Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0606/17
Data do Acordão:12/13/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:Não tendo a lei, no art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício de interioridade que contempla, não pode tal condição (existência de massa salarial) ser legalmente imposta ainda que com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008.
Nº Convencional:JSTA000P22676
Nº do Documento:SA2201712130606
Data de Entrada:05/22/2017
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A…………, Lda., deduziu, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, impugnação judicial dos atos de liquidação adicional de IRC e respetivos juros compensatórios, referente ao exercício económico de 2011, no valor global de €25.822,97, peticionando a anulação destas liquidações.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 20/02/2017 (fls.79/87), julgou improcedente a impugnação judicial.
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1.3. É dessa decisão que recorre para este Supremo Tribunal Administrativo terminando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«1) A douta sentença recorrida ao fazer depender a fruição do benefício fiscal da interioridade à recorrente da demonstração de que esta teve, nesse ano, massa salarial igual ou superior a 75% na zona beneficiária, está a criar um novo pressuposto de acesso a esse benefício;
2) Que o Art.º 43º do EBF não enuncia e que as regras de interpretação e de hierarquia das normas não consentem.
3) Violando os Art.º 11º da LGT e 10º do EBF e ainda o princípio constitucional de reserva de lei – alínea i), do Art.º 165º da CRP – pois, está a criar ou limitar imposto na forma de um benefício fiscal para além do escopo da autorização legislativa conferida no Art.º 43º, n.º 7, do EBF.
4) A interpretação que deve assim ser dada a essa norma é a defendida na jurisprudência citada do CAAD no sentido de que esse benefício deve ser concedido a quem exerceu a sua atividade, em exclusivo, em zona beneficiária.
5) Que é o caso da recorrente.
6) Por outro lado, resulta que a correção efetuada à coleta pela AT não está devidamente fundamentada, de modo claro e suficiente, pois a AT não fundamentou os motivos válidos para que seja impedida de usufruir da redução de taxa, quando a Recorrente exerce exclusivamente a atividade principal, mesmo sem dispor de pessoal e consequentemente sem remunerações contabilizadas, pelo que a liquidação recorrida não se pode manter na ordem jurídica, devendo ser anulada por vício de violação da lei, cf. Art.º 268º da CRP, Art.ºs 124º e 125º, do CPA e Art.º 77º da LGT.».
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1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.5. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«A recorrente, A…………, LDA, vem sindicar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, exarada a fls. 79/87, em 20 de Fevereiro de 2017, que julgou improcedente impugnação judicial deduzida contra os atos de liquidação adicional de IRC 2011, no entendimento de que a recorrente não tem a sua atividade principal nas áreas beneficiárias, uma vez que não tem massa salarial, nos termos e para os efeitos do estatuído no artigo 2.º/2 do DL 55/2008, de 26/03, pelo que não pode beneficiar do benefício fiscal estatuído no artigo 43°/1/a) do EBF.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 114/115, que, como é sabido, salvo questões de conhecimento oficioso e desde que dos autos constem todos os elementos necessários à sua integração, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 635.º/4 e 639º/1 do CPC.
A recorrida, FAZENDA PÚBLICA não contra-alegou.
A nosso ver o recurso merece provimento.
Vejamos.
Nos termos do disposto no artigo 43.º/1/ a) do EBF, redação à data do facto tributário, “1. Às empresas que exerçam, diretamente, e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «Áreas beneficiárias», são concedidos os benefícios fiscais seguintes:
a) É reduzida a 15% a taxa de IRC, prevista no n.º 1 do artigo 80.º do respetivo código, para as entidades cuja atividade principal se situe nas áreas beneficiárias”.
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo são condições para usufruir desse benefício:
-a determinação do lucro tributável ser efetuada com recurso a métodos diretos de avaliação;
-terem a situação tributária regularizada;
-não terem salários em atraso;
-não resultarem de cisão efetuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios.
Nos termos do n.º 7 do artigo 43.º a definição dos critérios e a delimitação das áreas territoriais, nos termos do n.º 6, bem como todas as normas necessárias à boa execução do artigo são estabelecidas por Portaria do Ministério das Finanças.
O DL 55/2008, de 26/03, procedeu à regulamentação das normas necessárias à boa execução do artigo 39.º-B do EBF, correspondente ao já referido artigo 43.º
Nos termos do artigo 2.º do mencionado DL são condições de acesso das entidades beneficiárias ao benefício em causa:
-encontrarem-se legalmente constituídas e cumprirem as condições legais necessárias ao exercício da sua atividade;
-encontrarem-se em situação regularizada perante a AT e a Segurança social;
-disporem de contabilidade organizada, de acordo com o POC;
-situarem a sua atividade principal nas áreas beneficiárias;
-informarem a entidade responsável a que se refere o artigo 3.º do DL da atribuição de qualquer outro incentivo ou da apresentação de candidatura para o mesmo fim;
-obterem previamente, a autorização a que se refere o n.º 5 do DL.
Nos termos do artigo 2.º/2 do mesmo DL 55/2008, “Considera-se que a atividade é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos passivos tenham a sua sede ou direção efetiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respetiva massa salarial”.
Ao abrigo do disposto no artigo 6.º/2 do DL 55/2008, foi publicada a Portaria 117/2009, de 30/09, que procedeu à aprovação das áreas beneficiárias.
Como resulta do probatório, a recorrente, no exercício de 2011 tinha a sede ou direção efetiva do seu estabelecimento no concelho de Viseu, onde exercia a sua atividade, considerada área beneficiária, nos termos da já mencionada Portaria.
Nesses mesmos exercícios a recorrente, nas declarações apresentadas não inscreveu qualquer gasto a título de gastos com o pessoal, nem declarou remunerações pagas a trabalhadores.
A questão controvertida consiste em saber se para se considerar verificado o requisito da situação da atividade principal na área beneficiária, é necessário que cumulativamente, a entidade beneficiária tenha a sede ou direção efetiva nessa área e tenha criado postos de trabalho, nela se concentrando mais de 75% da respetiva massa salarial.
O benefício fiscal em análise havia sido instituído pela Lei 171/99, de 18/09, que no seu artigo 1.º estatuía que:
1 - A presente lei estabelece medidas de combate à desertificação humana e incentivadoras da recuperação acelerada das zonas do interior.
2 - As medidas adotadas incidem sobre a criação de infraestruturas, o investimento em atividades produtivas, o estímulo à criação de emprego estável e incentivos à instalação de empresas e à fixação de jovens”.
O artigo 103.º/2 da CRP estatui o princípio da legalidade fiscal, nos termos do qual os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
De acordo com o disposto no artigo 165.º/1/i) da CRP é da exclusiva competência da AR, salvo autorização ao Governo, legislar sobre a criação de impostos e sistema fiscal.
Nos termos do artigo 165.º/2 da CRP as leis de autorização legislativa devem definir o objeto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada.
Ora, o artigo 43.º/1/2 do EBF estatui as condições de usufruição do benefício fiscal em causa que são complementadas, mas não podem ser aumentadas ou ampliadas pelas normas regulamentares necessárias à boa execução de tal artigo previstas no já referido DL 55/2008, uma vez o artigo 43.º/7 do EBF não deu autorização ao Governo para esse efeito.
O artigo 43.º/1 do EBF, apenas exige que a empresa exerça, diretamente e a título principal a atividade nas áreas beneficiárias.
Assim sendo, o normativo do artigo 2.º/2 do DL 55/2008 não pode ser interpretado, em conformidade com a CRP, como estatuindo mais uma condição/pressuposto para usufruição do benefício fiscal em causa.
Na verdade, tal normativo, de natureza anti abuso, estabelece, apenas, a presunção juris tantum de que a atividade é situada nas zonas beneficiárias desde que o sujeito passivo tenha aí a sua sede e nelas se concentre mais de 75% da respetiva massa salarial.
Tal norma parece visar, assim, determinar o local onde se situa a atividade principal daquelas entidades que pretendem beneficiar dos benefícios, porque a exercem em mais de uma área, para além da área beneficiária.
Por outro lado, a razão do benefício não exige que se obtenham, cumulativamente, todos os objetivos pretendidos pelo legislador, bastando-se com a obtenção de alguns deles, não sendo, pois, necessário que ocorra criação de emprego estável (decisões arbitrais proferidas nos processos 18/2015-T, 9/2016-T e 186/2016-T, do CAAD, disponíveis no sítio da Internet www.caad.pt).
Ora, como resulta do probatório, no exercício de 2011, em causa, a recorrente tinha a sede ou direção efetiva do seu estabelecimento no concelho de Viseu, onde exerceu a sua atividade.
Assim, sendo, não obstante, não ter trabalhadores subordinados, não deixa de beneficiar do benefício em análise, traduzido na redução da taxa de IRC.
A sentença recorrida, a nosso ver, merece, assim, censura.
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se a sentença recorrida e julgar-se procedente a impugnação, com consequente anulação dos atos tributários sindicados.».
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1.6. Colhidos os vistos legais, cabe decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. A Impugnante tem como objeto social “Actividades de mediadores de seguros”. - Cfr. fls. 6 e ss. do processo administrativo apenso, doravante PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. A Impugnante, no exercício de 2011, tinha a sede ou direção efetiva do seu estabelecimento no concelho de Viseu. – facto não controvertido.
3. No ano de 2011 a Impugnante não tinha trabalhadores próprios, remunerados. - facto admitido pela parte.
4. No ano de 2011 a Impugnante, nas declarações fiscais enviadas, não inscreveu qualquer gasto a título de “Gastos com o pessoal”. – Cfr. fls. 6 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI 201400313, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu, levaram a cabo uma ação de inspeção à Impugnante, de âmbito parcial, para controlo de benefícios fiscais, relativa ao exercício económico do ano 2011. – Cfr. fls. 6 e ss. do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. No decurso da ação de inspeção foi elaborado o Projeto de Correções, constante de fls. 6 e ss. do PA, para cujo teor se remete por uma questão de brevidade, dando-se aqui por integralmente reproduzido.
7. Por ofício n.º 2014 7561 R 006237, a Impugnante foi notificada do projeto de correções para exercer o seu direito de audição. – Cfr. fls. 21 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
8. Após o cumprimento do direito de audição foi elaborado o Relatório/Conclusões, constante de fls. 22 e ss. do PA, para cujo teor se remete por uma questão de brevidade, dando-se aqui por integralmente reproduzido.
9. O Relatório/Conclusões foi sancionado superiormente por despacho da Diretora de Finanças Adjunta, em 25.09.2014. – Cfr. fls. 22 do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
10. Por ofício n.º 2014 7561 R 007042, enviado através de correio registado com aviso de receção, a Impugnante foi notificada do Relatório/Conclusões. – Cfr. fls. 30/30.º do PA, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
11. Na sequência da inspeção tributária foi emitida a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios, referente ao exercício económico do ano 2011, no valor global de € 25.822,97 euros. – Cfr. fls. 10/12 do processo físico.».
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3.1. A sentença recorrida julgou a impugnação improcedente uma vez que a Impugnante não detém massa salarial não preenchendo a condição de acesso ao benefício fiscal previsto no artigo 43.º, n.º 1, alínea a) do E.B.F, reportada a situar a sua atividade principal nas áreas beneficiárias, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 55/2008.
Que o conceito de massa salarial implica a existência de trabalhadores próprios da Impugnante, com vínculo de contrato de trabalho, o que não sucede com os gerentes nem com prestadores de serviços.
Que falece o argumento de que, não se aplica à Impugnante o n.º 2 do artigo 2.º do DL 55/2008 porque é de aplicação a entidades com mais de uma atividade.
Que os requisitos são cumulativos: i) atividade principal se situar nas áreas beneficiárias e ii) nelas se concentre mais de 75% da respetiva massa salarial.
Acrescentou, ainda, que dissecado o relatório de inspeção e percorrendo o iter cognoscitivo do seu autor, constata-se que o mesmo está bem fundamentado, ou seja, perscrutando o relatório em análise, no mesmo constam vastamente explicitadas as razões e os motivos que levaram a Administração Tributária a considerar as correções à matéria coletável da Impugnante.
Que o relatório está fundamentado de modo claro, suficiente e congruente, não padecendo do vício de fundamentação que lhe é assacado.
Que, como se denota pela petição inicial apresentada, a Impugnante percebeu porque a Administração Tributária considerou que não tinha direito ao benefício fiscal em causa nos autos pelo que não ocorre o alegado vício de falta de fundamentação.
Que improcede, in totum, a presente impugnação.
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3.2. Sobre esta questão pronunciou-se já este STA, em 11-10-2017, recurso 1361, em 18-10-2017, recursos 1259, 335, 390, 1267 e em 25-10-2017, recurso 1239, sempre no mesmo sentido.
Acompanha-se esta corrente jurisprudencial e a respetiva fundamentação pelo que se remete para o primeiro dos mencionados acórdãos.
Nele se escreveu que:

“É incontroverso que, no exercício a que se reporta a liquidação, a recorrente tinha a sede ou direção efetiva do seu estabelecimento em área definida como beneficiária para efeitos do benefício fiscal à interioridade, previsto no art.º 43º, nº 1, do EBF, e que, nesse exercício, não incorreu em custos de natureza salarial. E foi por inexistir massa salarial que, com base na disciplina contida no art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008, de 26.03, a Administração Tributária procedeu à liquidação adicional de IRC, numa interpretação de que este preceito impõe, como condição para o aludido benefício, a existência de massa salarial.
O dissídio centra-se, pois, em torno da questão de saber se existência de massa salarial é, ou não, pressuposto necessário do direito ao benefício fiscal contemplado no art.º 43º, nº 1, alínea b), do EBF.
O tribunal recorrido respondeu afirmativamente à questão e manteve a liquidação impugnada com a seguinte argumentação:
«O Decreto-Lei nº 55/2008, de 26 de março veio estabelecer as normas de regulamentação necessárias à boa execução das medidas de incentivo à recuperação acelerada das regiões portuguesas que sofrem de problemas de interioridade, ao abrigo do nº 7 do artigo 43.º do E.B.F. […]
No caso em apreço apenas está em causa saber se a Impugnante preenche o requisito previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei nº 55/2008, ou seja, se a sua atividade principal se situa nas áreas beneficiárias, sendo certo que, como a própria Impugnante reconhece não detém massa salarial, pelo que importa saber se a condição de acesso se verifica não só quando a entidade tenha massa salarial conquanto mais de 75% desta se concentre na zona beneficiária ou também quando a entidade não tenha massa salarial. Trata-se portanto de uma questão de interpretação de lei […]
Regressando à norma em análise julgamos que o artigo 2º, nº 2 estabelece dois pressupostos para que se considere que a atividade principal se situa na área beneficiária, cumprindo assim a condição de acesso a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei nº 55/2008: que o sujeito tenha a sua sede ou direção efetiva nessas áreas e que mais de 75% da massa salarial do sujeito passivo se situe nas áreas beneficiárias.
Ou seja, não encontramos na lei nenhum indicador de que o legislador disse menos do que pretendia, admitindo situações em que o sujeito passivo não tem massa salarial e, como tal, apenas lhe bastasse a sede na zona beneficiária.
Também, como bem faz referência a Fazenda Pública, já a Lei nº 171/99, de 18 de setembro, que o Decreto-Lei nº 55/2008 veio substituir estabelecia no seu artigo que com o diploma se criavam medidas de combate à desertificação humana e incentivadoras da recuperação acelerada das zonas do interior (nº 1) e que as medidas adotadas incidem sobre a criação de infraestruturas, o investimento em atividade produtivas, o estímulo à criação de emprego estável e incentivos à instalação de empresas e à fixação de jovens (nº 2).
Entre essas medidas encontrava-se a previsão de uma taxa reduzida de IRC para as entidades cuja atividade principal se situe nas áreas beneficiárias [cfr. artigo 7.º, nº 1 da Lei nº 171/99), e já aí se determinava que “considera-se que a atividade principal é exercida nas zonas beneficiárias quando os sujeitos passivos tenham a sua sede ou direção efetiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respetiva massa salarial”. Assim, exigia-se não apenas que o sujeito passivo detivesse massa salarial como também que mais de 75% desta se concentrasse na zona beneficiária.
Ora, este pressuposto para que se possa considerar que o sujeito passivo beneficiário exerce a sua atividade beneficiária manteve-se no Decreto-Lei n.º 55/2008, o que se compreende tendo presente os objetivos e desígnios pretendidos alcançar pelo legislador.
Com efeito, a ratio dos benefícios fiscais à interioridade assenta na promoção do desenvolvimento e na redução das assimetrias regionais, como vista à dinamização do tecido empresarial existente, atraindo recursos humanos e investimento que possam fortalecer a base económica e social da região. Os benefícios fiscais à interioridade têm em vista atrair a fixação de empresas nas zonas menos desenvolvidas, cuja atividade fomente o combate à desertificação humana e a recuperação das zonas do interior. Estes benefícios visam a criação de capital fixo e o investimento nas diversas atividades produtivas, potenciadas pelas características de cada região, estimulando o emprego e desta forma fixando os jovens. […]
Volvendo ao caso em apreço, uma vez que a Impugnante não detém massa salarial não preenche a condição de acesso ao benefício fiscal previsto no artigo 43.º, n.º 1, alínea a) do E.B.F, reportada a situar a sua atividade principal nas áreas beneficiárias, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 55/2008.»
A Recorrente não se conforma com o julgado, sustentando que o art.º 2º, nº 2, do Dec. Lei nº 55/2008 não pode ser interpretado no sentido de que a existência de massa salarial é condição para usufruir do benefício previsto no art.º 43º do EBF, seja porque o art.º 43º não impõe essa condição, seja porque uma tal interpretação não resulta da letra da lei.
No que lhe assiste a razão.
Com efeito, o benefício contemplado nas alíneas a) e b) do art.º 43º, nº 1, do EBF, consubstanciado numa redução da taxa de IRC, tem como destinatárias «As empresas que exerçam, diretamente e a título principal, uma atividade económica de natureza agrícola, comercial, industrial ou de prestação de serviços nas áreas do interior, adiante designadas «áreas beneficiárias». E o nº 2 da mesma norma, que define as condições necessárias para que essas empresas possam usufruir do benefício, apenas impõe que a determinação do lucro tributável seja efectuada com recurso a métodos directos de avaliação [alínea a)], que a situação tributária esteja regularizada [alínea b)], que não haja salários em atraso [alínea c)] e que a empresa não resulte de cisão efectuada nos últimos dois anos anteriores à usufruição dos benefícios [alínea d)].
A existência de massa salarial não constitui, por conseguinte, condição de acesso ao benefício em causa, embora no caso de efectiva existência de massa salarial esta tenha de se concentrar, em mais de 75%, na área beneficiária.
Com efeito, o art.º 2º, nº 2, do Dec. Lei nº 55/2008 estabelece que «Considera-se que a actividade principal é situada nas zonas beneficiárias quando os sujeitos tenham a sua sede ou direcção efectiva nessas áreas e nelas se concentre mais de 75% da respectiva massa salarial.». Todavia, este diploma apenas estabelece um conjunto de normas regulamentares a que se refere o nº 7 do art.º 43º do EBF, ou seja, normas regulamentares necessárias à execução do próprio art.º 43º, assumindo a natureza de regulamento complementar ou de execução.
Ora, como se deixou explicitado no acórdão do STA proferido em 1/10/2014 no processo nº 01548/13 «Os regulamentos complementares ou de execução consubstanciam uma “…tarefa de pormenorização, de detalhe e de complemento do comando legislativo… são o desenvolvimento, operado por via administrativa, da previsão legislativa, tornando possível a aplicação do comando primário às situações concretas da vida – tornando, no fundo, possível a prática dos actos administrativos individuais e concretos que são seu natural corolário. // Os regulamentos complementares ou de execução podem, por sua vez, ser espontâneos ou devidos. No primeiro caso, a lei nada diz quanto à necessidade da sua complementarização: todavia, se a Administração o entender adequado e para tanto dispuser de competência, poderá editar um regulamento de execução. No segundo, é a própria lei que impõe à Administração a tarefa de desenvolver a previsão do comando legislativo.
Enfim, estes regulamentos complementares ou de execução são, tipicamente, regulamentos «secundum legem», sendo portanto ilegais se colidirem com a disciplina fixada na lei, de que não podem ser senão o aprofundamento”, cfr. Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. II, 2012, 2ª edição, págs. 185 e 186, ver também Mário Aroso de Almeida, Teoria Geral do Direito Administrativo: temas nucleares, 2012, págs. 98 e 99».
Torna-se, pois, claro que a disciplina contida no Dec. Lei nº 55/2008 não pode contrariar, ou, por qualquer forma, ultrapassar ou alterar a própria lei que regulamenta, sob pena de ilegalidade.
De resto, como bem se salienta no acórdão proferido pelo STA em 9/09/2015, no processo nº 0115/15, os benefícios fiscais constituem matéria sujeita à reserva de lei, e, por conseguinte, os seus pressupostos não podem ser alterados por decreto-lei que não haja sido precedido de autorização legislativa – cfr. artºs 165º, nº 1, alínea i), e 103º, nº 2, da CRP. Ora, não tendo a lei, no citado art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício que contempla, não pode tal condição ser legalmente imposta com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do artigo 2º do Dec. Lei nº 55/2008.
Deste modo, a liquidação impugnada, que teve por fundamento a inexistência de massa salarial para efeitos de exclusão do benefício fiscal, é ilegal. E, por consequência, a sentença incorreu em erro de julgamento em matéria de direito, pelo que se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que julgue procedente a impugnação, assim ficando prejudicada a apreciação do vício de falta de fundamentação.”.

Com esta fundamentação merece provimento o recurso o que determina a revogação da sentença recorrida.
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Não tendo a lei, no art.º 43º do EBF, estabelecido que a existência de uma massa salarial fosse condição de acesso ao benefício de interioridade que contempla, não pode tal condição (existência de massa salarial) ser legalmente imposta ainda que com base na norma regulamentar ínsita no nº 2 do art.º 2º do Dec. Lei nº 55/2008.
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4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial, com a anulação do ato de liquidação de imposto e dos juros compensatórios.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias, sem taxa de justiça neste STA, uma vez que não contra-alegou.
Lisboa, 13 de dezembro de 2017. – António Pimpão (relator) – Ascensão Lopes (voto a decisão na ponderação do disposto no artº 8º nº 3 do C. Civil) – Ana Paula Lobo.