Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:088/19.0BALSB
Data do Acordão:09/30/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:ENCARGOS FINANCEIROS
CORRECÇÃO TÉCNICA
MÉTODOS INDIRECTOS
Sumário:I - Sendo diversas as situações que estão na origem dos encargos financeiros não aceites pela AT (a assunção dos encargos de uma participada que é incorporada por fusão na decisão arbitral recorrida e os encargos decorrentes de empréstimos contraídos junto da banca para financiamento não remunerado de participadas, na decisão arbitral fundamento), não se verifica o requisito da “identidade de questão fundamental de direito”.
II - A requalificação jurídica de uma verba contabilística, em que não há recurso a presunções, constitui uma verdadeira correcção técnica, ao passo que a “anulação de despesas contabilizadas” com o fundamento de as mesmas não serem verosímeis, pressupõe o uso de presunções ou ilações (ou seja, é a partir de dados contabilísticos do sujeito passivo que se concluiu que as despesas declaradas não poderiam ter sido realizadas) e, como tal, o recurso a métodos indirectos.
Nº Convencional:JSTA000P26419
Nº do Documento:SAP20200930088/19
Data de Entrada:11/23/2019
Recorrente:B............, HOLDING, S.A.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. A B………, HOLDING, S.A., com os sinais dos autos, vem, nos termos do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Voluntária (RJAT), interpor recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral n.º 343/2017-T, proferida em 22 de Outubro de 2019, pelo Centro de Arbitragem Administrativa [decisão proferida na sequência do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 11 de Julho de 2019, proc. 42/18.0BCLSL, que declarou nula a primeira decisão arbitral, proferida em 2 de Abril de 2018] por considerar que esta decisão colide com o decidido na decisão arbitral n.º 715/2016-T, de 22 de Setembro de 2017, e com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 20 de Outubro de 1999, no Recurso n.º 23992, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
A) O presente Recurso vem interposto da Decisão Arbitral proferida em 22 de outubro de 2019 no âmbito do processo n.º 343/2017-T CAAD;
B) A RECORRENTE entende que aquela Decisão Arbitral está em oposição:
(i) Relativamente à decisão sobre a dedutibilidade dos encargos financeiros, com a Decisão Arbitral proferida em 22 de setembro de 2017 no processo arbitral n.º 715/2016-T CAAD; e.
(ii) Relativamente à decisão sobre a (ir)relevância fiscal da variação patrimonial positiva referente a prestações acessórias, com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 20 de outubro de 1999, no Recurso n.º 23992,
C) Atendendo à factualidade dada como provada na Decisão Arbitral recorrida, que aqui se dá por reproduzida, a RECORRENTE entende que a correção relativa à desconsideração dos gastos de financiamento levada a cabo pela Administração tributária, no montante de e € 212.796,96, é ilegal e deve ser anulada, conjuntamente com o ato de liquidação de IRC n.º 2016 8310037733, uma vez que:
(i) Os referidos gastos estão objetiva e diretamente relacionados com os proveitos tributados que a empresa veio a obter no âmbito do financiamento oneroso concedido à sua participada; e que
(ii) Ainda que aquele financiamento não fosse oneroso e não tivesse gerado diretamente proveitos tributáveis na esfera da RECORRENTE, sempre se incluiria no âmbito da atividade societária desta última por potenciar os ganhos futuros associados à participação;
D) Em segundo lugar, a RECORRENTE considera que a correção referente à relevância da variação patrimonial positiva de € 521.668,00 no cálculo do lucro tributável também é ilegal e deve ser anulada (em conjunto com o referido ato de liquidação) porque as prestações acessórias a que essa variação se refere foram contabilisticamente tratadas como instrumentos de capital próprio (por seguirem o regime das prestações suplementares) e estão excluídas de tributação, nos termos do disposto no artigo 21.º , n.º 1, alínea a), do Código do IRC;
E) No que respeita à primeira correção, relativa à desconsideração dos gastos de financiamento, a Decisão Arbitral recorrida "reconhece a natureza onerosa do contrato celebrado pela sua incorporada com a B……… SGPS e que originaram os encargos suportados pela Requerente", acrescentando que "esta natureza ficou provada nos autos e para a relevância da mesma a REQUERENTE procedeu a ampla citação jurisprudencial";
F) Todavia, o Tribunal Arbitral negou provimento ao pedido da Recorrente quanto a esta matéria, decidindo que Até 31/12/2013 não se demonstrou a existência de qualquer benefício para a sociedade incorporante, nem sequer para a sociedade incorporada, pelo facto de esta se ter endividado perante a banca. Embora haja que admitir - como unanimemente tem feito a jurisprudência dos Tribunais Administrativos Superiores - que a atribuição de imprescindibilidade não contém uma natureza unívoca, antes tem que ser verificada casuisticamente, o certo é que no caso em apreciação nos autos o Tribunal entende que ela não se verifica face ao objeto social da Requerente (prestação de serviços de consultoria de gestão, económica, financeira e de contabilidade; prestação de serviços de consultoria à criação, desenvolvimento, expansão e modernização de empresas; prestação de serviços administrativos e de recursos humanos, manutenção de sistemas de qualidade, ferramentas de suporte às operações e ao negócio; e compra, exploração, promoção, oneração, e venda de imóveis) não se estando perante um encargo imprescindível, quer para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto, quer para a manutenção da fonte produtora (ibidem);
G) Como a própria Decisão Arbitral recorrida reconhece expressamente a fls. 23, esta decisão opõe-se à vasta jurisprudência arbitral sobre esta matéria - em concreto, a Decisão Arbitral recorrida opõe-se diretamente à Decisão Arbitral proferida em 22 de setembro de 2017, no Processo n.º 715/2016-T CAAD, que constitui a decisão fundamento do Recurso quanto a esta matéria;
H) A questão de direito tratada nesta decisão fundamento é a mesma que está subjacente à Decisão Arbitral aqui recorrida: é "a de saber se os custos com financiamentos bancários incorridos pela Requerente, destinados à concessão de empréstimos não remunerados a entidades suas associadas devem ser reconhecidos como custo fiscal, na medida em que estão relacionados com a sua atividade empresarial";
I) E o enquadramento factual relevante também é o mesmo - o objeto social do sujeito passivo não inclui expressamente o financiamento das suas participadas e, portanto, a Administração tributária entendeu que a concessão de empréstimos a jusante não legitima a dedução dos gastos suportados a montante;
J) No entanto, o Tribunal Arbitral que proferiu a decisão fundamento concluiu de forma totalmente oposta à da Decisão Arbitral aqui recorrida, determinando que, não havendo prova de que os financiamentos a jusante foram concedidos em benefício de terceiros, "haverá que concluir pela sua integral dedutibilidade, para efeitos de determinação da matéria coletável, porque, evidenciando estes um escopo lucrativo, não podem deixar de ser havidos como indispensáveis para a manutenção da sua fonte produtora";
K) Neste contexto, estão verificados os pressupostos do presente Recurso quanto a esta primeira questão: existe uma oposição manifesta entre duas decisões expressas quanto à mesma questão fundamental de direito, tratada num quadro de identidade normativa e factual;
L) Alcançada esta primeira conclusão, importa sublinhar a ilegalidade da Decisão Arbitral aqui recorrida, por oposição ao acerto da decisão fundamento;
M) Com base no disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Código do IRC, devem considerar-se indispensáveis todos os gastos que sejam necessários à realização do interesse societário, ou seja, todos os gastos essenciais à realização de proveitos ou à manutenção da fonte produtora da entidade;
N) Sucede que a atividade das empresas não se resume à sua mera atividade operacional (normal e corrente) baseando-se, também, no investimento financeiro que se poderá traduzir, no futuro, em ganhos sujeitos a imposto nomeadamente via distribuição de dividendos;
O) Assim, o ato de suprir as necessidades de financiamento de uma sociedade sua subsidiária com recurso a capitais alheios terá de ser entendido como um ato legítimo de gestão empresarial que visa a manutenção da fonte produtora - trata-se de um ato característicos de relações intragrupo que, em última instância, permitem às sociedades participantes o prosseguimento da sua atividade empresarial e do seu escopo lucrativo através das suas subsidiárias;
P) Ao exposto acresce que a ilegalidade da Decisão Arbitral aqui recorrida é ainda mais evidente se tivermos em conta que, como é expressamente reconhecido pelo Tribunal Arbitral no presente caso, o financiamento concedido pela RECORRENTE à sua participada gerou diretamente proveitos sujeitos a tributação a partir de janeiro de 2014.
Q) Com efeito, se é certo que os financiamentos gratuitos feitos a participadas justificam a dedutibilidade dos juros suportados pela participante a montante, por contribuírem para rendimentos futuros, ainda é mais evidente que os financiamentos onerosos também legitimam essa dedução, por gerarem diretamente rendimentos tributáveis na esfera da participante;
R) Em face do exposto, deve o Supremo Tribunal Administrativo admitir e considerar o presente Recurso procedente quanto à primeira questão, anulando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que anule as correções e os atos contestados pela RECORRENTE;
S) A Decisão Arbitral aqui recorrida também negou provimento ao pedido da RECORRENTE no que respeita à questão relativa à (ir)relevância fiscal da variação patrimonial positiva referente às prestações acessórias qualificadas contabilisticamente como instrumentos de capital próprio, por considerar errado aquele tratamento contabilístico;
T) A este propósito, o Tribunal Arbitral admite que a RECORRENTE contabilizou as prestações acessórias aqui em causa "numa conta de capital", mas afirma que "Conforme resulta do contrato de compra e venda que a Requerente fez juntar ao seu pedido de pronúncia arbitral estamos, precisamente, na presença de prestações acessórias e a doutrina é unânime em esclarecer que as prestações acessórias, assim qualificadas pelos contraentes e pela Requerente e sendo reembolsáveis, sem que nos autos se vislumbre qualquer constrangimento de natureza societária a tal, capaz de lhes alterar a natureza expressa (vg os aplicáveis às prestações suplementares nos termos do art. 213.º do CSC) como é o caso, devem ser contabilizados como passivo e não como capital próprio. Pelo que a contabilização destas prestações, bem como da referida diferença de 521.668,00 como variações de capital próprio, não está correta (...)".
U) Em sentido oposto, no Acórdão proferido em 20 de outubro de 1999 no Recurso n. º 23992 - que constitui o Acórdão fundamento deste Recurso quanto à segunda questão - o Supremo Tribunal Administrativo decidiu, a respeito precisamente das correções à contabilidade no âmbito do apuramento da matéria tributável de IRC, que "as correções ao resultado contabilístico são apenas as que a lei permite", acrescentando que "A lei não permite que o Fisco corrija a seu belprazer a matéria coletável declarada pelo contribuinte, se esta estiver de acordo com os resultados contabilísticos";
V) A RECORRENTE entende, por isso, que quanto a esta segunda questão fundamental há uma contradição entre a Decisão Arbitral recorrida e este Acórdão fundamento, que nega a possibilidade de realização de correções à contabilidade fora dos casos previstos na lei;
W) Assente este pressuposto, a RECORRENTE considera claro que a decisão constante do referido Acórdão fundamento é a acertada.
X) Com efeito, atenta a presunção de veracidade das declarações fiscais e da contabilidade plasmada no artigo 75.º, n. º 1, da Lei Geral Tributária, o tratamento contabilístico dado pelos sujeitos passivos às operações que realizam só pode ser: (i) corrigido, se a lei expressamente o permitir; ou (ii) afastado, se se verificarem os pressupostos de aplicação de métodos indiretos previstos no artigo 88.º da mesma Lei Geral Tributária;
Y) Não sendo esse o caso, a base contabilística do apuramento da matéria tributável não pode ser discricionariamente derrogada por decisão administrativa ou judicial;
Z) Em face do exposto, o Supremo Tribunal Administrativo também deve admitir e considerar procedente o presente Recurso quanto à segunda questão, anulando a decisão recorrida e substituindo-a por outra que determine a anulação do ato de liquidação de IRC e de juros contestado pela RECORRENTE.
Termos em que
Deve o presente recurso ser admitido e ser julgado procedente, por provado e fundado, determinando-se a anulação da decisão arbitral proferida em 22 de outubro de 2019 no processo n.º 343/2015-t e a sua substituição por um acórdão que determine a anulação das correções e do ato de liquidação contestado pela RECORRENTE.


2. Por despacho a fls. 123 o recurso foi admitido

3. A recorrida Fazenda Pública contra-alegou, concluindo nos seguintes termos:
I. São requisitos de admissibilidade do recurso por uniformização de jurisprudência; a) a

existência de contradição entre um acórdão arbitral e outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo; b) o transito em julgado do acórdão fundamento; c) a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; e, d) desconformidade entre a orientação perfilhada no acórdão impugnado e a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA;

II. Relativamente àquilo em que se deve concretizar a "questão fundamental de direito" afigura-se essencial a existência de identidade da questão de direito sobre a qual se debruçaram os acórdãos em confronto, que tem subjacente a identidade dos respectivos pressupostos de facto e, ainda, que a oposição decorra de decisões expressas e não meramente implícitas.

III. O recurso apresentado falha na verificação de qualquer destes pressupostos, sendo significativo o facto de a Recorrente não esboçar qualquer esforço no sentido de demonstrar a sua presença.

IV. O que, por si só, justifica se considere incumprido o disposto no n.º 3 do artigo 152º do CPTA quando exige que o Recorrente, na alegação, identifique de "forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada".

V. No caso concreto, não há similitude de factos.

VI. Logo, as situações de facto não podem ser analisadas à luz do recurso para uniformização de jurisprudência.

VII. Ora, da análise do conteúdo das decisões referidas e invocadas pela Recorrente, não existe oposição ou contradição entre a Decisão Arbitral Recorrida e os Acórdãos Fundamento, por não se verificar identidade das situações de facto, nem identidade quanto à questão fundamental de direito.

VIII. Conforme se pode ler no douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do CT) de 07-05-2014, proferido no âmbito do recurso nº 063/13: «Atento o disposto no art. 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152. º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicio/ tributário instaurado após 1 de Janeiro de 2004 (data da entrada em vigor do ETAF de 2002) depende da verificação cumulativo dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamento/ de direito e que não ocorra o situação de a decisão impugnada estar em sintonia com o jurisprudência mais recentemente consolidada da Supremo Tribunal Administrativo. II - Não se verifica o 1.º requisito se os acórdãos em confronto decidem a mesma questão jurídica no mesmo sentido. III - Esse requisito também não se verifica se as soluções adaptadas nos acórdãos em confronto não resultam de entendimentos divergentes quanto à mesma questão fundamental de direito, mas antes do enfrentamento de realidades fácticas distintas, que levaram à apreciação de questões jurídicas diversas.»

IX. Conforme se pode ler no douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da Secção do CT) de 22-01-2014, proferido no âmbito do processo n2 01284/13: «I -Não se verifica oposição de julgados no caso de a diversidade das soluções jurídicas encontrada nos arestas em confronto não resultar de entendimento inconciliável quanto à mesmo questão fundamental de direito, mos antes do enfrentamento de realidades fácticas distintas, que levaram à apreciação de questões jurídicas diversas.li -No recurso por oposição de acórdãos, a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não relevando, para a existência de oposição, conclusão implícita que possa retirar-se da decisão.»

X. Confrontando a Decisão Arbitral Recorrida e os Acórdãos Fundamento, de acordo com a matéria dada como assente, verificamos que não existe identidade de situações de facto.

XI. Podendo ainda concluir-se não se ter apreciado nos acórdãos sub judice a mesma questão fundamental de direito, inexistindo qualquer oposição de soluções jurídicas.

XII. Face ao supra exposto, não existe oposição ou contradição entre a Decisão Arbitral Recorrida e os Acórdãos Fundamento.

XIII. Pelo que, o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência não poderá proceder, mantendo-se integralmente a Decisão Arbitral Recorrida.
Nestes termos, e nos mais de direito, peticiona-se pela improcedência do pedido apresentado pela Recorrente, desde logo porque se não encontram reunidos os requisitos que permitem a admissão do recurso para efeitos de uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 152.º do CPTA.
Caso assim não se entenda, devera o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, com todas as devidas consequências legais.

4. O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não ser admitido por não estarem preenchidos os requisitos do artigo 152.º do CPTA.

5. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na decisão arbitral recorrida, proferida após reabertura do processo, na sequência da declaração de nulidade proferida pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, em 11 de Julho de 2019, deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. A REQUERENTE – designada antes …………, S.A. – foi constituída em 5 de abril de 2013, tendo como objeto (i) a prestação de serviços de consultoria de gestão, económica, financeira e de contabilidade; (ii) a prestação de serviços de consultoria à criação, desenvolvimento, expansão e modernização de empresas; (iii) a prestação de serviços administrativos e de recursos humanos, manutenção de sistemas de qualidade, ferramentas de suporte às operações e ao negócio; e (iv) a compra, exploração, promoção, oneração, e venda de imóveis;
2. Em 30 de dezembro de 2013, com efeitos a 5 de abril de 2013, a REQUERENTE incorporou a sociedade B……….SERVICES, S.A., contribuinte n.º ……….(doravante “SOCIEDADE INCORPORADA”) através de uma operação de fusão realizada mediante transferência global do património [cf. artigo 97.º, n.º 4, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais];
3. Por efeito desta fusão, a REQUERENTE: (i) sucedeu à SOCIEDADE INCORPORADA, em todos os seus direitos e obrigações (cf. artigo 112.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais); e (ii) adotou a firma desta última, passando a designar-se B..., S.A.;
4. No dia 12 de março de 2010, a SOCIEDADE INCORPORADA havia celebrado, na qualidade de mutuária, um contrato de financiamento com o BANCO ……….., S.A., nos termos do qual este último lhe emprestou, pelo prazo de 102 meses, o montante de € 6.000.000,00 para o desenvolvimento da sua atividade e da atividade das suas participadas. Este contrato regista como destino do capital mutuado – reestruturação do grupo B………. Software, nomeadamente o pagamento das responsabilidades da Sociedade B………. SGPS, Lda., detida a 100% pela B………..Services SA.
5. Nos termos do disposto na cláusula sexta do contrato de financiamento, o capital emprestado “vence juros, a favor do …………, dia a dia, a uma taxa correspondente à EURIBOR a 6 (seis) meses, acrescida de 2,5% (dois virgula cinco por cento) ao ano”.
6. Posteriormente, em 27 de dezembro de 2011, a SOCIEDADE INCORPORADA celebrou um contrato de suprimentos com a sua participada B……….. SGPS LDA., nos termos do qual emprestou a esta última o montante de € 5.600.000 até 31 de dezembro de 2016 (cf. DOC.5 do pedido de pronúncia arbitral);
7. O capital mutuado neste contrato de suprimento tinha um período de carência de juros de dois anos, findos os quais seria remunerado a uma taxa de juro equivalente à taxa “Euribor” a 6 meses, acrescida de cinco pontos percentuais;
8. A partir de 01/01/2014, a Requerente passou a cobrar os juros de financiamento à sua subsidiária, que foram relevados contabilisticamente nos termos legais;
9. A operação de fusão foi efetuada ao abrigo do regime de neutralidade fiscal prevista no art.º 73º e seguintes do CIRC;
10. A sociedade incorporada cessou a sua atividade, para efeitos de IVA a 5 de abril de 2013 e para efeitos de IRC a 30 de dezembro de 2013;
11. No dia 12 de agosto de 2013 foi celebrado um contrato de compra e venda, nos termos do qual a ora REQUERENTE adquiriu a ……………. os seguintes créditos que este detinha sobre a SOCIEDADE INCORPORADA: (i) € 100.000,00 (cem mil euros) de suprimentos; e (ii) € 1.551.667,00 de prestações acessórias (cf. DOC.1 do pedido de pronúncia arbitral);
12. Como contrapartida dos créditos cedidos, a REQUERENTE pagou ao alienante a quantia global de € 1.029.999,00 (um milhão e vinte e nove mil novecentos e noventa e nove euros) – menos € 621.668,00 (seiscentos e vinte e um ml seiscentos e sessenta e oito euros) do que o seu valor nominal (cf. cit. DOC.1 do pedido de pronúncia arbitral);
13. A REQUERENTE registou nas suas contas uma variação patrimonial positiva no valor de € 521.668,00 (quinhentos e vinte e um mil seiscentos e sessenta e oito euros), correspondente à diferença entre o valor nominal das mencionadas prestações acessórias na esfera da Sociedade Incorporada e o valor efetivamente pago aquando da respetiva aquisição.
14. A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo externo relativo aos anos de 2013 e 2014.
15. Em dezembro de 2016, a REQUERENTE foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária emitido no âmbito daquela ação inspetiva, a que se referem as ordens de serviço OI201600512 e OI201600513.
16. Neste Relatório, a Administração tributária promoveu duas correções à matéria tributável da REQUERENTE, no montante total de €734.464,96 (setecentos e trinta e quatro mil quatrocentos e sessenta e quatro euros e noventa e seis cêntimos).
17. A primeira das referidas correções consistiu na desconsideração dos juros suportados no âmbito do referido contrato de financiamento celebrado pela SOCIEDADE INCORPORANTE com o BANCO ……………, no valor total de € 212.796,96 (duzentos e doze mil setecentos e noventa e seis euros e noventa e seis cêntimos).
18. De acordo com a fundamentação que a Administração tributária deu a esta correção:
- “No caso concreto, verifica-se que a sociedade incorporante, a B………..SERVICES, S.A., NIPC …………., suportou encargos financeiros relativos ao empréstimo que assumiu (empréstimo este contraído pela sociedade incorporada, a B……….SERVICES, S.A. NIPC …………..), o qual não se destinou à exploração da sociedade incorporada, mas antes à realização de financiamentos gratuitos à sua subsidiária, B………… SGPS, S.A.
- Em face do referido, não se vislumbrou pois, até 31/12/2013, qualquer benefício, nem para a sociedade incorporada nem para a sociedade incorporante (…).
-Conclui-se assim que tais encargos não foram aplicados na exploração (nem na incorporada nem na incorporante), não sendo como tal indispensáveis para a realização de quaisquer rendimentos sujeitos a imposto.
- A partir de 01/01/2014, a sociedade passou a cobrar juros de financiamento pelos suprimentos concedidos à sua subsidiária, os quais se encontram relevados contabilisticamente na conta 7914 – Ganhos de financiamento concedido a subsidiárias (…) Por essa razão, não serão propostas correcções ao exercício de 2014”.
19. De acordo com o entendimento da Administração tributária sobre este tema:
- “Em contrapartida, dado o diferencial verificado entre o valor efetivamente pago pela empresa, 1.029.999,00€ e o montante total dos créditos, 1.651.667,00€ foram creditadas, para além da conta 12 – Depósitos à Ordem, as seguintes contas:
- conta 7858 – Outros rendimentos e ganhos, a qual consubstancia um ganho para a empresa pelo facto de esta não ter pago ao acionista o crédito por ele detido na sociedade, sob a forma de suprimentos;
- conta 599 – Outras variações patrimoniais, a qual consubstancia uma variação patrimonial positiva, no montante de 521.668,00€, pelo facto de a empresa ter pago ao acionista o montante de 1.029.999,00€ por créditos por ele detidos, sob a forma de prestações suplementares (como tal contabilizada numa conta da classe 5 – Capitais), no montante total de 1.551.667,00€.
- Em face do referido, fica claramente evidenciado que ambas as operações consubstanciam um ganho efetivo para a empresa;
- Não obstante, apenas a operação relativa aos suprimentos influenciou de forma positiva o resultado fiscal apurado no exercício, dada a sua contabilização na conta 7858 – outros rendimentos e ganhos;
- De ato, o diferencial de 521.668,00€ verificado entre o montante pago ao acionista e o crédito por si detido na sociedade, sob a forma de prestações suplementares, ainda que contabilizado corretamente como variação patrimonial positiva, não foi considerado para efeitos de apuramento do resultado fiscal do exercício, como seria devido.
- Da situação em análise resulta, pois, um efetivo incremento do património da empresa, no montante de 521.668,00€, não sendo aplicável à mesma qualquer das exceções à tributação previstas nas alíneas a) a c) do artigo 21.º do CIRC.” (cf. cit. DOC. 2 do pedido de pronúncia arbitral);
20. As correções promovidas pela Administração tributária deram origem à liquidação adicional de IRC n.º 20168310037733 no valor de € 31.071,42 (trinta e um mil e setenta e um euros e quarenta e dois cêntimos), cuja data limite de pagamento terminou no dia 24 de fevereiro de 2017 e que constitui o objeto do pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo (cf. DOC. 3 do pedido de pronúncia arbitral).
21. No período compreendido entre 05/04/2013 e 31/12/2013, a contabilização dos encargos financeiros relacionados com o empréstimo bancário foi de €212.796,96.

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se não provados.
No requerimento em se pronunciou sobre o supra mencionado Acórdão do venerando Tribunal Central Administrativo – Sul, veio a Requerente peticionar que fossem dados como factos não provados:
1. O contrato de suprimentos celebrado em 27 de março de 2011 entre a SOCIEDADE INCORPORADA e a sua participada B…………., SGPS LDA. é um contrato de financiamento gratuito;
2. As prestações acessórias adquiridas pela REQUERENTE em 12 de agosto de 2013 correspondem a créditos comuns, qualificáveis como passivo na esfera da SOCIEDADE INCORPORADA e, após a fusão, na esfera da REQUERENTE.


Na decisão arbitral fundamento relativa à questão da dedutibilidade de encargos financeiros, de 22 de Setembro de 2017, proc. n.º 715/2016-T, deu-se com provada a seguinte matéria de facto:
1. De acordo com o seu contrato de sociedade, o objeto social da Requerente “(…) consiste na gestão e exploração estabelecimentos hoteleiros ou similares” (artigo 3.º), no âmbito do qual “(…) poderá efetuar a prestação de serviços técnicos de administração e gestão às sociedades em que possua participações ou com as quais tenha celebrado contratos de subordinação, assim como desenvolver as demais atividades que legalmente lhe sejam permitidas” (artigo 4.º) e “(…) adquirir e alienar participações em sociedades, de direito nacional ou estrangeiro, com objeto igual ou diferente do referido no artigo terceiro, em sociedades reguladas por leis especiais, em sociedades de responsabilidade ilimitada, bem como associar-se com outras pessoas jurídicas para, nomeadamente, formar novas sociedades, agrupamentos complementares de empresas, agrupamentos europeus de interesse económico, consórcios e associações em participação” (artigo 5.º), (Doc. 3, junto à PI);
2. O capital social da Requerente é detido maioritariamente (em 85,76%) pela B…, SGPS, SA, com o NIPC … (artigo 8.º, da PI e pág. 8, do Relatório de Inspeção Tributária – adiante, RIT);
3. Por sua vez, a Requerente, que se encontra registada pela atividade Hotéis com restaurante (CAE 055111), abrangida pelo regime geral de tributação de IRC, tem como atividade efetiva “a gestão e exploração de estabelecimentos hoteleiros, quer pela exploração direta de unidades hoteleiras que são propriedade de empresas do Grupo, (Hotel C… e Hotel D…), quer relativamente à gestão operacional das unidades hoteleiras que estabeleceram contratos de gestão hoteleira com o contribuinte, a saber: 1.E…, SA, nipc…; 2. F…(Porto), SA, nipc…; 3. G…, SA, nipc…; 4. H…, Ld.ª, nipc…; 5. I…, SA, nipc … e 6. Hotel J…, Ld.ª, nipc…” (pág. 7, do RIT), detém participações sociais em diversas outras entidades do mesmo ramo, ente as quais as identificadas a págs. 7 a 9 do RIT:
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4. Nos termos dos contratos de gestão hoteleira celerados entre a Requerente, na qualidade de Gestora e as sociedades E…, SA e R…(Porto), SA, vigentes no exercício de 2012, a retribuição paga à Requerente pelos serviços de gestão inclui uma comissão base fixa e comissões variáveis, nomeadamente em função do resultado da exploração (Doc. 5, junto à PI);
5. Relativamente ao exercício do ano de 2012, a Requerente foi objeto de um procedimento de inspeção externo, que teve por base a ordem de serviço n.º OI2015…, iniciado em 16 de março de 2016, com a assinatura da ordem de serviço por um dos seus administradores, e concluído em 3 de junho de 2016, conforme o artigo 61.º, do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira – RCPITA (cfr. o Relatório da Inspeção Tributária – Departamento B, Div. III, Equipa 33, da Direção de Finanças de Lisboa – Doc. 4, junto à PI e PA);
6. De acordo com o RIT, a ação inspetiva teve âmbito geral e destinou-se ao controlo de diversas situações, entre as quais as relativas à análise dos “Gastos não aceites fiscalmente (…) nos termos do artigo 23.º, do Código do IRC”, de que resultaram correções meramente aritméticas à matéria tributável;
7. Em sede de direito de audição sobre o projeto de relatório, exercido em 29 de junho de 2016, na sequência do ofício-notificação da Direção de Finanças de Lisboa, de 9 de junho de 2016, a Requerente, relativamente à proposta de correção dos encargos financeiros, alegou sucintamente que “A análise foi feita cristalizando no tempo (31.12.2012) saldos das contas de financiamentos (contas 25xxx), de contas de investimentos financeiros (contas 41xxx) e de terceiros (contas 26/7xxx).
8. Já anteriormente, em resposta ao pedido de esclarecimentos que lhe foi solicitado através da notificação de 5 de maio de 2016, “relativamente aos empréstimos concedidos às sociedades antes mencionadas, cujo montante total ascende a 7.186.687,66€, nomeadamente se os referidos empréstimos concedidos têm como finalidade a obtenção de rendimentos pelo contribuinte A…, SA, uma vez que não estão registados na contabilidade quaisquer juros e rendimentos similares obtidos”, a Requerente esclareceu que “o montante de 7.186.687,66€ (saldo em 31.12.2012) relativo a empréstimos concedidos às sociedades participadas, na forma de prestações acessórias e/ou suprimentos foi sendo financiado com recurso a capitais próprios e empréstimos bancários nas modalidades de contas correntes caucionadas e financiamentos a médio/longo prazo … a maioria dos empréstimos em causa destinaram-se a investimentos da própria sociedade em sociedades subsidiárias na forma de participações no capital social, prestações acessórias e suprimentos, criando assim uma dinâmica de crescimento empresarial através do desenvolvimento de novas unidades de negócio (…) O financiamento mencionado na conta 25110613, contratado em 2004 destinou-se à remodelação do Hotel C… . O financiamento mencionado na conta 2510671 e 25110672 contratado em 2010, destinou-se à remodelação o D... …” – cfr. pág. 26, do RIT e Doc. 5, junto à PI;
9. E, no ponto 5 dos referidos esclarecimentos, precisou a Requerente que “(…) no desenvolvimento da sua atividade comercial e de novos negócios na área da exploração e gestão hoteleira desenvolve e mantém a exploração e/ou gestão de unidades hoteleiras que operam com marcas que são sua propriedade (…) para proteção do desenvolvimento de uma marca ligada à palavra “…” foram registadas a nível nacional e comunitário diversas variantes com o intuito de promover uma distinção de categoria de Hotel associada ao respetivo nome. Em 2012 procedeu ao registo das marcas “W…” destinado ao segmento de 4 estrelas e “X…” reservada para o segmento de 5 estrelas (…)”;
10. Após análise do direito de audição da Requerente, foram mantidas as seguintes correções meramente aritméticas em sede de IRC, que deram origem à liquidação n.º 2016…, referente ao exercício de 2012, objeto dos autos (pág. 45, do RIT):
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11. Os gastos não aceites como custos do exercício de 2012, a que se refere o ponto III-1, do RIT, no valor de € 8 043,74, tiveram as seguintes proveniências (págs. 23 e 24, do RIT):
a. Contabilizou na conta 65512 – Deslocações e estadas, gastos no valor de € 3 789,06, respeitante a uma fatura contabilizada em nome de outro sujeito passivo;
b. Contabilizou na conta 65512 – Deslocações e estadas, gastos no valor de € 1 614,84, cujo documento de suporte foi emitido em nome de outro sujeito passivo;
c. Contabilizou na conta 65512 – Deslocações e estadas, gastos no valor de € 609,68, relativo a passagens aéreas atribuídas a entidades alheias ao contribuinte;
d. Verifica-se a contabilização de gastos no valor de € 2 030,16, na conta 68111 – IMI. O contribuinte não é proprietário de qualquer imóvel;
12. A não-aceitação de encargos financeiros, no valor de € 361 792,12, é justificada no ponto III-2, do RIT (págs. 24 a 31), como segue:
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13. O Quadro 03A – Demonstração dos Resultados por Naturezas, da Demonstração dos Resultados da Requerente, para o exercício de 2012, transcrito a págs. 13 e 14, do RIT, apresenta na rubrica A5003 – Ganhos/perdas imputadas a subsidiárias, associadas e empreendimentos conjuntos, o saldo positivo de € 415 430,07, registando uma variação de 48,19% relativamente ao exercício de 2011;
14. O RIT, na sua versão final, foi notificado à Requerente através do ofício n.º…, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, de 4 de julho de 2016 (Doc. 4, junto à PI);
15. Em 7 de julho de 2016, foi emitida a liquidação de IRC do exercício de 2012, com o n.º 2016…, da quantia de € 80 954,30 e, em 14 de julho de 2016, a demonstração de liquidação de juros e a demonstração de acerto de contas, pelo valor global de € 109 816,80, com data limite para pagamento voluntário em 9 de setembro de 2016 (Doc. 1, junto à PI);
16. O documento de cobrança referente à demonstração de acerto de contas foi pago em 6 de setembro de 2016, na Tesouraria de Finanças de Lisboa … (Doc. 2, junto à PI).

No acórdão fundamento respeitante à (ir)relevância fiscal da variação patrimonial positiva referente a prestações acessórias, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 20 de Outubro de 1999, no Recurso n.º 23992, deu-se com provada a seguinte matéria de facto:
«A impugnante é uma empresa familiar que se dedica à fabricação de malhas e confecções, funcionando o sector de tecelagem 24 horas por dia (cfr. informação de fls. 20 a 27).
Após a fiscalização da administração fiscal a que foi sujeita em sede de IRC do ano de 1991, e por a mesma ter considerado que considerou custos montantes titulados por facturas que não corresponderam a qualquer negócio, efectuou uma liquidação adicional no valor de 1.412.672$00 que foi notificada à impugnante no dia 30/10/95 (cfr. does. de tis. 54 e 55 e informação de fls. 20).
Por não ter sido pago atempadamente aquele imposto foi instaurado o respectivo processo de execução fiscal (cfr. does. de fls. 56 e 57 e informação de fls. 58).
Na informação de fls. 20 e ss. que deu origem às correcções que levaram à fixação de um lucro tributável acrescido de 2.526.000$00 escreveu-se a fls. 25: "Em relatório elaborado para o ano de 1990, foi feita uma análise comparativa de 1987 a 1990, ao consumo de Kgs. de sacos de plástico por peça produzida, chegando-se à seguinte conclusão: De 1987 a 1990, o consumo de gramas de sacos de plástico por peça produzida, foi de, respectivamente 6, 13, 11 e 15 gramas".
Mais à frente, o técnico que elaborou essa informação escreveu: "Tendo em conta a uniformidade do tipo de laboração e de produtos fabricados ao longo desses exercícios, não se justifica tal disparidade de consumos. Tais diferenças poder-se-ão dever essencialmente a erros de inventários, segundo alegou em conversa o gerente da empresa. Assim, para o exercício em análise, 1991, considerar-se-á como normal e razoável a média daqueles valores ou seja 12 gramas por peça produzida. Naturalmente que aquele consumo reflecte já os desperdícios, as embalagens por lotes e o consumo eventualmente existente com as deslocações de produto dentro da fábrica. Será com base neste consumo médio que se avaliará da razoabilidade das aquisições de plásticos efectuadas ao longo do exercício de 1991".
E a fls. 26, após a apresentação dos seus cálculos concluir que: "Esta quantidade de plástico - 20.028 Kgs -, é relativamente próxima da quantidade de plástico indicada nas vendas a dinheiro emitidas pela "……….., Lda.", vendas estas indicadas em fiscalização junto do emitente como sendo relativas a transacções fictícias. A diferença ainda existente entre as vendas a dinheiro e o consumo estimado, é considerada imaterial, dado tratar-se de quantidades previstas com base em média simples"».


3. De Direito
3.1. Da admissibilidade do recurso

3.1.1. Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso à data em que o mesmo foi interposto:
1.º que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (artigo 25.º, n.º 2, primeira parte, do Regime Jurídico da Arbitragem em matéria Tributária – doravante identificado pela sigla “RJAT”);
2.º que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral (artigo 25.º, n.º 2, segunda parte, do mesmo diploma);
3.º que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [artigo 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável a coberto do n.º 3 do artigo 25.º daquele outro diploma].
4.º que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado (artigo 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do 281.º do CPPT).
Entende-se que é a mesma a questão fundamental de direito quando:
i) as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;
ii) o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
Finalmente, entende-se que os dois acórdãos estão em oposição entre si quando se opõem as decisões respectivas (e já não será assim quando apenas se oponham os seus fundamentos).
Atenta a complexidade destes requisitos o legislador impõe, além do mais, que na petição do recurso sejam identificados, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada – n.º 2 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT (e que reproduz o que actualmente consta do n.º 2 do artigo 284.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário).
Iremos analisar a verificação destes requisitos relativamente a cada uma das questões e decisões fundamento apresentadas pela Recorrente.

3.1.2. Da admissibilidade do recurso relativamente à questão da dedutibilidade de encargos financeiros, por oposição com a decisão arbitral do CAAD, de 22 de Setembro de 2017, proc. n.º 715/2016-T
A decisão arbitral recorrida foi proferida em 22 de Outubro de 2019 (v. certidão junta aos autos, fls. 143 do processo no SITAF), quando estava já em vigor a alteração legislativa que veio dar nova redacção ao n.º 2 do artigo 25.º do regime jurídico da arbitragem tributária (RJAT) (aprovada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro), passando a prever o recurso por oposição de julgados também entre duas decisões arbitrais, pelo que, passamos a analisar a verificação dos pressupostos da existência da referida oposição.
E, como iremos demonstrar, não existe identidade no quadro factual que permita afirmar que estamos perante situações fácticas substancialmente idênticas, o que é suficiente para, em tese, justificar as diferentes soluções de direito alcançadas.

Senão vejamos.

A situação de facto que está subjacente à decisão arbitral recorrida e que justificou a improcedência do pedido de pronúncia arbitral relativamente à liquidação adicional de IRC, respeitante ao exercício de 2013, na parte relativa à questão da dedutibilidade de encargos financeiros é a seguinte, de acordo com a matéria de facto assente:
«(…)
1. A REQUERENTE- designada antes …………, S.A. – foi constituída em 5 de abril de 2013, tendo como objeto (i) a prestação de serviços de consultoria de gestão, económica, financeira e de contabilidade; (ii) a prestação de serviços de consultoria à criação, desenvolvimento, expansão e modernização de empresas; (iii) a prestação de serviços administrativos e de recursos humanos manutenção de sistemas de qualidade, ferramentas de suporte às operações e ao negócio; e (iv) a compra, exploração, promoção, oneração, e venda de imóveis;
2. Em 30 de dezembro de 2013, com efeitos a 5 de abril de 2013, a REQUERENTE incorporou a sociedade B………… SERVICES, S.A., contribuinte n.º ………….. (doravante "SOCIEDADE INCORPORADA") através de uma operação de fusão realizada mediante transferência global do património [cf. artigo 97.º, n.º 4 alínea a), do Código das Sociedades Comerciais];
3. Por efeito desta fusão, a REQUERENTE: (i) sucedeu à SOCIEDADE INCORPORADA, em todos os seus direitos e obrigações (cf. artigo 112.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais); e (ii) adotou a firma desta última, passando a designar-se B……….. SERVICES, S.A.;
4. No dia 12 de março de 2010, a SOCIEDADE INCORPORADA havia celebrado, na qualidade de mutuária, um contrato de financiamento com o BANCO ………….., S.A., nos termos do qual este último lhe emprestou, pelo prazo de 102 meses, o montante de € 6.000.000,00 para o desenvolvimento da sua atividade e da atividade das suas participadas. Este contrato regista como destino do capital mutuado - reestruturação do grupo B………… Software, nomeadamente o pagamento das responsabilidades da Sociedade B………… SGPS, Lda., detida a 100% pela B……… Services SA.
5. (…)
6. Posteriormente, em 27 de dezembro de 2011, a SOCIEDADE INCORPORADA celebrou um contrato de suprimentos com a sua participada B…………SGPS LDA., nos termos do qual emprestou a esta última o montante de € 5.600.000 até 31 de dezembro de 2016 (cf. DOC.5 do pedido de pronúncia arbitral);
(…)». (sublinhados nossos)

Retira-se da factualidade antes transcrita que a Requerente não se conforma com a inadmissibilidade da dedução dos custos dos encargos financeiros assumidos pela sociedade por si incorporada através de fusão, custos de resultam de um mútuo, celebrado pela empresa incorporada, previamente à incorporação.

Já a situação de facto que está subjacente à decisão arbitral fundamento é a seguinte:
« (…)
12. A não-aceitação de encargos financeiros, no valor de € 361 792,12, é justificada no ponto III-2, do RIT (págs. 24 a 31), como segue:
a. “Financiamentos obtidos – Da análise efetuada aos elementos contabilísticos do exercício de 2012, verificou-se que o sujeito passivo recorre a financiamentos bancários, que se encontram contabilizados nas diversas subcontas da conta SNC 25 (Financiamentos Obtidos), as quais apresentam” (…) um saldo credor, em 31/12/2012, num total de € 6 934 717,53:





b. “Empréstimos concedidos a empresas do Grupo



Assim, verifica-se que o sujeito passivo, ao mesmo tempo que suportou encargos financeiros (…) resultantes de empréstimos contraídos, concedeu empréstimos a outras sociedades, suas associadas, não tendo sido remunerado pelo valor dos empréstimos concedidos.

(…)».

Retira-se da factualidade do acórdão fundamento que os encargos financeiros não aceites pela AT correspondiam a empréstimos contraídos pelo sujeito passivo para financiamento não remunerado das suas participadas.

Sendo diversas as situações que estão na origem dos encargos financeiros não aceites pela AT (a assunção dos encargos de uma participada que é incorporada por fusão na decisão arbitral recorrida e os encargos decorrentes de empréstimos contraídos junto da banca para financiamento não remunerado de participadas, na decisão arbitral fundamento), compreende-se que tal seja suficiente para justificar a diferente solução jurídica a que se chega nos arestos.
Acresce que, mesmo que se entendesse ser de “desconsiderar” ou desvalorizar o diferente modo como foram contraídos os encargos financeiros (em decorrência de uma fusão por incorporação no primeiro caso ou por celebração directa de um mútuo bancário no segundo) para se atentar apenas na finalidade ou funcionalidade dos mesmos, ou seja, na sua utilização como instrumento de financiamento de sociedades participadas, ainda assim não teríamos a necessária identidade do quadro factual. É que no caso da decisão arbitral recorrida o financiamento que a sociedade entretanto incorporada antes concedera à sua participada por meio do contrato de suprimentos tinha carácter oneroso e não gratuito (havia apenas um período de carência de juros de dois anos), como consta do ponto 7 da matéria de facto e expressamente se reconhece na respectiva fundamentação. Já na decisão arbitral fundamento analisou-se uma situação de encargos financeiros destinados ao financiamento não remunerado de sociedades participadas.
Consideramos, por esta razão, não se encontrar verificado o requisito da identidade de questão fundamental de direito.

3.1.3. Da admissibilidade do recurso relativamente às “correcções contabilísticas” realizadas pela AT a propósito da variação patrimonial positiva
Entende também a Recorrente que existe contradição entre a decisão arbitral e o acórdão do STA, de 20 de Outubro de 1999 (proc. n. º 23992) a respeito dos poderes da AT na “requalificação” dos elementos contabilísticos. Mas, uma vez mais, como veremos, sem razão.
Com efeito, a Recorrente havia impugnado junto do tribunal arbitral a liquidação adicional, na parte respeitante à quantificação da variação patrimonial positiva, por entender que a AT errara ao considerar que o incremento do património, resultante da aquisição a um dos sócios, por contrato de compra e venda, de créditos respeitantes a prestações acessórias e suprimentos, por valor inferior aos montantes nominais daqueles créditos, não estava abrangido pela excepção à tributação, previstas nas alíneas a) a c) do artigo 21.º do CIRC. E a decisão arbitral, quanto a este ponto (pagamento das prestações acessórias por valor inferior àquele pelo qual estavam contabilizadas), deu razão à AT, considerando que aquela operação deveria ter sido contabilizada numa conta do passivo e que, seguramente, mesmo como variação patrimonial, nunca estaria excluída da tributação. E foi assim colocada a questão e assim decidida, sem nunca ter sido questionada ou decidida a actuação da AT enquanto exercício legítimo ou ilegítimo na requalificação contabilística, em si, das mencionadas operações.
Em outras palavras, a questão que a Recorrente agora identifica como controvertida em termos de decisão jurídica não foi suscitada perante o tribunal arbitral, não foi por este decidida e, portanto, não pode ser mobilizada como fundamento da oposição.
Mas mesmo que assim não se entendesse, sempre se teria de concluir pela inadmissibilidade do recurso por não existir identidade quanto às questões fácticas tratadas, que permitam concluir pela divergência na aplicação do direito. É que na decisão arbitral recorrida está em causa uma normal correcção técnica que se traduz numa correcção quantitativa (diferente interpretação da qualificação de uma verba contabilística), ao passo que no acórdão fundamento está em causa a desconsideração de despesas inscritas na contabilidade, sob uma alegada “correcção técnica”, tendo sido essa correcção que o STA censurou por considerar que as puras desconsiderações de elementos contabilísticos (ou seja, a anulação de elementos da contabilidade dos sujeitos passivos) apenas poderia ter sido o resultado de uma correcção por métodos indirectos. Em outras palavras, mudar a qualificação de um elemento da contabilidade para efeitos tributários é diferente de desconsiderar um elemento da contabilidade por entender que dos restantes elementos aí elencados resulta inverosímil que aquela despesa tenha sido efectivamente realizada. Neste segundo caso identifica-se um recurso a juízos conclusivos indirectos que só podem ser produzidos no âmbito do recurso a métodos indirectos. Lembre-se que não estava em causa, nem o disposto o artigo 57.º, nem no artigo 58.º do CIRC, na redacção que as normas tinham à data.
Em suma, a correcção técnica que subjaz à decisão arbitral consiste na requalificação jurídica de uma verba contabilística, em que não há recurso a presunções, tratando-se, por isso, de uma verdadeira correcção técnica, ao passo que a correcção técnica subjacente à decisão do acórdão fundamento, era uma falsa correcção técnica, em que a AT “anulara despesas contabilizadas” por entender que as mesmas não eram verosímeis, caso em que, por recorrer a presunções ou ilações (ou seja, por ter partido de dados contabilísticos do sujeito passivo para concluir que as despesas não poderiam ter sido realizadas), teria de ter lançado mão de métodos indirectos

5. Decisão
Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em não tomar conhecimento do recurso.

Custas pela Recorrente.
Registe-se, notifique-se e comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 30 de Setembro de 2020 – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paulo José Rodrigues Antunes – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.