Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:066/18.7BCLSB
Data do Acordão:02/26/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:DISCIPLINA DESPORTIVA
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
CLUBES DESPORTIVOS
Sumário:I – Os escritos em questão criticam a “jornada” no que se refere aos jogos neles aludidos, dirigindo expressões injuriosas e difamatórias aos árbitros que neles tiveram intervenção, expressões estas que excedem os limites do que deve ser a liberdade de expressão, conforme previsto no art. 37º, nºs 1 e 2 da CRP, pondo em causa o direito ao bom nome dos árbitros envolvidos.
II - Atingindo tais imputações não só os árbitros envolvidos, como assumindo potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, é o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa (nº 1 do art. 112º, 17º e 19º do RDLPFP).
III – De acordo com o nº 3 do art. 112º do RDLPFP, o clube é responsável pelos tweets publicados na sua conta Twitter oficial, na qual os mesmos foram divulgados, sendo certo que este sítio na Internet é explorado pela Recorrida, directamente ou pela empresa gestora de conteúdos. Isto é, ao publicar os tweets na referida página da Internet, procedeu a Recorrida à sua divulgação, já que a eles podiam ter (e tiveram) acesso um determinado grupo de pessoas, no caso jornalistas a quem o site era destinado.
Nº Convencional:JSTA000P24259
Nº do Documento:SA120190226066/18
Data de Entrada:01/11/2019
Recorrente:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Recorrido 1:A...... - FUTEBOL, SAD
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório
A Federação Portuguesa de Futebol (FPF), vem interpor recurso de revista, para a Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, do acórdão do TCA Sul de 04.10.2018 que, revogando o acórdão de 06.06.2018, do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), que manteve o acórdão proferido pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol que sancionou o A………./SAD, por infracção ao disposto no art. 112º RDLPFP, com uma pena de multa no montante de € 5.738,00, concedeu provimento ao recurso interposto pelo A…… – Futebol, SAD, da decisão do TAD, anulando a pena de multa aplicada.

Por Acórdão datado de 18 de Dezembro de 2018, a Formação de apreciação preliminar, a que alude o nº 6 do art. 150º do CPTA, admitiu este recurso.

A recorrente apresentou alegações com conclusões do seguinte teor:
1. A Recorrente vem interpor recurso de revista para o STA do Acórdão proferido pelo TCA Sul em 4 de outubro de 2018, que revogou o acórdão arbitral proferido pelo Tribunal Arbitral do Desporto.
Esta instância, por seu turno, havia decidido confirmar a decisão de aplicação à ora Recorrida de multas no valor de 5.738,00€, por força do artigo 112.º do RD da LPFP.
2. A questão em apreço diz respeito à responsabilização dos clubes pelas declarações consideradas ofensivas da honra e reputação de agentes desportivos e de órgãos da estrutura desportiva e que podem com isso afetar a própria competição, o que, para além de levantar questões jurídicas complexas, tem assinalável importância social uma vez que, infelizmente, tais declarações têm eco nos episódios de violência em recintos desportivos que têm sido uma constante nos últimos anos em Portugal e o sentimento de impunidade dos clubes dado por decisões como aquela de que agora se recorre nada ajudam para combater este fenómeno.
3. Acórdão proferido, salvo o devido respeito, encerra diversas contradições e omissões, não contribuindo – em nada – para uma melhor aplicação do direito.
4. A Recorrente não pretende fazer deste recurso de revista e do STA uma terceira (ou quarta, se tivermos em consideração a decisão proferida pelo Conselho de Disciplina da Requerida) instância de apreciação deste caso, o que, como se sabe, não é possível.
5. Contudo, a questão essencial trazida ao crivo deste STA – responsabilização dos clubes pelas declarações que difundem ou fazem difundir nas suas redes sociais e nos meios de comunicação social - revela uma especial relevância jurídica e social e sem dúvida que a decisão a proferir é necessária para uma melhor aplicação do direito.
6. Por um lado, se é certo que o futebol é a modalidade desportiva com mais relevo na sociedade portuguesa, tal não torna os litígios com eles relacionados automaticamente relevantes do ponto de vista social, pese embora possam ter o seu espaço cativo diário nos órgãos de comunicação social.
7. Porém, o que assume especial relevância social é a forma como a comunidade olha para o crescente fenómeno de violência generalizada no futebol – seja a violência física, seja a violência verbal, seja perpetrada por adeptos, seja perpetrada pelos próprios dirigentes dos clubes.
8. Infelizmente, e como tivemos oportunidade de verificar em recentes acontecimentos, o que se diz e como se diz neste âmbito tem um impacto negativo considerável naquelas que são as atitudes dos adeptos do futebol.
9. Admitir, como fez o TCA Sul, que o facto de a conta de twitter ser de acesso reservado e omitir por completo que as mesmas declarações foram difundidas em outros meios de comunicação do clube, com isso perpetrando a ofensa, é dar “carta-branca” a que os clubes encontrem aqui uma forma de dizerem algo que exceda os limites impostos pelos Regulamentos Disciplinares, sem serem sancionados.
10. A questão em apreço é suscetível de ser repetida num número indeterminado de casos futuros, porquanto este tipo de casos são cada vez mais frequentes, o que é facto público e notório.
11. Ademais, não oferece qualquer dúvida, como veremos, que o tribunal a quo andou manifestamente mal na sua decisão e que este assunto foi tratado pelo coletivo de juízes do TCA com ostensiva desconsideração e desinteresse.
12. É por demais evidente que o coletivo de juízes que proferiu o Acórdão não analisou devidamente o processo. Aliás, o Tribunal nem sequer atendeu à prova testemunhal produzida quer no âmbito do processo disciplinar quer perante o TAD, senão com certeza teria decidido de forma diferente.
13. Apesar de considerar acertado o facto dado como provado de que a conta “twitter” em causa pertence à ora Recorrida, diz que a divulgação de declarações nessa conta, porque de acesso reservado, não configura qualquer conduta relevante. Porém, o que a norma exige é que haja uma divulgação em sítio da internet do clube, não fazendo menção a qualquer alcance do número de seguidores por exemplo.
14. Depois, assume o TCA que a questão da divulgação dos “tweets” por parte dos jornalistas é “uma questão entre a recorrente e os seus seguidores”; porém, não hesita ao dizer que é indiferente apurar a responsabilidade sancionatória “porque a conta twitter em causa é fechada e de teor confidencial”. Ora, se por um lado o facto da confidencialidade ter sido quebrada é uma questão entre partes, o facto de as declarações serem conhecidas não é relevante, porque essa confidencialidade estaria assegurada…? Não se compreende.
15. A Recorrente foi condenada por publicações em conta “twitter” consideradas ofensivas da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros, as quais foram divulgadas na comunicação social.
16. Tais expressões foram, em concreto, as seguintes: I. «Golo limpo anulado ao B……… que nem o videoárbitro viu. Esta é a jornada da vergonha»; II. «Não se via uma jornada com uma arbitragem assim desde o Apito Dourado: falta nítida de …….. antes do penalty a favor do C………, dois penalties limpos contra o D………… não assinalados e golo limpo mal anulado ao B………. É um escândalo, esta é a jornada da vergonha».
17. Em suma, o TCA revogou a decisão proferida pelo TAD porquanto não se pode considerar provado que a autoria das expressões pertenceu ao clube ou que este promoveu, autorizou, quer o uso, quer a publicação das expressões, antes proibiu a divulgação das mesmas, bem como que gera, cria e fornece os conteúdos para aquela conta de twitter, e que, em todo o caso, as expressões não assumem caráter injurioso.
18. Contudo, a própria petição inicial da ora Recorrida a prova testemunhal produzida quer no âmbito disciplinar quer junto do TAD, entra em flagrantes contradições com o que ficou afirmado pelo Tribunal a quo, pelo que se impõe a sua imediata revogação para que haja uma melhor aplicação do direito, como veremos.
19. A A…….- SAD não contesta em momento algum do processo que aquelas duas publicações foram colocadas naquela específica conta de twitter. A própria Recorrida afirma na sua petição inicial (artigo 20.º) que esta conta pertence ao Departamento de Comunicação da Recorrida, e tal foi confirmado, igualmente, pelo Tribunal a quo.
20. É também a Recorrida que afirma (artigo 34.º da sua petição) que é esse mesmo Departamento de Comunicação que estabelece as linhas orientadoras de utilização e dos conteúdos a transmitir através da referida conta. A Recorrida afirma ainda que esta conta de twitter foi criada para contrariar uma conjuntura desfavorável ao A……….. (artigo 44.º da sua petição).
21. Pese embora admita que a conta foi criada por causa desse circunstancialismo, para dar uma resposta concreta, pelo Departamento de Comunicação, que aliás, controla a utilização e os conteúdos a transmitir, sendo também evidente, da leitura de toda a argumentação expendida na sua petição inicial, que a Recorrida, através do seu Departamento de Comunicação, tem pleno conhecimento de todas as publicações que são feitas na referida conta, e que a gestão da mesma é dada a uma empresa externa, prestadora de serviços, a Recorrida pretende perpassar a ideia de que “nada tem a ver” com aquela conta de twitter nem com aquela publicação. Assim, estranhamente, entendeu também o TCA.
22. Este tipo de texto, de crítica, - que nada de informativo tem, ademais se tivermos em conta que os destinatários eram jornalistas - atento aliás o impacto comunicacional que foi pretendido e obtido, certamente não sairia das mãos de gestores de redes sociais que não dirigem a comunicação da A………. – Futebol SAD.
23. Entendeu o TAD – e bem – que a Recorrida teria de ser responsabilizada pelos posts que são feitos na conta de twitter, uma vez que a comunicação é feita em seu nome.
24. Por outro lado, qualquer jornalista que acede à conta de twitter “A……. Press@A.........Press – Twitter oficial da comunicação do A………. reservada a jornalistas” sabe e espera estar a visitar uma página oficial daquela SAD, bem como sabe e espera que os conteúdos ali difundidos sejam informações oficiais. Aliás, a própria descrição da conta não deixa margem para dúvidas.
25. Se a Recorrida permite que exista na rede twitter uma página com o seu nome, a sua imagem e com aquela descrição, é necessariamente responsável pelas publicações que são ali feitas.
Independentemente de depois poder responsabilizar o concreto autor daquela publicação, se a considerar inadmissível face ao contrato de prestação de serviços celebrado e independentemente da restrição que aplique à página, podendo responsabilizar os jornalistas que incumpriram com as condições de acesso à conta.
26. Diga-se, aliás, que tipo de presunção é perfeitamente admissível nesta sede.
27. Ficou, portanto, cabalmente demonstrado nos autos que não foi produzida prova que permita afastar a conclusão plasmada no Acórdão do Conselho de Disciplina e confirmada pelo TAD de que a Recorrida é responsável pela publicação colocada na conta do twitter e por isso deve ser responsabilizada disciplinarmente.
28. É evidente, portanto, que não obstante a gestão daquela conta da rede social ser levada a cabo por uma empresa externa, a exploração da mesma é feita pela Recorrida.
29. Com efeito, é no interesse da Recorrida, com a orientação do seu Departamento de Comunicação, que as publicações são efetuadas naquela conta, conforme ficou bem expresso nos testemunhos de ……… e ………., nos autos disciplinares e também perante o TAD, o que foi completamente ignorado pelo TCA.
30. Fica claro, igualmente, que, mesmo que seja por interposta pessoa, a Recorrida pretende divulgar através daquela conta, a jornalistas, determinada informação ou determinadas opiniões.
31. Pelo que merece crítica o Acórdão recorrido ao afirmar que não existe responsabilidade da Recorrida pelo que é divulgado naquela conta.
32. O TCA entende ainda – mal - que o conteúdo das publicações em causa não tem qualquer relevância disciplinar pois não configura uma lesão da honra e reputação dos órgãos da FPF ou da arbitragem.
33. A nível disciplinar, os valores protegidos com esta norma (112.º do RD da LPFP), são, em primeira linha, os princípios da ética, da defesa do espírito desportivo, da verdade desportiva, da lealdade e da probidade e, de forma mediata, o direito ao bom nome e reputação dos visados, mas sempre na perspetiva da defesa da competição desportiva em que se inserem.
34. Em concreto, a norma em causa visa prevenir e sancionar a prática de condutas desrespeitosas entre agentes desportivos.
35. Atenta a particular perigosidade do tipo de condutas em apreço, designadamente pela sua potencialidade de gerar um total desrespeito pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem, disciplinam e gerem o futebol em Portugal, o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros encontra fundamento na tarefa de prevenção da violência no desporto, enquanto facto de realização do valor da ética desportiva.
36. No enquadramento regulamentar dado pelos artigos em apreço, reprova-se e sanciona-se especialmente quaisquer atos verbais, gestuais ou escritos – praticados por agentes desportivos - que, assumindo natureza desrespeitadora, difamatória, injuriosa ou grosseira, ofendam o direito à honra, ao bom nome e reputação de outros agentes desportivos.
37. O juízo de valor desonroso ou ofensivo da honra é um raciocínio, uma valoração cuja revelação atinge a honra da pessoa objeto do juízo, sendo certo que tal juízo não é ofensivo quando resulta do exercício da liberdade de expressão.
38. Evidentemente, se é verdade que o direito à crítica constitui uma afirmação concreta do valor da liberdade de pensamento e expressão que assiste ao indivíduo (artigo 37.º, n.º 1, da CRP), esse direito não é ilimitado. Ao invés, deve respeitar outros direitos ou valores igualmente dignos de proteção.
39. A Recorrida sabia ser o conteúdo dos textos publicados adequado a prejudicar a honra e reputação devida aos demais agentes desportivos, na medida em que tais declarações indiciam uma atuação do árbitro a que não presidiram critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, antes colocando assim e intencionalmente em causa o seu bom nome e reputação.
40. É que dizer que o houve a arbitragem foi uma vergonha, indiciando que se pretendeu beneficiar uma das equipas em jogo, está longe de ter uma base factual, sendo, pelo contrário, a imputação de um juízo pejorativo não só ao desempenho do árbitro mas à sua própria pessoa.
41. De facto, as publicações ultrapassaram o nível do estrito direito à crítica para invadir o direito ao bom nome e reputação do árbitro quando a sua atuação é equiparada ao processo Apito Dourado: a associar a actuação do árbitro ao “Apito Dourado” está a ligar-se essa actuação à corrupção no futebol, à semelhança do referido processo judicial.
42. Não se nega que expressões como a usada pela Recorrida são corriqueiramente usadas no meio desporto em geral e do futebol em particular, porém já não se pode concordar que por serem corriqueiramente usadas não são suscetíveis de afetar a honra e dignidade de quem quer que seja, ademais quando nos referimos a uma suspeita de falta de isenção por parte de um agente de arbitragem, uma vez que tais afirmações têm intrinsecamente a acusação de que os eventuais erros do árbitro foram intencionais, como bem assinala o Colégio Arbitral.
43. O futebol não está numa redoma de vidro, dentro da qual tudo pode ser dito sem que haja qualquer consequência disciplinar, ao abrigo do famigerado direito à liberdade de expressão, muito menos se pode admitir que o facto de tal linguarejo ser comum torne impunes quem o utilize e que retire relevância disciplinar a tal conduta.
44. Ao decidir da forma que fez, o Tribunal a quo violou o artigo 112.º do Regulamento Disciplinar da LPFP, pelo que deve ser a revista admitida e o Acórdão recorrido revogado, tendo em vista uma melhor aplicação do direito.
Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis Deverá o presente recurso de revista ser admitido, sendo determinando procedente o recurso apresentado, e, consequentemente, revogado o acórdão proferido pelo TCA Sul, com as necessárias consequências, ASSIM SE FAZENDO O QUE É DE LEI E DE JUSTIÇA».

A……… – FUTEBOL, SAD, Recorrida nos autos, apresentou as suas contra-alegações, cujo teor aqui se dá por reproduzido, concluindo o seguinte:
«Em suma, mesmo que fosse admitida a revista — o que, obviamente, não se concede e se refere por mero dever de patrocínio — sempre haveria que concluir que:
a) A Recorrida não é a autora de tais expressões, nem promoveu ou autorizou o uso das mesmas;
b) A divulgação de tais expressões não pode ser imputada à Recorrida e, além disso, é ilícita, na medida em que não foi precedida de qualquer consentimento e, mais relevante, na medida em que estava expressamente proibida.
Pelo que sempre se imporia — para lá da inadmissibilidade da revista — a confirmação do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso de revista não ser admitido, com todas as legais consequências;
Se assim se não entender, o que não se admite, nem concede e se refere por mero dever de patrocínio, deve ser negado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser mantido, integralmente e sem reservas, o Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, com todas as legais consequências, decretando-se, uma vez mais, a absolvição da Recorrida, para que se faça JUSTIÇA».

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA emitiu parecer no seguinte sentido: “…[d]a parcial procedência do presente recurso de revista, com a consequente manutenção do acórdão recorrido, no que respeita à decisão de anulação do acto punitivo, embora por fundamentos não totalmente coincidentes”.

Sem vistos, vem o processo à conferência.

2. Os Factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
1. No dia ………… disputou-se o jogo, oficialmente identificado sob o n.º ………., a contar para a ....ª jornada da liga NOS, entre o D………., futebol SAD e a E………… SAD, arbitrado por ………….
2. No dia ………… disputou-se o jogo, oficialmente identificado sob o n.º …………, a contar para a ………..ª jornada da Liga NOS, entre o C………, Futebol SAD e a B……….., Futebol SAD, arbitrado por ………….
3. Nos termos descritos na notícia publicada no dia 06.11.2017, na edição do jornal “………….” a Demandante difundiu, através do Twitter do departamento de comunicação do A………., Futebol SAD, entre outras, as seguintes expressões:
a. «Golo limpo anulado ao B………. que nem o vídeo árbitro viu. Esta é a jornada da vergonha» - esta também reproduzida na notícia publicada no mesmo dia ………… na edição do Jornal “…………”»;
b. «Não se via uma jornada com uma arbitragem assim desde o Apito Dourado: falta nítida de ……….. antes do penalty a favor do C………, dois penalties limpos contra o D………. não assinalados e golo limpo mal anulado à B………... É um escândalo, esta é a jornada da vergonha».
4. [Eliminado pelo acórdão recorrido]
5. O referido Twitter do departamento de comunicação da A………— Futebol SAD — “A…….Press@A……..Press — é conta Twitter oficial da comunicação do A………. reservada a jornalistas.
6. A Demandante não impediu a predita publicação, qualificando-a de “pouco feliz".
7. A Demandante agiu de forma livre, consciente e voluntária.
8. A Demandada, à data dos factos, tinha antecedentes disciplinares tendo sido sancionada, mediante decisão disciplinar já definitiva na ordem jurídica desportiva, pelo ílícito disciplinar p. e p, no artigo 112.º do RDLPFP, numa das três épocas desportivas anteriores à presente, designadamente na época desportiva 2016/2017.

3. O Direito
A presente revista tem por objecto, na sua origem, a punição da Recorrida pela prática de uma infracção disciplinar prevista e punida pelo art. 112.º, nºs 1 e 3 do Regulamento Disciplinar das Competições Organizadas pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional (doravante RDLPFP) e consequente aplicação da sanção de multa de 75UC, correspondente ao valor de € 5.738,00.
Esta punição foi aplicada, num primeiro momento, pela Recorrente, Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e, mantida pelo Tribunal Arbitral do Desporto (doravante, TAD). Interposto recurso desta decisão pela aqui Recorrida, veio a mesma a ser revogada pelo Tribunal a quo, no acórdão recorrido.
Neste recurso a Recorrente imputa ao acórdão do TCAS erro de julgamento, com violação do art. 112º do RDLPFP. Nas suas conclusões 17 e 18 parece imputar ao acórdão recorrido erro na apreciação dos factos (que estariam provados), havendo, segundo entende, “flagrantes contradições com o que ficou afirmado pelo Tribunal a quo”, e o que resultaria da própria petição inicial da ora Recorrida, da prova testemunhal produzida quer no âmbito do inquérito, quer junto do TAD, pelo que se imporia a “imediata revogação” do acórdão.
Embora não se entenda bem o que se pretende dizer com esta alegação, diremos, desde já, que o acórdão recorrido não pode ser modificado quanto aos factos materiais que fixou, sendo que este Supremo Tribunal em revista apenas aplica definitivamente o regime jurídico adequado (cfr. nºs 3 e 4 do art. 150º do CPTA).

Assim, as questões de direito que suscitam as conclusões do recurso, que são as que cumpre apreciar nesta revista, são as seguintes:
1ª – Saber se as expressões utilizadas na página da conta Twitter aqui em causa, são susceptíveis de enquadramento no art 112º, nº 1 do RDLPFP, de modo a justificar a sanção de multa aí prevista.
2ª – Em caso de resposta afirmativa, à 1ª, se a Recorrida pode ser punida pelos conteúdos publicados na sua conta de Twitter apesar de esta ser gerida por entidade externa (a ………….., Lda) e ser de acesso limitado a jornalistas, uma vez que tais conteúdos foram por estes publicados nos jornais “………..” e “…………”, quebrando aqueles o sigilo a que estavam obrigados, nos termos do nº 3 do mesmo preceito.
No entender da Recorrente a resposta a ambas as questões deve ser positiva, conforme decidira o TAD (e antes o Conselho de Disciplina da FPF). Já a Recorrida defende o contrário.

Vejamos.
O acórdão recorrido no que respeita aos erros de direito na aplicação dos arts. 112º (maxime do seu nº 3) e 17º, nº 1 do RD-LPFP considerou o seguinte, no seu ponto 2,2:
«Eis-nos no essencial da lide. Na imputação à A………, SAD da divulgação dos tweets (nº 3 do cit. art. 112º).
Sendo duvidosa a legalidade do nº 3 (hoje nº 4) do cit. artigo 112º do RD- LPFP (que mais parece uma presunção), o que mais aqui interessa é que a A……., SAD não divulgou nos jornais os cits. tweets.
E isso é muito importante no caso presente, porque o TAD expressamente atendeu à exteriorização cumulativa dos tweets: (i) pela Internet (quereria dizer, em bom rigor, na plataforma Twitter com a cit. conta fechada ou restrita a jornalistas e confidencial) e (ii) nos cits. jornais. O que seria da autoria da A……., SAD, maxime do seu Departamento de Comunicação
Além disso, o TAD considerou dois outros aspetos laterais e irrelevantes naquele cit. contexto: a A……., SAD não mandou retirar os tweets (posteriormente); o cit. departamento orienta a conta cit. (A……. Press, fechada a jornalistas).
Ora, é manifesto que o cit. departamento não tem nada a ver com a divulgação pelos cits. jornais. Estes não são, nem imprensa privada da A……., SAD, nem sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa.
Logo por aqui deve cair a imputação à recorrente do ilícito disciplinar concretamente apontado pelo TAD à A……., SAD: (i) divulgação dos tweets na cit. conta reservada e de teor confidencial - que não configura em si qualquer conduta externa relevante - e (ii) publicação do teor dos tweets por parte daqueles jornais.
Não está, por isso, preenchido o tipo legal descrito no nº 3 do artigo 112.º cit. conjugado com o nº 1.
Por outro lado, os tweets foram indevidamente, ilicitamente, retirados para o público que a sua utilização aparente por parte dos jornalistas seguidores da conta Twitter A……. Press foi indevida, ilícita, porque representam a violação do contratado entre a A……. Press e os seus seguidores; é uma conta reservada, restrita e cujo teor é confidencial. Logo, não poderia haver uso público do teor da conta, dos respetivos tweets, sob pena de violação dos cits. artigos 75.º/1 e 76º/1 do CC. Mas é uma questão entre a recorrente e os seguidores da cit. conta Twitter».
E mais adiante (no ponto 2.5):
«Sem prejuízo do expendido no n.º 2.2 e sem prejuízo do cit. Processo do TAD com o nº 13/2016, que não resultou em condenação disciplinar (…), também consideramos que as expressões cits., não divulgados pelo A……., SAD nem pelas entidades referidas no nº 3 do artigo 112º cit., não têm a dimensão suficiente para serem censuradas.
Parece-nos que elas não igualizam o caso concreto à corrupção do “Apito Dourado”, antes dizem – apenas que foi a pior arbitragem desde a época do “Apito Dourado”, uma “vergonha” (sic). Ora, deduzir daqui a referência à corrupção (aspecto essencial na decisão recorrida) é ir longe de mais, é plociar e supor, s.m.j., esquecendo (1º) o contexto português habitual do futebol profissional português (com crítica e indignação continuadas) e (2º) que há conexão objetiva suficiente com a arbitragem em questão. Isto especialmente, na delicada matéria abordada pelo cit. Artigo 37º/1 da CRP.».
O art. 112º do RDLPFP, sob a epígrafe “Lesão da honra e da reputação dos órgãos da estrutura desportiva e dos seus membros” estabelece o seguinte:
1. Os clubes que desrespeitarem ou usarem de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros para com órgãos da Liga Portuguesa de Futebol Profissional e da Federação Portuguesa de Futebol, respetivos titulares, árbitros, dirigentes e demais agentes desportivos, em virtude do exercício das suas funções, ou para com os mesmos órgãos enquanto tais, são punidos com a sanção de multa de montante a fixar entre o mínimo de 25 UC e o máximo de 250 UC.
2. (…)
3. O clube é considerado responsável pelos comportamentos que venham a ser divulgados pela sua imprensa privada e pelos sítios na Internet que sejam explorados pelo clube, pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador da sociedade desportiva, diretamente ou por interposta pessoa.”

Prescreve por sua vez o art. 17º, nº 1 do mesmo RD, que: “Considera-se infração disciplinar o facto voluntário, por ação ou omissão, e ainda que meramente culposo, que viole os deveres gerais ou especiais previstos nos regulamentos desportivos e demais legislação aplicável.

E, o art. 19º do mesmo RD, prevê o seguinte:
1. As pessoas e entidades sujeitas à observância das normas previstas neste Regulamento devem manter conduta conforme aos princípios desportivos de lealdade, probidade, verdade e retidão em tudo o que diga respeito às relações de natureza desportiva, económica e social.
2. Aos sujeitos referidos no número anterior é proibido exprimir publicamente juízos ou afirmações lesivos da reputação de pessoas singulares ou coletivas ou dos órgãos intervenientes nas competições organizadas pela Liga, bem como das demais estruturas desportivas, assim como fazer comunicados, conceder entrevistas ou fornecer a terceiros notícias ou informações que digam respeito a factos que sejam objeto de investigação em processo disciplinar.
(…)”.

Resulta, como primeiro requisito para a responsabilização pela prática da infracção disciplinar, a autoria, ou seja, o facto voluntário imputável ao CIube. É o que determina o nº 1 do art. 112º, ao prescrever que será punido o clube que desrespeite ou use de expressões, desenhos, escritos ou gestos injuriosos, difamatórios ou grosseiros.
Para além disso tais expressões (de conteúdos injuriosos, difamatórios ou grosseiros) têm que ser dirigidas a órgãos da Liga ou da FPF e/ou respectivos membros, árbitros ou dirigentes desportivos.
O acórdão do TAD considerou, tendo em conta o contexto social e os arts. 26º, nº 1 e 37º, nº 1 da CRP, 180º do Código Penal (CP) e 19º do RDLPFP, que o teor das expressões críticas transcritas no ponto 3 do probatório, não consubstanciaria uma crítica objectiva em conexão com a matéria objectiva em questão, sendo, em vez disso, expressões ofensivas da honra e consideração pessoais do árbitro visado com o propósito de rebaixar e ofender. Não constituiria simples exercício do direito à crítica ou mera expressão de indignação.
A referência concreta, ao caso “Apito Dourado”, referente a alegada corrupção envolvendo árbitros e D…….., seria uma ofensa não admissível ao árbitro visado. Ou seja, segundo o TAD, os tweets teriam equiparado aquela concreta arbitragem, que consideraram “uma vergonha”, com a corrupção referente àquele caso, não se limitando a dizer que a arbitragem foi uma vergonha, o que já não se veria desde o “Apito Dourado”.
Já vimos que o acórdão recorrido não entendeu do mesmo modo.

Vejamos.
Relembremos as expressões em causa:
«Golo limpo anulado ao B…….. que nem o vídeo árbitro viu. Esta é a jornada da vergonha»; «Não se via uma jornada com uma arbitragem assim desde o Apito Dourado: falta nítida de ……….. antes do penalty a favor do C………., dois penalties limpos contra o D………. não assinalados e golo limpo mal anulado à B……….. É um escândalo, esta é a jornada da vergonha»
Ora, verifica-se que nestes escritos o que se afirma é consentâneo com a existência de graves erros de arbitragem, que as críticas consideram ter existido, tornando aquela a “jornada da vergonha”.
Ao criticar-se a jornada naqueles termos, imputando aos árbitros actos ilegais, está-se a atingir os árbitros em termos pessoais, dirigindo-lhes imputações desonrosas na forma como arbitraram as partidas em questão, significativas de que as respectivas atuações não se realizaram de acordo com critérios de isenção, objetividade e imparcialidade, colocando-se deliberadamente em causa o seu bom nome e reputação.
Além de que se afirma que “nesta jornada” ocorreram factos equiparados aos alegados casos de corrupção em causa no “Apito Dourado”, imputando aos árbitros comportamento semelhante aos em causa naquele caso. Ou seja, imputa-se aos árbitros, a título pessoal, comportamentos que podem configurar indício de corrupção, pondo em causa o seu direito ao bom nome.

Imputações estas que atingem não só os árbitros envolvidos, como assumem potencialidade para gerar um crescente desrespeito pela arbitragem e, em geral, pela autoridade das instituições e entidades que regulamentam, dirigem e disciplinam o futebol em Portugal, sendo o sancionamento dos comportamentos injuriosos, difamatórios ou grosseiros necessário para a prevenção da violência no desporto, já que tais imputações potenciam comportamentos violentos, pondo em causa a ética desportiva que é o bem jurídico protegido pelas normas em causa.
Ou seja, os escritos criticam a “jornada” no que se refere aos jogos neles aludidos, dirigindo expressões injuriosas e difamatórias aos árbitros que neles tiveram intervenção, expressões estas que excedem os limites do que deve ser a liberdade de expressão, conforme previsto no art. 37º, nºs 1 e 2 da CRP, pondo em causa o direito ao bom nome dos árbitros em questão.
Assim, e, visto o que o nº 1 do art. 112º citado se estabelece, entendemos que se verifica a infracção nele prevista.

Face a este entendimento que perfilhamos, haverá que averiguar se a Recorrida pode ser punida pelos conteúdos publicados na sua conta de Twitter apesar de esta ser gerida, segundo alega, por entidade externa e ser de acesso limitado a jornalistas, uma vez que tais conteúdos foram por estes publicados nos jornais “……….” e "………..”, quebrando aqueles o sigilo a que estavam obrigados, nos termos do nº 3 do mesmo preceito.
Apenas se provou que o referido Twitter pertence ao departamento de comunicação da A……….. - Futebol SAD - “A……… Press@ A………Press – e é conta Twitter oficial da comunicação do A……… reservada a jornalistas. E que a aqui Recorrida não impediu a predita publicação, qualificando-a de “pouco feliz”.
A Recorrida alega que os responsáveis pela divulgação dos tweets são os jornalistas por os terem publicado em jornais desportivos, não obstante estarem impedidos de o fazerem, imputando, igualmente, à empresa gestora dos conteúdos da conta em causa a responsabilidade pela aferição da correcção dos conteúdos sendo a esta que caberia que os mesmos não fossem divulgados.
Conforme aflorado no acórdão recorrido poderá haver uma responsabilização quer dos jornalistas, quer da dita empresa perante a Recorrida por incumprimento de regras de acesso e/ou divulgação e gestão da conta Twitter por esta estabelecida, mas tal não afasta a responsabilidade do clube prevista no nº 3 do art. 112º do RD citado.
Com efeito, no caso em apreço, e face ao que dispõe este normativo, o clube é responsável pelos tweets publicados na sua referida página, na qual os mesmos foram divulgados, sendo certo que este sítio na Internet é explorado pela Recorrida, directamente ou pela empresa gestora de conteúdos. Isto é, ao publicar os tweets na referida página da Internet, procedeu a Recorrida à sua divulgação, já que a eles podiam ter (e tiveram) acesso um determinado grupo de pessoas, no caso jornalistas a quem o site era destinado.
Termos em que, sendo de considerar que as expressões utilizadas nos tweets são injuriosas ou difamatórias e que a Recorrida é responsável pelo sítio da Internet nas quais as mesmas foram transmitidas, independentemente do número de pessoas que têm acesso directo a esse sítio, sendo esta a única matéria provada, incorreu a Recorrida na infracção prevista no art. 112º, nºs 1 e 3 do RD, procedendo, consequentemente, o recurso.


Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido, mantendo-se o acórdão do TAD.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2019. – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Maria do Céu Dias Rosa das Neves.