Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:095/20.0BALSB
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:REQUISITOS
RECORRIBILIDADE
JURISPRUDENCIA CONSOLIDADA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28579
Nº do Documento:SAP20211124095/20
Data de Entrada:09/17/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – RELATÓRIO


I.1 Alegações
I. A DIRECTORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, inconformada com a decisão arbitral proferida no processo nº 790/2019-T que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), julgando parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido por A…………………… contra o acréscimo de tributação em sede de IRS, relativo ao ano de 2018, vem dela apresentar Recurso para Uniformização de Jurisprudência, para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do disposto no art. 152º, nº1 do CPTA (Código de Processo dos Tribunais Administrativos) e do nº 2, do art. 25º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro), com a alteração introduzida pela Lei nº 119/2019, de 18/09, por considerar que a referida decisão arbitral recorrida colide com a decisão arbitral proferida no processo nº 539/2018-T do CAAD, em ……. – o qual transitou em julgado.

II. Por despacho a fls. 204 do SITAF, o Ex.º Relator junto deste Supremo Tribunal ordenou notificação ao Ministério Público para emissão de Parecer.

III. A recorrente Fazenda Pública, veio apresentar alegações de recurso a fls. 4 a 24 do SITAF, no sentido de demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
A – O Acórdão arbitral recorrido (790/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral “(…)a) Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular parcialmente o acto tributário objecto dos presentes autos, por violação de lei, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária, com as demais consequências legais; b) Condenar a AT a restituir ao Requerente o valor de imposto pago em excesso, acrescido de juros indemnizatórios, a contar da data em que foi efectuado o pagamento até à data do processamento da respectiva nota de crédito (…);”
B – E sustenta o referido acórdão arbitral que “A questão de fundo a apreciar, consiste em saber se a norma estabelecida pela legislação nacional no artigo 43.º do CIRS, consagra uma diferenciação entre residentes e não residentes, e em concreto, se a base de incidência em IRS das mais-valias derivadas da alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis é (in)compatível com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, o qual corresponde ao artigo 56.º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, por se traduzir num regime fiscal menos favorável para os não residentes. É, pois, esta a única questão que está em debate.
(…)
20. Acompanhando, sem reservas, a jurisprudência do STA e do CAAD acima referidas, e o acórdão proferido no Processo n.º 208/2019-T que aqui se transcreveu, considera este Tribunal que se não suscitam dúvidas quanto à incompatibilidade com o direito europeu das normas aplicadas à liquidação ora impugnada.
21. Nestes termos, julga-se incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE. Consequentemente, o acto de liquidação em causa, desconsiderando aquela limitação, encontra-se ferido de ilegalidade. Restringindo-se a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, e nela se centrando em exclusivo o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, deve esse acto ser parcialmente anulado.”
C – Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 539/2018-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que:
“14 - Apresenta-se, pois, neste processo, uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto: a) Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efetuadas por residentes, previstas na alínea a)2 do n.º 1 do artigo 10.º.
b) Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes.
15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação.
16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu.
17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.
18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.
19 - O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado "in toto", como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.
19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.
20 - Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.”
D – Concluindo o Acórdão fundamento que:
“20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018.5005490173, relativa ao ano de 2017 e no valor de €47.034,56.
(…)
Termos em que se decide:
a) Julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada.
b) Julgar igualmente improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor do Requerente. (…)”
E – Verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS é aplicável aos não residentes.
F – Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário (vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-06-03, processo 0793/14) que:
· as situações de facto sejam substancialmente idênticas;
· haja identidade na questão fundamental de direito;
· se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e,
·a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.
G - As presentes alegações demonstram que, no caso vertente, se encontram reunidos os referidos requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos.
H - Para que se considere que há oposição de acórdãos, entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o se verificou.
I - Entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada se reporta a tributação no âmbito de IRS, tendo em conta a aplicação do art. 43.º, n.º 2 do CIRS aos não residentes.
J - As decisões em confronto perfilharam, sobre a mesma questão fundamental de direito, soluções opostas de forma expressa, isto é, adotaram sobre a mesma questão de direito soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto.
K - Resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral.

I.2 – Contra-alegações
Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância com o seguinte quadro conclusivo, a fls. 187 a 199 do SITAF:
I – A douta Decisão Arbitral recorrida, devidamente fundamentada, julgou incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE. Consequentemente, o acto de liquidação em causa, desconsiderando aquela limitação, encontra-se ferido de ilegalidade. Restringindo-se a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, e nela se centrando em exclusivo o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, deve esse acto ser parcialmente anulado.
II – A Decisão Arbitral Fundamento pronunciou-se no sentido da liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018.5005490173, relativa ao ano de 2017 e no valor de €47.034,56. (sublinhado nosso).
III – Ora, da Decisão Fundamento resulta inequivocamente que, nesse Processo, o CAAD confrontou-se com “uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto:
a) Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais-valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efetuadas por residentes, previstas na alínea a)2 do n.º 1 do artigo 10.º.
b) Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes.
15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação.
16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu.
17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.
18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.
19 - O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado "in toto", como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.
19. Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.
20- Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.
20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral …”.
IV – Neste circunstancialismo, por força da opção declarativa do contribuinte aquando da submissão da declaração de IRS, o CAAD, na Decisão Arbitral Fundamento limitou-se a analisar as incongruências do pedido, sem, em bom rigor, se debruçar sobre a compatibilidade ou incompatibilidade da norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS com o direito europeu na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.
V – Na verdade, na Decisão Arbitral Fundamento conclui-se que a liquidação de IRS impugnada respeita as opções do contribuinte, pelo que não pode invocar qualquer discriminação negativa.
VI – Posta esta análise prévia das duas Decisões em confronto, só uma leitura “despreocupada” e superficial da Decisão Arbitral Fundamento permite concluir pela identidade das situações de facto, pela identidade na questão fundamental de direito.
VII - Consequentemente, deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser rejeitado por não se encontrarem reunidos os requisitos do artº 25 nº 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT):
“A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.”
VIII – Deve ainda este Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser rejeitado por força do disposto no artº 152 nº 3 do CPTA, porquanto a Decisão Arbitral recorrida está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, a saber a consagrada nos Ac. de 22-03-2011- Proc. 01031/10, de 10-10-2012,
- Proc. 0533/12, de 30-04-2013,
- Proc. 01374/12, de 18-11-2015,
- Proc. 0699/15, de 03-02-2016,
- Proc. 01172/14 e, mais recentemente, de 20-02-2019, Proc. 0901/11.
IX – Ac. STA. de 20-02-2019, proferido no Proc. 0901/11.0BEALM.0692/17
“I - Por imperativo constitucional as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, nos termos definidos pelos órgãos de direito da União, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático. Nos termos do art. 8.º, n.º 4, da CRP «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
II - Tendo Portugal competência para legislar quanto ao imposto sobre o rendimento, por tal não ser matéria de competência exclusiva da EU, não pode incluir nessa regulamentação normas que, em concreto, sejam violadoras dos Tratados, na interpretação que deles faça, como fez, o Tribunal de Justiça da EU.
III - O acto impugnado, que aplicou o referido art. 43.º, n.º 2 do CIRS, incompatível com o referido art. 56.º do Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, enferma de vício de violação deste último normativo, o que consubstancia ilegalidade, que justifica a sua anulação (artº 135.º do Código de Procedimento Administrativo).”

I.3 – Parecer do Ministério Público
Foi emitido Parecer do Ministério, junto aos autos a fls. 207 e seguintes do SITAF, com o seguinte teor:
“A Autoridade Tributária, inconformada com a decisão proferida no Processo Arbitral, processo nº 790/2019-T, vem, nos termos do disposto nos artigos 25.º e 26.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT, interpor recurso para uniformização de jurisprudência, com base em oposição de acórdãos, apresenta como acórdão fundamento, a Decisão Arbitral proferida no processo 539/2018-T.
A Recorrida apresentou contra-alegações pedindo a rejeição do recurso, por falta de cumprimento dos requisitos previstos no art. 25º nº 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, por não existir identidade das questões de direito apreciadas, e por a Decisão Arbitral recorrida estar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, de acordo com o que dispõe o art. 152º, nº3 do CPTA.
Pede a manutenção da decisão.
Antes de mais, vejamos se encontram reunidos os pressupostos de que depende a sua admissão e só depois, apreciar do seu mérito.
Sendo o recurso para uniformização de jurisprudência, um recurso extraordinário, tem por finalidade que seja proferida decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que as decisões dos Tribunais superiores sobre uma questão fundamental de direito tenham sido contraditórias. Tem, pois, por finalidade, corrigir a eventual injustiça cometida na decisão recorrida, mas também e essencialmente garantir que o novo julgamento regularize o entendimento a adotar perante a questão fundamental de direito controvertida.
Vejamos então se se encontram reunidos os pressupostos de que depende a sua admissão.
O regime deste tipo de recursos está fixado no artº 152º do CPTA no qual se estabelecem os seguintes requisitos de admissibilidade:
a) Contradição de julgamentos em Acórdãos proferidos pelos Tribunais Centrais Administrativos, ou pelo Supremo Tribunal Administrativo;
b) Que essa contradição tenha recaído sobre a mesma questão fundamental de direito, existindo identidade dos respetivos pressupostos de facto;
c) Que tenha havido o trânsito em julgado dos Acórdãos impugnado e fundamento;
d) Que não exista conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.
Por outro lado, mantendo-se os princípios que vinham da jurisprudência anterior, a estes requisitos há que acrescentar as condições de admissibilidade estabelecidas na jurisprudência para o recurso por oposição de julgados, que são:
(i) para cada questão deve o recorrente eleger um e apenas um acórdão fundamento;
(ii) só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos;
(iii) só releva a oposição entre decisões e não entre meros argumentos.
Posto isto, diremos que para existir contradição de julgados sobre a mesma questão fundamental de direito, terão que as decisões contraditórias, ter sido tiradas perante quadros normativos e factuais essencialmente idênticos e, por isso, quando essa contradição tenha resultado apenas de divergente interpretação jurídica.
Acrescente-se ainda que, o prazo de interposição do recurso para uniformização de jurisprudência é de 30 dias contados da notificação da decisão arbitral, nos termos do disposto nos artigos 24.º/3 e 25.º/3 do RJAT e 152.º/1 do CPTA, e obriga que a petição de recurso seja acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinaram a contradição alegada e a infração imputada ao acórdão recorrido.
Sendo que estes pressupostos são de verificação cumulativa, a não verificação de um deles conduz à não admissão do recurso.
Vejamos.
Na decisão Recorrida, a Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, apresenta nas conclusões de recurso as razões porque entende se encontrarem verificadas todos os pressupostos para a apreciação do recurso para uniformização de jurisprudência, com base em oposição de acórdãos. A ora Requerida apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, pedindo a declaração de ilegalidade da liquidação de IRS emitida pela Autoridade Tributária Aduaneira.
Como causa do pedido, a Requerida alegou ser residente em França, tendo, no de 2018, procedido à alienação de um imóvel sito em Portugal. Considera que lhe é aplicável, a limitação a 50% do valor das mais-valias prevista no artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, por força da proibição da discriminação e da restrição da liberdade de circulação de capitais na União Europeia, também aos residentes em outros países da União Europeia, invocando essencialmente o Acórdão do TJUE de 11/07/2007, proferido no âmbito do processo nº C-443/06 (Acordão Hollmann). A Decisão Arbitral, proferida no proc. 790/2019-T, declarou ilegal a liquidação de IRS, referente ao ano de 2018, determinando a sua anulação parcial. Condenou a AT a reembolsar a Requerente o valor do imposto pago em excesso e juros indemnizatórios. Considera assim, a decisão, que as disposições do Tratado que rege a União Europeia prevalecem sobre as normas de direito ordinário nacional, desde que respeitem os princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
E nesse sentido, viola o princípio de livre circulação de capitais a norma do direito português que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um imóvel por não residentes a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação ao mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por residentes. No Acórdão Fundamento, está também em causa, saber se no caso das mais-valias resultantes da alienação das duas frações autónomas descritas no processo, se deve aplicar o regime de tributação igual ao aplicável aos residentes, sem discriminação negativa quanto a estes, em obediência ao Direito Comunitário. Posto isto, direi que ocorre identidade de situações de facto, porquanto, quer no Decisão Arbitral fundamento quer na Decisão recorrida, ambas apreciam a mesma questão, ocorre identidade da questão de direito, já que que, quer no Acórdão fundamento quer na decisão arbitral recorrida, a questão fulcral de direito a decidir é saber se aos não residentes, lhes é aplicável, a limitação a 50% prevista no do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, relativa ao valor das mais-valias.
Concluindo-se pela existência de oposição entre os arestos em causa, cabe, então, apreciar o segundo requisito, isto é, se a decisão impugnada está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Contudo, na Decisão Arbitral recorrida existe conformidade com a orientação perfilhada na jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.
Pelo que não se entende as razões porque a Fazenda Pública insiste em querer ver mais uma vez apreciada por este tribunal, questão jurídica que tem vindo a ser tratada de forma uniforme por este Supremo Tribunal Administrativo nos termos em que foi decidida pela decisão recorrida, como decorre no decidido nos acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário no processo n.º 01172/14, de 3.02.2016, no processo nº 01031/10 de 22.03.2011, no processo nº 01172/14 de 3.03.2016, os quais negaram provimento aos recursos interpostos pela Fazenda Pública, confirmando a incompatibilidade da legislação portuguesa com o direito comunitário quando não aplica aos residentes fora do território nacional a limitação de tributação a 50% das mais-valias realizadas prevista para os residentes no território nacional, donde se conclui inexistir motivo para conhecer deste recurso.
Neste contexto, tendo a decisão recorrida acolhido a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA, o recurso “sub specie” carece de um requisito de admissibilidade, pelo que emito parecer, no sentido de que não há lugar ao seu conhecimento, devendo ser julgado findo o presente recurso.”

I.4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

II. 1 – De facto
A decisão arbitral sob recurso, exarada a fls. 32 e seguintes do SITAF, considerou como provados os seguintes factos:
a) O Requerente, à data do facto tributário, era residente em França, concretamente, na Rue …………, ……………., Le Creuzot e com domicílio fiscal em Portugal na Rua …………..., n°…, ….., ……, Figueira da Foz; (Doc. 2 junto com o pedido arbitral)
b) Em 17 de Setembro de 2018, o Requerente procedeu à venda do imóvel sito na Rua do ……..…, n°…., Lugar de ………., Figueira da Foz, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ………. da freguesia de Buarcos e S. Julião e descrito na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o número 3177 de Buarcos; (Docs. 3 e 4 juntos com o pedido arbitral)
c) Consequentemente, o Requerente apresentou, em 2019, a Declaração de IRS Modelo 3, acompanhada do Anexo G, para declaração daquela alienação onerosa, na respectiva proporção, bem como, das despesas e encargos relevantes para apuramento de mais-valias; (Doc. 5 junto com o pedido arbitral).
d) Na referida declaração, o Requerente declarou a sua condição de não residente, enquadrando-se como “Não Residente” em Portugal e assinalando no respectivo quadro 8B (campo 04) a sua “Residência em país da UE ou EEE”,
e) No Anexo G da mencionada Declaração de Rendimentos, o Requerente inscreveu, no quadro 4 [“Alienação Onerosa de Direitos Reais sobe Bens Imóveis, artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do CIRS”], o valor de aquisição: € 94.175,78, o valor de alienação: € 205.000,00 e o valor das despesas e encargos com a alienação: € 1.230,00;
f) O Requerente, foi notificado da demonstração da liquidação de IRS com o n.º 2019 00006347343, relativa ao ano de 2018, no valor de € 25.676,23, em conformidade com a cópia da demonstração de liquidação de IRS que constitui o Doc. 6 em anexo ao pedido arbitral;
g) A AT determinou como rendimento colectável do Requerente a totalidade das mais-valias realizadas com a venda do identificado imóvel, no montante de € 91.700,82;
h) Sobre o qual liquidou imposto à taxa de 28%, de que resultou imposto a pagar no montante de € 25.676,23, através da liquidação nº 2019 5005565552 de 26/07/2019, relativa ao ano de 2018;
i) O Requerente procedeu ao pagamento do imposto em 04.09.2019. (Doc. 7 junto com o pedido arbitral)
j) Em 23-11-2019, o Requerente apresentou o presente pedido arbitral.

A decisão arbitral fundamento, proferido pelo Centro de Arbitragem Administrativa no âmbito do processo nº 539/2018-T datado de 22 de Abril de 2019, deu como provado a seguinte factualidade:
1 - O Requerente era residente à data de 2017, em Madrid, Espanha, ou seja, era residente num Estado-Membro da União Europeia, como comprovou;
2 - O Requerente apresentou a sua Declaração Modelo 3 de IRS, de substituição, com o Anexo G, declarando para efeitos de mais-valias os valores de aquisição e de alienação onerosa de dois prédios urbanos, participações sociais, valor de despesas e encargos e rendimentos prediais (Doc. 6).
3 - Verifica-se pelo Rosto da Declaração Mod. 3 que no quadro 8 B foram assinalados pelo Requerente o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes).
4 - E verifica-se também que o Requerente não preencheu os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro).
5 - Os referidos bens alienados e rendimentos declarados foram todos auferidos todos em território português e eram os seguintes:
3.1 - Fração autónoma designada pela letra …, a que corresponde o ……….., destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ……….., n.º ….., Letras ……., freguesia de Santa Isabel, concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz da freguesia de Campo de Ourique sob o artigo …. (Doc. 4), por escritura de 15/09/2017, pelo preço de €255,000,00 (Doc. 3).
A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €90.000,00, por escritura pública de 20/04/2015 (Doc. 2).
3.2 - Fração autónoma designada pela letra …, a que corresponde o ………., destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua …………., n.º ……, em Alcântara, concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ….. (Doc. 4), por escritura de venda de 21/03/2017, pelo preço de €155,000,00 (Doc. 5).
A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €55.000,00, por escritura pública de 10/11/2015 (Doc. 4).
3.3 - Participações sociais vendidas 06/10/2017, pelo montante de €21.290,10, que havia adquirido em 26/08/2014, pelo preço de €19.805,40.
3.4 - Rendimentos prediais de €4.300,00 respeitantes às rendas relativas às duas frações autónomas alienadas, referidas nos pontos anteriores, sem menção de encargos ou retenções por conta.
6 - A sua declaração foi aceite e validada pela Autoridade Tributária, dando origem à liquidação n.º 2018.5005367017, com um montante de imposto a pagar de €46.551,36 (Doc. 7), posteriormente retificada por uma 2.ª liquidação com o n.º 2018.5005490173, com um valor de imposto a pagar de €47.034,56, originando um estorno do montante também a pagar, em relação à 1.ª liquidação, de €483,20 (Doc.8).
7 - O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 em 24-08-2018 e também de €483,20 na mesma data, num total de €47.034,56 (Doc.s 9 e 10).
8 - Pela demonstração da 2.ª liquidação de IRS, com o n.º 2018.5005367017, conforme certidão junta aos autos, constata-se o apuramento de um rendimento global e coletável de €167.980,58 e a coleta de €47.034,56 (à taxa de 28%).
9 - O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 e também de €483,20, num total de €47.034,56, em 24-08-2018 (Doc.s 9 e 10).

II.2 – De Direito
I. Dispõe o artigo 25.º do RJAT – e dispunha na sua redação à data da interposição do presente Recurso – que:
1 - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Tribunal Constitucional na parte em que recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou que aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada.
2 - A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
3 - Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.
4 - Os recursos previstos nos números anteriores são apresentados, por meio de requerimento acompanhado de cópia do processo arbitral, no tribunal competente para conhecer do recurso.
5 - A interposição de recurso é obrigatoriamente comunicada ao Centro de Arbitragem Administrativa e à outra parte.

II. Vejamos, então e antes de tudo o mais, se se verificam as condições de recorribilidade previstas no n.º 2 deste artigo 25.º do RJAT:
- que a decisão arbitral recorrida se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;

- que a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral, nos termos do mesmo artigo;

- que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, para o qual o n.º 3 do artigo 25.º remete;

- que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPPT.

III. Mais se entende que é idêntica a questão fundamental de Direito quando:

- as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

- o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida;

- quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respectivos fundamentos.


IV. Ora, vertendo ao caso dos presentes autos, pode-se concluir, quanto ao contexto fáctico, que o mesmo é claramente semelhante:
- Ambos os sujeitos passivos envolvidos são residentes na União Europeia, respectivamente em França e Espanha;
- Ambos os sujeitos passivos se qualificam como não residentes para efeitos do Código do IRS;
- Ambos os sujeitos adquiriram e alienaram imóveis urbanos sitos em Portugal, resultando dos respectivos negócios mais-valias imobiliárias sujeitas e não isentas de imposto;
- Ambos os sujeitos passivos foram submetidos a uma tributação fixa à taxa especial nominal de 28%, não tendo optado pela tributação às taxas progressivas previstas no artigo 68.º do Código do IRS, acompanhada da consideração por metade das mais-valias imobiliárias.

V. Quanto ao enquadramento jurídico, encontramo-nos diante de uma identidade de cenários, porquanto as normas em causa da legislação nacional – artigo 43.º, n.º 2 e 72.º, n.º 1 do Código do IRS – assim como as normas europeias – artigo 63.º do TFUE, ex-artigo 56.º do Tratado da Comunidade Europeia – à luz das quais aquelas primeiras foram interpretadas, se revelam integralmente idênticas e substancialmente inalteradas na sua redacção em ambas as situações.

VI. Por seu turno, quanto à questão fundamental de Direito relativamente à qual se geram interpretações contrárias, ela é indiscutivelmente a mesma e pode sintetizar-se nos seguintes termos: pode um Não Residente cumular o regime de tributação à taxa fixa com o regime de consideração por metade do valor do saldo apurado ?
A esta questão responde a decisão arbitral recorrida em termos afirmativos, estribando-se na jurisprudência europeia relevante e noutras decisões arbitrais. Por seu turno, e em absoluto contraste, a decisão arbitral fundamento responde a esta questão em termos negativos, estribando-se na coerência e integridade de soluções do sistema fiscal, assim como na não opção por parte do sujeito passivo pelo regime de englobamento por metade sujeito a taxas progressivas.
É, portanto, inequívoco que existe uma inconciliável leitura interpretativa entre as decisões arbitrais relativamente às mesmas normas jurídicas, inexistindo, também por aqui, qualquer obstáculo à admissibilidade por este Supremo Tribunal do presente Recurso.

VII. Porém, e como supra se viu, a admissibilidade do presente Recurso depende ainda da verificação de uma outra condição: que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, ex vi n.º 3 do artigo 25.º do RJAT.
É a condição que, ora, se impõe analisar.
Ora, a este respeito, é inevitável constatar que esta questão fundamental de Direito – relativamente à qual se apresentam em confronto as dissonantes decisões arbitrais aqui em causa – já foi objecto de tratamento e resposta por este Supremo Tribunal em inúmeras ocasiões, como a decisão arbitral ora recorrida (e muito correctamente) logo sublinhou.
E, na linha da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União, o Pleno da Secção deste Supremo Tribunal assentou, por Acórdão proferido no Processo n.º 75/20, em 9 de Dezembro de 2020, que: “A norma do n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo art. 63.º do TFUE, ao qual o Estado português se obrigou. IV - Essa incompatibilidade da norma com o Direito Europeu não pode ter-se como sanada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, aliás, previsto apenas para os residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.”, e, na mesma data, no Processo n.º 64/20, que: “I - Quanto a mais-valias imobiliárias obtidas por não residente em território português e residente noutro Estado membro da União Europeia, que declarou pretender a tributação pelo regime geral sem opção de acordo com o regime previsto no art. 72.º do Código do IRS, na redação vigente em 2017 e 2018, não é de excluir a aplicação do previsto no artigo 43.º, n.º 2, do mesmo Código quanto a ser considerado 50% do respetivo saldo.” (disponíveis em www.dgsi.pt).
Ora, no seguimento destas decisões do Pleno – assim como da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça da União no Acórdão C-388/19, de 18 de Março de 2021 (MK contra Autoridade Tributária e Aduaneira), onde se pode ler que: “Tendo em conta todas as considerações precedentes, o Tribunal decidiu que o artigo 63.º TFUE, lido em conjugação com o artigo 65.º TFUE, deve ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um EstadoMembro que faz depender a tributação das mais-valias provenientes de bens imóveis situados nesse território e auferidas por sujeitos passivos residentes noutros Estado-Membro ao abrigo do regime de tributação previsto para os sujeitos passivos residentes, de uma opção, pelos primeiros, do regime aplicável.” (disponível em www.curia.europa.eu) – este Supremo Tribunal tem mantido intacta a linha jurisprudencial pela qual se alinhou, igualmente, a decisão aqui recorrida – vd, por exemplo, a decisão vertida no Processo n.º 1154/18, de 12 de Maio de 2021 (disponível em www.dgsi.pt).
De tudo o exposto, dúvidas não podem restar de que o último requisito de admissibilidade do presente Recurso não se encontra verificado, por já existir jurisprudência consolidada a sufragar precisamente a leitura vertida na decisão arbitral recorrida, ora contestada.
Não verificado este requisito de admissibilidade do recurso de uniformização de jurisprudência, não pode o presente Recurso ser admitido.


III. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em não tomar conhecimento do mérito do Recurso.

Custas pela Recorrente.


Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 24 de Novembro de 2021. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo.