Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02626/12.0BELRS
Data do Acordão:06/23/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:TAXA DE PUBLICIDADE
RENOVAÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - A questão de saber se a renovação da taxa de publicidade cobrada por um município viola o princípio da equivalência consagrado no artigo 4.º do RGTAL não é do conhecimento oficioso e, não tendo sido invocada junto do tribunal recorrido, não pode ser conhecida em via de recurso;
II - Do facto de o regulamento de publicidade municipal prever que o licenciamento da publicidade se renova automaticamente não deriva que o tributo cobrado aquando da renovação não tenha carácter bilateral, sinalagmático ou comutativo nem resulta, por conseguinte, que o tributo respectivo tenha a natureza de um imposto;
III - Do artigo 6.º do RGTAL deriva que o elemento material da incidência das taxas de publicidade, aquando da renovação da licença respectiva, não se reconduz a uma actividade de reavaliação da verificação dos pressupostos que determinaram o seu licenciamento.
Nº Convencional:JSTA000P27913
Nº do Documento:SA22021062302626/12
Data de Entrada:05/31/2021
Recorrente:A.............. – PUBLICIDADE NA COMPANHIA B............., S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LISBOA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. “A………… - Publicidade na Companhia B…………., S.A.”, recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial da liquidação das taxas cobradas pelo MUNICÍPIO DE LISBOA e relativas à renovação, para o ano de 2012, do licenciamento da publicidade instalada em espaços publicitários pertencentes à Companhia B…………….., colocados em meios e transporte colectivos da cidade de Lisboa, de cuja concessão a Impugnante é titular, no valor global de € 126.995,41 (cento e vinte e seis mil, novecentos e noventa e cinco euros e quarenta e um cêntimos).

1.2. Admitido o recurso, a Recorrente apresentou as suas alegações, que encerrou com o seguinte quadro conclusivo:

«a) Conforme resulta das presentes alegações de recurso, o Tribunal Tributário de Lisboa através de sentença proferida em 3 de março de 2021 julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora Recorrente e que tinha por objeto a liquidação, por parte do Município de Lisboa, das taxas devidas pela renovação, para o ano de 2012, do licenciamento da publicidade instalada em espaços publicitários pertencentes à Companhia B…………….., colocados em meios de transporte coletivo da cidade de Lisboa;

b) O presente recurso jurisdicional cinge-se à parte da Sentença recorrida que julgou não inconstitucionais os artigos 3.° e 16.° do RPML e o artigo 29.°, n.° 5, alínea a), da TTORML e que julgou improcedente a arguição de ilegalidade da taxa liquidada por violação do conceito jurídico de taxa previsto na lei;

c) O facto tributário discutido nos presentes é a renovação da licença de publicidade da Recorrente para o ano de 2012;

d) Relativamente à arguição de inconstitucionalidade orgânica dos artigos 3.° e 16.° do RPML e do artigo 29.°, n.° 5, alínea a), da TTORML, e para a dar por não verificada, o Tribunal a quo, remeteu na íntegra para o decidido no Acórdão n.° 177/2010 do Tribunal Constitucional invocando, ainda, Sendo que, a sentença ora recorrida traz, ainda, à colação o acórdão deste douto Supremo Tribunal Administrativo, datado de 14/10/2020, proferido no processo n.° 148/20.5BALSB, o qual julgou improcedente o recurso interposto pela ora Recorrente e que corre, agora, termos junto deste douto Tribunal como recurso de uniformização de jurisprudência;

e) Acontece que, como se demonstrou nas presentes alegações, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar abrangida no âmbito das referidas normas a renovação automática da licença de publicidade atribuída à Recorrente;

f) Na verdade, a notificação feita à Recorrente para pagamento destas taxas surge como consequência do facto de a legislação municipal estabelecer como regra que a renovação das licenças concedidas por prazo superior a 30 (trinta) dias é sucessiva e automática (ver artigo 20.° do RPML);

g) A regulamentação camarária deixa claro que uma vez emitida a licença com duração igual ou superior a 30 dias, a sua renovação no termo do prazo é automática, ou seja, ocorre, independentemente de qualquer impulso do particular ou da própria edilidade;

h) Dada a norma regulamentar que prevê a renovação automática da licença, em cada ano a CML simplesmente realiza uma operação aritmética que consiste na multiplicação do valor unitário da taxa previsto no regulamento municipal pelo número de metros quadrados de cada anúncio previamente licenciado;

i) Ou seja, aquando da renovação das licenças - momento que releva para os autos - a CML não realiza ao sujeito passivo das taxas (i.e., à ora Recorrente) uma atividade que possa consubstanciar uma prestação individualizada e concreta que sirva de pressuposto ou facto tributário de uma taxa, à luz do disposto no artigo 4.°, n.° 2, da LGT e do artigo 3.° do RGTAL;

j) E no caso concreto ficou efetivamente demonstrado - como resulta do PA e é também assumido na contestação do Município -, que não houve da parte da CML qualquer atividade de reavaliação dos pressupostos do licenciamento que pudesse justificar a cobrança de uma taxa pela remoção de um obstáculo jurídico;

k) Sendo certo que, à luz do decidido no Acórdão n.° 177/2010 do Tribunal Constitucional, essa atividade de reavaliação se encontra pressuposta, para que, nesse caso, se possa entender estar na presença de uma taxa e não de um imposto;

l) Como também se concluiu no Acórdão deste Alto Tribunal de 8/06/2011 (rec. n.° 300/2011), que igualmente serviu para fundar o decidido na Sentença a quo;

m) E como também já se havia decidido no Acórdão do Pleno do STA de 18/05/2005 (proc. n.° 1176/04, disponível em www.dgsi.pt);

n) Por tudo o que fica dito é patente o erro de julgamento do Tribunal a quo, dado que no caso concreto, o tributo liquidado, respeitante a uma renovação automática de licenciamento, só pode ser entendido como tendo natureza de um imposto e não de uma taxa;

o) Havendo assim inconstitucionalidade orgânica dos artigos 3.° e 16.° do RPML (e do artigo 29.°, n.° 5, alínea a) da TTORML), se neles se contemplar - como se entendeu na Sentença recorrida - o encargo devido por uma mera renovação automática do licenciamento de publicidade e que manifestamente tem natureza de verdadeiro imposto;

p) Ou seja, entendendo-se - como o Tribunal a quo entendeu - que a renovação de licenciamento previsto no artigo 16° do Regulamento de Publicidade contempla também as renovações automáticas, ter-se-á de considerar a referida norma organicamente inconstitucional, na parte em que contemple essa renovação automática;

q) Não se entendendo que a referida norma regulamentar contempla a renovação automática do licenciamento, então, ao entender que a mencionada renovação implicava o pagamento de uma taxa, o Tribunal a quo fez interpretação e aplicação inconstitucionais das normas dos artigos 3.° e 16.° do RPML e do artigo 29.°, n.° 5, alínea a), da TTORML, em violação dos artigos 103.°, n.° 2, e 3, e 165.°, n.° 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa;

r) Também ficou demonstrada através das presentes alegações a manifesta inexistência de bilateralidade /sinalagmaticidade da taxa liquidada, o que implica a respetiva ilegalidade;

s) Ao não entender assim, a Sentença recorrida incorreu portanto em novo erro de julgamento;

t) Além disso, também nesta parte se verifica uma interpretação e aplicação inconstitucionais por parte da Sentença a quo dos mencionados artigos 3.° e 16.° do RPML, bem como do artigo 4.°, n.° 2, da LGT, em violação dos artigos 103.°, n.° s 2 e 3 e 165.°, n.° 1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa;

u) Admitindo, que o encargo cobrado tenha a natureza de taxa (e não de imposto) - o que aqui se admite, sem conceder, por mera cautela de patrocínio -, então, ao decidir como decidiu, a Sentença recorrida violou o princípio da equivalência, o que também ficou inequivocamente demonstrado através das presentes alegações de recurso;

v) Na verdade, o mencionado princípio (contido no artigo 4.°, n.° 1, do RGTAL), determina que a finalidade da taxa cobrada resida na compensação da prestação administrativa efetuada e, por conseguinte, que o seu quantum seja fixado de forma proporcional e adequada a esse fito compensatório (equivalência económica);

w) Ora, inexistindo no caso vertente um ato administrativo ou uma atividade pública efetiva e especificamente direcionada à Recorrente no momento da renovação da licença, que a legislação municipal classifica como automática e sucessiva, não há, por maioria de razão, qualquer custo para o ente público que tenha de ser compensado mediante o pagamento de uma taxa;

x) E mesmo que se aplicasse no caso o chamado princípio do benefício, haveria sempre dificuldade de princípio porque na renovação das licenças de publicidade não se descortina uma prestação administrativa dirigida ao sujeito passivo que constitua o pressuposto de facto da cobrança da taxa;

y) Em virtude do exposto, a taxa liquidada é ilegal na medida em que o seu quantum não tem em vista compensar custos efetivamente provocados pelo sujeito passivo, nem remunerar o valor de uma prestação que lhe é dirigida, o que afronta o princípio da equivalência e a regra contida no n.° 1 do artigo 4.° do RGTAL, expressão do princípio constitucional da igualdade e critério material de repartição dos encargos públicos aplicável às taxas;

z) Concluindo-se que a Sentença a quo ofende o princípio da equivalência contido no n.° 1 do artigo 4.° do RGTAL.

1.3. O Município de Lisboa veio, em contra-alegações, defender a manutenção na ordem jurídica da sentença recorrida, aduzindo, a final, os principais argumentos que sustentam a sua posição nos seguintes termos:

«1.ª A Recorrente pretende a apreciação de questão nova, que não suscitou anteriormente nos autos e que, nem se dirige à douta decisão recorrida (como afirma), nem é de conhecimento oficioso: a alegada ilegalidade da liquidação por violação do princípio da equivalência;

2.ª Visando os Recursos, por essência, o reexame de decisões anteriores e não a criação de decisões novas, a referida questão, a que a Recorrente dedica a parte c) das Alegações e as Conclusões t) a y) deverá considerar-se excluída do objeto do Recurso;

3.ª A Constituição da República Portuguesa consagra, para as autarquias locais, a possibilidade de disporem de poderes tributários próprios, no n.° 4 do art. 238.°, atribuindo, ainda, aos municípios, receitas tributárias próprias, no § único, do art. 254.°;

4.ª Os municípios têm legitimidade, não só para liquidarem e cobrarem as taxas que se encontrem previstas na lei, como é o caso da taxa devida pelo licenciamento de publicidade, como para definirem, de forma geral e abstracta, os termos em que o pretendem fazer;

5.ª Por seu turno, de acordo com o art. 3.° do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais, as taxas das autarquias locais são tributos que assentam na utilização de bens do domínio público local ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, acrescendo, nos termos das alíneas b) e c), do art. 6,° do mesmo Diploma, que as taxas municipais incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou geradas pela actividade dos municípios, designadamente pela concessão de licenças e pela utilização de bens do domínio público (...) municipal;

6.ª De acordo com a Lei das Finanças Locais, constituí receita municipal o produto do cobrança de taxas (...) resultante da concessão de licenças (...) [cfr. alínea c) do art. 10.°], as quais podem ser criadas nos termos definidos no já mencionado Regime Geral das Taxas (cfr. n.° 1 do art. 15.°);

7.ª O Código da Publicidade define publicidade e considera como tal “qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo directo ou indirecto de : a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços”, não restando dúvidas quanto à natureza publicitária da tela que a Impugnante sujeitou a licenciamento, como, aliás, a mesma admite reiteradamente;

8.ª A afixação de mensagens publicitárias de natureza comercial, na área de cada município, depende de licenciamento prévio da Câmara Municipal respetiva, nos termos do disposto no art. 1º da Lei n.° 97/98, de 17 de Agosto, diploma que regula a afixação de tais mensagens e que, para além de remeter o licenciamento da publicidade para competência municipal, atribui à mesma “a definição dos critérios de licenciamento aplicáveis na área do respectivo concelho” (cfr. n.° 2 do art. 1º);

9.ª Habilitado por tais normas e no exercício das aludidas competências, o Município de Lisboa aprovou o Regulamento de Publicidade, publicado por intermédio do Edital n.° 35/92, de 19 de Março, com a redacção dos Editais n.° 42/95, de 25 de Abril e 53/95, publicados respectivamente nos Boletins Municipais n.° 16331, de 12/03/1992, 61, de 25/04/1995, e 66, de 30/05/1995;

10.ª As taxas concretamente aplicáveis a cada licenciamento são as estabelecidas na Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais (TTORM) em vigor aquando do mesmo, nos termos do art. 16.° do referido Regulamento, a qual, no caso concreto e atenta a vigência da norma transitória prevista no n.° 5, do art. 43.°, do RGTPORML, se encontra limitada pelo valor estabelecido pela TTORM/2009, acrescido de 5%;

11.ª O aludido Regulamento de Publicidade estabelece que, para a afixação das referidas mensagens publicitárias, em locais públicos ou privados, é sempre necessário o licenciamento prévio respectivo, uma vez que, nos termos do n.° 1 do seu art. 2°, o mesmo é aplicável a qualquer forma de publicidade de natureza comercial e a todos os suportes de afixação ou inscrição de mensagens publicitárias;

12.ª Ademais, encontra-se sujeita a licenciamento prévio da Câmara Municipal a afixação ou inscrição de mensagens publicitárias em bens ou espaços afectos ao domínio público, ou dele visíveis, nos termos do n.° 1, do art. 3.°, do mesmo Regulamento;

13.ª Do Regulamento da Publicidade, em estrita obediência aos ditames que motivaram a atribuição do licenciamento da publicidade aos municípios, constam os limites, decorrentes da Lei n.° 97/98 e que o município de Lisboa estabeleceu para o exercício de tais actividades, nos arts. 4.° a 6.° do mencionado Regulamento, dos quais se destacam, a título de exemplo, os atinentes à protecção da estética ou ambiente dos lugares ou da paisagem (art. 4°), ou a protecção da segurança de pessoas e bens (art. 6°);

14.ª A necessidade de tal protecção, imprimida pelo legislador, tem origem no facto de a publicidade ter o seu impacto no domínio público, razão pela qual, é exigido o licenciamento de tal atividade, que configura um obstáculo, real e resultante da lei, a tal atividade;

15.ª O licenciamento e sucessivas renovações removem o obstáculo jurídico a tal atividade e permitem à Recorrente a exibição de publicidade e, consequentemente, o uso privativo do domínio público municipal, em determinados termos, definidos naqueles;

16.ª No art. 4.° da LGT, sob a epígrafe "pressupostos dos tributos” estabelece-se que “as taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares” sendo identificadas três tipos de situações que podem, alternativa e legitimamente, dar origem à liquidação e cobrança de taxas; o tributo ora em causa configura um deles, pois é liquidado e cobrado como contrapartida pela renovação de licença/remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares;

17.ª A tese que a Recorrente advoga é que, a proceder, redundaria em inconstitucionalidade, por via da clara violação dos poderes tributários e regulamentares, atribuídos pelos arts. 238.°, n,° 4 e 241.° da Constituição da República Portuguesa aos municípios, bem como da respectiva autonomia financeira, igualmente consagrada na Lei Fundamental, o que desde já se argui;

18.ª A liquidação da taxa impugnada é perfeitamente válida e eficaz, actuando a CML no exercício de competências que lhe são constitucional e legalmente atribuídas, em consonância com o conceito de taxa adoptado pelo legislador ordinário e de harmonia com regulamentos municipais aprovados na sequência de lei habilitante;

19.ª Como assinala a douta Sentença recorrida, a interpretação que acolhe, e que o Recorrido vem pugnando nos autos, tem acolhimento unânime na Jurisprudência dos Tribunais Superiores, de que é exemplo o Acórdão n.° 177/2010 do Tribunal Constitucional, que a ditou e que vem sendo acompanhado pelos restantes Tribunais, Superiores e de primeira instância, à semelhança do que aconteceu, e bem, na douta Decisão objecto do presente Recurso (vd., ademais, os doutos Acórdãos do STA de 08/06/2011 - Proc. n.° 300/11 de 05/02/2015 - Proc. n.° 333/14 de 19/06/2016, proferido no Processo n.° 1393/13, ou ainda de 14/10/2020, proferido no Recurso n.° 0489/17);

20.ª A taxa de publicidade, tal como regulamentada no Município de Lisboa, não reveste natureza de imposto, constituindo contrapartida da renovação da licença de publicidade (v.g., remoção de obstáculo jurídico à actuação do particular) e consequente fruição do espaço público que, por via dela, é facultada à Recorrente, verificando-se em pleno o sinalagma que a Recorrente, sem razão, afirma inexistir;

21.ª A liquidação impugnada foi concretizada de acordo com lei habilitante expressa, no pleno uso das competências atribuídas por lei aos municípios e de acordo com a forma prevista na lei para o efeito, não padecendo de vício ou irregularidade, sendo plenamente válida e improcedendo pois, na sua totalidade os argumentos da Recorrente, devendo manter-se na íntegra a douta Sentença objeto do presente;

22.ª Só a renovação do licenciamento (de exibição de publicidade) para o ano de 2012 habilitou a Recorrente a manter exibição da publicidade, naquele período, usufruindo, assim, em pleno, da contrapartida/sinalagma exigido pelo conceito de taxa e correspondente, reitera-se, à remoção do obstáculo jurídico que impedia aquela exibição, no referido período;

23.ª Sem prescindir quanto à invocada inadmissibilidade, a liquidação impugnada respeita o princípio da equivalência, estando conforme com as disposições legais aplicáveis e inexistindo qualquer desproporção intolerável que possa questionar a sua proporcionalidade, que a Recorrente, aliás, nem sequer invoca».

1.4. Recebidos o processo neste Tribunal e apresentado com “termo de vista” à Exma. Procuradora-Geral-Adjunta, para, querendo, emitir parecer, veio o mesmo a ser proferido no sentido de não provimento do recurso, por, em resumo e palavras nossas, a sentença recorrida se ter fundamentado em jurisprudência que, de forma reiterada, esta Secção de Contencioso Tributário vem perfilhando e, bem assim, que os preceitos legais cuja constitucionalidade vem posta em causa foram interpretados em conformidade com os parâmetros normativos definidos pelo Tribunal Constitucional, pelo que, conclui, não é merecedora de qualquer censura.

1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, julgar o recurso que nos foi apresentado.

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é o teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações que determina o âmbito de intervenção do tribunal de recurso [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte das decisões de mérito proferidas quanto a questões por si suscitadas (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC), desta forma impedindo que voltem a ser reapreciadas por este Tribunal de recurso. Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida pelos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, não existem dúvidas de que a Recorrente pretende que este Supremo Tribunal aprecie três questões: (i) o erro de julgamento relativamente à interpretação e aplicação do conceito constitucional de taxa [por entender que dele deriva que o tributo respeitante à renovação automática do licenciamento de publicidade tem a natureza de um imposto e que, por conseguinte, os referidos normativos regulamentares padecem de inconstitucionalidade orgânica, à luz dos artigos 103.º, n.ºs 2 e 3 e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição da República Portuguesa - alínea “c)” das alegações de recurso e conclusões “t)” a “y)]; (ii) o erro na interpretação e aplicação do conceito jurídico de taxa previsto na lei, em particular, consagrado no artigo 4.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária [invocando ser patente que não existe bilateralidade se o tributo não tem por pressuposto qualquer actividade por parte da Recorrida - alínea “b)” das alegações de recurso e conclusões “q)” a “s)”]; (iii) o erro na interpretação e aplicação do artigo 4.º, n.º 1, do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais [porque, não visando o tributo em contestação nem a compensação de custos efectivamente provocados pelo sujeito passivo nem a remuneração do valor de uma prestação que lhe seja dirigida, a interpretação acolhida não respeita o princípio da equivalência que o próprio normativo impõe e que constitui concretização do princípio constitucional da igualdade - alínea “c)” das alegações de recurso e conclusões “t)” a “y)”].

2.3. Acontece, porém, que este Supremo Tribunal não pode conhecer de todas as questões colocadas pela Recorrente.

Na verdade, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Ora, sem prejuízo de se concordar com o entendimento que a nossa jurisprudência vem acolhendo, à luz do artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e com o conforto de múltiplos acórdãos do Tribunal Constitucional, de que as questões de inconstitucionalidade são questões de conhecimento oficioso e, consequentemente, que nem aos interessados nem ao Tribunal ad quem está vedado suscitá-las em sede de recurso, certo é, como ficou firmado no acórdão desta Secção e Tribunal (que envolveu as mesmas partes e que teve por objecto idêntico circunstancialismo de facto e de direito ao que ora se analisa, reconduzindo-se a única particularidade ao ano a que se reporta a taxa liquidada) que a questão que a Recorrente identifica sob a epígrafe «Da violação do princípio da equivalência» “não é uma questão de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade. O que aqui está em causa não é a desconformidade de qualquer norma com algum comando constitucional, mas a alegada desconformidade do ato impugnado com um comando infraconstitucional. No caso, o artigo 4.º, n.º 1, do RGTAL.

É certo que o princípio da equivalência tem sido considerado um princípio estruturante aplicável às taxas e contribuições e um corolário dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade, quando aplicados a estes tributos. Poderia, então, defender-se que, ao convocar o artigo 4.º do RGTAL o Recorrente estaria, afinal, a apelar para estes princípios constitucionais.

Deve, porém, contrapor-se, desde já, que as disposições regulamentares em que se fundou o ato impugnado para a fixação do quantum do tributo não foram convocadas para impugnação e, por isso, o tribunal recorrido nunca foi chamado a aplica-las. Saliente-se que de parte alguma da petição inicial se extrai alguma questão relacionada com a quantificação do tributo.

Ora, o tribunal de recurso só teria que apreciar oficiosamente questões de inconstitucionalidade respeitantes a normas aplicadas na sentença recorrida, isto é, a normas que o tribunal recorrido tenha apreciado ou aplicado ao decidir da legalidade do ato impugnado».

Não sendo o caso, há que concluir que a questão enunciada em (iii) supra é uma questão nova, o que determina a sua exclusão do objecto do presente recurso que, nesta parte, fica, desde já, rejeitado.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«Com relevância para a decisão, dão-se como provados os seguintes factos:

1. A Impugnante explora os espaços publicitários em veículos de transporte colectivo de passageiros pertencentes à “Companhia B………………..”, vulgarmente designada por “B………….”, ao abrigo de um contrato de concessão celebrado com a “B……….” (por acordo decorrente da posição processual das partes, conjugado com documentos relativos aos procedimentos de licenciamento para afixação de publicidade em transportes colectivos da “B……..” a favor da Impugnante, que figuram a fls. … do processo administrativo apenso aos autos);

2. Para efeitos da actividade identificada em 1. supra, a Impugnante requereu a emissão pelo Município de Lisboa de licenças de afixação de publicidade em veículos de transporte colectivo de passageiros (por acordo decorrente da posição processual das partes, conjugado com documentos relativos aos procedimentos de licenciamento para afixação de publicidade em transportes colectivos da “B………..” a favor da Impugnante, que figuram a fls. … do processo administrativo apenso aos autos);

3. Em 1.3.2012, a Câmara Municipal de Lisboa emitiu a “Relação Valorizada” n.º 700000084369, dirigida à Impugnante, para pagamento, até 31.3.2012, de facturas relativas a “PUB Transportes Colectivos”, para o período de 2012, totalizando o valor de € 126.995,41, de acordo com as seguintes condições:

«1. Prazo das licenças: último dia do mês (mensais)/ último dia do trimestre (trimestrais) /último dia do ano (anuais) indicado no rosto do recibo.

2. As licenças renovam-se automaticamente por iguais períodos de tempo, salvo comunicação do titular opondo-se à renovação automática.

3. A intenção de cancelamento/não renovação automática das licenças deve ser comunicada à CML, pelo seu titular e por escrito, até 10 dias antes do termo da licença.

4. A licença poderá não ser renovada sempre que:

a) Situações excepcionais de interesse público assim o exijam;

b) O seu titular não cumpra as obrigações decorrentes do licenciamento, nomeadamente de conformidade com o projecto aprovado, de segurança e boa conservação dos suportes e as de pagamento das taxas.

5. As taxas aplicadas assentam no seguinte quadro normativo: artº 237º, 238º nº 4 e 241º da Constituição da República Portuguesa (versão Lei Constitucional nº 1/2005 de 12 de Agosto); art. 53º nº 2 alínea e) e h) e 64º nº 7 alínea b) da Lei n.º 169/99 de 16 de Setembro com as alterações introduzidas pela Lei n.º 5-A/2002 de 11 de Janeiro; arts. 3º nº 2 alínea c), 10º alínea c) 11º e 15º da Lei das Finanças Locais aprovada pela Lei nº2/2007 de 15 de Janeiro; arts. 3º e 6º da Lei nº 53-E/2006 de 29 de Dezembro; arts. 1º nº 1 e 2 e 11º da Lei nº 97/88 de 17 de Agosto; Regulamento de Publicidade constante do Edital n.º 35/92 e publicado no D.M. nº 16338 de 19 de Março, com as alterações introduzidas pelos Editais nº 42/95 (publicado no B.M. nº 61 de 25 de Abril) e 53/95 (publicado no B.M. nº 68 de 30 de Maio); Regulamento Geral de Mobiliário Urbano e Ocupação da Via Pública e (aprovado pelo Edital n.º 101/91 de 16 de Abril) bem como no Regulamento Geral de Taxas, Preços e Outras Receitas e respectiva Tabela de Taxas Municipais, publicada em D.R., 2ª série de 30 de Abril de 2010 (que poderão ser consultados no Atendimento da DMAU/Divisão de Qualificação do Espaço Público, na Av. 24 de Julho n.º 171C, 1399-021 Lisboa).

Os sujeitos passivos das taxas dispõem das garantias previstas no art.º 16 da Lei n.º 53-E/2006 de 29 de Dezembro (Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais), designadamente, do prazo de 30 dias, a contar da data da notificação da liquidação, para apresentar reclamação graciosa.»

(cf. documento que figura de páginas 22 a 30 do suporte digital dos autos no SITAF e integra o Doc. 1 junto à petição inicial);

4. O montante identificado em 3. supra corresponde ao valor da liquidação das taxas devidas, no ano de 2012, pela renovação automática de licenças para afixação de publicidade em transportes coletivos emitidas pelo Município de Lisboa a favor da Impugnante (por acordo das partes, conjugado com o documento que figura de páginas 15 a 19 do suporte digital dos autos no SITAF e integra o Doc. 1 junto à petição inicial, bem como o documento correspondente à Informação n.º 52643/INF/DPC/GESTURBE/2013, de 3.12.2013, emitida por técnico da Divisão de Planeamento e Coordenação da Câmara Municipal de Lisboa, que figura a fls. … do processo administrativo apenso aos autos);

5. A Impugnante apresentou reclamação graciosa do acto de liquidação das taxas a que se alude em 3. e 4. supra (por acordo decorrente da posição processual das partes, conjugado com documento que figura de páginas 14 a 30 do suporte digital dos autos no SITAF, correspondente ao Doc. 1 junto à petição inicial);

6. Por despacho da Vereadora da Câmara Municipal de Lisboa …………….., de 3.8.2012, exarado sobre a Informação n.º 239/DMF/DAAT/DPTF/12, da Divisão de Procedimento Tributário e Financeiro da Câmara Municipal de Lisboa, foi indeferida a reclamação graciosa a que se alude em 5. supra, de acordo com a seguinte fundamentação:

«A taxa de publicidade reveste a natureza de taxa que os municípios podem legitimamente cobrar ao abrigo dos arts 3.º 6.º alíneas b) e c) da Lei n.º 53-E/2006, de 29 de Dezembro e arts. 10.º alínea c) e 15.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, art. 16º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa, publicitado no Edital nº 35/92, de 19 de Março, com as alterações introduzidas pelos Editais nºs 42/95 e 53/95;

A licença de publicidade permite fazer publicidade na via pública ou no espaço aéreo, independentemente do meio ou do suporte, propiciando a utilização de um bem público, consubstanciado nas ruas avenidas, praças, jardins, e espaço aéreo onde a mesma é visível, onde circulam as pessoas com as quais se estabelece o diálogo publicitário, com aproveitamento exclusivo para o beneficiário, o que legitima a exigência de uma taxa, contrapartida dessa utilização; pelo que é inaceitável que, prestando o Município um serviço de análise, fiscalização e emissão da respectiva licença de publicidade, não deva existir uma contrapartida por tal serviço, através da cobrança da respectiva taxa;

Não procedem, pois, os argumentos invocados pela reclamante no sentido da liquidação e cobrança da taxa de publicidade ser ilegal, razão pela qual será de manter o acto reclamado e de indeferir os autos de reclamação graciosa».

(cf. documento que figura de fls. 20 e 21 do suporte digital dos autos no SITAF e integra o Doc. 1 junto à petição inicial);

7. Por meio do Ofício com a referência OF/384/DMF/DAAT/DPTF/12, de 7.8.2012, a Câmara Municipal de Lisboa notificou a Impugnante do indeferimento da reclamação graciosa por esta apresentada, a que se alude em 6. supra (cf. documento que figura na folha 14 do suporte digital dos autos no SITAF e integra o Doc. 1 junto à petição inicial).

Motivação

A convicção do tribunal que permitiu dar como provados os factos acima identificados assentou no teor dos documentos aí especificados, bem como na posição processual assumida pelas partes».

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa em dois segmentos na parte em que nela se concluiu que os artigos 3.º e 16.º do Regulamento de Publicidade do Município de Lisboa [“RPML”] e o artigo 29.º, n.º 5, alínea a), da Tabela das Taxas e Outras Receitas do Município de Lisboa de 2009 [“TTORML”] não padecem de inconstitucionalidade orgânica e na parte em que concluiu que as taxas cobradas para o ano de 2011, não violavam o conceito jurídico de taxa previsto na lei.

3.2.2. Com deixámos já consignado na delimitação do objecto deste recurso, as questões que ora nos são colocadas têm vindo a ser objecto de repetida análise por esta Secção de Contencioso Tributário, inclusive em julgamentos proferidos em processos relativos às mesmas partes, com idêntico objecto (variando apenas no que respeita ao ano de tributação) e em que são apesentados, quer em sede de articulados iniciais das partes quer em sede de alegações e contra-alegações de recurso, exactamente os mesmos argumentos de direito que foram invocados no litígio que ora se decide.

3.2.3. Neste contexto, convoca-se, como fundamentação da nossa decisão, em especial, o julgamento realizado a 14 de Outubro de 2020, no processo n.º 1711/11.0BELRS, em que a ora relatora interveio como Juíza-Adjunta, no qual ficou decidido, em conclusão, que:

- “Do facto de o regulamento de publicidade municipal prever que o licenciamento da publicidade se renova automaticamente não deriva que o tributo cobrado aquando da renovação não tenha caráter bilateral, sinalagmático ou comutativo nem resulta, por conseguinte, que o tributo respetivo tenha a natureza de um imposto”,

-Do artigo 6.º do RGTAL deriva que o elemento material da incidência das taxas de publicidade, aquando da renovação da licença respetiva, não se reconduz a uma atividade de reavaliação da verificação dos pressupostos que determinaram o seu licenciamento».

3.2.4. É esse entendimento que aqui se reitera e para o qual se remete, não apenas porque mantemos o mesmo entendimento mas, ainda, porque a adopção nos presentes autos da mesma solução jurídica se impõe apara assegurar uma interpretação e aplicação uniformes do direito a todos os casos merecedores de tratamento análogo, nos termos do artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil.

3.2.5. Dispensamos a junção de cópia ou a transcrição da referida fundamentação, uma vez que a mesma se encontra integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt.

3.2.6. As custas serão integralmente suportadas pela Recorrente, em cujo pagamento será, a final, condenada, por ter ficado integralmente vencida na sua pretensão recursiva (artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 280.º do CPPT).

4. DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 23 de Junho de 2021 – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora, que consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, que tem voto de conformidade com o presente acórdão os Senhores Juízes Conselheiros José Gomes Correia e Aníbal Augusto Ruivo Ferraz).