Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0624/09
Data do Acordão:11/25/2009
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PIMENTA DO VALE
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO FISCAL
NULIDADE INSUPRÍVEL
IVA
FALTA DE ENTREGA DE IMPOSTO
Sumário:I - A descrição sumária dos factos prevista no artigo 79.º, n.º 1, alínea b) do RGIT como requisito da decisão administrativa da aplicação da coima visa assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, no pressuposto de um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados.
II - O facto tipificado como contra-ordenação no n.º 2 do artigo 114.º do RGIT reporta-se à tipificação constante do n.º 1 do mesmo preceito legal, mas cometido de forma negligente, sendo seu pressuposto essencial a prévia dedução da prestação tributária não entregue.
III - Neste sentido, a falta de entrega da prestação tributária de IVA não preenche o tipo legal de contra-ordenação acima referido, uma vez que no IVA a prestação a entregar não é a prestação tributária deduzida, mas sim a diferença positiva entre o imposto suportado pelo sujeito passivo e o imposto a cuja dedução tem direito.
Nº Convencional:JSTA00066134
Nº do Documento:SA2200911250624
Data de Entrada:06/12/2009
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:A... E OUTRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOULÉ PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - CONTRA ORDENAÇÃO.
Legislação Nacional:RGIT01 ART2 N1 ART63 N1 D ART79 N1 B ART114 N2 N3 ART116 N1.
CCIV66 ART8 N3.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC540/09 DE 2009/09/16.; AC STA PROC1120/08 DE 2009/02/18.; AC STA PROC241/09 DE 2009/04/29.; AC STA PROC268/09 DE 2009/07/08.; AC STA PROC361/09 DE 2009/07/08.; AC STA PROC279/08 DE 2008/05/28.; AC STA PROC483/08 DE 2008/09/18.; AC STA PROC481/08 DE 2008/10/15.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA E OUTRO REGIME GERAL DAS INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS ANOTADO 3ED PAG528-PAG530.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1 – O Ministério Público, não se conformando com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé que julgou procedente o recurso da decisão que lhe aplicou à firma A…, Lda, melhor identificada nos autos, a coima no valor de € 13.042,99, por violação do disposto nos artºs 26º, nº 1 e 40º, nº 1, al. a) do CIVA e 114º, nº 2 e 26º, nº 4 do RGIT, dele vem interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1- A questão controvertida é a de saber se a decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima sofre ou não da nulidade insuprível prevista no artº 63º nº 1 al. d) com referência ao artº 79º nº1 al. b), ambos do RGIT;
2- A exigência da descrição sumária dos factos, imposta pelo artº 79º nº 1 al. b) do RGIT, tem como ratio informar o arguido da conduta, por si praticada, que preenche o tipo contra-ordenacional;
3- Há que dar-se por preenchido tal requisito se a descrição dos factos feita pela autoridade que aplicou a coima permite que o arguido perceba claramente que não entregou uma prestação tributária que era devida e qual o período a que respeita e o valor da prestação em falta;
4- No caso dos autos, a decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima satisfaz aqueles requisitos;
5- Resulta da descrição factual contida na decisão administrativa que a arguida entregou em 12.08.2005, a declaração periódica de IVA referente ao período de 2005/06T sem que fosse acompanhada do meio de pagamento do imposto, no montante de 64.187,93 € até ao termo do prazo legal que era 16.08.2005.
6- Ao contrário do decidido na decisão judicial ora recorrida, a decisão administrativa que aplicou a coima contém, de forma suficiente, as indicações e referências concretas e individualizáveis aos elementos de facto legalmente exigidos, às normas violadas e punitivas e a outros elementos explicitados e levados em consideração na graduação da coima.
7- A decisão judicial ora recorrida fez uma errada aplicação do direito pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue válida a decisão da autoridade administrativa que aplicou a coima e determine o prosseguimento da instância.
8- Normas jurídicas violadas: art.s 63º nº 1, al. d), 79º, nº 1 al. b); 114º nº 2, 26º nº 4, todos do RGIT e arts. 26º, nº 1 e 40, nº al. b) do CIVA.
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº Procurador-Geral Adjunto mão emitiu parecer “dado tratar-se de recurso interposto pelo Ministério Público”.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A sentença recorrida considerou provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 24 de Setembro de 2005, foi levantado o auto de notícia contra a ora Recorrente, por violação do disposto na alínea b) do n.° 1 do art. 40.° e do n.° 1 do art. 26.°, ambos do Código do IVA (cfr. fls. 6 dos autos);
2. Em 24 de Março de 2006, com base no auto de notícia referido em 1., foi instaurado contra a ora Recorrente no Serviço de Finanças de Oeiras - 3 (Algés) o processo de contra-ordenação nº 3522200506532454, em consequência do qual, pelo despacho de 2 de Fevereiro de 2006, proferido pelo Director de Finanças de Lisboa, objecto deste recurso, foi aplicada coima no montante de € 13.042,99 (cfr. fls. 5, 10, e 11);
3 Em tal despacho, na parte relevante para a decisão do Recurso, lê-se:
«Descrição Sumária dos Factos
Ao (À) arguido(a) foi levantado Auto da Noticia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 64.187,93 Eur; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00 Eur: 3. Valor da prestação tributária em falta: 64.187,93 Eur; 4. Data de cumprimento da obrigação: 12/08/2005; 5. Período a que respeita a infracção: 2005/06T; 6. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 16/08/2005, os quais se dão como provados.
Normas Infringidas e Punitivas
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei nº 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).
Normas Infringidas
Código CRIA - Artigo Art°. 26°, n° 1 e 40 n° 1 b) CIVA - Apresentação dentro prazo D.P., s/ pagamento ou c/ pagamento insufic.(T)
Responsabilidade contra-ordenacional
A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Art. 7º do Dec-Lei N.° 433/82, de 27/10, aplicável por força do Art. 3º do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contra-ordenação(ões) identificada(s) supra.
Medida da Coima
Em abstracto, a medida da coima aplicável ao(s) arguido(s) em relação à(s) contraordenação(ões) praticada(s) tem como limite mínimo o valor de Eur. 12.837,59 e limite máximo o montante de Eur. 30.000,00, dado tratar(em)-se de pessoa(s) colectiva(s).
Para fixação da coima em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s para tanto importa ter presente e considerar o seguinte quadro (Art. 27º do RGIT):
Requisitos / Contribuintes
(…)
Actos de Ocultação ---------------------------------- Não
Benefício Económico -------------------------------- 0,00
Frequência da prática ------------------------------- Acidental
Negligência ------------------------------------------- Simples
Obrigação de não cometer a infracção ------------- Não
Situação Económica e Financeira ------------------ Desconhecida
Tempo decorrido desde a prática da infracção --- 3 a 6 meses
(…)”
(cfr. fls. 10).
3 – A decisão recorrida, considerando como não verificado o requisito legal previsto na al. b) do artº 79º do RGIT (descrição sumária dos factos), julgou improcedente o recurso interposto da decisão administrativa que aplicou à ora recorrida a coima no montante de € 13.042,99.
É contra o assim decidido que se insurge agora o recorrente Ministério Público pelas razões supra referidas nas conclusões da sua motivação do recurso.
Vejamos se lhe assiste razão.
A questão supra mencionada, relativa ao requisito da “descrição sumária dos factos” (artº 79º, nº 1, al. b), primeira parte, do RGIT), foi também apreciada no recente Acórdão desta Secção do STA de 16/9/09, in rec. nº 540/09, que o Relator subscreveu, numa situação em tudo idêntica que, por isso e com a devida vénia, vamos aqui acompanhar, tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr. artº 8º, nº 3 do CC).
Escreveu-se, então, no citado aresto que “O requisito da decisão administrativa de aplicação da coima “descrição sumária dos factos”, constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, há-de interpretar-se em correlação necessária com o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima não são outros senão os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada.
No caso dos autos, a contra-ordenação fiscal imputada à arguida é a do artigo 114.º, n.º 2 do RGIT (cfr. a decisão de fixação da coima a fls. 10 e 11 dos autos), ou seja, a de “falta de entrega da prestação tributária” cometida a título de negligência.
Ora, a conduta tipificada como contra-ordenação sancionada pelo n.º 2 do artigo 114.º é a descrita no n.º 1 do mesmo preceito legal (para o qual o n.º 2 remete, através da menção “se a conduta prevista no número anterior for imputável a título de negligência…”), ou seja, “a não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior (…) ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei (…)” (sublinhados nossos).
Assim, em face do tipo legal de contra-ordenação imputada à arguida, os factos a descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima têm de ser subsumíveis no tipo legal em apreço, sob pena de atipicidade do facto e consequentemente de não poder haver lugar à aplicação de qualquer coima (cfr. o conceito de infracção tributária constante n.º 1 do artigo 2.º do RGIT).
Se em causa estivesse uma contra-ordenação “omissiva pura”- como a do n.º 1 do artigo 116.º do RGIT (“Falta ou atraso de declarações”), em que o facto tipicamente ilícito consistisse apenas em “não fazer algo a que se estava legalmente obrigado a fazer dentro de determinado prazo” -, poder-se-ia entender estar cumprido o requisito legal da decisão de aplicação da coima “descrição sumária dos factos” (artigos 63.º, n.º 1, alínea d), primeira parte e 79.º, n.º 1, alínea b) do RGIT) se nesta fosse indicado correctamente qual o dever omitido e qual o momento (o termo do prazo) em que tal dever devia ter sido cumprido.
Acontece que, no caso, a infracção imputada à arguida não se basta com uma pura omissão de um dever de agir, contém na sua descrição típica, para além disso, um elemento adicional, que, ao constituir um pressuposto da punição, tem de estar suportado em factos descritos na decisão de aplicação da coima: o de que a prestação não entregue se trate de uma “prestação tributária deduzida nos termos da lei”.
Assim, a prévia dedução da prestação tributária não entregue constitui elemento essencial do tipo legal de contra-ordenação em causa e consequentemente para que se cumpra a “descrição sumária dos factos” que há-de constar da decisão administrativa de aplicação da coima, terá de haver referência, ainda que sumária, ao facto da prestação tributária ter sido deduzida.
Ora, compulsando a decisão administrativa de aplicação da coima (a fls. 10 e 11 dos autos), nenhuma referência, directa ou indirecta, expressa ou por remissão [sendo certo que a mera remissão para o que sobre os factos constitutivos da infracção se diga no auto de notícia não basta – cfr. JORGE LOPES DE SOUSA/MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 3.ª ed., Lisboa, Áreas Editora, 2008, pp. 528/530, nota 2 ao art. 79.º do RGIT e a jurisprudência deste Tribunal (a título de exemplo, cfr. o recente Acórdão de 18/02/2009, rec. n.º 1120/08)], se encontra em relação a esse facto e era essencial que ele fosse descrito para que a decisão administrativa da coima não se encontrasse ferida de nulidade.
Acresce que, em face das normas legais tidas como violadas na decisão de aplicação da coima – os artigos 26.º, n.º 1 e 40.º, n.º 1 b) do CIVA - , não seria sequer possível entender estar preenchido o tipo legal de contra-ordenação dos números 1 e 2 do artigo 114.º do RGIT, pois, como tem afirmado a jurisprudência deste Tribunal [cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STA de 28 de Maio de 2008 (rec. 279/08), de 18 de Setembro de 2008 (rec. 483/08), de 15 de Outubro de 2008 (rec. 481/08) e de 11 de Fevereiro de 2009 (rec. 578/08)], no âmbito do IVA os sujeitos passivos não têm de entregar à administração tributária a prestação tributária que deduziram (…), mas, antes pelo contrário, apenas têm de fazer entrega do imposto na medida em que excede o IVA a cuja dedução têm direito, isto é, do imposto que não deduziram (cfr. o primeiro dos Acórdãos citados), apenas se encontrando no tipo legal do artigo 114.º do RGIT referência compatível com o IVA no seu n.º 3 e desde que o imposto tenha sido recebido (cfr. a jurisprudência deste STA supra citada), sendo que este n.º 3 não foi tido nem achado na decisão de aplicação da coima que está na origem dos presentes autos”.
Assim sendo, resulta do exposto que não pode ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação da coima, o requisito da descrição sumária dos factos a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do RGIT, enfermando, assim, da nulidade insuprível prevista na al. d) do nº 1 do artº 63º do mesmo diploma legal.
No mesmo sentido e entre outros, pode ver-se os Acórdãos desta Secção do STA de 29/04/09, in rec. nº 241/09; de 8/7/09, in recs. nºs 268/09 e 361/09.
4 – Nestes termos, acorda-se em negar provimento ao presente recurso e manter, em consequência, a decisão administrativa que aplicou a coima em causa à arguida.
Sem custas, por não serem devidas.
Lisboa, 25 de Novembro de 2009. – Pimenta do Vale (relator) – Isabel Marques da Silva – Jorge Lino (vencido, conforme declaração anexa).
O presente acórdão, de que saio vencido, entende que na decisão de aplicação da coima tenha de estar descrito «que a prestação não entregue se trate de uma “prestação tributária deduzida nos termos da lei”».
Mas, realmente, na decisão de aplicação da coima mostra-se, por meio de indicação da norma punitiva, que o presente caso é de “Falta de entrega da prestação tributária deduzida nos termos da lei”.
A perfeição da imputação formal de contra-ordenação por “Falta de entrega da prestação tributária deduzida nos termos da lei” não exige a descrição (das circunstâncias concretas) da dedução do respectivo imposto - sendo certo que os conceitos de direito das normas aplicáveis não têm necessariamente de ser incluídos na “descrição sumária dos factos” (bem ao invés).
Nos termos da 1ª parte da alínea b) do nº 1 do artigo 79.º do Regime Geral das Infracções Tributárias, à decisão de aplicação de coima da contra-ordenação por “Falta de entrega da prestação tributária deduzida nos termos da lei” impõe-se apenas que faça uma “descrição sumária dos factos”.
A meu ver, a decisão de aplicação da coima, no caso, contém a “descrição sumária dos factos” que a lei exige - de molde a satisfazer o direito de informação e de defesa efectiva da arguida, ora recorrida.
Como assim, daria provimento ao recurso e revogaria o despacho do Tribunal a quo, para conhecimento das questões substantivas levantadas no recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima.
Jorge Lino.