Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01994/18.5BEPRT
Data do Acordão:01/30/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24154
Nº do Documento:SA22019013001994/18
Data de Entrada:11/30/2018
Recorrente:A....., S.A.
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A………, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, exarada em 04/10/2018, que julgou improcedente a reclamação judicial que deduziu contra o despacho proferido pelo órgão de execução fiscal de indeferimento de pedido de autorização para retomar o plano de pagamento em prestações de dívidas tributárias em cobrança coerciva ao abrigo do Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES).

1.1. Aduziu alegações que terminou com o seguinte quadro conclusivo:

i. Sem prejuízo de o Recorrente reiterar todo o anteriormente exposto em sede de petição inicial da reclamação do ato do órgão de execução fiscal em apreço, que aqui dá por inteiramente reproduzida, importa salientar o seguinte:
ii. O propósito do PERES foi criar um regime mais favorável para o executado poder cumprir com o pagamento prestacional das dívidas tributárias, pelo que não faria qualquer sentido dificultar, no aspeto aqui em discussão, o executado que aderisse ao PERES;
iii. Assim, a interpretação do nº 1 do artigo 10º do PERES mais correta é aquela que vai ao encontro dos objetivos da norma e do regime, isto é, do pensamento do legislador (artigo 9º, nº 1, do Código Civil);
iv. Deste modo, podemos concluir que o nº 1 do artigo 10º do PERES, que constitui o fundamento jurídico, devia ter sido interpretado e aplicado no sentido de exigir, à semelhança do nº 1 do artigo 200º do CPPT, a notificação prévia para o executado regularizar as prestações incumpridas antes de se verificar o vencimento das prestações seguintes, de acordo com a intenção do legislador de criar, através do PERES, um regime de regularização de dívidas tributárias mais favorável ao devedor;
v. Consequentemente, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença do Tribunal a quo.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. Exmo. Magistrado do Ministério Público manifestou-se no sentido de o recurso não merecer provimento, fundamentando-se no seguinte:

A questão controvertida traduz-se em saber se no âmbito do pagamento de dívida em prestações no regime do PERES (DL 67/2016, 03/11) tem aplicação a norma geral do artigo 200º/1 do CPPT.
Como bem salienta o MP junto da 1.ª instância no seu parecer, cujo discurso fundamentador se subscreve, por inteiro, e bem decidiu a sentença recorrida, a resposta não pode deixar de ser negativa.
Vejamos.
O DL 67/2016, de 03/11, aprovou um programa especial de endividamento ao Estado.
Como resulta do preâmbulo de tal diploma, trata-se de “… um regime especial de redução do endividamento ao Estado que visa apoiar as famílias e criar condições para a viabilização económica das empresas que se encontrem em situação de incumprimento, prevenindo situações evitáveis de insolvência de empresas com a inerente perda de valor para a economia, designadamente com a destruição de postos de trabalho”.
O mencionado diploma aprova um regime excecional de regularização de dívidas de natureza fiscal e de dívidas de natureza contributiva à segurança social, através de pagamento integral ou pagamento em prestações (artigo 1º).
No ato de adesão é exercida a opção pelo pagamento integral ou pelo pagamento em prestações em determinado prazo, sendo que nas dívidas de natureza fiscal, a opção é exercida separadamente em relação a cada uma das dívidas (artigo 2º 2/a)).
Quanto às dívidas de natureza fiscal, são abrangidas as dívidas previamente liquidadas à data da entrada em vigor do diploma (04/11/2016), cujo facto tributário se tenha verificado até 31/12/2015, desde que o respetivo prazo legal de cobrança tenha terminado até 31/05/2016 (artigo 3º/1).
O diferimento automático do pagamento de dívidas, independentemente da adesão a anteriores planos prestacionais, até 150 prestações iguais, depende de o contribuinte proceder ao pagamento do número mínimo de prestações iniciais que representem pelo menos 8% do valor total do plano prestacional, até 20/12/2016, sendo que a opção de pagamento prestacional se torna definitiva na data da adesão, podendo ser alterada no sentido do pagamento integral nos termos do art.º 4.º de dívidas em relação às quais tivesse sido exercida a opção pelo pagamento em prestações (artigo 5º/1/2).
Após o pagamento dos mencionados 8%, as prestações vencem-se mensalmente a partir de 01/2017, devendo o pagamento ser efetuado até ao último dia do mês a que diga respeito, independentemente da eventual suspensão da execução da dívida nos termos do art.º 169º do CPPT (artigo 5º/4):
O regime de pagamento em prestações mensais não depende da prestação de quaisquer garantias adicionais (artigo 9º).
As dívidas abrangidas por planos prestacionais são integralmente exigíveis estando em dívida três prestações (artigo 10º/1).
Consta-se, assim, que o regime legal do PERES constitui um corpo de normas integral e coeso, com um âmbito subjetivo, objetivo e temporal perfeitamente definido, direcionado a facilitar e agilizar o processo de regularização de dívidas dos contribuintes ao Estado.
O apontado regime legal não contêm, pois, lacuna que determine a aplicação, por analogia, do normativo do artigo 200º/1 do CPPT.
Por outro lado, sendo o regime do PERES um regime excecional, as suas normas são de caráter especial, prevalecendo sobre o regime geral estatuído nos artigos 196º/200º do CPPT (artigo 11º da LGT e 9º/10º e 11º do CC).
Em conclusão, o estatuído no artigo 200.º/1 do CPPT não é aplicável ao incumprimento do pagamento em prestações de dívidas fiscais no âmbito do regime PERES (Neste sentido já se pronunciou o STA, no acórdão de 03/10/2018- P.0291/18.0BECBR 0785/18, disponível em www.dgsi.pt).
Como resulta do probatório, a recorrente foi admitida ao PERES com a aprovação do pagamento da dívida exequenda em 150 prestações.
Pagou até 02/03/2018 (26.ª prestação), não tendo pago, posteriormente, mais nenhuma prestação.
Ora, verificada a falta de pagamento de três prestações subsequentes, não havia como não indeferir o requerido pagamento das prestações vencidas e o prosseguimento do PERES.».

1.4. Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência.

2. Na sentença recorrida consta como provada a seguinte matéria de facto:

A. Em 19.12.2016, a reclamante aderiu ao Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES) relativamente aos processos de execução fiscal que correm termos no Serviço de Finanças do Porto 5 sob os nºs 3190 2016 0126 4966 e 3190 2016 0126 4974 por dívidas de IRC de 2014 e 2015, no montante global de € 76.984,65, para pagamento desta quantia em 150 prestações mensais - acordo e cfr. informação do serviço de finanças.
B. A última prestação paga pela reclamante no âmbito daquele plano foi a vigésima sexta, que correspondia ao mês de Fevereiro e ocorreu em 02.03.2018 - acordo e cfr. informação do serviço de finanças.
C. Em 01.06.2018, o plano em causa foi interrompido - acordo e cfr. informação do serviço de finanças.
D. À data da interrupção do plano a reclamante tinha em atraso as prestações de Março, Abril e Maio - acordo e cfr. informação do serviço de finanças.
E. Em 18.06.2018 a reclamante apresentou, nos processos de execução fiscal em causa, um pedido de autorização para retomar o plano de pagamento PERES referente ao IRC de 2014 e 2015 - cfr. doc. 2 junto com a p.i.
F. Em 10.07.2018, pela chefe do serviço de finanças foi proferido despacho de indeferimento do pedido que antecede com base em “Informação” com o seguinte teor - cfr. doc. 1 junto com a p.i.:
3· Consultado o PLANO PERES 3190.2016.1051 verifica-se que a última prestação paga foi a 26, correspondendo ao mês de fevereiro (data de pagamento 2018-03-02).
4· À data da exclusão do Plano estavam em falta as prestações de Março, Abril e Maio.
5· Nos termos do Decreto-Lei nº 57/2016 de 3 de Novembro (PERES), “o não pagamento de 3 ou mais prestações implicará a interrupção do plano prestacional, bem como a reposição de todos os eventuais benefícios que tenham sido concedidos no âmbito deste regime”.
6. Verificando-se a correcta interrupção do plano, não existe fundamento legal para a reposição do mesmo, podendo o executado proceder ao pagamento integral ou fazer pagamentos por conta nos termos do nº 2 do art.º 264 do CPPT.

3. O objecto do presente recurso é constituído pela sentença de improcedência da reclamação judicial que a sociedade executada, ora Recorrente, deduziu contra o acto de indeferimento do pedido que formulou nos processos de execução fiscal nº 31902016 01264966 e nº 319020160126 4974, no sentido de ser autorizado a retomar o plano de pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado contido no Dec. Lei nº 67/2016, 3 de Novembro (PERES).
E a questão que se coloca é, tão-somente, a de saber se no âmbito do pagamento de dívida em prestações, previsto no PERES, tem aplicação a norma contida no art.º 200º, nº 1, do CPPT, segundo o qual “A falta de pagamento sucessivo de três prestações, ou de seis interpoladas, importa o vencimento das seguintes se, no prazo de 30 dias a contar da notificação para o efeito, o executado não proceder ao pagamento das prestações incumpridas, prosseguindo o processo de execução fiscal os seus termos.”
Ora, tal como é salientado pelo Ministério Público no seu douto parecer e se evidencia pela argumentação jurídica vertida na sentença, a resposta não pode deixar de ser negativa, porquanto, e essencialmente, o regime previsto no PERES não contêm lacuna que determine a aplicação, por analogia, daquele preceito do CPPT. Ou, como se concluiu no acórdão proferido nesta Secção em 3/10/2018, no proc. nº 0291/18.0BECBR, ao incumprimento do pagamento em prestações contido no PERES não é aplicável o disposto no art.º 200º, nº 1, do CPPT.
Como se deixou explicitado nesse acórdão, cuja motivação jurídica se acolhe e reitera, «(…) na ótica do Recorrente, não contemplando o artigo 10º do Decreto-Lei nº 67/2016 qualquer notificação prévia do devedor, a fim de proceder ao pagamento das prestações em dívida, estar-se-ia perante uma lacuna da lei, que importaria suprir mediante o recurso à norma geral contemplada no nº 1 do citado preceito do CPPT.
Porém, no caso não ocorre qualquer omissão de regulação por parte do legislador, que, de resto, ignorava as diferenças do regime especial e/ou excecional que visou instituir, quando confrontado com o regime geral contemplado no CPPT.
De facto, da análise do aludido regime PERES resulta que aí foi consagrado um regime articulado, coerente, completo e, daí, não lacunoso, nomeadamente à luz da presunção vertida no artigo 9º, nº 3, do Código Civil, de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
Resulta do Preâmbulo do já citado Decreto-Lei nº 67/2016, de 03/11, que aprovou o PERES, que se trata da criação de “um regime especial de redução do endividamento ao Estado que visa apoiar as famílias e criar condições para a viabilização económica das empresas que se encontrem em situação de incumprimento, prevenindo situações evitáveis de insolvência de empresas com a inerente perda de valor para a economia, designadamente com a destruição de postos de trabalho”.
Com a introdução deste regime especial visou-se, assumidamente, a redução do elevado nível de endividamento, quer das famílias, quer das empresas, almejando o relançamento da economia portuguesa, a retoma do investimento e a criação de emprego.
Examinado o aludido diploma, apura-se que o PERES se aplica a empresas e particulares que se encontrem em situação de incumprimento perante a Administração fiscal (AT) e a Segurança Social (SS), permitindo o pagamento de forma integral ou, ainda, através de um plano prestacional, das dívidas já conhecidas da AT e da SS, com dispensa ou redução do pagamento de juros e outros encargos associados à dívida, possibilitando, outrossim, a dispensa total de garantias, no caso de opção por planos de pagamentos em prestações.
O que significa que o diploma que aprovou o PERES constitui um corpo de normas coeso e integral, com um âmbito subjetivo, objetivo e temporal bem definido, por se mostrar direcionado a facilitar e agilizar o processo de regularização de dívidas dos contribuintes ao Estado.
Acresce que, sob este prisma, o citado diploma legal, logo no respetivo artigo 1º, veio enfatizar, expressa e inequivocamente, que “O presente decreto-lei aprova um regime excecional de regularização de dívidas de natureza fiscal e de dívidas de natureza contributiva à segurança social, através de pagamento integral ou pagamento em prestações”. Ora, a esta luz, as considerações aduzidas, quer no referido Preâmbulo, quer no seu artigo 1º, norteiam e iluminam a solução da questão decidenda.
Ensina BAPTISTA MACHADO que “As normas gerais constituem o direito-regra, ou seja, estabelecem o regime-regra para o selar de relações que regulam; ao passo que as normas excecionais, representando um ius singulare, limitam-se a uma parte restrita daquele setor de relações ou factos, consagrando neste setor restrito, por razões privativas dele, um regime oposto àquele regime-regra” (in «Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador», Almedina, 2000, pág. 94).
Do mesmo modo, no que tange a esta distinção entre regras gerais e excecionais, considera OLIVEIRA ASCENSÃO que “duas normas podem estar entre si na relação regra-exceção: à regra estabelecida pela primeira opõe-se a exceção, que para um círculo mais ou menos amplo de situações é aberta pela segunda. A exceção é pois necessariamente de âmbito mais restrito que a regra, e contraria a valoração ínsita nesta, para atingir finalidades particulares” (cfr. «O Direito, Introdução e Teoria Geral», 13.ª Edição, 2008, págs. 448 e 449).
Ora, socorrendo-se o intérprete e o aplicador do direito, como sempre deverá, dos critérios hermenêuticos consagrados no artigo 9º do Código Civil, ter-se-á, forçosamente, de concluir que, independentemente da natureza especial ou excecional do regime consagrado no PERES, o legislador visou criar um regime próprio e, efetivamente, previu normas diversas e antagónicas das constantes do CPPT.
Atente-se a que, no artigo 10º do PERES, alegadamente afrontado, o legislador se desviou do CPPT e infletiu, inequivocamente, o regime-regra, i) quer ao subordinar a exigibilidade da totalidade da dívida ao não pagamento de quaisquer três das prestações em falta, seja sucessivas ou interpoladas, ii) quer ao optar por prescindir da notificação do devedor para, em prazo a fixar, proceder ao pagamento das prestações incumpridas, sob pena do prosseguimento da execução fiscal, com vista à cobrança coerciva do valor global ainda em dívida.
Atento o acima exposto, ainda que abstraindo da natureza excecional das disposições consagradas no PERES, reconhecida no seu artigo 1º, e da consequente proibição do recurso à analogia, por força do que dispõe o artigo 11º do Código Civil, aqui aplicável ex vi artigo 11º da Lei Geral Tributária, impõe-se a asserção da inaplicabilidade ao caso vertente - e aos casos similares regidos pelo PERES - da norma do nº 1 do artigo 200º do CPPT.».
No caso vertente, a Recorrente foi autorizada a pagar a dívida exequenda em 150 prestações mensais ao abrigo do regime contido no PERES, tendo cumprido apenas até à 26.ª prestação, não pagando, posteriormente, qualquer outra prestação.
Constatada a falta de pagamento de três prestações subsequentes, não havia como não indeferir o pedido de autorização para retomar o plano de pagamento em prestações ao abrigo do PERES.
A sentença recorrida não merece, pois, qualquer censura.

4. Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 30 de Janeiro de 2019. – Dulce Neto (relatora) – Ana Paula Lobo – Ascensão Lopes.