Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:093/23.2BALSB
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FERNANDA ESTEVES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
PEDIDO DE REVISÃO
Sumário:Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação que não foi oportunamente reclamado nem impugnado e vindo o acto a ser anulado por decisão arbitral, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido [cf. artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT].
Nº Convencional:JSTA000P31940
Nº do Documento:SAP20240221093/23
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..., LDA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
A Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira vem, ao abrigo do disposto no artigo 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do artigo 25.º, n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/1, interpor recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, da decisão arbitral proferida em 1 de Abril de 2021, no processo n.º 317/2020-T, por alegada oposição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Fevereiro de 2019, proferido no processo n.º 022/18.5BALSB, na parte referente à extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de pedido de revisão oficiosa da liquidação por iniciativa do contribuinte.
Alegou, tendo concluído da seguinte forma:
A) A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal da Decisão Arbitral, de 01.04.2021, emitida no processo n.º 317/2020-T, do CAAD, por estar em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 27.02.2019, no Processo n.º 022/18.5BALSB, que se indica como fundamento, designadamente, no segmento decisório respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios;
B) A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 27.02.2019, no processo n.º 022/18.5BALSB, que se indica como fundamento, relativamente ao termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios, no caso de revisão oficiosa do ato tributário por iniciativa do contribuinte;
C) O pedido de pronúncia arbitral foi deduzido na sequência do despacho de indeferimento do recurso hierárquico apresentado na sequência do indeferimento, por despacho de 7.2.2020, do pedido de revisão oficiosa, apresentado em 24.10.2019, das 608 liquidações efectuadas nas DAV identificadas nos quadros constantes do processo arbitral, cuja certidão se junta, de Imposto sobre Veículos, levadas a cabo pela Alfândega de Leixões, que sustentou a tempestividade da pretensão do Requerente junto da instância arbitral.
D) A Decisão Arbitral sob recurso entendeu, na parte em que se refere aos juros indemnizatórios, serem devidos pela AT, nos termos do artigo 43º da LGT e 61º do CPPT.
E) A Decisão Arbitral recorrida incorreu, pois, em erro de julgamento ao não enquadrar o direito a juros indemnizatórios, como devia, no artigo 43º, nº 3, c) da LGT, que consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios.
F) No Acórdão fundamento estava em causa “a extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43.º n.º 3 al. c) LGT)”, tendo esse douto STA decidido quanto à extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43º, nº 3, al c) da LGT), que “A decisão recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação”, concluindo que “não há lugar a juros indemnizatórios visto o pedido de revisão do acto tributário haver sido decidido em período inferior a um ano contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no art.º 43.º, n.º 3, c) da Lei Geral Tributária.”.
G) Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com o pagamento de juros indemnizatórios nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por nova Decisão que determine a improcedência do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 6, do artigo 152º do CPTA.
H) A infração a que se refere o nº 2, do artigo 152º do CPTA, traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão Arbitral viola o disposto no nº 3, alínea c), do artigo 43º da LGT, o qual determina que, nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.
I) Como tem sido entendido pela Jurisprudência e Doutrina, o regime estabelecido no artigo 152.º do CPTA, para os recursos para uniformização da jurisprudência, destina-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
J) No presente caso, estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do Recurso, impostos pelo artigo 152º do CPTA, designadamente os enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21.04.2016, proferido no processo nº 0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02.02.2017, proferido no proc. 4902/14.9T2SNT.LI.SI-A.
K) Está em causa a aplicação, de forma diversa, dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos, mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, p. 809), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso nº 87156, de 26.04.1995.
L) Resulta claro da jurisprudência assente desse Alto Tribunal que a norma do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, que se aplica aos casos de revisão, como o dos autos, que não se enquadra na situação típica em que há impugnação da liquidação após o pagamento do imposto em causa.
M) Concluindo-se que ao não ter subsumido o caso sub judice à alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, a Decisão Arbitral recorrida evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo Pleno do STA:
- no Acórdão convocado como fundamento, de 27.02.2019, proferido no Proc.º 022/18.5BALSB;
- e com a sua Jurisprudência mais recente, designadamente a firmada no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.05.2022, no Processo nº 159/21.3BALSB, sobre a mesma matéria e em que estava em causa situação fática absolutamente idêntica e tendo por objeto o mesmo Imposto sobre Veículos, pelo que deve ser substituída por nova decisão que julgue improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido por se mostrar verificada a contradição entre a Decisão Arbitral proferida no Proc. nº 317/2020-T e o Acórdão fundamento, proferido pelo STA no Proc. nº 022/18.5BALSB, de 27.02.2019, devendo, em consequência, o mesmo ser julgado procedente e, nos termos e com os fundamentos acima indicados, ser revogada a Decisão Arbitral no segmento decisório sob recurso, e substituído por decisão consentânea com o quadro legal vigente, de acordo com o qual não existe direito a juros indemnizatórios.

Não houve contra-alegações.

O EPGA junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de “dever ser admitido o recurso para uniformização de jurisprudência e, subsequentemente, ser o mesmo julgado procedente, com a consequente revogação do segmento decisório da decisão arbitral proferida no processo n.º 317/2020-T, do CAAD, referente à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.”

Notificadas as partes do teor do parecer do Ministério Público, nada disseram.

Cumpre decidir.

2. Fundamentação
2.1. Matéria de Facto
2.1.1. A decisão recorrida deu como provados os seguintes factos:
A. A A...,LDA., aqui Requerente, tem por objeto o “comércio de automóveis, compra venda e troca; importação e exportação; intermediário de crédito e outras atividades auxiliares de serviços financeiros” -cf. certidão permanente identificada pela Requerente sob o número ...19.
B. Nos anos de 2017, 2018 e 2019, a Requerente adquiriu, no exercício da sua atividade, seiscentos e oito veículos automóveis usados matriculados em outros Estados-Membros e apresentou às autoridades aduaneiras seiscentas e oito DAV relativas a esses mesmos veículos, tendo a AT liquidado ISV no valor total de € 1.337.191,71 euros, imposto que foi oportunamente pago pela Requerente - cf. Documentos 1 a 609 juntos pela Requerente e PA.
C. O cálculo do ISV incidente sobre os mencionados seiscentos e oito veículos (quadro R das DAV) foi efetuado com recurso à tabela A, aplicável aos veículos ligeiros de passageiros, e atendeu, quer à componente cilindrada (em centímetros cúbicos), quer à componente ambiental relativa à emissão de gases CO2 indicada nas DAV (escalão de CO2 em gramas por quilómetro), nos termos do artigo 7.o do Código do ISV. Foi igualmente deduzida a percentagem (de redução) da componente cilindrada correspondente aos escalões da tabela D, em função dos anos de uso das viaturas, conforme previsto no artigo 11.º, n.º 1 do Código do ISV - cf. Documentos 1 a 609 juntos pela Requerente e PA.
D. No cálculo do ISV não foi aplicada qualquer redução à componente ambiental dos seiscentos e oito veículos em função do respetivo número de anos de uso - cf. Documentos 1 a 609 juntos pela Requerente e PA.
E. Caso o cálculo do ISV tivesse sido efetuado com a percentagem de redução também aplicada à componente ambiental, o imposto liquidado, com referência aos mencionados seiscentos e oito veículos, cifrar-se-ia no valor total de € 1.156.727,60, o que representa uma diferença no valor de € 180.464,11 - cf. Documentos 1 a 609 juntos pela Requerente e PA.
F. Por não se conformar em parte com a liquidação de ISV efetuada pela AT, relativamente aos seiscentos e oito veículos usados adquiridos entre 2017, 2018 e 2019, na medida em que o respetivo cálculo não contemplou qualquer redução de taxa da componente ambiental, a Requerente apresentou em 24 de outubro de 2019, junto da Alfândega de Leixões, um pedido de revisão oficiosa dos correspondentes atos de liquidação de ISV ao abrigo do artigo 78.o, n.º 1 da LGT, norma que aí mencionou de forma expressa - cf. PA.
G. Este pedido de revisão foi indeferido, após exercício do direito de audição, por despacho do Diretor da Alfândega de Leixões, datado de 7 de fevereiro de 2020, notificado à Requerente em 12 de fevereiro de 2020, com os seguintes fundamentos:
“- O prazo previsto na 2ª parte do nº1 do art.78º da LGT só será aplicável se o fundamento da revisão do ato tributário consistir em erro e esse erro for imputável aos serviços.
- Ora, no que respeita à existência de erro, tendo as liquidações de ISV sido efetuadas de acordo com a disciplina legal aplicável, é posição da AT de que as mesmas não enfermam de qualquer vício, pois, encontrando-se estas em total consonância com as normas legais aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente, são as mesmas legais (logo, isentas de erro).
- Sem embargo, acresce referir que, o erro que vem imputado às liquidações de ISV reconduz-se a uma questão de direito.
- Tratando-se de matéria exclusivamente de direito, será de afastar, desde logo, a imputabilidade aos serviços da AT do imputado «erro» porquanto o ato tributário de liquidação visado, foi praticado nos termos do art.11o do CISV, e a AT não pode deixar de aplicar a norma, com base num «julgamento» de conformidade com o direito comunitário, designadamente com o disposto no art.11o do TFUE.
- Com efeito, a AT está sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art.266.º, n.º 2 da CRP e art.55º da LGT), não pode deixar de aplicar uma norma com fundamento de que a mesma não está em conformidade com o direito comunitário (aplicável por força do artigo 8.º, nº 4 da CRP).
- Assim, atendendo a que a Administração Tributária se limitou a fazer a interpretação das normas aplicáveis aos factos, sempre sobre o espectro do princípio da legalidade, e não tendo, como referido, a prerrogativa de poder desaplicar normas com base num «julgamento» de pretensa desconformidade com o direito comunitário ( atribuição reservada aos tribunais), será forçoso concluir pela inexistência de imputabilidade aos serviços de erro que fundamente um procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2ª parte do nº 1 do art.78.º da LGT.
- Efetivamente, não pode ser imputado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. art. 266.º, n.2 da CRP e art.55.º da LGT).
5. Nesta conformidade, inexistindo erro imputável aos serviços, inexiste fundamento que legitime o procedimento de revisão do ato tributário, nos termos da 2ª parte do no 1 do art.78.º da LGT.” - cf. PA.
H. Em 4 de março de 2020, a Requerente interpôs recurso hierárquico do despacho de indeferimento do pedido de revisão da liquidação do ISV, que veio, de novo, a ser indeferido, conforme despacho do Subdiretor-geral da Área de Gestão Tributária - IEC (Direção de Serviços dos Impostos Especiais de Consumo e do Imposto sobre Veículos), de 27 de maio de 2020, notificado à Requerente em 5 de junho de 2020, que adere à proposta de indeferimento constante da informação n.º ...20, de 17 de março de 2020, dos mesmos serviços - cf. PA.
I. Fundamenta a informação n.º ...20, nos seguintes termos:
“III - DO DIREITO APLICÁVEL
5. Delimitados os autos, verifica-se que o “thema decidendum” que opõe o recorrente à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), se reconduz à parte final do preceituado no n. 1 do art.º 78º da Lei Geral Tributária (LGT).
6. Da análise de todos os elementos constantes do processo, importa referir o seguinte:
7. Decorre da citada disposição legal (no 1 do art.º 78º da LGT), que os sujeitos passivos podem pedir a revisão dos atos tributários à entidade que os praticou, com fundamento em erro imputável aos serviços, e é justamente sobre o alcance da expressão “erro imputável aos serviços” que se desenvolve a questão a dirimir.
Vejamos,
8. O princípio constitucional da legalidade que entre nós vigora, exige que os impostos e os seus elementos essenciais (incidência, taxa, benefícios fiscais e garantia dos contribuintes) têm obrigatoriamente de ser criados por lei [no 2 do art.º 103º da Constituição da República Portuguesa (CRP)].
9. Por outro lado, por força do disposto no n.º 2 do art.º 266º da CRP, a atuação da AT encontra-se sujeita ao princípio da legalidade tributária, prevista no art..º 8º da LGT, o que determina a sua vinculação à lei, ou seja, a AT não pode contrariar ou desobedecer às normas legais pré-existentes, pelo que, este princípio deve ser entendido em sentido proibitivo ou negativo, pois são proscritas atuações administrativas que contrariem a lei.
10. Ora, sendo o CISV a lei que determina incidência do imposto sobre veículos, e considerando que o ato tributário de liquidação visado, foi praticado ao abrigo do art.º 11º desse Código, a AT não pode contrariar ou desobedecer às disposições legais nele ínsitas.
Com efeito,
11. O ato de liquidação em causa não pode ser considerado ilegal, pois o mesmo foi efetuado de acordo com a disciplina legal aplicável, isto é, encontra-se em total consonância com as normas legais aplicáveis à factualidade que lhe está subjacente.
Por outro verso,
12. Cumpre de igual modo referir que, não tendo sido proferida qualquer decisão que declare com força obrigatória geral, o vício de violação de lei comunitária, a AT, uma vez vinculada ao princípio da legalidade, terá de proceder à tributação dos veículos usados de acordo com a legislação atualmente em vigor e que se encontra vertida no CISV.
13. Assim, face ao exposto, é manifesto que não pode ser imputado qualquer erro à AT, pelo que o mesmo não pode ser invocado para solicitar a revisão do ato de liquidação, relativo aos veículos em causa.
IV - PROPOSTA
14. Nestes termos, propõe-se o indeferimento do presente RH, sendo de manter o despacho recorrido.” - cf. PA.
J. Em discordância com a decisão de indeferimento do recurso hierárquico, em 25 de junho de 2020, a Requerente deduziu a presente ação arbitral – cf. registo de entrada do pedido no sistema de gestão processual do CAAD.
2.1.2.O acórdão fundamento considerou provados os seguintes factos:
1. A Requerente é proprietária do prédio urbano, descrito na Caderneta Predial Urbana como terreno para construção urbana, inscrito sob o nº…, da Freguesia de…, Concelho de Loulé, Distrito de Faro.
2. O Valor Patrimonial Tributário (VPT) era, para efeitos das liquidações de Imposto do Selo em crise (ano 2012 e ano 2013),de EUR 1.009.490,00, determinado em 2012.
3. Sobre o imóvel acima identificado foram emitidas as seguintes liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1.):
4. O montante de Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR10.094,90, relativo ao ano de 2012, deveria ser pago até 31 de Dezembro de 2013, através da nota de cobrança nº 2013…
5. Dado que o referido montante não foi pago dentro do prazo limite para pagamento voluntário, a dívida evoluiu para cobrança coerciva, tendo dado origem ao processo de execução fiscal (PEF) nº ....14…, instaurado em 20 de Janeiro de 2014, no valor total de EUR 10.324,52.
6. O imposto (EUR 10.094,90) e o respectivo acrescido (EUR229,62) foram pagos, em 25 de Junho de 2014, em sede de execução fiscal.
7. O montante de Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR10.094,90, relativo ao ano de 2013, deveria ser pago de acordo com as seguintes prestações:
8. A Requerente não pagou nenhuma das prestações de imposto, relativas ao ano 2013, dentro do prazo para pagamento voluntário legalmente estabelecido para o efeito, tendo a dívida evoluído para cobrança coerciva, dando origem aos seguintes PEF, instaurados em 30 de Junho de 2014, nos seguintes termos(montantes em Euros):
9. A Requerente apresentou, em 30 de Outubro de 2015,requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Loulé…, no âmbito dos PEF identificados nos pontos 5.1.5, 5.1.6. e 5.1.8., no sentido de requerer a extinção das referidas execuções fiscais e “(…) o levantamento de eventuais penhoras que possam ter sido (…) realizadas para garantia das alegadas dívidas (…),bem como o cancelamento do seu registo se a este tiver havido lugar (…)”.
10. A Requerente apresentou, em 28 de Setembro de 2016, dois pedidos de revisão oficiosa de acto tributário relativos aos actos de liquidação acima identificados no ponto 5.1.3., no sentido de peticionar, para cada um dos anos em causa (2012 e 2013), a “(…) rescisão do acto tributário de imposto do selo da verba 28.1 da TGIS (…)”; e em consequência, requerer “(…) a anulação desse acto tributário (…)”, e “(…) a restituição à Requerente da quantia indevidamente paga (…) acrescida de juros indemnizatórios sobre essa importância, contados desde o pagamento indevido (…) até à data da emissão da respectiva nota de crédito, à taxa legal (…)”.
11. A Requerente foi notificada dos despachos de deferimento parcial de cada um dos pedidos de revisão oficiosa dos actos tributários acima identificados (com dispensa do direito de audição prévia), formulados com base na Informação nº ...…,de 04-05-2017 (processo nº ...16… relativo ao Imposto do Selo de 2012) e com base na Informação nº ...…, de 04-05-2017 (processo nº ...16… relativo ao Imposto do Selo de 2013),ambas da DS de IMT, as quais foram emitidas no sentido de decidir “(…) o deferimento parcial da (…) revisão oficiosa (…)”para cada um dos actos, “(…), com as seguintes consequências:
a. Relativamente ao ano 2012, determinou-se “(…) a anulação da liquidação contestada; a restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 10.094,90; o não reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios (…)” e, “quanto ao valor de € 229,62,também (…) reclamado, e referente a juros de mora e custas cobrados em sede de execução fiscal (…) o procedimento de revisão dos actos tributários (…) não é o meio próprio para apreciar esta matéria (…)”, dela não conhecendo;
b. Relativamente ao ano 2013, determinou-se “(…) a anulação da liquidação contestada; a restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 10.094,90; o não reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios (…)” e, “quanto ao valor de € 455,35,também (…) reclamado, e referente a juros de mora e custas cobrados em sede de execução fiscal (…) o procedimento de revisão dos actos tributários (…) não é o meio próprio para apreciar esta matéria (…)”, dela não conhecendo.

2.2. O direito
2.2.1. O presente recurso para uniformização de jurisprudência, interposto ao abrigo do artigo 25.º do RJAT, tem como fundamento a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o indicado acórdão do STA “quanto à mesma questão fundamental de direito”.
De acordo com o n.º 2 do invocado artigo 25.º, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. E, por força do disposto no n.º 3 do mesmo preceito legal, ao recurso é aplicável com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 152.º do CPTA.
Um dos requisitos de admissão deste recurso, cujo objectivo é resolver a existência de um conflito de jurisprudência, é, portanto, a existência de uma contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre o invocado acórdão do STA e a decisão arbitral impugnada.
Quanto à “mesma questão fundamental de direito”, é jurisprudência consolidada do Pleno desta Secção que: (i) a identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto pressupõe uma situação de facto substancialmente idêntica; (ii) não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; (iii) que a oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
Vejamos então se a alegada contradição quanto à mesma questão fundamental de direito se verifica.
No caso, como resulta das conclusões de recurso, sustenta a Recorrente que o entendimento sufragado pela decisão arbitral (recorrida) está em contradição com o do acórdão do STA de 27/2/2019, Processo 022/18.5BALSB, no que se refere à extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos no caso de pedido de revisão oficiosa do acto tributário por iniciativa do contribuinte.
Na decisão arbitral, perante uma impugnação deduzida contra a decisão proferida no recurso hierárquico interposto da decisão de indeferimento (de 7/2/2020) de um pedido de revisão oficiosa das liquidações do imposto (apresentado pelo contribuinte em 24/10/2019), foi julgado procedente o pedido de anulação (parcial) das liquidações de imposto impugnadas e, em consequência, foi, além do mais, considerado que “se verifica o pressuposto de erro imputável aos serviços e a constituição, na esfera da Requerente, do direito ao recebimento de juros indemnizatórios que a visam ressarcir da ilegal provação desta quantia pelo período de tempo que perdurar, até à sua restituição, conforme preceituado nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT”.
No acórdão fundamento, após anunciar que estava em causa a extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de procedência total ou parcial do pedido de revisão do acto tributário, foi considerado que “tendo sido formulado o pedido de revisão do acto tributário em 28 de Setembro de 2016 que foi deferido parcialmente pelos despachos de 11 de Maio de 2017 da Senhora Directora de Serviços (em substituição) da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (DSIMT), despachos esses relativos ao deferimento parcial dos pedidos de revisão oficiosa (…) anulando as liquidações de imposto em crise no presente pedido de pronúncia arbitral de que o contribuinte tomou conhecimento, pelo menos através do processo arbitral em 6 de Junho de 2017, não há lugar a juros indemnizatórios visto o pedido de revisão do acto tributário haver sido decidido em período inferior a um ano contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no art.º 43.º, n.º 3, c) da Lei Geral Tributária”.
Estamos, pois, perante duas decisões opostas sobre a mesma questão de direito - a da medida dos juros indemnizatórios -, com base em situação fáctica idêntica (sendo totalmente irrelevante, para o que aqui importa, que apenas no caso da decisão recorrida tenha sido interposto recurso hierárquico antes da impugnação), já que, em ambos os casos, foi julgado procedente pedido de anulação da liquidação de imposto, deduzido na sequência do indeferimento de pedido de revisão oficiosa da liquidação. Contudo, enquanto a decisão arbitral considerou serem devidos juros indemnizatórios a contar da data do pagamento indevido do imposto, no acórdão fundamento foi considerado que os mesmos são devidos apenas depois de decorrido um ano após o pedido de revisão.
Verificando-se a invocada oposição de julgados, e uma vez que a orientação perfilhada na decisão arbitral não está de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [cf. artigo 152.º, n.º3, do CPTA, aplicável ex vi do n.º 3 do artigo 25.º do RAJT], importa passar para o conhecimento do mérito do recurso.
2.2.2. A questão aqui em causa não é nova e tem merecido resposta uniforme e reiterada do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA, que aqui também se acolhe e para a qual se remete, no sentido de que nos casos em que é pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação e o acto venha a ser anulado em impugnação judicial dessa liquidação (ou em decisão arbitral equivalente), na sequência do indeferimento desse pedido de revisão oficiosa, os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada - cf., entre tantos, acórdãos STA de 29/9/2022 (Processos 51/22.4BALSB; 64/22.6BALSB; 112/21.7BALSB), de 23/11/2022 (Processo 93/22.0BALSB); de 23/2/2023 (Processo 1/22.8BALSB; Processo 154/21.2BASLSB); de 28/9/2023 (Processo 22/23.3BALSB); de 22/11/2023 (Processo 88/23.6BALSB; Processo 110/23.6 BALSB); e de 24/1/2024 (Processos 94/23.0BALSB; 98/23.3BALSB; 101/23.7BALSB; 129/23.7BALSB; 135/23.1BALSB; 137/23.8BASLB; 134/23.5BASLB; 148/23.3BALSB.
Como a este propósito se deixou exarado num dos mais recentes acórdãos de 24/1/2024, Processo 108/23.4BALSB: “(…) A questão tem-se colocado diversas vezes e tem merecido resposta uniforme, quer na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quer no Pleno da mesma Secção ( ). Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, actualmente consolidada, limitamo-nos a remeter para a fundamentação expendida num desses acórdãos do Pleno, o proferido em 11 de Dezembro de 2019 no processo n.º 58/19.9BALSB (…)
Nesse acórdão ficou decidido que, nos casos em que é pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação e o acto venha a ser anulado em impugnação judicial dessa liquidação (ou em decisão arbitral equivalente) e na sequência do indeferimento daquele pedido de revisão oficiosa, os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado. Acolheu-se aí a fundamentação de acórdão anterior na mesma Secção (o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 27 de Fevereiro de 2019, no processo n.º 22/18.5BALSB, no presente recurso invocado como acórdão fundamento). No que ora releva, reafirmou-se o entendimento - que, de resto, já vinha uniformizado - no sentido de que não devem distinguir-se, para efeitos de aplicação da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, as situações em que é deduzido o pedido de revisão e a administração revê o acto mais de um ano após a dedução desse pedido, daquelas em que a administração não revê o acto mas este vem a ser anulado judicialmente após mais de um ano a contar desse pedido. (…)
Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação que não foi oportunamente reclamado nem impugnado e vindo o acto a ser anulado em decisão arbitral, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.”.
No caso vertente, o pedido de revisão dos actos de liquidação impugnados (referentes aos anos de 2017, 2018 e 2019) foi apresentado em 24/10/2019 e indeferido em 7/2/2020 [cf. alíneas F) e G) do probatório supra reproduzido], tendo a decisão arbitral recorrida que anulou (parcialmente) essas liquidações sido proferida em 1/4/2021.
Assim sendo, em conformidade com a jurisprudência consolidada deste STA vinda de referir, só são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão, não podendo manter-se a decisão arbitral no segmento impugnado.
3. Decisão
Assim, pelo exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em tomar conhecimento do mérito do recurso e, reafirmando a jurisprudência deste Supremo Tribunal, conceder-lhe parcial provimento e anular a decisão arbitral no segmento recorrido.
Custas, na proporção do decaimento, pela Recorrente e pelo Recorrido, que não paga taxa de justiça porque não contra-alegou.

Lisboa, 21 de Fevereiro de 2024 - Fernanda de Fátima Esteves (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (voto a decisão nos termos do artigo 8.º, n.º 3 do C. Civil) - Anabela Ferreira Alves e Russo.