Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:098/17.2BEALM
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO DE REVISTA
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28561
Nº do Documento:SA220211124098/17
Data de Entrada:07/23/2021
Recorrente:A………….. LDA
Recorrido 1:IGFSS – INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL - SETÚBAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A……………LDA., pessoa coletiva número………….., com sede na Avenida……………, ………., Setúbal (doravante “Recorrida”), notificada do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (doravante, CPPT), apresentar Recurso de Revista.

Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
a. Entende a Recorrente que é de relevância jurídica e de interesse social, saber, se:
(i) a notificação do relatório final e do encerramento do processo de averiguações ocorrido em 06/10/2011 (cf. ponto 11 da matéria de facto), pode ser equiparado ao ato de liquidação das contribuições e cotizações apuradas oficiosamente naquele processo de averiguações, substituindo-se ao ato de liquidação materializado em 30/09/2016 (cf. ponto 19 e 20 da matéria de facto); e
(ii) a notificação do relatório final e do encerramento do processo de averiguações apenas à Mandatária da Oponente e não à Oponente (cf. ponto 11 da matéria de facto), atenta contra os direitos e interesses legítimos da Recorrente, enquanto destinatária do ato, violando o disposto no artigo 103.º, n.º 3 Constituição da República Portuguesa).
b. Em concreto, crê a Recorrente que o Supremo Tribunal Administrativo não se pronunciou até à presente data sobre as questões enunciadas, de modo que se possa concluir existir uma jurisprudência uniforme sobre as mesmas.
c. Considerando os efeitos jurídicos decorrentes da notificação dos atos acima identificados, deve reconhecer-se que nos presentes autos está em causa a proteção do instituto da caducidade dos atos de liquidação ínsito no artigo 45.º da Lei Geral Tributária e, bem assim, a salvaguarda dos direitos de defesa dos administrados quando sejam violadas as regras que regulam a perfeição dos atos de notificação.
d. Nesse sentido, e estando em causa a salvaguarda dos direitos de defesa dos administrados, deve o presente recurso de revista ser admitido nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 285.º do CPPT.
e. De facto, a admissão do recurso de revista deve ser concedida sempre que esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
f. No caso sub judice, sendo admitido o presente recurso de revista, a primeira questão a que importa responder é a de saber se a recorrida se deve considerar notificada das liquidações contributivas em 06/10/2011, pela comunicação escrita através da qual os serviços da segurança social notificaram o mandatário da aqui Recorrente do teor do relatório final e do encerramento do processo de averiguações ou, em 30/09/2016, pela notificação para pagamento feita ao mandatário da aqui Recorrente.
g. Em concreto, é de relevância jurídica e de interesse social saber se a notificação do relatório final e do encerramento do processo de averiguações ocorrido em 06/10/2011 (cf. ponto 11 da matéria de facto), pode ser equiparado ao ato de liquidação das contribuições e cotizações apuradas oficiosamente naquele processo de averiguações, substituindo-se ao ato de liquidação materializado em 30/09/20016 (cf. ponto 19 e 20 da matéria de facto).
h. A apreciação desta questão, porque é suscetível de abranger um inúmero número de casos, reveste-se de importância fundamental, na medida em que permitirá à entidade fiscalizadora liquidar contribuições e cotizações após o decurso do prazo de caducidade previsto no artigo 45.º da Lei Geral Tributária.
i. Entende a Recorrente que através da notificação do relatório final de averiguações (materialmente equivalente a um relatório final de inspeção) é dado conhecimento do encerramento do processo de averiguações, sendo identificados e sistematizados os factos detetados, procedendo-se, ainda, à sua qualificação jurídico-tributária.
j. Ademais, por intermédio da notificação do relatório final de averiguações, termina a eficácia suspensiva da ação de inspeção externa (cfr. artigo 62.º, n.º 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira).
k. Ora, a tese sufragada pela Recorrida e que foi acolhida pelo Tribunal recorrido, tem como consequência prática impedir a ocorrência da caducidade do direito à liquidação, pondo em causa os principais vetores do instituto da caducidade: a certeza jurídica e a defesa ordem pública, através da estabilização das situações jurídico tributárias dos contribuintes, permitindo que decorrido um determinado período, estas se tornem certas e inatacáveis.
l. No caso em análise, apenas em 30 de setembro de 2016 (4 anos volvidos da conclusão do procedimento inspetivo!) viria a Recorrente, por intermédio do seu mandatário, a ser notificada do ato de liquidação decorrente do registo oficioso das declarações de remuneração relativas ao período de janeiro de 2015 a dezembro de 2010.
m. Mais se diga que a equiparação feita na decisão recorrida entre notificação da conclusão do procedimento inspetivo e notificação do ato de liquidação das contribuições e quotizações em falta, para além de não ter acolhimento legal, é factualmente negada pelo teor do Documento n.º 3 junto aos autos em sede de petição inicial.
n. Do citado documento consta expressamente que “(...) dispõe a entidade devedora, V/constituinte, do prazo de 30 dias para proceder ao pagamento voluntário das contribuições e cotizações apuradas e respetivos juros calculados à taxa legal, a contar da data da assinatura do aviso de receção, findo o qual, caso seja constatada a ausência de pagamento, será instaurado o competente processo de cobrança coerciva do débito apurado, ao abrigo do Decreto-lei n.º 42/2001, de 9 de fevereiro na sua redação atual”.
o. Motivo pelo qual, não se pode aceitar que a notificação da conclusão do procedimento inspetivo seja reputada como um ato de liquidação, permitindo desse modo retroagir a notificação do ato de liquidação à data de 30 de setembro de 2011, impedindo assim a ocorrência da prescrição / caducidade da dívida.
p. Por todo o exposto, dúvidas não restam de que a Segurança Social quando notificou a Recorrente do ato de liquidação, atuou em violação do prazo de caducidade consagrado no artigo 45.º da Lei Geral Tributária.
q. Motivo pelo qual, a decisão recorrida não pode manter-se na ordem jurídica, por ter procedido a uma errada aplicação das normas aplicáveis ao caso, devendo a decisão recorrida ser substituída por decisão que reconheça que o ato notificado ao Mandatário da Oponente em 30 de setembro de 2011, consiste no Relatório Final do Processo de Averiguações n.º 200701191481 (isto é, no Relatório Final de Inspeção – cfr. Documento n.º 2 junto aos autos em sede de petição inicial) e não ao ato de liquidação de contribuições que, necessariamente, é posterior a notificação daquele Relatório, e que apenas foi notificado à Mandatária da Oponente em 22 de setembro de 2016.
r. Quando à segunda questão, importa saber face às normas em vigor, podendo a notificação em causa ser qualificada como um ato de liquidação de contribuições e quotizações, esse ato podia ser exclusivamente notificado à Mandatária da Oponente.
s. Entende a Recorrente que esta segunda questão é também ela suscetível de abranger um inúmero número de casos, e é de manifesta importância na medida em que permite à entidade fiscalizadora instaurar processos de execução fiscal sem que se mostre provada a notificação às entidades empregadoras para procederem ao pagamento voluntário de dívidas exequendas.
t. No caso, o ato de liquidação, independentemente de se considerar ter sido notificado na data de 30/11/02011 ou em 21/09/2016, foi notificado apenas e exclusivamente à Mandatária da Oponente e nunca ao sujeito passivo (aqui o Recorrente), em manifesta violação das normas legais que regulam a notificação dos atos de liquidação.
u. No caso, entende a Recorrente que a notificação do ato de liquidação, por constituir um ato com caráter pessoal, apenas se pode considerar perfeita com a notificação do próprio interessado.
v. Note-se que em Acórdão de 13 de janeiro de 2021, o Supremo Tribunal Administrativo admitiu um recurso de revista em que se pretendia saber se a recorrente não “carecia de ser notificada do ato de liquidação adicional de IMT pela Administração Tributária, porque considerou-se notificada por efeito da notificação consumada ao seu cônjuge (…) e se a falta de notificação, não atenta contra os direitos e interesses legítimos da recorrente, enquanto contribuinte, esquartejando-lhe, enquanto ao sujeito passivo, o exercício dos direitos e cumprimentos dos deveres previstos nas normas tributárias”.
w. No caso, a questão de direito essencial é a mesma: saber se a notificação do ato de liquidação que deu origem aos presentes autos podia ter sido notificada apenas à Mandatária da aqui Recorrente.
x. Pelo que deve igualmente o presente recurso ser admitido e reconhecido que a notificação do ato de liquidação sindicado não foi notificado à Recorrente.
y. Mais se devendo reconhecer que o Tribunal a quo deveria ter conhecido oficiosamente a violação do dever de notificação do ato de liquidação que deu origem ao título executivo que constituía o objeto da oposição judicial que deu origem ao presente recurso.
Termos em que deve o presente recurso de revista ser admitido e julgado procedente.

Contra-alegou o recorrido Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP., tendo apresentado as seguintes conclusões:
a) A recorrente vem fundamentar o recurso de revista, no facto de considerar, como sendo de relevância jurídica e de interesse social saber se:
• A notificação do relatório final e do encerramento do processo de averiguações ocorrido em 06/10/2011, pode ser equiparado ao ato de liquidação das contribuições e cotizações apuradas oficiosamente naquele processo de averiguações, substituindo-se ao ato de liquidação materializado em 30/09/2016; e
• A notificação do relatório final e do encerramento do processo de averiguações apenas à mandatária da oponente e não à oponente, atenta contra os direitos e interesses legítimos da recorrente, enquanto destinatária do ato, violando o disposto no artigo 103° n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
b) O n.º 1 do art. 285.º do CPPT estabelece o seguinte." Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. "
c) A jurisprudência do STA tem reiteradamente sublinhado a excecionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados naquele preceito.
d) A admissibilidade do recurso de revista está condicionada não por critérios quantitativos, mas por um critério qualitativo, que é o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para que se verifique uma melhor aplicação do direito.
c) A relevância social fundamental verifica-se quando, efetivamente, a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos que venham a surgir ou quando esteja em causa uma questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
f) Quanto à clara necessidade da admissão do recurso de revista para melhor aplicação do direito, tal há-de resultar da suscetibilidade de se verificar uma repetição num número indeterminado de casos futuros e consequentemente a necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória e daí a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, ou por as instâncias terem tratado certa matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, e daí a necessidade e utilidade da intervenção daquele tribunal.
g) Efetivamente, e como é entendimento da jurisprudência, a recorrente terá que alegar e demonstrar essa excecionalidade, que as questões que leva ao Supremo Tribunal Administrativo têm uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é mesmo necessário para uma melhor aplicação do direito.
h) Entende-se que a recorrente não demonstra que, as questões que coloca, assumem relevância jurídica ou social, isto é, que se revistam de importância fundamental ou que a admissão deste recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
i) Ora, como já se referiu, para que se verifique a admissão do recurso de revista, que não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, a lei exige que se verifique uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso seja claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, o que não se verifica neste caso, devendo o recurso não ser admitido, por tudo o que já foi exposto.
j) Diga-se ainda que, as questões referidas são muito localizadas e não apresentam relevo jurídico ou social, de modo a configurar-se como apresentando questões de importância fundamental.
l) Quanto à necessidade clara de admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, nem aqui se verifica tal circunstância pois que, isso apenas se justifica quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação" (acórdão do STA de 09110/2014, proc. n.º 01013/14).
m) Diga, pois, que apenas se verifica a relevância jurídica ou social, quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efetuar, de enquadramento normativo especialmente complexo ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litigio e,
n) Apenas, ocorre clara necessidade da admissão deste tipo de recurso, para melhor aplicação do direito, quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, que se poderá repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável ou coloque fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais (veja-se o acórdão do STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13)
o) Do presente recurso deduzido, não se retira qualquer questão que possa ser enquadrada no rol das questões que a lei admite que possam ser apreciadas com o recurso de revista.
p) Entende o aqui recorrido que, a interposição do presente recurso se deve ao facto de a recorrente se não conformar com a decisão proferida, no acórdão recorrido, antes preferindo uma decisão contrária, insistindo na argumentação que a favorece, ainda que estejamos perante questões sem relevância jurídica ou social ou de questões insusceptíveis de se alargarem a uma multiplicidade de casos ou ainda sem se verificar qualquer erro manifesto ou notório.
q) Caso assim não se entenda, o aqui recorrido, enquanto recorrente no recurso que foi interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul, defendeu que a aqui recorrente (ali recorrida) tinha sido notificada, na pessoa do seu mandatário, da decisão de liquidação em 06/10/2011 tendo, desde esta data, perfeito conhecimento de que era considerada definitivamente em dívida de contribuições para a Segurança Social.
r) Existindo uma liquidação oficiosa de contribuições efetuada pelo Instituto de Segurança Social, na sequência da investigação efectuada à aqui recorrente em que se apurou a omissão de declarações de remunerações pagas aos seus trabalhadores e tendo a ora recorrente sido notificada para a liquidação do devido em 06/10/2011, não estaria precludido o direito de liquidar as contribuições em divida, pelo menos as respeitantes aos períodos de 09/2007 a 12/2010 e respetivos juros.
s) De acordo com o regime previsto no artigo 40.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial para a Segurança Social, as entidades contribuintes são obrigadas a declarar à Segurança Social, em relação a cada um dos trabalhadores ao seu serviço, o valor da remuneração que constitui a base de incidência contributiva, que deve ser efetuada até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que diga respeito, podendo esses elementos ser obtidos, designadamente, no âmbito de ações de fiscalização ou de inspeção e assumindo, por isso mesmo a natureza de uma verdadeira liquidação.
t) Considerando que se trata de um ato de liquidação de tributos está sujeito ao regime de notificações dos atos tributários previsto nos artigos 36.º e 40.º do CPPT.
u) Dispõe o artigo 40.º do diploma acima citado, que as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e, a aqui recorrente foi notificada na pessoa do seu mandatário.
w) A notificação que foi feita em setembro de 2016, pelo Instituto de Segurança Social, IP, Centro Distrital de Setúbal, não produziu qualquer efeito na liquidação das contribuições em causa, visando apenas informar que, apesar de ter sido emitido o documento de pagamento, continuavam por pagar as contribuições e quotizações devidas e apuradas no âmbito do processo de fiscalização.
x) Assim, considerando que a aqui recorrente foi notificada da liquidação efetuada em 06/10/2011, a notificação posterior a esta era simplesmente dispensável, por já terem sido dadas todas as oportunidades de pagamento dos montantes em falta.
y) Por acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul foi decidido, quanto ao que aqui interessa e está em causa, que:
" (…) importará indagar se o juiz decidiu contra os factos, deles não tendo retirado as devidas ilações, nomeadamente no que respeita à data em que a recorrida foi, ou se deve considerar notificada das liquidações contributivas: se em 06/10/2011, pela comunicação escrita através da qual os serviços da segurança social notificaram o mandatário da oponente "do teor do relatório final e do encerramento do processo de averiguações, bem como do apuramento do montante de €3. 789.646,34 considerado como contribuições em divida pela oponente" (cf. ponto 11 da matéria assente), se em 30/09/2016 pela notificação para pagamento feita à oponente, nos termos transcritos no ponto 19. da matéria assente,
A sentença recorrida relevou a data de 30/09/2016 como aquela que consubstancia a notificação à oponente do acto de liquidação e dai retirou as inerentes consequências jurídicas, divergindo o recorrente, para quem a data a considerar como sendo a data da notificação das liquidações contributivas à oponente é a da anterior comunicação feita em 06/10/2011.
A nosso ver, assiste razão ao recorrente, na verdade, na linha da jurisprudência do STA que vimos acompanhando, se se configura como autoliquidação a declaração de remunerações apresentada pela entidade contribuinte/empregadora, com o conteúdo legalmente fixado [vd. artigos 12.º ed 13.º da Lei n.º 8-B/2002. de 15 de Janeiro e 56.º e 57.º da Lei n.º (4/2007, de 16 de Janeiro), só pode logicamente entender-se que a elaboração oficiosa dessas declarações de remuneração pela segurança social, visando suprir omissões declarativas da entidade contribuinte/empregadora (artigos 33.º da Lei n.º 8-B/2002 e 56/4 da Lei n.º 4/2007), corresponde ao próprio acto de liquidação contributiva.
Julgamos ser esse o entendimento que se retira do citado acórdão do STA de 26/02/2014, tirado no proc. 01481/13, quando refere: "Ora no caso resulta do probatório (al. D) que a impugnante e ora recorrente foi apenas notificada em 06/01/2009 da elaboração oficiosa das declarações de remunerações a que correspondem omissões nas contribuições devidas no valor de € 1.071.750.77, por referência ao período de Julho de 2003 a Maio de 2007 (Doc. 1 da Pi e PAT apenso), não tendo sido alegado ou provado qualquer facto integrante de causa suspensiva do prazo de caducidade nos termos do art. 46.º da Lei Geral Tributária.
É certo que o lançamento das liquidações oficiosas na conta corrente das entidades contribuintes/empregadoras, poderá originar montante em dívida não corresponde ao montante da liquidação oficiosa, mas esses actos de acertos de contas não se confundem com a própria liquidação contributiva, pelo que não se descortina, por aqui, a necessidade de qualquer acto de liquidação subsequente ao da elaboração oficiosa da declaração de remunerações bem como do cálculo das contribuições que lhe correspondam.
Nesta linha de raciocínio, impõe-se relevar como data da notificação das liquidações exequendas à entidade contribuinte/empregadora (oponente e ora recorrida) a de 06/10/2011, que corresponde à comunicação que lhe foi feita pela segurança social do apuramento do montante de € 3.789.646,34 de contribuições em falta (cfr. ponto 11 da matéria assente).
A comunicação recebida pela oponente em 30/09/2016, notificando-a nos termos que constam no ponto 19. do probatório, constitui uma mera interpelação do devedor para pagamento voluntário da dívida liquida, prévia à citação, que não se confunde com a anterior notificação da liquidação, ocorrida em 06/10/2011.
z) E assim, decidiu "Conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida no segmento em que julgou extinta a execução por dívidas liquidadas dos períodos de tributação de 09/2007 a 12/2010, julgando a oposição improcedente nessa parte." aa) Entende o aqui recorrido que, não podia aquele Douto Tribunal ter decidido de forma diferente, tendo a sua decisão sido tomada de forma clara, fundamentada e sem qualquer mácula que deva ser corrigida, devendo a mesma ser mantida.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve o presente recurso de revista não ser admitido ou, caso assim não se entenda, deve o presente recurso ser julgado não provado e improcedente e ser mantida a Douta decisão recorrida.

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto levada ao probatório do acórdão recorrido.

O presente recurso foi interposto como recurso de revista excepcional, pelo que, há, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.
Dispõe o artigo 285.º do CPPT, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 - A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 - Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.
4- O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5- Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.
6- A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.
Como claramente resulta do disposto no artigo 285º, n.º 3 do CPPT, neste recurso de revista, apenas é permitido ao Supremo Tribunal Administrativo aplicar definitivamente o regime jurídico que julgue adequado, aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, não devendo o recurso servir para conhecer, em exclusivo, de nulidades da decisão recorrida ou de questões novas anteriormente não apreciadas pelas instâncias.

Se é certo que as questões colocadas pela recorrente neste recurso, cfr. conclusão a), que nos vem dirigido já não são novas, a verdade é que as mesmas são recorrentes suscitando sempre alguma dificuldade na sua apreciação face aos contornos específicos da determinação, liquidação e cobrança das quantias respeitantes às contribuições para a segurança social, em que assume um especial relevo a interpretação das normas próprias que regulam esta matéria.
Na verdade, a solução a dar às questões identificadas pela recorrente dependem da interpretação que o julgador faz de tais normas e, efectivamente, são questões transversais à maioria dos casos concretos que surgem para discussão no âmbito dos processos tributários.
Assim, tendo-se como assente a matéria de facto relevada pelas instâncias, impõe-se que este Supremo Tribunal se debruce, mais uma vez sobre estas questões de modo a que possa, mais uma vez, dar-lhes uma resposta cabal.

Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso de revista.
Custas a final.
D.n.
Lisboa, 24 de Novembro de 2021. – Aragão Seia (relator) – Isabel Marques da Silva – Francisco Rothes.