Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0289/05.9BELRS
Data do Acordão:10/22/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
GESTOR PÚBLICO
EXONERAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
Sumário: I - É de admitir a revista, interposta pelo Estado, onde se questiona se o autor - que era vogal do Conselho de Administração de um hospital e se viu afastado dessas funções pela aparição de novos titulares do mencionado órgão - foi ou não alvo de uma exoneração implícita, dúvida que se repercute no «quantum» indemnizatório a satisfazer ao peticionante.
II - E, admitida essa revista, é de receber também a revista do autor, em que ele discute o modo como o TCA mandou calcular os juros de mora que lhe seriam devidos.
Nº Convencional:JSTA000P23756
Nº do Documento:SA1201810220289/05
Data de Entrada:04/16/2018
Recorrente:A..... E ESTADO PORTUGUÊS
Recorrido 1:CENTRO HOSPITALAR DE LISBOA NORTE, EPE
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:

O MºPº, em representação do Estado, interpôs recurso de revista do acórdão do TCA Sul que, revogando a sentença absolutória do TAC de Lisboa - proferida numa acção administrativa comum instaurada por A………., identificado nos autos, contra o Estado e o Hospital de Santa Maria (agora, Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE) - julgou a causa procedente em parte e condenou os réus a pagarem ao autor determinadas importâncias e juros de mora.
E o autor também deduziu uma revista do mesmo aresto, quanto à maneira de calcular aqueles juros de mora.
O MºPº pugna pela admissão da sua revista por ela recair sobre «questiones juris» relevantes e erradamente resolvidas pelo aresto.
Em prol do recebimento da sua revista, o autor somente alude à necessidade de se melhorar a aplicação do direito.
Contra-alegaram o autor e cada um dos réus, defendendo o não provimento do recurso a que responderam e, quanto ao MºPº, assinalando ainda a inadmissibilidade da revista do autor.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA's não são susceptíveis de recurso para o STA, Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).
O autor e ora recorrente interpôs a acção dos autos contra o Estado e o Hospital de Santa Maria pedindo, a título principal, a condenação dos réus no pagamento dos ordenados - e, também, de certas retribuições complementares - que devia auferir até ao termo do seu mandato como vogal do Conselho de Administração do 2.º réu, pois, tendo sido afastado de facto do exercício dessas funções, operou a revogação, com justa causa, do aludido mandato.
O TAC julgou o pedido improcedente porque o autor fora destinatário de um acto implícito de exoneração daquelas funções - a que se seguira o pagamento de todas as importâncias que, «ex lege», lhe eram devidas.
Mas o TCA considerou que inexistira tal acto implícito. E, conhecendo em substituição, disse que, na falta de um acto jurídico que exonerasse o autor, ele tinha efectivamente direito a auferir todos os vencimentos até ao fim do mandato e a receber ainda os respectivos juros moratórios, reportados a determinadas datas.
Na sua revista, o MºPº defende a existência de um acto implícito de exoneração - justificativo da pronúncia absolutória emitida na 1.ª instância.
Por sua vez, o autor questiona, no seu recurso, as datas a que o aresto recorrido se ateve para o cálculo dos juros de mora, assinalando que o TCA ofendeu um caso julgado formal e que esse erro o prejudica em mais de 55 mil euros.
A acção tem por origem um facto bizarro: sem que houvesse um acto expresso a exonerá-lo das suas funções de vogal, o autor foi delas afastado pelo surgimento, no hospital, de um novo Conselho de Administração, nomeado pelo ministro. Questiona-se, na lide e na revista do MºPº, se isso envolveu a prática implícita de um acto de exoneração do autor. Ora, e apesar da óbvia singularidade do caso, a «quaestio juris» aí latente - relacionada com as condições lógicas e jurídicas da emergência de actos implícitos - possui suficiente relevância para justificar a intervenção deste Supremo. Até porque, da presença ou ausência de um acto de exoneração, pode depender o «quantum» indemnizatório - aliás, sempre vultoso - devido ao autor («vide» o art. 6º, n.º 2, «in fine», do DL n.º 464/82, de 9/12, e o art. 9º do DL n.º 188/2003, de 2018).
É, pois, de receber a revista do MºPº.

E, recebido esse recurso, é também de admitir a revista do autor, porque não faria sentido que a disputa entre as partes não fosse analisada em toda a sua latitude.

Nestes termos, acordam em admitir as revistas.
Sem custas.

Porto, 22 de Outubro de 2018. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.