Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0317/14
Data do Acordão:05/14/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
TABELA DO IMPOSTO DE SELO
PRÉDIO URBANO
Sumário:Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.º do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.º 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Nº Convencional:JSTA000P17459
Nº do Documento:SA2201405140317
Data de Entrada:03/12/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 16 de Dezembro de 2013, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………….., Cabeça de Casal da Herança com o NIF …………, com os demais sinais dos autos, contra liquidação de Imposto no Selo relativa ao exercício de 2012, no valor de € 5.099,05, anulando-a, apresentando para tal as seguintes conclusões:
a) A questão decidenda é a interpretação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) aditada pelo art. 4.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, em articulação com o art. 6.º n.º 1 al. f) e i) dessa mesma lei.
b) Com a alteração introduzida pela citada Lei, o IS passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou inferior a €1 000 000,00 (vide verba n.º 28 da TGIS);
c) No CIS não há qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, pelo que terá que se aplicar o disposto no CIMI, para aferir da eventual sujeição a IS (Cfr. art. 67.º, n.º 2 do CIS redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012);
d) O art. 2.º n.º 1 do CIMI define o conceito de prédio e o art. 6.º n.º 1 do CIMI dispõe acerca das espécies de prédios urbanos existentes, integrando neste conceito os terrenos para construção;
e) A noção de afectação do prédio urbano está subjacente à avaliação dos imóveis, corresponde ao valor incorporado no imóvel em função da utilização a que está afecto, constituindo um facto de distinção determinante para efeitos de avaliação (coeficiente), porquanto;
f) Na avaliação dos terrenos para construção, o legislador optou pela aplicação da metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes previstos no art. 38.º do CIMI, nomeadamente, o coeficiente de afectação previsto no art. 41.º desse código;
g) E tal resulta da imposição legal prevista no n.º 2 do art. 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno para construção (Vide Ac. do TCA do Sul, 2012/02/14, proc. 04950/11 e Ac. do STA, 2010/02/10, proc. 01191/09);
h) Para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba n.º 28 da TGIS não pode ser “desprezada”, já que;
i) Na aplicação daquele coeficiente deve levar-se em consideração a classificação dos prédios urbanos (cfr. art. 6.º n.º 2 do CIMI), norma que estabelece como critérios a eleger, com base nessa classificação dos prédios, em primeiro lugar, o licenciamento dos edifícios ou construções ou, na falta de licenciamento, o destino normal dos imóveis;
j) O regime de avaliação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção está previsto no art. 45.º do CIMI e o seu modelo é semelhante ao dos edifícios construídos, embora tenha como suporte o edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto;
k) O valor do terreno para construção corresponde a uma expectativa jurídica, que se traduz num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e valor;
l) É essa expectativa consubstanciada na produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel passa a poder ser qualificado como terreno para construção;
m) O legislador, na avaliação dos terrenos para construção, separa 2 partes do terreno:
n) A parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, cuja área de implantação se situa dentro do perímetro previsto de fixação do edifício a construir no solo. A determinação do valor dessa parte do terreno resulta da avaliação do edifício a construir, como se já estivesse construído, utilizando-se para tal o projecto de construção aprovado. Efectuada essa determinação do valor, reduz-se o valor apurado a uma percentagem entre 15% e 45% (cfr. art. 45.º n.º 2 do CIMI) devido ao prédio ainda não estar concluído;
o) e a parte do terreno adjacente à área de implantação, o valor dessa parte do terreno é apurado da mesma forma que determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano, levando em consideração o disposto no art. 40.º n.º 4 do CIMI;
p) Daqui ser forçoso concluir que, a utilização do coeficiente de afectação na determinação do VPT dos terrenos para construção deriva da lei, quando estabelece que o valor da área de implantação é determinado em função do valor das edificações autorizadas ou previstas, resultando tal da aplicação do sistema geral de avaliações de prédios urbanos ao projecto de construção em causa, na avaliação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção.
q) Além disso, a indicação da afectação habitacional dos terrenos para construção decorre da iniciativa do contribuinte, nos termos do art. 37.º do CIMI, ou decorre da avaliação geral, com base nos elementos fornecidos pela Câmara Municipal.
r) O entendimento da AT é que o conceito de “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma, já que,
s) O legislador não refere “prédios destinados a habitação” antes tendo optado pela noção “afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º n.º 1 al. a) do CIMI;
t) Por outro lado, muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção, através do alvará de licença para a realização de operações urbanísticas e, muitas vezes, do estabelecido nos Planos Directores Municipais que estabelecem o modelo de organização espacial do território municipal;
u) Logo, contrariamente ao decidido na douta sentença, a afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28, não implica necessariamente a existência de edifícios ou construções, aplicando-se, portanto, a terrenos para construção com essa afectação;
v) Embora, a douta sentença tenha acompanhado de perto a fundamentação constante da decisão do CAAD de 2/10/2013, proc. 53/2013-T, que decidiu que um “prédio com afectação habitacional” não poderá ser apenas um prédio licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um “prédio habitacional”) tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim”consideramos que,
w) Salvo melhor opinião, tal pensamento não resulta nem do pensamento legislativo nem tem o mínimo de correspondência verbal com a letra da lei aqui em causa;
x) A douta sentença padece de erro de julgamento de direito, quando decidiu considerar que um terreno para construção não implica uma afectação habitacional subsumível à verba n.º 28 da TGIS, violando, assim, o disposto nos art.ºs 41.º, 45.º, 37.º e 38.º todos do CIMI, art. 9.º n.º 1 do CC e art. 11.º n.º 1 da LGT.
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a liquidação impugnada, assim se fazendo JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu o parecer de fls. 122/123 dos autos, concluindo no sentido da improcedência do recurso, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -

4 – Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao anular a liquidação sindicada, no entendimento de que os terrenos para construção não se subsumem no conceito de prédios com “afetação habitacional” para efeitos de incidência do Imposto do Selo a que se refere a verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, na sua redacção originária (entretanto alterada pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro).

5 – Matéria de facto
Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:
A) O impugnante é proprietária de metade indivisa do terreno para construção urbana, sito na Rua …………., freguesia de ………….., concelho de Silves, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 2777, com o valor patrimonial tributário superior a um milhão de euros - cfr. docs. 1 junto com a p.i.;
B) Ato Impugnado: Relativamente ao exercício de 2012 foi efetuada, em 21.03.2013, a liquidação de Imposto do Selo n.º 2013 000294539, no valor de €5.099,05, para pagamento no mês de abril de 2013 - cfr. doc. 2 junto com a p.i.
C) Em 22.04.2013 o Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação que antecede com fundamento na falta de verificação dos pressupostos de incidência objectiva - cfr.doc. 3 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido.
D) Por ofício de 03.05.2013 a representante do ora Impugnante foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. doc. 4 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzida.
E) Em 16.05.2013 o ora Impugnante exerceu o direito de audição prévia com fundamentos idênticos aos apresentados na presente impugnação - cfr. doc. 5 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido.
F) Em 20.05.2013 o ora Impugnante foi notificado da decisão de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. doc. 6 junto com a p.i. que aqui se dá por integralmente reproduzido e fls. 40 e 41 do PA apenso.
G) Em 29.05.2013 apresentou a presente impugnação judicial, por correio sob registo – cfr. fls. 2 dos autos.
6 – Apreciando.
6.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida.
A sentença recorrida, a fls. 78 a 88 dos autos (complementada por despacho de fls. 98 a 100, suprindo nulidade por omissão de pronúncia quanto à questão dos peticionados juros indemnizatórios), julgou procedente a impugnação deduzida pela ora recorrida contra o indeferimento de reclamação graciosa tendo por objecto acto de liquidação de Imposto do Selo relativo a 2012, anulando-o e determinando a restituição ao impugnante do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios, no entendimento de que mostrando-se provado que o prédio objecto de tributação é um terreno para construção, a liquidação sob escrutínio enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação (cfr. sentença recorrida, a fls. 87 dos autos).
Para assim decidir considerou a sentença recorrida, depois reproduzir as disposições legais cuja aplicação era directamente convocada no caso dos autos (verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e artigo 6.º dessa mesma Lei), que tendo sido utilizado naquelas normas de incidência um conceito que, na plenitude da sua expressão escrita, não é utilizado em qualquer outra norma de natureza tributária nesses precisos termos, qual seja, a de “prédio com afetação habitacional” (…) o ponto de partida para a correta interpretação daquela expressão (prédio com afetação habitacional) há-de buscar-se, não só na letra da lei, presumindo-se que o legislador se exprimiu convenientemente, mas também na sua integração sistemática com as normas constantes do CIMI, sem descurar a intenção ou espírito do legislador (…), tendo sido esse o raciocínio desenvolvido na decisão proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa, em 02.10.2013, no processo n.º 53/2013-T, disponível em www.caad.org.pt - que confessadamente acompanha de perto, porquanto nela se revê inteiramente (cfr. sentença recorrida, a fls. 81 a 84 dos autos) -, na qual se consignou que sendo o conceito legal, para efeitos tributários, mais próximo do teor literal da expressão utilizada na verba 28 da TGIS (…), o de “prédios habitacionais”, definido no n.º 2 do artigo 6.º do CIMI como abrangendo «os edifícios ou construções» licenciados para fins habitacionais ou, na falta de licença, que tenham como destino normal fins habitacionais (…) a entender-se que a expressão «prédio com afetação habitacional» coincide com o de «prédios habitacionais», é manifesto que a liquidação enferma de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, pois o prédio relativamente ao qual foi liquidado o Imposto do Selo ao abrigo da referida verba n.º 28.1 é um terreno para construção (…); não descurando, porém, a não coincidência dos termos da expressão utilizada na verba n.º 28.1 da TGIS com a que se extrai do n.º 2 do artigo 6.º do CIMI, a qual pode apontar no sentido de que poderá, eventualmente, não se ter pretendido utilizar o mesmo conceito, admite-se que o legislador poderá ter tido em vista incluir no âmbito de incidência da nova verba do Imposto do Selo não todos os prédios classificados como habitacionais, mas apenas os prédios urbanos habitacionais que tenham já efectiva afetação a esse fim (e não apenas os que para tal fim estejam licenciados ou destinados) – porquanto, como se confirma pelo artigo 3.º do CIMI, a expressão “afetação” é, a nível da ligação de um prédio a determinada utilização, algo mais intenso que o mero destino e que pode ou não ocorrer, a jusante deste e não a montante (cfr. sentença recorrida, a fls. 84 a 86 dos autos). Considerou ainda a sentença recorrida que a alteração à verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo constante da proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2014 se não demonstra, em toda a sua dimensão, a hermenêutica aqui proposta, não é menos verdade que, no que à conclusão essencial a que se chegou, de que, nos termos em que se encontra redigida não abrange na sua incidência objectiva os terrenos para construção, a mesma não resulta da abalada, mas antes (…) confirmada (cfr. sentença recorrida, a fls. 87 dos autos).
Discorda do decidido a Fazenda Pública, imputando à sentença recorrida erro de julgamento por errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, alegando que se para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, (…) a sua consideração para efeitos de aplicação da verba n.º 28 da TGIS não pode ser “desprezada”, entendendo a Administração tributária que o conceito de “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma, já que o legislador não refere “prédios destinados a habitação” antes tendo optado pela noção “afectação habitacional”, expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º n.º 1 al. a) do CIMI, sendo que muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção, através do alvará de licença para a realização de operações urbanísticas e, muitas vezes, do estabelecido nos Planos Directores Municipais que estabelecem o modelo de organização espacial do território municipal, daí que entenda ser de concluir que, contrariamente ao decidido na douta sentença, a afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28, não implica necessariamente a existência de edifícios ou construções, aplicando-se, portanto, a terrenos para construção com essa afectação.
O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste STA, no seu parecer junto aos autos e supra transcrito, defende o não provimento do recurso.
Vejamos.
A questão a dirimir no presente recurso é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (no regime transitório que lhe foi definido para o ano de 2012 pelo artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), ao julgar que os terrenos para construção não são subsumíveis no conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, conceito este que é utilizado no corpo e n.º 1 da nova verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo para definir a incidência objectiva do (novo) imposto sobre a propriedade criado pela Lei n.º 55-A/2012.
Questões idênticas a esta foram recentemente decididas por este STA, em sentido uniforme, por Acórdãos de 9 e 23 de Abril (recursos n.ºs 1870/13, 48/14, 270/14, 271/14 e 272/14), nos quais se consignou que os “terrenos para construção” não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 da respectiva Tabela Geral (na redacção da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional.
E isto porque, como aí se deixou dito:
O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).
Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência objectiva da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do Imposto do Selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro. (fim de citação)

É este julgamento que aqui se reitera, convictos que estamos de que a solução à questão que se coloca nos presentes autos não pode ser senão esta, razão pela qual haverá que negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, que bem julgou.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 14 de Maio de 2014. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro DelgadoFonseca Carvalho.