Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01300/17.6BEBRG
Data do Acordão:12/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:RGIT
CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE INSUPRÍVEL
Sumário:I - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” contido no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT, tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pelos que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa.
II - Não é nula por violação do disposto na segunda parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT – que impõe à decisão de aplicação da coima a «indicação das normas violadas e punitivas» – a decisão que, fazendo a indicação daquelas normas, não menciona a moldura abstracta da coima.
III - O requisito de que a decisão administrativa contenha a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima aplicada, previsto no artigo 79.º, n.º 1, alínea c), do RGIT, deve ter-se por cumprido se, embora de forma sintética e padronizada, refere os elementos que contribuíram para a fixação da coima.
Nº Convencional:JSTA000P28681
Nº do Documento:SA22021120901300/17
Data de Entrada:04/13/2021
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou procedente o recurso de contra-ordenação deduzido por “A…………. Lda.” da decisão do Chefe de Serviço de Finanças de Arcos de Valdevez, que no processo de contra-ordenação nº 22672015060000017967, relativo a falta de pagamento de IVA, aplicou àquela última uma coima no montante de 3.575,13 €, acrescida de custas no montante de 76,50 €, pela prática da infracção prevista nos artigos 27º, nº 1 e 41º, nº 1, alínea a) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e punida pelos artigos 114º, nº 2 e nº 5, alínea a) e 26º, nº 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), veio da mesma interpor recurso jurisdicional para este Supremo Tribunal Administrativo.

1.2. Nas alegações oportunamente apresentadas a Recorrente formulou as seguintes conclusões:

«I – O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida no processo supra referenciado, a qual, a final, julgou procedente o recurso e anulou a decisão que aplicou a coima, bem como todos os termos subsequentes do processo de contra-ordenação em causa, por, em suma, ter julgado verificada a nulidade insuprível consagrada no artigo 63.º, nº 1, alínea d) do RGIT, por violação do disposto no artigo 79.º, nº 1, alíneas b) e c) do RGIT.

II – Douta sentença essa que, a nosso ver, e salvaguardado o devido e merecido respeito que a mesma nos merece, bem como salvaguardado, ainda, o devido respeito por eventual entendimento diverso, padece de erro de julgamento em matéria de direito. Vejamos:

III – A questão que se coloca em sede do presente recurso prende-se, tão só, em matéria de direito, com a interpretação do disposto no artigo 63.º, n.º 1, alínea d), do RGIT, conjugado com o artigo 79.º, n.º 1, alíneas b) e c), do referido diploma legal - que prevêem que a decisão que aplica a coima deve conter, respetivamente, a “descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas” e a “A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação”.

IV – Na douta sentença aqui posta em crise está em causa a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Arcos de Valdevez, proferida no âmbito do processo de contraordenação nº 22672015060000017967, relativo a falta de pagamento de IVA, que condenou a arguida, aqui recorrida, no pagamento de uma coima no valor de € 3.575,13, acrescida de custas no montante de € 76,50, pela prática da infração prevista nos artigos 27º, nº 1 e 41º, nº 1, alínea a) do CIVA, punida pelos artigos 114º, nº 2 e nº 5, alínea a) e 26º, nº 4 do RGIT.

V – Ora, salvo o devido respeito por melhor entendimento, afigura-se-nos que a decisão de aplicação de coima aqui posta em crise cumpre escrupulosamente o disposto no artigo 79º, nº 1, alínea b) do RGIT – razão pela qual não se verifica a nulidade insuprível consagrada no artigo 63.º, nº 1, alínea d) do RGIT.

VI - A factualidade dada como assente na decisão de aplicação da coima preenche o requisito legal previsto no artigo 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, pois contém uma explicitação clara e suficiente dos factos que se imputam à arguida, ora recorrida, sendo por esta facilmente percetíveis.

VII – A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sobre esta matéria tem sido no sentido de que “I - A «descrição sumária dos factos» prevista no art. 79.º, n.º 1, alínea b), do RGIT, como requisito da decisão administrativa de aplicação de coima não consiste na «[a] enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal», referida no art. 374.º, n.º 2, do C.P.P. para as sentenças proferidas em processo criminal. II - O que exige aquela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º, interpretada à luz das garantias do direito de defesa, constitucionalmente assegurado (art. 32.º, n.º 10, da CRP) é que a descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, com base nessa percepção, defender-se adequadamente. (…)”. [cfr. acórdão do STA, de 2006-03-29, proferido no processo n.º 143/2006; cfr. ainda o acórdão do STA de 2007-06-27, proferido no processo n.º 0353/07, cfr. ainda acórdão do STA de 2019-03-20, proferido no processo nº 02226/16.6BEPRT, disponíveis em www.dgsi.pt].

VIII – No caso dos autos, verifica-se que existe uma descrição sumária dos factos que permitiu à arguida, aqui recorrente, perceber claramente que não entregou, até ao termo do prazo para cumprimento da obrigação (2015.02.10), simultaneamente com a declaração periódica de IVA referente ao período 2014/12 que apresentou dentro do respetivo prazo legal, a prestação tributária no montante de € 10.726,48, que lhe era exigível em função dos montantes inscritos na aludida declaração periódica de IVA por si apresentada.

IX – A descrição sumária dos factos é complementada, na decisão de aplicação da coima em causa, pela indicação das normas infringidas – artigos 27º, nº 1 e 41º, nº1, alínea a) do CIVA – e das normas punitivas – artigos 114º, nº 2, e nº 5, alínea a) e 26º, nº 4 do RGIT, bem como da data da infração (2015-02-10) e da coima fixada (€ 3.575,13).

X – Assim, atento o exposto, dever-se-á entender, nesta parte, que a decisão de aplicação da coima aqui em causa, não viola o disposto no artigo 79º, nº 1, alínea b) do RGIT e, em sequência, que a mesma não consubstancia a nulidade insuprível consagrada no artigo 63º, nº 1, alínea d) do RGIT, com todas as legais consequências.

XI – Acresce que, na douta sentença aqui posta em crise, a M. ma Juiz entendeu, ainda, que a decisão de aplicação da coima aqui em causa, padece, ainda, de nulidade insuprível, nos termos do disposto no artigo 63.º, nº 1, alínea d) do RGIT, atendendo a que:

“(…)

Sucede que, sem qualquer fundamentação, foi aplicada coima no valor de 3.575,13 € (valor que ultrapassa o mínimo legal em mais de 10%), em decisão completamente omissa quanto à referência à moldura contra-ordenacional, abstractamente aplicável.

A omissão da moldura penal impede a arguida de apreender a globalidade das circunstâncias que levaram à coima aplicada, pois, desconhece os seus limites máximo e mínimo, bem como o peso e de que forma foram considerados cada um dos elementos previstos nos artigos 114.º, nº 1 e 2 e 26.º, nº 4 do RGIT, na determinação da medida concreta da coima. Além de que também impede o Tribunal de saber se a decisão foi devida e legalmente tomada.

Desta forma, a decisão de fixação da coima, viola o disposto no artigo 79.º, n.º 1, alínea c) do RGIT, na parte em que impõe que a decisão contenha “A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação”.

Assim, não tendo sido a coima fixada no mínimo legal (3.217,84€), mas sim em 3.575,13€, e não constando da decisão a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação da coima, a decisão recorrida padece de nulidade insuprível, nos termos do disposto no artigo 63.º, nº 1, alínea d) do RGIT.”.

XII – Ora, salvo o devido respeito por melhor entendimento, afigura-se-nos que, também nesta parte, mal andou a M. ma Juiz do Tribunal “a quo” ao assim decidir.

XIII – Na verdade, tal como consta do sumário do recente Acórdão STA de 2019-11-27, proferido no processo n.º 02422/18.1BEPRT, disponível em www.dgsi.pt,:

“I - Não é nula por violação do disposto na segunda parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT – que impõe à decisão de aplicação da coima a «indicação das normas violadas e punitivas» – a decisão que, fazendo a indicação daquelas normas, não menciona a moldura abstracta da coima.

II - O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “indicação dos elementos que contribuíram para a […] fixação” da coima [cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea c), do RGIT] deve ter-se por cumprido se, embora de forma sintética e padronizada, refere os elementos que contribuíram para a fixação da coima.”. – [cfr. ainda, no mesmo sentido, o acórdão do STA de 2018-10-17, proferido no processo nº 01004/17.0BEPRT, disponível em www.dgsi.pt].

XIV – Assim, também no caso em apreço, impera concluir mostrar-se satisfeito o requisito da decisão de aplicação da coima plasmado no artigo 79º, nº 1, alínea c) do RGIT, posto inexistir qualquer exigência legal de que na decisão de aplicação da coima seja mencionada a moldura abstrata da coima e posto que a decisão concreta de aplicação da coima foi fundamentada com indicação e ponderação dos fatores a que manda atender o artigo 27º do RGIT, a saber: a inexistência de atos de ocultação, a inexistência de benefício económico para o agente, o carácter frequente da prática, o ter sido cometida a infração por negligência simples, a situação económica e financeira do agente baixa e terem decorrido menos de três meses desde a prática da infração.

XV - Assim, aqui chegados, e salvo o devido respeito por diverso entendimento, ao contrário do que foi decidido na douta sentença ora posta em crise, deveria ter sido julgado improcedente o presente recurso de contraordenação, mantendo-se vigente na ordem jurídica a decisão de aplicação de coima proferida pelo Serviço de Finanças de Arcos de Valdevez no processo de contra-ordenação fiscal aqui em causa.

XVI - Em conformidade com o exposto, deverá a douta sentença recorrida ser revogada, e substituída por outra que mantenha a condenação da arguida, nos termos constantes da decisão de aplicação da coima aqui em causa, com todas as legais consequências – o que se requer.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e, consequentemente, deverá ser revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a condenação da arguida, como é de inteira JUSTIÇA.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de confirmação do julgado, pelas mesmas razões de facto e de direito vertidas na fundamentação da sentença recorrida.

1.5. Cumpre decidir.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, salvo nas situações em que da própria decisão recorrida ou da conjugação desta com as regras da experiência comum que a matéria de facto apurada é insuficiente à prolação da decisão de mérito, contradição insanável da fundamentação ou ente esta e a decisão, erro notório na apreciação da prova e inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em matéria contra-ordenacional apenas está cometida a competência para apreciar e decidir questões de direito [conforme, conjugadamente, artigos 434.º e 410, n.º 2 e 3 do Código de Processo Penal (CPP)].

2.2. No caso concreto, tendo por referência as conclusões formuladas e a delimitação da nossa competência, são duas as questões a decidir e prendem-se com o eventual erro de julgamento do julgado ao declarar a nulidade da decisão de aplicação da coima com fundamento na falta de descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas e por omissão de qualquer referência na mesma decisão quanto à moldura contra-ordenacional abstractamente aplicável, em violação do disposto nos artigos 61.º, n.º 1 alínea d) e 79.º, n.º 1, alíneas b) e c) do RGIT.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

3.1.1. O julgamento de facto mostra-se sedimentado no despacho recorrido nos seguintes termos:

1. Pela Direcção de Serviços de Cobrança foi levantado em 29/04/2015 o auto de notícia n° 20150135674/2015 contra a ora arguida pela prática da infracção prevista nos artigos 27°, n° 1 e 41°, n° 1, alínea a) do CIVA e punida pelos artigos 114°, n° 2 e n° 5, alínea a) e 26°, n° 4 do RGIT, que deu origem à instauração do processo de contra-ordenação n° 22672015060000017967, pelo Serviço de Finanças de Arcos de Valdevez, na mesma data - cfr. auto de notícia e autuação, a fls. 14-15 da paginação electrónica do SITAF (a que se referem todas as fls. adiante indicadas sem outra referência);

2. Do auto de notícia indicado no ponto antecedente consta, entre o mais, o seguinte:

“(…) 01 IDENTIFICAÇÃO DO SUJEITO PASSIVO INFRACTOR

Nome: A………… LDA

(…)

Enquadramento: Art° 40° CIVA - MENSAL

CAE/CIRS: 047420

02 ELEMENTOS QUE CARACTERIZAM A INFRACÇÃO

1. Montante de imposto exigível: 10.726,48

2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00

3. Valor da prestação tributária em falta: 10.726,48

4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2015-02-10

5. Período a que respeita a infracção: 2014/12

6. Normas infringidas: Art° 27 n°1 e 41 n° 1 a) CIVA - Falta de pagamento do imposto (M)

7. Normas punitivas: Art° 114 n° 2,5 a) e 26 n° 4 do RGIT - Falta entrega prest. tributária dentro prazo (M)

(…)

Verifiquei, pessoalmente, na data e local referidos no quadro 03, que o sujeito passivo identificado no quadro 01, não entregou, simultaneamente com a declaração periódica que apresentou dentro do respectivo prazo legal, na data e para o período referido, respectivamente, em 4 e 5 do quadro 02, a prestação tributária necessária para satisfazer totalmente o imposto exigível, fazendo-o somente pelo valor referido em 2, também do quadro 02, o que constitui infracção às normas previstas em 6, punível pelas disposições referidas em 7 do mesmo quadro. (...)."

3. Do ofício "NOTIFICAÇÃO DE DEFESA/PAGAMENTO C/ REDUÇÃO ART° 70 RGIT", datado de 04/05/2015 endereçado à arguida, consta entre o mais, o seguinte - cfr. ofício de fls. 18:

"Montante da coima: Mínimo - €3.217,94 Máximo - € 10.726,48";

4. Em 15/06/2015 foi proferida decisão pelo Chefe do Serviço de Finanças de Arcos de Valdevez, da qual consta, entre o mais, o seguinte - cfr. decisão de fls. 95-96:

“(…)

Descrição Sumária dos Factos:

Ao (À) arguido(a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos: 1. Montante de imposto exigível: 10.726,48; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00; 3. Valor da prestação tributária em falta: 10.726,48; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2015-02-10; 5. Período a que respeita a infracção: 2014/12, os quais se dão como provados. Número da Liquidação: L.2015.017011198510.
Normas Infringidas e Punitivas

Normas Infringidas
Normas PunitivasPeríodoDataCoima Fixada
ArtigoArtigoTributação
Infracção
Art° 27 n°1 e 41 n°1 a) CIVA -
    114 n° 2, 5 a) e 26 n° 4 do RGIT
2014122015-02-10
3.575,13
Falta de pagamento do
    - Falta entrega prest. tributária
imposto (M)
    dentro prazo (M)
Responsabilidade contra-ordenacional

Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação(ões).


A responsabilidade própria do(s) arguido(s) deriva do Art° 7° do Dec-Lei N° 433/82, de 27/10, aplicável por força do Art° 3° do RGIT, concluindo-se dos autos a prática, pelo(s) arguido(s) e como autor(es) material(ais) da(s) contraordenação(ões) identificada(s) supra
Medida da Coima
Para fixação da(s) coima(s) em concreto deve ter-se em conta a gravidade objectiva e subjectiva da(s)contraordenação(ões) praticada(s), para tanto importa ter presente e considerar o(s) seguinte(s) quadro(s) (Art° 27 do RGIT):

[IMAGEM]

Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art° 79° do RGIT, aplico ao arguido a coima de Eur. 3.575,13 cominada no(s) Art(s)° 114 n° 2, 5 a) e 26 n° 4 do RGIT, com respeito pelos limites do Art° 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do N° 2 do Art° 20° do Dec-Lei N° 29/98 de 11 de Fevereiro.(…)».

5. Em 29/05/2017 foi emitido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Arcos de Valdevez ofício, remetido à arguida via CTT, com o assunto: notificação da decisão de aplicação da coima - pagamento ou recurso judicial - cfr. fls. 20-21.

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. O Chefe de Serviço de Finanças de Arcos de Valdevez aplicou à arguida uma coima no valor de € 3.575,13, acrescida de custas no montante e de €76,50, pela prática da infracção prevista nos artigos 27º, nº 1 e 41º, nº 1, alínea a) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e punida pelos artigos 114º, nº 2 e nº 5, alínea a) e 26º, nº 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT).

3.2.2. Como se constata da petição inicial a arguida impugnou judicialmente e com diversos fundamentos aquela decisão administrativa ao abrigo do artigo 80.º do RGIT.

3.2.3. No despacho ora posto em crise, a Meritíssima Juíza começou por apreciar a nulidade insuprível prevista no artigo 63°, n° 1, alínea d) do RGIT, por falta dos requisitos legais da decisão da decisão de aplicação da coima plasmados no artigo 79°, n° 1, alíneas b) e c) do RGIT, expressamente invocada pela arguida, tendo concluído pela sua verificação.

3.2.4. Para sustentar essa conclusão, o Tribunal a quo começou por convocar e transcrever o teor dos preceitos supra referidos. De seguida, esclareceu que, no que concerne à fundamentação da decisão de aplicação de coima, se exige que ela contenha a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas e a indicação dos elementos que contribuíram para a fixação das coimas e sanções acessórias, sublinhando que a doutrina há muito ensina que os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória do processo contra-ordenacional devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo dos seus direitos de defesa, e que este só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por fim, avançando para a identificação das normas cujo cumprimento era imputado na decisão administrativa à arguida, deu como assente que:

(i), à data da prática dos factos imputados à arguida existia o dever de os sujeitos passivos entregarem o montante do imposto exigível, apurado nos termos dos artigos 19° a 26° e 78°, no prazo previsto no artigo 41°, nos locais de cobrança legalmente autorizados (nos termos do artigo 27.º, n.º 1 do CIVA);

(ii) para efeitos do disposto na alínea c) do n° 1 do artigo 29°, a declaração periódica tinha que ser enviada por transmissão electrónica de dados até ao dia 10 do 2° mês seguinte àquele a que respeitam as operações, no caso de sujeitos passivos com um volume de negócios igual ou superior a (euro) 650 000 no ano civil anterior (por força do artigo 41°, n° 1, alínea a) do CIVA);

(iii) a não entrega, total ou parcial, pelo período até 90 dias, ou por período superior, desde que os factos não constituam crime, ao credor tributário, da prestação tributária deduzida nos termos da lei é punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e o seu dobro, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido, sendo que, se essa conduta for imputável a título de negligência, e ainda que o período da não entrega ultrapasse os 90 dias, será aplicável coima variável entre 15% e metade do imposto em falta, sem que possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido e que para efeitos contra-ordenacionais são puníveis como falta de entrega da prestação tributária a falta de liquidação, liquidação inferior à devida ou liquidação indevida de imposto em factura ou documento equivalente, a falta de entrega, total ou parcial, ao credor tributário do imposto devido que tenha sido liquidado ou que devesse ter sido liquidado em factura ou documento equivalente, ou a sua menção, dedução ou rectificação sem observância dos termos legais;

- os limites mínimo e máximo das coimas previstas nos diferentes tipos legais de contra-ordenação são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, não podendo ultrapassar o montante de 45.000,00 €, em caso de negligência (cfr. artigo 26°, n° 1, alínea b) e n.º 4 do RGIT).

3.2.5. Foi partindo deste enquadramento legal e, bem assim, tendo presente que a decisão recorrida referia expressamente que a infracção imputada à arguida consistia na falta de pagamento de imposto, prevista nos artigos 27°, n° 1 e 41°, n° 1, alínea a) do CIVA e punida pelos artigos 114°, n° 2 e n° 5, alínea a) e 26°, n° 4 do RGIT e que nem do auto de notícia nem da decisão administrativa constava como tinha sido obtido o valor da prestação tributaria em falta, que a Meritíssima Juíza veio a concluir que «a decisão não é suficientemente clara no que concerne ao valor da prestação tributária devida», padecendo de «um deficit na fundamentação da decisão, susceptível de prejudicar a defesa por parte da arguida». E, consequentemente, que «a decisão de fixação de coima viola o disposto no artigo 79°, n° 1, alínea b) do RGIT, na parte em que impõe que a decisão contenha "a descrição sumária dos factos e indicação das normas violadas e punitivas", consubstanciando a nulidade insuprível consagrada no mencionado artigo 63°, n° 1 alínea d) do RGIT.».

3.2.6. Não cremos que este julgamento deva ser confirmado.

3.2.7. Efectivamente, como este Supremo Tribunal Administrativo vem repetidamente afirmando «A descrição sumária dos factos» imposta pela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT e, bem assim, os demais requisitos da decisão de aplicação da coima enumerados nesse número «devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão» (JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2010, 4.ª edição, anotação 1 ao art. 79.º, pág. 517. ). Por isso, essas exigências «deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Ibidem.), assim assegurando o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa].

Quanto à descrição sumária dos factos na decisão administrativa, disse GERMANO MARQUES DA SILVA, em intervenção no Centro de Estudos Judiciários: «em resposta à questão de «qual o limite para a descrição sumária dos factos enquanto garantia de defesa» a minha resposta é também sumária: deve descrever o facto nos seus elementos essenciais para que o destinatário possa saber o que lhe é imputado e de que é que tem de se defender sem necessidade de consultar outros elementos em posse da administração» (Cfr. Contra-ordenações Tributárias 2016 [Em linha], Centro de Estudos Judiciários, 2016, pág. 20, disponível».

3.2.8. Ora, pese embora no despacho recorrido a Meritíssima Juíza tenha concluído que a decisão administrativa que aplicou a coima não respeitou a exigência quanto à descrição sumária dos factos, por não se descortinar suficientemente claro como se chegara ao valor do tributo em falta, o probatório revela o oposto.

3.2.9. Na verdade, a factualidade dada como assente pelo Tribunal a quo revela que a decisão de aplicação da coima contém uma explicitação clara e suficiente dos factos imputados à arguida, já que dela resulta sem dificuldade que subjacente à decisão está a não entrega até ao termo do prazo para cumprimento da obrigação (2015.02.10), simultaneamente com a declaração periódica de IVA referente ao período 2014/12 que apresentou dentro do respectivo prazo legal, a prestação tributária no montante de € 10.726,48, que lhe era exigível em função dos montantes inscritos na aludida declaração periódica de IVA por si apresentada; a data da infracção (10-2-2015) e a coima fixada (€ 3.575,13). E, bem assim, que tais factos, a sua ilicitude e a sua punibilidade encontram fundamento legal, nos termos exarados na decisão administrativa recorrida, nos artigos 27º, nº 1 e 41º, nº1, alínea a) do CIVA, 114º, nº 2, e nº 5, alínea a) e 26º, nº 4 do RGIT.

3.2.10. Há, pois, que concluir, que a decisão de aplicação de coima aqui posta em crise cumpre, no mínimo suficientemente, o disposto no artigo 79º, nº 1, alínea b) do RGIT e, consequentemente, que não há fundamento para que se julgue verificada a nulidade insuprível consagrada no artigo 63.º, nº 1, alínea d) do RGIT - como, de resto, nos é evidenciado pela defesa apresentada no recurso da decisão, já que é a própria Recorrida que no recurso judicial que interpôs que reconhece não ter cumprido o referido dever, que já procedeu ao pagamento, requerendo, inclusive, a atenuação da coima ou a sua dispensa face ao tempo que mediou entre a omissão e a regularização do valor em falta.

3.2.11. E idêntico juízo de censura nos merece o despacho recorrido na parte em que decidiu que a decisão administrativa é nula por violação do preceituado no artigo 79°, n° 1 alínea c) do RGIT, que impõe que a decisão de aplicação da coima contenha "A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação", 3.2.12. Nesta parte, o Tribunal a quo concluiu que, no caso concreto, tal exigência legal não foi observada por inexistir fundamentação quanto ao concreto valor da coima que foi aplicada.

3.2.13. Explicitando o seu raciocínio, aduziu o Tribunal a quo que o valor indicado como correspondendo ao do imposto em falta é de € 10.726,48 €, pelo que, por força do disposto, conjugadamente, nos artigos 114°, n°s 1 e 2 do RGIT e 26°, n° 4 do RGIT, o limite mínimo da coima in casu ascende a € 3.217,94 (10.726,48 * 15% = 1.608,97 * 2), e o limite máximo a € 10.726,48 (10.726,48/ 2 = 5.363,24 * 2). Donde, prossegue, tendo sido, a final, aplicada à arguida uma coima no valor de € 3.575,13 (valor que ultrapassa o mínimo legal em mais de 10%), sem qualquer fundamentação ou indicação da moldura abstracta da coima, se devia ter por verificada a nulidade da decisão administrativa por violação do preceituado no artigo 79°, n° 1 alínea c) do RGIT.

3.2.14. Sem razão. Desde logo, porque aqueles valores (mínimo e máximo) foram indicados à arguida aquando da sua notificação tendo em vista a sua defesa, como, de resto, o Tribunal a quo reconheceu no despacho que ora se sindica. Por outro lado, consta-se que na decisão administrativa ficaram expressamente identificados todos os elementos que devem ser ponderados para determinação do quantum concreto,” e essa é a exigência que está legalmente imposta pelo artigo 71.º, n.º 1 als. b) do RGIT ((como resulta do ponto 4 o probatório, mais concretamente na parte da decisão de aplicação da coima sob a epígrafe “ Medida da Coima”).

3.2.15. Convocando de novo a jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal Administrativo, reafirmada no julgamento realizado no acórdão proferido a 17-10-2018, no processo n.º 1004/17.0BEPRT (integralmente disponível em www.dgsi.pt ), podemos afirmar que «Salvo o devido respeito, o requisito que a segunda parte da alínea b) do art. 79.º do RGIT estabelece é a «indicação das normas violadas e punitivas». Nem aí nem em qualquer outra das alíneas que elencam os requisitos legais da decisão que aplica a coima descortinamos a exigência de que seja mencionada a moldura abstracta da coima.» (…).

3.2.16. Jurisprudência esta que, continuando a acolher sem reservas, também responde integralmente à questão oficiosamente suscitada pela Meritíssima Juíza quanto à alegada não indicação da ponderação dos elementos previstos no artigo 27.º do RGIT na fixação da coima, aí se explicando que «Convém recordar o disposto na alínea c) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT: «1. A decisão que aplica a coima contém: […] c) A coima e sanções acessórias, com indicação dos elementos que contribuíram para a sua fixação», exigência que se deve ter por satisfeita se na fundamentação da concreta coima aplicada «foram ponderados os factores a que manda atender o art. 27.º do RGIT».

3.2.17. Ora, tendo no caso concreto sido ponderados, como resulta da análise da decisão, a inexistência de actos de ocultação e de benefício económico para o agente, o carácter frequente da prática, o ter sido cometida por negligência simples, a situação económica e financeira do agente baixa e terem decorrido menos de três meses desde a prática da infracção, não se encontra, de novo, fundamento, para que se julgue preenchidos os pressupostos legais conducentes à declaração da nulidade insuprível consagrada no artigo 63.º do RGIT, por violação do artigo 71.º, n.º 1 al. b) e c) do mesmo diploma legal antes citado.

3.2.18. E, assim sendo, o recurso jurisdicional interposto merece ser provido, o que, a final, se determinará, tal como a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, para aí prosseguirem, se tal nada mais obstar.

4. DECISÃO

Termos em que, acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar que os autos sejam remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga para aí prosseguirem com o conhecimento do recurso judicial, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.

Registe, notifique e, transitado em julgado, cumpra-se em conformidade.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2021 - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) - José Gomes Correia - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.