, a sociedade A… obteve uma mais valia decorrente de dação em cumprimento de um prédio urbano, sito na freguesia de … e concelho de Lagos, a qual se encontra prevista na alínea a) n.º 1 do art. 10º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS,), por remissão previsto na alínea b) do n.º 5 do artº 112° do C.I.R. C, resultando um rendimento colectável de €710.185,10.
(…)
III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
De acordo com elementos recolhidos no sistema informático do DGCI
verificou-se que no exercício de 2004, a sociedade A…, NIPC 980 045 347, procedeu à dação em cumprimento de um prédio urbano, sito em Urbanização … lote …, freguesia de …, concelho de Lagos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3672, não tendo entregue, até à data, a respectiva declaração de rendimentos modelo 22, conforme previsto na alínea b) do n.° 5 do artº. 112° do CIRC.
Tomando em consideração que com a dação em cumprimento há transmissão da propriedade do bem e que a empresa em causa é uma entidade não residente sem estabelecimento estável o rendimento por ela obtido será determinado de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes de IRS, conforme nº 1 do art.º 51º do C.I.R.C., verificando-se no caso em apreciação que a empresa obteve rendimentos da Categoria G — Mais-Valias, previstos no art. 10° do C.IR.S.
O imóvel em causa foi construído: pelo contribuinte, pelo que, não existindo outros elementos disponíveis, o valor de aquisição corresponde ao valor patrimonial inscrito na matriz à data de conclusão do mesmo (1992) de acordo com o n.º 3 do artigo 46° do CIRS, ou seja, € 67.337,72.
Dado que o valor de realização do imóvel foi de € 816029,50, conforme escritura pública lavrada em 19-02-2004 no Cartório Notarial de Lagos, a mais valia obtida no exercício de 2004, determinada com base no disposto nos artigos 43° 44°, 46° e 50°, todos do C.I.R.S.., foi de € 710,185,10 conforme a seguir se demonstra:
Valor de RealizaçãoValor de aquisiçãoCoef. Dev. Da
Moeda
Despesa e encargosRendimento
Colectável
816.029,5067.337,721,504.837,83710.185,10

(…)
IX. DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
Em 08-01-2008, veio B…, representante de A…, exercer o direito de audição nos seguintes termos sustenta que não existe lugar a tributação da referida mais valia, «pois a dação em pagamento não se enquadra na previsão da alínea a) n°1 do artigo 10° do CIRS”. Acrescenta que o negócio
efectivou-se porque a sociedade inspeccionada “não tendo outra forma de proceder à restituição da quantia de duzentos mil euros, que foi emprestada (…), fez em pagamento da referida quantia a dação do prédio urbano”. Porque os conceitos como “alienação onerosa” e «dação em cumprimento” (artigo 837° a 839° do Código Civil) devem valer na legislação fiscal com o conteúdo com que foram criados na legislação civil ou outro, defende que, de acordo com o Direito Civil, “não estamos perante uma alienação onerosa pois a transacção não trouxe qualquer vantagem patrimonial para a sociedade, antes pelo contrário”.
“Em suma, a dação em pagamento é um contrato que não se insere na enumeração taxativa do artigo 10° do CIRS, pois não é um contrato oneroso, bem como, da dação em cumprimento não resultou qualquer vantagem patrimonial ou económica para a sociedade”.
Sobre os argumentos invocados em direito de audição diga-se, desde já, que a vantagem patrimonial da sociedade é a extinção da divida. Extinguindo-se a dívida com a dação em cumprimento, é este o valor da contraprestação à alienação do imóvel e, consequentemente; a considerar como valor de realização, não importando, para estes efeitos, apreciar o “bondade” do negócio. Até porque, como ensina Almeida Costa, “os contratos onerosos não supõem forçosamente um perfeito equilíbrio objectivo ou absoluta contrapartida económica das prestações. O que em regra importa é a equivalência subjectivo, quer dizer, a que corresponde à avaliação ou vontade dos contraentes”, O que leva o Supremo Tribunal de Justiça, na definição da natureza jurídica da dação, a reconhecer o “cariz oneroso à dação em cumprimento “, por ser nítida, assim, a existência de uma correspectividade de atribuições patrimoniais própria dos contratos onerosos” (processo 0283683, 2003/01/23). O mesmo Tribunal, em Acórdão datado de 1998/11/1 D (processo 98A1006), é concludente em sumariar que «a dação em cumprimento é um acto oneroso”. Mais, a dação em pagamento é indicada como exemplo típico de negócio oneroso para além da compra e venda (“outros contratos onerosos de alienação ou oneração de bens, como a troca, a dação em pagamento, a hipoteca, etc.” — Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 2007/07110, processo 3355/03.1)
Face ao exposto, conclui-se que o contrato celebrado pelo contribuinte
enquadra-se na previsão legal do artigo 10° do CIRS.
Subsidiariamente, solicita que sejam levadas em linha de conta as despesas com a aquisição. Face ao estipulado no artigo 51° do CIRS, atendendo às despesas documentadas neste processo, tem razão o contribuinte quanto à sisa paga, a considerar no cálculo da mais-valia (correcção reflectida no ponto III deste Relatório), nomeadamente:
- Conhecimento de sisa n.° 242 de 17-05-1990, no valor de € 4.273,28
- Liquidação adicional à Sisa n°242 de 17-05-1990, no valor de € 525,15
- Imposto de selo liquidado em 16-10-1991 no valor de € 39,39
Direcção de Finanças de Faro, 14 de Janeiro de 2006»
C) — Sobre o relatório a que se refere a alínea anterior recaiu o parecer de fls. 30, donde resulta com interesse para a decisão:
O presente Sujeito Passivo não regularizou a sua - situação fiscal; no prazo para o efeito concedido, exerceu o direito de audição relativo às correcções em projecto de que foi notificado, tendo sido atendido relativamente/ às despesas elegíveis para efeitos de dedução à matéria tributável. A este exercício do direito de audição se refere o p. IX da presente informação.
Proponho:
i) Que seja validado o DCU do ano de 2004;
ii) Que seja remetido ao 5. E. Lagos o relatório de faltas elaborado;
iii) Que seja dado cumprimento ao no 2 do artº 62° do RCPIT
À consideração superior
D. F. Faro, 2006/01/14»
D) — Sobre o relatório e parecer a que se referem as antecedentes alíneas recaiu o seguinte despacho (fls. 30):
«Concordo
2008/01/17»
E) — Em 10/07/2007, a Impugnante reclamou graciosamente contra a liquidação n.º 2008 8310000608, de IRC, referente ao exercício de 2004, no montante de € 177.546,27, cfr. processo administrativo apenso.
F) — A reclamação a que se refere a alínea anterior foi indeferida por despacho de 16/04/2009, donde resulta:
«A reclamação graciosa constante de fls. dois a quatro dos autos, interposta nos termos do artigo 68° do CPPT, devidamente identificada quanta à sociedade reclamante A…, com o NIPC 980045347, sem sede nem estabelecimento estável em Portugal, mas com representante fiscal nomeado, é legal, legítima e interposta em tempo.
Vem aquela sociedade reclamar da liquidação de I.R.C referente ao exercício de 2004, no valor de € 77.526,47, alegando em síntese que:
- A sociedade tinha uma dívida para com o Sr. C… que ascendia a 816.02950;
- Para pagamento desta divida a reclamante fez uma dação em pagamento, cujo objecto foi o prédio urbano sito na Urbanização …, inscrito na matriz sob o artº 3672 da freguesia da …;
- Deste negócio não resultou qualquer acréscimo patrimonial para a sociedade reclamante, tendo apenas resultado num decréscimo do seu passivo;
Pelo que, não decorreu dai qualquer lucro tributável em sede de mais-valias já que, no caso concreto, verificou-se a perda do único activo, alcançando um resultado final igual a zero, condição necessária para a sua dissolução.
DOS FACTOS
A sociedade reclamante foi alvo de uma acção de inspecção interna, referente ao exercício de 2004, da qual resultou a liquidação ora reclamada.
Com efeito, a inspecção tributária considerou que através da dação em cumprimento de um prédio urbano se operou a transmissão jurídica do mesmo. Sendo o rendimento determinado de acordo com as regras estabelecidas no artº 51°, nº 1 do CIRS, concluiu-se que a sociedade obteve rendimentos da categoria G (Mais-Valias) - Tendo o imóvel em causa sido construído pelo próprio sujeito passivo, o valor de aquisição corresponde ao valor patrimonial inscrito à data da conclusão do mesmo (€ 67.337.72), e o valor de realização é de C 816,029,50, conforme respectiva escritura de dação. Foi com base nestes elementos que a inspecção calculou, e bem, a mais-valia obtida.
Os argumentos tecidos na p.i, e que já haviam sido invocados em sede de direito de audição no procedimento de inspecção, de que a empresa ficou com um resultado igual a zero, são de todo irrelevantes, e pelas razões também já descritas no relatório da inspecção é que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Ou seja, o contrato de dação em pagamento é um contrato oneroso, com o qual se visa a extinção de uma obrigação. Aliás, também para efeitos de IMT (imposto que incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade sobre bens imóveis), a transmissão por meio de dação de bens em pagamento é tributada tendo em conta a regra 5 do artº 12° do CIMT.
Pelo que, o contrato celebrado pela sociedade reclamante está abrangido pela norma de incidência estatuída no artº 10º, do CIRS.
Assim, pela exposto, no uso da competência que me é conferida pelo nº 1 do artº 75º do CPPT, INDEFIRO o pedido, estando dispensado o direito de audição, nos termos do nº 3 do artº 60.° da LGT,
Notifique-se o reclamante nos termos do art 36° do CPPT, através de carta registada com aviso de recepção, enviando-lhe cópia da decisão, e comunicando-lhe que o presente acto é susceptível de impugnação judicial, a interpor no prazo de 15 (quinze) dias (art. 102° n.º 2 do CPPT) ou de recurso hierárquico a interpor no prazo de 30 (trinta) dias (art. 76° n.º 1 do CPPT).»
G) — A Impugnante foi notificada do despacho a que se refere a alínea anterior pelo do oficio nº 9909, da Direcção Finanças de Faro, de 2009-04-16, registado em 2009-04-17, cfr. processo administrativo apenso.
H) — A petição inicial foi apresentada em 05/05/2009, cfr. fls. 3.
5- A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação deduzida da liquidação deduzida da liquidação de IRC n.º 2008/831000608, respeitante ao ano de 2004.
Para tanto, no essencial, ponderou-se que tendo ocorrido uma alienação onerosa de direitos reais sobre um imóvel consubstanciada na dação em cumprimento do prédio urbano identificado na alínea b) do probatório, tendo em vista a extinção de uma dívida por parte da ora recorrente, daí resultou um efectivo ganho para esta decorrente do diferencial existente entre o respectivo valor patrimonial inscrito na matriz à data da sua conclusão e o valor de realização do imóvel conforme a escritura pública da dação em cumprimento, ganho esse gerador de mais valias sujeitas a tributação.
Por sua parte, a recorrente, aceitando embora que no caso em apreço ocorreu uma alienação onerosa de imóvel, vem, não obstante, defender que daí não resultou um efectivo rendimento passível de tributação, uma vez que se trataria de uma liberalidade que não determinou para o sujeito passivo a obtenção de um ganho compaginável com a previsão do artigo 10.º, n.º 1 do CIRS.
Vejamos, então.
O n.º 1 do artigo 51.º do CIRC dispõe do seguinte modo:
Os rendimentos não imputáveis a estabelecimento estável situado em território português, obtidos por sociedades e outras entidades não residentes, são determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS”.
Prevendo o n.º 1 do artigo 10.º do CIRS:
1- Constituem mais valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
Como já se disse, a recorrente não controverte o entendimento perfilhado na sentença de que a dação em cumprimento verificada, tendo em vista a extinção de uma dívida obrigacional, reveste uma natureza de alienação onerosa de direitos reais sobre um imóvel, apenas se insurgindo contra o facto de se ter considerado que tenha obtido um efectivo ganho passível de tributação em sede de mais valias.
Mas o certo é que não lhe assiste razão.
De facto, a existência de uma alienação onerosa de um imóvel pressupõe necessariamente uma contraprestação, no caso com expressão monetária traduzida no preço acordado para o imóvel em causa e que se traduziu na extinção total da dívida, nada permitindo suportar que no caso tenha ocorrido uma mera liberalidade por parte dos seus credores, como entende a recorrente.
Daí que não se possa questionar que a recorrente tenha obtido uma efectiva vantagem patrimonial, um ganho para efeito da previsão normativa constante do n.º 1 do artigo, mais valia essa materializada, como se afirma no douto parecer do Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, “na diferença entre o valor por que um activo (o imóvel) entrou no património do contribuinte e valor por que dele saiu por um acto de disposição, no caso a transmissão do imóvel por via da dação em cumprimento.”
Vantagem patrimonial essa que nada tem de abstracto, antes se dimensiona no concreto ao permitir a extinção de uma dívida, com a consequente supressão desse passivo, sendo em tudo sobreponível à que resultaria, como se salienta na sentença, da venda do bem a um terceiro e com esse dinheiro pagar ao credor
Tendo ocorrido um efectivo ganho para a recorrente, nenhuma censura merece a sentença recorrida ao concluir que o mesmo se encontra sujeito a tributação em sede de mais valias, não se verificando, em consequência, qualquer violação dos princípio da capacidade contributiva e da tributação do rendimento efectivo.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso, confirmando-se, em consequência, a sentença recorrida.
Custas a cargo da recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 28 de Abril de 2010. – Miranda de Pacheco (relator) – Pimenta do Vale – Jorge Lino.