Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01470/17
Data do Acordão:05/30/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:MEIO PROCESSUAL
CPTA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23372
Nº do Documento:SA12018053001470
Data de Entrada:03/09/2018
Recorrente:A......
Recorrido 1:INST POLITÉCNICO DO PORTO E ESCOLA SUPERIOR DE ESTUDOS INDUSTRIAIS E DE GESTÃO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

A………., devidamente identificada nos autos, intentou no TAF de Braga, contra o Instituto Politécnico do Porto (IPP) e a Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão (ESEIG), a presente acção administrativa comum, peticionando o reconhecimento da categoria de Assistente do 2° triénio e à categoria retributiva, de Assistente de 2° triénio com Mestrado, índice 140 da estrutura remuneratória do pessoal docente do ensino superior politécnico, com efeitos a 10.10.2008, e o pagamento dos diferenciais remuneratórios, vencidos e vincendos, entre os valores das remunerações mensais pagas pelo índice 100, como Assistente de 1° triénio e as devidas como Assistente de 2° triénio, com Mestrado, índice 140, que nesta data, calculados desde Outubro de 2008, com juros, se quantificam em 53.963,07€ (cinquenta e três mil novecentos e sessenta e três euros e sete cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa legal até integral pagamento dos mesmos.


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O TAF de Braga por despacho saneador-sentença de 31.01.2017 julgou procedente a excepção inominada prevista no nº 2 do artigo 38º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que absolveu os RR da instância.

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Interposto, pela autora, recurso jurisdicional para o TCA Norte, este confirmou a decisão recorrida, considerando:

«(…)

Do que se concluiu que a acção administrativa comum foi impropriamente utilizada no caso concreto, para obter o efeito que já não se pode obter através de acção administrativa especial de impugnação de acto, por este já se ter consolidado na ordem jurídica.

Termos em que se confirma a decisão recorrida».


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E é desta decisão do TCA Norte que a autora A......... vem interpor o presente recurso de revista, para o que alegou e apresentou as seguintes conclusões:

«Da fundamentação para a apreciação preliminar sumária de admissão do recurso (artº 150º, nº 5 do CPTA)

A) No caso concreto, estamos perante uma situação que, pela sua relevância jurídica ou social e por ser claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, justifica a admissão do recurso de revista excecional;

B) O douto Tribunal recorrido entendeu que se verifica uma exceção inominada, usualmente designada por “impropriedade do meio processual” obstando ao conhecimento do mérito do pedido em sede de ação administrativa comum, por ter sido indevidamente usada a forma de ação comum como meio de obter os resultados que seriam obtidos se tivesse sido interposta, em tempo, a adequada ação administrativa especial para impugnação de acto administrativo que, entretanto, por não ter sido impugnado, se consolidou na ordem jurídica;

C) O que está em causa nos autos é uma questão de reconhecimento de uma determinada categoria e uma determinada retribuição – elementos, pela sua natureza, de ordem contratual típicos de uma relação laboral de emprego público, decorrem da lei, do estatuto de carreira docente e do respetivo sistema retributivo;

D) Apesar de, após o CPTA (2015) ter sido eliminada a dupla via de ação administrativa (especial ou comum), continua pertinente saber se matérias de reconhecimento de categoria e/ou remuneração, matérias reguladas pela LGTFP (Lei nº 35/2014, de 20/6) ou pelos estatutos de carreira, no caso, de docentes do ensino superior politécnico, estão subordinado ao regime de impugnação de atos administrativos, ou se pelo contrário devem ser apreciados e decididos pelo regime laboral, como se créditos laborais se tratasse;

E) É assim uma, a questão de direito (de índole processual) que ultrapassa o interesse do caso concreto, configurando relevo social pela potencialidade de abranger muitos outros casos;

F) Concluindo-se assim pela verificação de dois dos pressupostos exigidos e aceites pelo STA para admissão do recurso de revista excecional (artº 150º do CPTA).

Da questão de fundo do recurso

G) A Recorrente peticionou o reconhecimento do direito a uma retribuição devida (pela categoria estatutária de carreira) e a condenação ao pagamento da quantia dos créditos salariais vencidos e a vencer;

H) A Recorrente peticionou o direito à categoria de Assistente do 2º triénio e à categoria retributiva, de Assistente de 2º triénio com Mestrado, índice 140 da estrutura remuneratória do pessoal docente do ensino superior politécnico, com efeitos a 10/10/2008, data da primeira renovação contratual, bem como a condenação ao pagamento dos créditos salariais liquidados;

I) O direito peticionado depende do requisito tempo de serviço (três anos), da avaliação de desempenho positiva efetuada pelo Conselho Científico da Escola que deliberou favoravelmente a renovação contratual em 10/10/2008 e por via da aquisição do grau de mestre;

J) Em caso de procedência da ação, o IPP através de um dos seus órgãos, apenas terá de emitir uma decisão interna para cumprimento do julgado condenatório, determinando o pagamento das verbas correspetivas ao índice remuneratório legalmente definido (I140), para quem exerce a atividade no 2º triénio, sendo renovado o contrato por avaliação positiva do desempenho precedente, e tenha adquirido o grau de mestre;

K) É o que decorre diretamente, sem necessidade de intermediação de qualquer juízo valorativo do órgão administrativo, leia-se emissão de ato administrativo, do disposto nos nºs 1 e 2 do artº 9º do Decreto-lei nº 185/81, no anexo II do Decreto-lei nº 408/89, de 18 de Novembro, na versão do DL nº 373/99 de 18/09;

L) Não houve em nenhum momento um requerimento formal da Recorrente no sentido do Presidente da Escola apreciar e decidir sobre o seu direito à remuneração/categoria, porquanto sempre entendeu que tal decorreria da lei, como teve conhecimento por decisão judicial transitada em julgado, referenciada na douta decisão de 1ª instância num caso idêntico de uma colega;

M) Os termos da relação jurídica administrativa de emprego público, baseada no contrato de trabalho em funções públicas (ou ao tempo no contrato administrativo de provimento), não se inserirem no âmbito dos poderes de autoridade da Administração;

N) A adequação da forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão deduzida em juízo pelo autor, ou seja, do pedido ou conjunto de pedidos e formulados pelo autor;

O) Incidindo os pedidos formulados no reconhecimento do direito a uma dada retribuição e na condenação das demandadas do pagamento dos créditos liquidados, a Recorrente utilizou a forma de processo adequada: ação administrativa comum (artº 37º nºs 1, 2 al. a), d), e e) do CPTA;

P) Nos autos peticiona-se o pagamento da remuneração devida pela categoria prevista na lei - nos estatutos de carreira -, no âmbito de uma relação jurídica de emprego público;

Q) A ação foi instaurada em 7 de janeiro de 2015, estando, nesta data, a Recorrente vinculada aos RR, por vínculo contratual na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, por força da conversão ope legis, operada pelo artº 7º, nº 1 do Decreto-Lei nº 207/2009, de 31/8, do seu anterior contrato administrativo de provimento, havendo assim continuidade de vínculo (v. artº 85º da LVCR);

R) O reconhecimento do direito a uma determinada remuneração, devida, mas não paga, no âmbito de um contrato de trabalho origina créditos salariais/laborais;

S) A remuneração no âmbito de um contrato de trabalho é um direito indisponível na pendência do contrato;

T) Os créditos laborais prescreviam decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato - artº 245º do RCTFP, ou por remissão, no caso, do artº 4º, nº 1 da LGTFP, para o disposto no Código do Trabalho que prevê no artº 337º, tal prazo prescricional;

U) O contrato de trabalho em regime de emprego público é substancialmente, um contrato de trabalho, uma relação jurídica tendencialmente paritária;

V) Pelo que, os poderes que o tribunal administrativo utiliza quando decide contra uma entidade pública empregadora, uma ação administrativa comum, são idênticos aos que o tribunal comum utiliza quando decide ações laborais contra quaisquer empresas, em nada perturbam a atividade administrativa pública;

W) Condenar uma entidade pública empregadora a pagar uma indemnização ou um crédito laboral não é diferente de condenar uma empresa privada, entidade empregadora, a fazer o mesmo;

X) A entidade pública, no âmbito de uma relação laboral não exerce poderes de autoridade para lá, dos que decorrem do exercício dos poderes de direção, enquanto entidade empregadora;

Y) Num contrato de trabalho, a remuneração devida por categoria tipificada na lei, no caso no ECPDESP, não exige a prática de um ato administrativo, porque o direito decorre diretamente de normas jurídico-administrativas (no caso do estatuto de carreira e do diploma que fixa a estrutura retributiva da careira em causa) e não envolve a emissão de um ato administrativo;

Z) A pretensão formulada nos autos não se confunde com a de condenação à prática de ato devido (que segue a forma de ação administrativa especial), o que a Recorrente peticionou não foi a emissão de um ato administrativo, do qual porventura dependesse o reconhecimento do direito, mas o reconhecimento do direito a remuneração devida que decorre direta e imediatamente da lei e a correspetiva condenação ao pagamento dos créditos salariais apurados;

AA) Não está no âmbito dos poderes conformadores das entidades demandadas pagar uma ou outra remuneração; esta está fixada na lei (anexo II do Decreto-lei nº 408/89, de 18 de Novembro e a Portaria nº 1553-C/2008, de 31 de Dezembro - estrutura retributiva), devida por categoria também prevista na lei (ECPDESP);

BB) Errou o douto aresto recorrido ao dar como procedente, em sede de recurso a invocação/decisão (absolvição de instância), de exceção inominada do artº 38º, 2 do CPTA;

CC) Errou ao decidir que houve erro na forma do processo, obstando ao conhecimento do mérito do pedido em sede de ação administrativa especial;

DD) Atendendo aos pedidos formulados no reconhecimento do direito a um dada retribuição (cuja prescrição apenas opera 1 ano após a cessação do vínculo laboral) e na condenação das demandadas do pagamento dos créditos liquidados, a Recorrente utilizou a forma de processo adequada: ação administrativa comum (artº 37º nºs 1, 2 al. a), d) e e) do CPTA»


*

O Instituto Politécnico do Porto apresentou contra alegações que concluiu da seguinte forma:

«I. Da inadmissibilidade do Recurso de Revista

A. A Recorrente não logrou expor a motivação para a o recurso interposto, assim como não invocou qualquer fundamento para justificar o preenchimento dos pressupostos previstos para a sua admissibilidade.

B. A admissibilidade do recurso de revista depende da verificação dos (estritos) pressupostos indicados no artigo 150º do CPTA, sendo, por isso, um meio de tutela de cariz excecional.

C. Nos termos do nº 1 do artigo 150º do CPTA, as decisões proferidas em 2º grau de jurisdição apenas são suscetíveis de recurso excecional de revista, quando se verifique um dos seguintes requisitos: a) importância jurídica fundamental; b) importância social fundamental; c) clara necessidade de intervenção do STA com vista a uma melhor aplicação do direito.

D. Com efeito, a admissibilidade do recurso de revista estará sempre, em primeira linha, dependente da existência de uma situação anormal que, quando apreciada segundo um critério qualitativo, obriga à conclusão de que poderá haver lugar a recurso para o STA de uma decisão que, noutras circunstâncias, seria irrecorrível.

E. Ora, adianta ainda o artigo 150º do CPTA que a referida excecionalidade da questão em apreço será apurada mediante a verificação de uma de duas situações:

- A matéria que constitui objeto da decisão recorrida, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental, ou

- A admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor apreciação do direito.

F. A Recorrente não demonstrou, nem sequer provou, a relevância social ou jurídica fundamental na questão apreciada e, nesse sentido, limitou-se a alegar que “a questão a dirimir é assim saber, se o reconhecimento de categoria ou retribuição que decorrem da lei, do estatuto de carreira docente e do respetivo sistema retributivo, se devem subsumir a uma situação consolidada pelo ato de autorização de contratação, o qual, não tendo sido impugnado no prazo legal se consolidou na ordem jurídica, como entende o douto acórdão recorrido”.

G. Concluindo, vagamente, que “é uma situação, que ultrapassa o interesse do caso concreto, configurando relevo social pela potencialidade de abranger muitos outros casos”.

H. Ora, não se vislumbra qual a relevância social ou jurídica fundamental para o presente recurso, tanto mais que a própria Recorrente acabou por confirmar, nas suas alegações, que a sua contratação sempre foi precedida de um ato de autorização, isto é um ato administrativo emitido pelo Recorrido.

I. Por outro lado, cumpre também lembrar que no âmbito do processo nº 308/08.7BELSB, que correu termos no TAC de Lisboa, visou-se a produção de efeitos jurídicos análogos aos pretendidos pela aqui Recorrente (num caso substancialmente idêntico), sendo certo que aquele processo seguiu a forma de ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo - ação que, de resto, foi patrocinada pelos ilustres mandatários da aqui Recorrente.

J. Como a Recorrente bem sabe, decorre expressamente da lei aplicável nos presentes autos que as ações judiciais que tenham por objeto a impugnação de atos administrativos deverão assumir a forma de ações administrativas especiais, e bem assim, como a respetiva impugnação deverá ocorrer dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito – o que aqui também não ocorreu.

K. Ou seja, a Recorrente contradiz-se na fundamentação que invoca para a admissibilidade do presente recurso de revista, uma vez que demonstra ter pleno conhecimento de que as suas pretensões só poderiam ser satisfeitas com a anulação do ato administrativo proferido pelo Recorrido em 2008.

L. Deste modo, é por demais evidente (e, portanto, não se trata de qualquer questão com importância jurídica ou social fundamental) que a única forma que a Recorrente dispunha para fazer valer as suas pretensões era a ação administrativa especial e nunca a ação administrativa comum.

M. Além do mais, é esta a (acertada) posição dos Tribunais nas doutas decisões proferidas no âmbito do presente processo e também a posição do digno magistrado do Ministério Público no parecer emitido, inexistindo neste contexto qualquer necessidade de melhor aplicação do direito.

N. Assim, e considerando todos os motivos supra explanados, entende o Recorrido que o presente Recurso de Revista não poderá ser admitido, uma vez que não se verificam preenchidos, no caso, quaisquer pressupostos para esse efeito.

II. Do Mérito do Recurso

O. O que está em causa nos presentes autos é a verificação de exceção inominada de impropriedade de uso de meio processual, nos termos do disposto no nº 2 do artº 38º do CPTA.

P. A pretensão da Recorrente – o “reconhecimento” de uma determinada situação profissional – ocorreria, necessariamente, como consequência da anulação do ato administrativo praticado pelo aqui Recorrido em 2008.

Q. Sucede que, a Recorrente nunca impugnou esse ato (ou qualquer outro), tendo apenas em 2015 (com a instauração da presente ação) deduzido os sobreditos pedidos de reconhecimento de direitos e de condenação à contratação como Assistente do 2º triénio – recorrendo, para tanto, a uma ação administrativa comum.

R. A Recorrente procurou, através da ação administrativa comum, obter os efeitos que só poderiam advir da competente ação administrativa especial.

S. Ora, como se sabe, a ação administrativa comum pode ser instaurada a todo o tempo, o mesmo não se passando com a ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo, que só poderá ser instaurada no prazo de 3 meses a contar da prática daquele ato.

T. Nesse sentido, e como é bom de ver, a Recorrente há muito que já conhecia (e se havia conformado) com o teor do ato administrativo praticado pelo Recorrido (que se consolidou na ordem jurídica em 2009), só se lembrando de procurar contrariar os seus efeitos muito tempo depois.

U. E foi por isso que a Recorrente lançou mão de uma ação administrativa comum – pois sabia que já havia terminado o prazo para a competente ação de impugnação.

V. Ora, e ao contrário do que a Recorrente invoca, também o Acórdão do TCAN objeto do presente recurso não merece qualquer juízo de censura, pois como é aí evidenciado, “não está apenas em causa o direito a uma determinada remuneração, a Autora pretende ver-lhe reconhecido o direito de considerar-se contratada como Assistente de 2º triénio com Mestrado, índice 140, da estrutura remuneratória do pessoal docente do ensino superior politécnico, desde 10.10.2008.

Direito que lhe foi negado pelo despacho do Presidente do Instituto Politécnico do Porto, de 31.10.2008, que autorizou a renovação por mais três anos do contrato administrativo da Autora, mantendo a categoria de Assistente do 1º triénio, índice 100.

(…)

Tal despacho, de 31.10.2008, definiu unilateralmente a situação jurídica concreta da Autora, como contratada na categoria de Assistente do 1º triénio, índice 100.

Trata-se, manifestamente, de um ato administrativo no conceito que nos é dado pelo artº 120º do Código do Procedimento Administrativo (de 1991)” – negrito e sublinhado nosso.

W. Deste modo, e estando perante um ato administrativo, como se viu, não restaria à aqui Recorrente outra via que não lançar mão de uma ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo.

X. Assim, estando aqui sobejamente demonstrado que a pretensão da Recorrente só se alcançaria através da instauração de uma ação administrativa especial – o que não ocorreu e já não pode vir a ocorrer (pois já se extinguiram todos os prazos para esse efeito), não restam dúvidas sobre a total improcedência da ação.

Y. De resto, não se vislumbram neste caso quaisquer outros motivos para se contornar a claríssima imposição decorrente do nº 2 do artigo 38º do CPTA aplicável nos presentes autos: a ação administrativa comum não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável».


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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artigo 150º do CPTA], proferido em 08.02.2018.

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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, emitiu pronúncia no sentido da procedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

A matéria de facto fixada nos autos é a seguinte:

«1. A Autora foi admitida como docente na Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão com a categoria de Assistente, por via de processo concursal de recrutamento aberto pelo Edital nº 688/2005, publicado no Diário da República, 22 série, nº 137, de 19.07.2005, para selecção e admissão de Assistente para a área científica de Ciências e Tecnologias da Documentação e Informação.

2. Na sequência do provimento concursal foi celebrado entre o Presidente do Instituto Politécnico do Porto e a Autora, contrato administrativo de provimento (2005/588), com data de 10.10.2005.

3. Por via de tal contrato, a docente iniciou funções nessa data de 10.10.2005, com a categoria de Assistente de 1º triénio, índice retributivo 100.

4. O período de validade inicial contratual foi de três anos (até 09.10.2008).

5. Em 24.07.2006 a Autora foi aprovada no grau de Mestre em Engenharia Industrial - Área de Especialização em Logística e Distribuição.

6. Por Despacho do Presidente do Instituto Politécnico do Porto, de 31.10.2008, que autorizou a renovação por mais três anos do contrato administrativo da Autora, como Assistente (Despacho nº 3913/2009, DR, 2ª Série, nº 21, de 30.01), o seu contrato foi renovado por mais um triénio, de 10.10.2008 a 09.10.2011, mantendo a categoria de Assistente do 1º triénio, índice 100.

7. Por despacho de 18.05.2012, do Presidente da Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão, foi autorizada a renovação do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, na categoria de Assistente em regime de exclusividade, com o vencimento a auferir de 1.636,83 euros, correspondente ao 1º escalão, índice 100, escalão 1 do anexo II do Decreto-lei nº 408/89, de 18.11, e com a Portaria nº 1553-C/2008, de 31.12, com efeitos a partir de 10.10.2011 e término em 09.10.2013.

8. Na sequência do despacho de autorização de renovação contratual, foi celebrada com data de 25.05.2012 uma adenda ao contrato de trabalho a termo da Autora, na categoria de Assistente, 1º escalão, índice 100.

9. Por despacho de 30.09.2013, do Presidente da Escola Superior de Estudos Industriais e de Gestão, foi autorizada a renovação do contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo certo, na categoria de Assistente cm regime de exclusividade, com o vencimento a auferir de 1.636,83 euros, o correspondente ao 1º escalão, índice 100, escalão 1 do anexo II do Decreto-lei nº 408/89, de 18 de Novembro e com a Portaria nº 1553-C/2008, de 31 de Dezembro, com efeitos a partir de 10.10.2013 e término em 09.10.2015.

10. Correu termos no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa acção administrativa especial, com o nº 308/08.7BELSB, intentada pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior (representado pelo mesmo mandatário que patrocina a presente acção) contra as aqui Rés, em representação da docente B…………, onde era pedida a “anulação do acto de 7.11.2007, da autoria do Presidente do IPP, que autorizou a renovação do contrato administrativo como assistente do 1° triénio, e, cumulativamente, serem as entidades demandadas condenadas à prática dos actos necessários para que a renovação do contrato de B……….. seja efectivado e autorizado como configurando a atribuição da categoria de assistente do 2º triénio e, consequentemente, sejam pagos à docente os diferenciais, vencidos e vincendos, de vencimento entre os valores mensais pagos como assistente de 1° triénio e os devidos como assistente de 2º triénio, acrescidos de juros de mora à taxa de juro legal até integral pagamento dos mesmos.”

11. A presente acção deu entrada neste tribunal em 27 de Janeiro de 2015».


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2.2. O DIREITO

Mediante a interposição da presente acção, pretende a autora/ora recorrente o reconhecimento da sua categoria profissional, como Assistente de 2º triénio com Mestrado, índice 140 da estrutura remuneratória do pessoal docente do ensino superior politécnico e pagamento das respectivas diferenças remuneratórias entre aquelas remunerações e as percebidas como Assistente de 1º triénio, desde 10-10-2008.

O acórdão recorrido proferido pelo TCAN, na apreciação que fez, começou por esclarecer que a absolvição da instância não se fundava, no erro na forma de processo, [como decidido na 1ª instância] mas sim na verificação de uma excepção dilatória inominada usualmente designada por “impropriedade do meio processual”.

De seguida concluiu que, no presente caso, tinha havido um acto administrativo não impugnado:

(…)

E, na verdade, há no caso um acto administrativo que se consolidou na ordem jurídica, incompatível com a pretensão remuneratória aqui deduzida. Obviamente o direito à remuneração é fixado na lei, mas aqui não está apenas em causa o direito a uma determinada remuneração. Está em causa o reconhecimento à contratação numa determinada categoria. A remuneração é uma consequência, essa sim, decorrente directamente da lei, do reconhecimento do direito a uma determinada categoria. A autora pretende ver-lhe reconhecido o direito a considerar-se contratada como Assistente de 2º triénio com Mestrado, índice 140, da estrutura remuneratória do pessoal docente do ensino superior politécnico, desde 10-10-2008. Direito que lhe foi negado pelo despacho do Presidente do Instituto Politécnico do Porto, de 31-10-2008, que autorizou a renovação por mais três anos (triénio de 10-10-2008 a 9-10-2011) do contrato administrativo da Autora, mantendo a categoria de Assistente do 1º triénio, índice 100 - facto provado sob o n 6.

(…)

Tal despacho, de 31-10-2008, definiu unilateralmente a situação jurídica concreta da autora, como contratada na categoria de Assistente do 1º triénio, índice 100.

Trata-se, manifestamente, de um acto administrativo no conceito que nos é dado pelo art. 120º do Código de Procedimento Administrativo (de 1991).

Acto esse que se consolidou no ordem jurídica por não ter sido atempadamente impugnado, no prazo de 3 meses, a que alude a alínea b) do nº 1 do art. 58º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”

(…)

Face ao disposto no artigo 38º, nº 1 do CPTA a autora não pode pretender agora um efeito incompatível com esse acto, ou seja, o mesmo que obteria com a anulação do acto, a saber, o reconhecimento a ser contratada como Assistente de 2º Triénio com Mestrado, índice 140.»

Inconformada com esta decisão, autora/ora recorrente reitera no presente recurso e em síntese, que atendendo aos pedidos formulados no reconhecimento do direito a uma dada retribuição [cuja prescrição apenas opera 1 ano após a cessação do vinculo laboral] e na condenação da Administração no pagamento dos créditos liquidados, utilizou a forma de processo adequada - a acção administrativa comum, prevista no art. 37º, nºs 1, 2, al. a), d), e e) do CPTA.

Em contrapartida, o recorrido continua a defender que o reconhecimento de uma determinada situação profissional ocorreria, necessariamente, como consequência da anulação do acto administrativo praticado em 2008, pelo que, não tendo sido este impugnado no prazo de 3 meses como estipula a alínea b) do nº 1 do artº 58º do CPTA, não poderia a autora vir agora propor uma acção administrativa comum que pode ser instaurada a todo o tempo, em vez da adequada acção administrativa especial de impugnação de acto administrativo. Considera, deste modo, que o acórdão recorrido fez correcta aplicação do disposto no nº 2 do artº 38º do CPTA

Vejamos, sendo que prioritariamente, importa decidir se o acto que autorizou a contratação da autora/recorrente em determinada categoria é ou não um acto administrativo; ou seja, a qualificação – como acto administrativo ou não.

Consta do ponto 6 da factualidade provada que, pelo Presidente do IPP foi autorizada a renovação, por mais três anos do contrato administrativo da autora, como Assistente; por via deste Despacho, o contrato da autora foi renovado por mais um triénio, de 10.10.2008 a 09.10.2011, mantendo, no entanto, a autora, a categoria de Assistente do 1º triénio, índice 100.

Cremos, no entanto, que tal Despacho não se deve configurar como um verdadeiro acto administrativo, que se apresente com eficácia externa e imediatamente executório e que tenha produzido qualquer alteração na esfera jurídica da autora, e deste modo, tenha decidido de forma definitiva a situação laboral da mesma.

Com efeito, estamos perante um acto meramente autorizativo, que na sua essência se destinou aos serviços administrativos do Instituto e teve como objectivo permitir/autorizar que estes procedessem à renovação do contrato de provimento da autora por mais três anos.

Ou seja, tudo indicia que se trate de um acto interno ou instrumental; estes actos caracterizam-se na sua essência, como sendo aqueles pelos quais se permite que seja exercido um poder já existente na esfera jurídica de alguém, ou que se limitam a extrair/remover um obstáculo legal ao livre exercício de um direito pré-existente.

Ao invés, também não estamos no plano estrito do domínio da responsabilidade contratual, pois a autora não pretendeu com a interposição da presente acção, pôr em causa o acto que procedeu à renovação do seu contrato, mas unicamente no plano de um aspecto do contrato relativo às carreiras e processamento de vencimentos inerentes, conjugados com as medidas de congelamento que ocorreram, tratando-se deste modo de aspectos que são vinculativos para ambas as partes, por decorrerem expressa e directamente da lei aplicável.

Daí que, a autora reitere desde o articulado inicial que o direito que agora peticiona decorre directamente da lei [no caso, do Estatuto da Carreira Docente e do diploma que fixa a estrutura retributiva da carreira em causa] não exigindo a prática de um acto administrativo; ou seja, a pretensão formulada nos autos não se confunde com a de condenação à prática de acto devido [que segue a forma da acção administrativa especial], pois o que ela peticiona não é a emissão de um acto administrativo, do qual porventura dependa o reconhecimento do direito, mas o reconhecimento do direito a remuneração que legalmente lhe é devida porque decorre directa e imediatamente da lei e a correspectiva condenação ao pagamento dos créditos salariais apurados desde a data em que alega ter preenchido os requisitos legais; não está no âmbito dos poderes conformadores do recorrido pagar uma ou outra remuneração, porque esta está já fixada na lei [Anexo II do DL nº 408/89 de 18.11 e Portaria nº 1553-C/2008 de 31.12 – estrutura contributiva] devida por categoria também prevista na lei – [Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico].

Não poderemos, pois, afirmar que o facto de autora pretender com a instauração da presente acção, ver reconhecido o direito a considerar-se contratada como Assistente de 2º triénio, com Mestrado, índice 140, da estrutura remuneratória do pessoal docente do ensino superior politécnico, com efeitos rectroactivos a 10.10.2008, tal signifique que a mesma está a tentar destruir os efeitos que foram produzidos mediante o Despacho do IPP de 31.10.2008, dado que este apenas produziu um acto de autorização, para que pudesse operar a renovação por mais três anos do contrato administrativo da autora [triénio de 10.10.2008 a 09.10.2011], mantendo a categoria de Assistente do 1º triénio, índice 100.

E deste modo, não podemos configurar o Despacho do Presidente do IPP como um acto administrativo que definiu unilateralmente a situação da autora, pois mesmo mantendo-se este na ordem jurídica, se a autora tiver razão nos argumentos que justificam o pedido formulado na presente acção, apenas lhe vai ser reconhecido um estatuto remuneratório que segundo ela decorrem directamente da lei.

Ou seja, a acção administrativa comum prevista na anterior redacção do CPTA, é o meio adequado para analisar das pretensões da autora – cfr. artº 37º, nºs 1, 2, als a), d) e e) do CPTA - impondo-se que o tribunal recorrido dos argumentos e pressupostos alegados, ou seja conheça do mérito da causa.


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3. DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso e determinar a baixa dos autos ao tribunal recorrido para aí prosseguir, com conhecimento do mérito, se nada a tal obstar

Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 30 de Maio de 2018. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.