Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0161/18.2BEVIS
Data do Acordão:04/03/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24407
Nº do Documento:SAP201904030161/18
Data de Entrada:02/08/2019
Recorrente:A............., S.G.P.S., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A……………., SGPS, SA, vem, nos termos e para os efeitos no disposto no artigo 284.º do CPPT interpor recurso da decisão proferida em 31 de Outubro de 2018, na secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, por oposição com o acórdão fundamento proferido no Tribunal Central Administrativo Sul a 14 de Abril de 2015, no processo nº 08579/15.

A recorrente termina a sua alegação de recurso formulando as seguintes conclusões:
1ª.- O A……………., SGPS, S.A. vem intentar o presente recurso por não se conformar com a decisão do douto acórdão que concedeu provimento ao recurso da Fazenda Pública apresentado nos autos, o qual veio revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a Reclamação da decisão do Órgão de Execução Fiscal, ínsita na demonstração de acerto de contas n.º 2017 00017451356, de compensar o valor de €115.831,45 na dívida exequenda constante do processo de execução fiscal n.º 2720201601047060.
2ª.- No entendimento da recorrente, tal acórdão, ora recorrido, encontra-se em oposição com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do Processo n.º 08579/15, de 14/04/2015 (Relator: Joaquim Condesso, in http://www.dgsi.pt).
Já que,
3ª.- As decisões em confronto convocaram realidades factuais semelhantes e apelaram às mesmas normas jurídicas, decidindo de modo oposto a mesma questão fundamental de direito, não tendo havido alteração substancial da regulamentação jurídica pertinente.
4ª.- Consiste a referida questão fundamental de direito em saber se o procedimento da AT, com referência à consideração do valor resultante do deferimento do pedido de revisão oficiosa no âmbito do processo de execução fiscal suspenso, configurou uma compensação ou uma anulação parcial da dívida.
5ª.- É sabido que a “compensação” consubstancia uma das formas de extinção das obrigações no âmbito do Direito Privado (artigo 847.º do Código Civil) e se traduz numa forma de extinção do crédito que a obrigação tributária consubstancia, no âmbito do Direito Tributário (artigo 89.º do CPPT), não se confundindo, porém, com a “anulação” da dívida exequenda, enquanto causa de extinção da execução, prevista no artigo 270.º do CPPT.
6ª.- No caso sub judice, os pressupostos fixados no artigo 89.º do CPPT não se encontravam verificados para que a AT pudesse operar a compensação efectuada, pois:
a) A recorrente detinha um crédito do qual era devedora a Fazenda Pública;
b) Tal crédito resultou da apresentação de um pedido de revisão oficiosa do acto tributário;
c) A recorrente era, simultaneamente, devedora de tributos cujo prazo de cobrança voluntária já havia transcorrido; e
d) A dívida exequenda encontrava-se garantida e estava, à data da prática do acto reclamado, pendente pedido de constituição do tribunal arbitral tendente à apreciação da legalidade da liquidação de IRC que lhe era subjacente.
Porquanto,
7ª.- Tendo sido esta factualidade dada como provada no acórdão recorrido, necessariamente, o acto praticado pela AT consubstanciou uma verdadeira compensação de créditos que, por falta de verificação do último pressuposto enunciado (o referido em d) da conclusão anterior), se afigura ilegal, por violação do artigo 89.º do CPPT.
8ª.- Note-se que, ao invés do que o Digno Representante da Fazenda Pública propugna, inexistiu qualquer anulação da dívida exequenda, mas apenas e tão-só uma anulação parcial da liquidação de IRC, relativamente ao exercício de 2011, em resultado do deferimento da revisão do acto tributário, que em nada está relacionado com a dívida em cobrança no processo de execução fiscal em que operou a compensação.
9ª.- Na verdade, não se encontra em execução qualquer montante referente à matéria objecto de deferimento em sede de revisão oficiosa e que deu origem ao crédito a receber pela recorrente, mas o certo é que, este valor (de €115.831,45) foi “utilizado”, pela AT, no processo de execução fiscal n.º 2720201601047060, cuja quantia exequenda foi reduzida de €3.387.414,58, para €3.271.583,13.
10ª.- Não releva, pois, o nome que, formalmente, a AT quer atribuir à prática deste acto, o facto é que o mesmo se traduziu, material e substancialmente, numa compensação de reembolso a que a contribuinte tinha direito com a dívida constante da execução fiscal.
11ª.- Veja-se que, tal compensação apenas seria admissível, se a dívida em execução fiscal não se encontrasse regularizada e, não sendo esse o caso dos autos, necessariamente, terá de se concluir que a compensação violou o disposto no artigo 89.° do CPPT, uma vez que, a dívida estava garantida e pendente a impugnação na qual se discutia a legalidade/exigibilidade da dívida exequenda.
12ª.- Não obstante, a Fazenda Pública parece ter logrado convencer o Tribunal a quo de que a ora recorrente não era titular de qualquer crédito sobre a AT, o que, só por si, evidenciaria a falta de um dos pressupostos para que operasse a compensação, nos termos do artigo 89.º do CPPT.
13ª.- Para esse efeito invocou o Digno Representante da Fazenda Pública que a recorrente não tinha direito ao reembolso de €115.831,45 (IRC), porque não procedera à devolução de um reembolso que, em momento anterior, indevidamente recebera, pelo que, a AT emitiu a Nota de Anulação n.º 175731, de 10/07/2017, procedendo à anulação, no valor de €115.831,45, da quantia exequenda devida no PEF n.º 2720201601047060, reduzindo, assim, o valor da quantia em dívida naquele processo executivo.
14ª.- No entanto, nas suas alegações, o referido Representante da Fazenda Pública acabou por se contradizer, ao assumir que, em razão da decisão de deferimento da revisão oficiosa, foi emitida a demonstração de acerto de contas n.º 2017 00017451356 “tendo sido apurado um crédito a favor da reclamante, no valor de €115.831,45”, concluindo, de seguida, que “inexiste qualquer crédito de que a reclamante fosse titular e de que a Fazenda Pública fosse devedora”.
15ª.- Vieram, porém, os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal a quo consignar no douto acórdão recorrido que:
“Todavia, embora a compensação seja uma forma de extinção da prestação tributária, como decorre do n.º 2 do art.° 40.°, da Lei Geral Tributária - prestação tributária definida (tornada certa e exigível) na liquidação -, ela nunca pode operar entre liquidações correctivas, de sentido favorável ou desfavorável ao contribuinte (ou geradoras de reembolso ou pagamento), praticadas no domínio da mesma obrigação de imposto (IRC/2011), exactamente porque falta o requisito da existência de dois créditos recíprocos reportados a obrigações distintas, que a compensação exige.
Nos termos do n.º 1 do art.° 847.°, do Código Civil, "Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com obrigação do seu credor...”.
Diz-se que há compensação quando um devedor que seja credor do seu próprio credor, se libere da dívida à custa do seu crédito – Menezes Cordeiro, "Direito das Obrigações", 2.° Vol., a págs. 219.
Mas obviamente esse crédito compensante não pode emergir da mesma obrigação (tributária), ou da mesma relação jurídica (de imposto - IRC/2011), a que está reportada a dívida.
Nessas situações, o que ocorre é a anulação parcial da dívida (titulada pela liquidação adicional) pelo valor do crédito (resultante da autoliquidação revista), tal como, aliás, sustenta a Administração tributária.” (pg. 15 e 16 do Acórdão do Tribunal a quo).
16ª.- Mas este entendimento, com o qual a recorrente não se conforma, encontra-se em total oposição com o do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do Processo nº 08579/15, de 14/04/2015, que declarou ilegal a compensação levada a cabo pela AT, decorrente de uma anulação parcial de imposto, efectuada no âmbito de um único exercício contabilístico (ano fiscal de 2008), visando o pagamento do remanescente da dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal, por violação do artigo 89.º, n.º 1, al. b), do CPPT, porquanto a mesma tinha sido impugnada judicialmente e encontrava-se garantida.
17ª.- Vejamos, em suma, o que foi expressamente consignado em tal acórdão do TCAS:
“O recorrente, alega, no entanto, que o crédito objecto de compensação, porque derivado de uma anulação parcial de imposto efectuada somente no âmbito de um único exercício contabilístico (ano fiscal de 2008), não seria passível de se enquadrar na previsão do artº. 89.º, do C.P.P.T.
Não tem, manifestamente, razão. Assim é, porquanto, a norma do artº. 89.º, do C.P.P.T., é a única que permite à A. Fiscal efectuar a compensação de dívidas de tributos por sua iniciativa, não fazendo o legislador qualquer referência aos vectores trazidos à colação pelo recorrente (a alegada anulação parcial de imposto efectuada somente no âmbito de um único exercício contabilístico). E recorde-se que a Fazenda Pública está sujeita, no seu agir, ao princípio da legalidade constitucionalmente consagrado (cfr. artº. 266, nº. 2, da C.R.Portuguesa; artºs. 8 e 55, da L.G.T.), de onde, meridianamente, se conclui que somente pode recorrer à figura da compensação de dívidas, nos termos previstos na lei, mais exactamente no examinado artº.89, do C.P.P.T.”.
18ª.- É, pois, entendimento da recorrente que os Venerandos Juízes Desembargadores do tribunal a quo incorreram numa incorrecta interpretação e aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 89.º do CPPT, ao terem considerado que o acto tributário praticado pela AT se traduziu numa anulação parcial da dívida pelo valor do crédito, ao invés de uma indevida compensação entre créditos reciprocamente exigíveis.
19ª.- E, encontrando-se tal entendimento em total confronto com o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do Processo n.º 08579/15, de 14/04/2015, o presente recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e ser o mesmo substituído por douto acórdão que declare ilegal a compensação operada pela AT, por violação do n.º 1 do artigo 89.º do CPPT.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado pronunciou-se no sentido do provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Está assente a seguinte factualidade concreta:
A) Em 28 de julho de 2012 foi emitida a liquidação de IRC de 2011 n.° 2012 2610083851 onde foi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 4.457.402,19 que foi reembolsado.
B) Em 27 de Setembro de 2012 foi emitida a liquidação de IRC de 2011 n.° 2012 2500430678, onde foi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 4.543.310,18, que deu origem a reembolso da importância de EUR 85.907,99 (4.543.310,18- 4.457.402,19) recebido pela Reclamante.
C) Em 17 de junho de 2013 foi emitida a liquidação de IRC de 2011 n.° 2013 2500020124 onde foi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 4.632.689,01, que deu origem a reembolso adicional da importância de EUR 89.378,83 (4.632.689,01-4.54.3.310,18) recebido pela Reclamante.
D) Em 11 de Agosto de 2014 foi emitida a liquidação de IRC de 2011 n.° 2014 8500032925, onde foi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 4.833.274,57, que deu origem a reembolso adicional da importância de EUR 208.169,34 incluindo EUR 7.583,78 de juros indemnizatórios (4.833.274,57-4.632.689,01+7.583,78) que foi recebido pela Reclamante.
E) Em 17 de Dezembro de 2015 foi emitida a liquidação de IRC de 2011 n.° 2015 8500039898, onde foi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 6.055.314,54, que deu origem a reembolso adicional da importância de EUR 1.333.857,04 incluindo EUR 119.400,85 de juros indemnizatórios (6.055.314,54-4.833.274,57+119.400,85 que foi recebido pela Reclamante.
F) Em 28 de janeiro de 2016 foi emitida a liquidação de IRC de 2011 n.º 2016 8510032080 onde foi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 2.683.788,31.
G) Em] de Fevereiro de 2016 e em razão da liquidação constante do facto precedente foi emitida a nota de cobrança n.° 2016 00001049667 no valor de EUR 3.490.927,08 apurado nos seguintes termos:

DescriçãoMontanteTotal D/C
Estorno liquidação 2011– Liq. 2013850039898
-6.174.715,39
-6.174.715,39
Acerto Liq. de 2011 – Liq. 20168510032080
+2.937.477,66
Juros Comp. por recebimento indevido Liq. 20160000016492
-253.689,35
+2.683.788,31
Saldo Apurado
3.490.927,08

H) Para cobrança coerciva do valor constante do facto anterior foi instaurado o processo de execução fiscal n.° 2720201601047060 no SF de Viseu.
I) Mediante requerimento apresentado em 3 de Maio de 2016 a Reclamante solicitou a suspensão do processo de execução fiscal anteriormente referido mediante a prestação de garantia sob a forma de fiança.
J) Por despacho proferido em 1 de Julho de 2016 foi aceite a garantia com vista à suspensão do processo n.° 2720201601047060.
K) Em 9 de Novembro de 2016 foi emitida a liquidação de IRC e 2011 n.° 2016 8510036261 onde foi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 3.271.583,13.
L) Em n de Novembro de 2016 e em razão da liquidação constante do facto precedente foi emitida a "demonstração de acerto de contas" n.° 2016 0001721885 no valor de EUR 587.794,82 apurado nos seguintes termos:

DescriçãoMontanteTotal D/C
Estorno liquidação 2011 – Liq. 201685100032080
-2.937.477,66
-2.937.477,66
Acerto Liq. de 2011 – Liq. 20168510036261
+3.451.809,30
Juros Comp. por recebimento indevido Liq. 20160000016492
-180.226,17
+3.271.583,13
Regularização parcial de doc. anterior Nota 201600060643
-587.794,82


M) Em razão do acerto de contas referido no facto precedente foi emitida anulação parcial da dívida constante do processo de execução fiscal n.° 2720201601047060 no valor de EUR 587.794,82 com fundamento em "declaração fiscal de substituição".
N) Em 27 de Abril de 2017 foi proferido despacho favorável ao pedido de revisão da matéria tributável autuado sob o n.° 2720201602000040.
O) Em causa naqueles autos estava a autoliquidação de IRC respeitante a 2011 efetuada pela Reclamante nomeadamente era peticionada a redução dos custos que não concorrem para a formação da matéria tributável dos EUR 5.255.984 por si declarados para EUR 4.905.465,00.
P) Em razão daquele deferimento, em 3 de julho de 2017 foi emitida a liquidação de IRC de 2011 n.° 2017 8510030101 onde foi apurado o valor a reembolsar de IRC com referência àquele exercício de EUR 3.387.414,58, incluindo EUR 166.045,23 de juros compensatórios.
Q) E emitida a "demonstração de acerto de contas" onde foi apurado um crédito a favor da Reclamante no valor de EUR 115.831,45 s seguintes termos:
DescriçãoMontanteTotal D/C
Estorno liquidação 2011 – Liq. 20168510036261
-3.271.583,13
-3.271.583,13
Acerto Liq. de 2011 – 20178510030101
+3.553.459,81
Juros Comp. por recebimento indevido Liq. 201700000131990
166.045,23
+3.387.414,58
Regularização parcial de documento anterior
-115.831,45
-115.831,45

R) Em razão do acerto de contas referido no facto precedente, em 10 de julho de 2017 foi emitida anulação parcial da dívida constante do processo de execução fiscal n.° 2720201601047060 no valor de EUR 115.831,45 com fundamento em "declaração fiscal de substituição".
S) Em 11 de julho de 2017 a Reclamante tomou conhecimento do acerto de contas constante do facto «Q».
T) A presente reclamação foi apresentada no SF de Viseu em 21 de julho de 2017.
Nada mais se deu como provado.

Importa agora conhecer do presente recurso, e para tanto, seguir-se-á de perto o parecer do Sr. Procurador da República.
Este recurso de oposição de acórdãos vem interposto do acórdão do TCA Norte datado de 31/10/2018, que julgou procedente o recurso interposto da sentença do TAF de Viseu e confirmou a validade do acto impugnado.
Considera a sociedade Recorrente que o entendimento vertido no acórdão está em oposição com o entendimento vertido no acórdão do TCA Sul de 14/04/2015, proferido no processo nº 08579/15, sobre os requisitos da compensação ao abrigo do disposto no artigo 89º da Lei Geral Tributária.
Para o efeito alega que «os Venerandos Juízes Desembargadores do tribunal a quo incorreram numa incorrecta interpretação e aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 89.° do CPPT, ao terem considerado que o acto tributário praticado pela AT se traduziu numa anulação parcial da dívida pelo valor do crédito, ao invés de uma indevida compensação entre créditos reciprocamente exigíveis».
Entende, assim, que a «questão fulcral de direito que opõe os dois acórdãos sub judice traduz-se, pois, em saber se o procedimento da AT, com referência à consideração do valor resultante do deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa no âmbito de um processo de execução fiscal suspenso, configurou uma compensação ou uma anulação parcial da dívida».
Mais entende a Recorrente que «No caso sub judice, os pressupostos fixados no artigo 89.º do CPPT não se encontravam verificados para que a AT pudesse operar a compensação efectuada, pois:
a) A recorrente detinha um crédito do qual era devedora a Fazenda Pública;
b) Tal crédito resultou da apresentação de um pedido de revisão oficiosa do acto tributário;
c) A recorrente era, simultaneamente, devedora de tributos cujo prazo de cobrança voluntária já havia transcorrido; e
d) A dívida exequenda encontrava-se garantida e estava, à data da prática do acto reclamado, pendente pedido de constituição do tribunal arbitral tendente à apreciação da legalidade da liquidação de IRC que lhe era subjacente.
Porquanto,
Tendo sido esta factualidade dada como provada no acórdão recorrido, necessariamente, o acto praticado pela AT consubstanciou uma verdadeira compensação de créditos que, por falta de verificação do último pressuposto enunciado (o referido em d) da conclusão anterior), se afigura ilegal, por violação do artigo 89.º do CPPT».
Conclui, assim, que «encontrando-se tal entendimento em total confronto com o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no âmbito do Processo n.º 08579/15, de 14/04/2015, o presente recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e ser o mesmo substituído por douto acórdão que declare ilegal a compensação operada pela AT, por violação do n.º 1 do artigo 89.° do CPPT».

Dos requisitos do recurso por oposição de acórdãos.
É entendimento pacífico na jurisprudência deste STA, que a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (- cfr. Jorge de Sousa e Simas Santos, Recursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal, p. 424, e acórdãos do Pleno da seção de contencioso tributário do STA, de 15/9/2010, recs. nºs. 344/2009 e 881/2009, e de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos nºs. 452/07,616/07 e 617/08, respectivamente).
Considera a Recorrente que a questão que mereceu solução oposta nos dois arestos em confonto consiste em saber se «o procedimento da AT, com referência à consideração do valor resultante do deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa no âmbito de um processo de execução fiscal suspenso, configurou uma compensação ou uma anulação parcial da dívida».

A posição assumida no acórdão recorrido.
No acórdão recorrido está em causa uma situação de uma autoliquidação de IRC, sujeita a diversas liquidações corretivas, na sequência da apresentação de declarações de substituição e de um pedido de revisão, nas quais foi sempre apurado imposto a reembolsar ao sujeito passivo; E de uma liquidação adicional, na sequência de uma ação inspectiva, na qual foi apurado imposto a reembolsar de valor inferior, e que originou um crédito a favor da Fazenda Nacional, que foi objeto de impugnação no tribunal arbitral e de instauração de execução fiscal, por falta de pagamento.
Mostra-se igualmente assente que o último valor de reembolso, decorrente do pedido de revisão, não foi entregue ao sujeito passivo, mas sim descontado no valor objeto de cobrança coerciva no âmbito da execução fiscal.
Para se decidir pela improcedência da reclamação apresentada contra a afetação do reembolso à dívida exequenda, o TCA teceu as seguintes considerações sobre o objecto do processo:
« ...embora a compensação seja uma forma de extinção da prestação tributária, como decorre do n.° 2 do art.° 40.°, da Lei Geral Tributária - prestação tributária definida (tornada certa e exigível) na liquidação -, ela nunca pode operar entre liquidações correctivas, de sentido favorável ou desfavorável ao contribuinte (ou geradoras de reembolso ou pagamento), praticadas no domínio da mesma obrigação de imposto (lRC/2011), exactamente porque falta o requisito da existência de dois créditos recíprocos reportados a obrigações distintas, que a compensação exige.
Nos termos do n.º 1 do art. 847.º, do Código Civil, "Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com obrigação do seu credor...".
Diz-se que há compensação quando um devedor que seja credor do seu próprio credor, se libere da dívida à custa do seu crédito - Menezes Cordeiro, "Direito das Obrigações", 2.º Vol., a págs.219.
Mas obviamente esse crédito compensante não pode emergir da mesma obrigação (tributária), ou da mesma relação jurídica (de imposto - IRC/2011), a que está reportada a dívida.
Nessas situações, o que ocorre é a anulação parcial da dívida (titulada pela liquidação adicional) pelo valor do crédito (resultante da autoliquidação revista), tal como, aliás, sustenta a Administração tributária.
Por isso que o acima citado n.° 10 do art.° 83.° do Código do IRC, prescreve que havendo liquidações correctivas, nomeadamente de autoliquidação, cobram-se ou anulam-se as diferenças apuradas.
Não se verifica, pois, ter havido compensação entre a dívida exequenda e o crédito emergente da decisão do pedido de revisão oficiosa, uma vez que ambos os actos tributários em causa se reportam à mesma obrigação de imposto, não constituindo eles próprios a fonte da obrigação de imposto».

A posição assumida no acórdão fundamento.
No acórdão fundamento estava igualmente em causa o reembolso decorrente de pedido de revisão de acto tributário e a sua afetação à divida exequenda decorrente de liquidação adicional realizada na sequência de ação inspetiva e objecto de impugnação e suspensão da execução fiscal.
Sobre a situação o TCA Sul pronunciou-se da seguinte forma:
"A compensação parcial levada a efeito pela A. Fiscal visando o pagamento do remanescente da dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal … violou o regime previsto no examinado art.º, 89°, n° 1, al. b), do C.P.P.T., porquanto a dívida exequenda objecto do mesmo processo fora objecto de processo de impugnação judicial, mais se mostrando a mesma garantida.
O recorrente, alega, no entanto que o crédito objecto de compensação, porque derivado de uma anulação parcial de imposto efectuado somente no âmbito de um único exercício contabilístico (ano fiscal de 2008) não seria passível de se enquadrar na previsão do art. 89° do C.P.P.T..
Não tem, manifestamente, razão. Assim é, porquanto, a norma do art. 89° do C.P.P.T. é a única que permite à A. Fiscal efectuar a compensação de dívidas de tributos por sua iniciativa, não fazendo o, legislador qualquer referência aos vectores trazidos à colação pelo recorrente (a alegada anulação parcial de imposto efectuada somente no âmbito de um único exercício contabilístico). E, recorde-se que a Fazenda Pública está sujeita, no seu agir, ao princípio da legalidade constitucionalmente consagrado (cfr. art. 266°, n° 2, da C. R. Portuguesa, arts. 8° e 55° da L.G.T.), de onde, meridianamente, se conclui que somente pode recorrer à figura da compensação de dívidas, nos termos previstos na lei, mais exactamente no examinado art. 89° do C.P.P.T.. Rematando, sem necessidade de mais amplas ponderações, nega-se provimento ao recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva acórdão".

Do confronto de ambas as decisões não restam dúvidas que se mostram reunidos os requisitos do recurso de oposição de acórdãos e supra enunciados. Com efeito, estamos perante situações de facto similares e verifica-se a identidade da questão de direito, tendo os acórdãos adotado soluções opostas e no âmbito do mesmo quadro jurídico normativo.

Concluindo-se, assim, pela admissibilidade deste recurso, importa agora resolver a questão que vem colocada.
Como refere a Recorrente, a «questão fulcral de direito que opõe os dois acórdãos sub judice traduz-se, pois, em saber se o procedimento da AT, com referência à consideração do valor resultante do deferimento parcial do pedido de revisão oficiosa no âmbito de um processo de execução fiscal suspenso, configurou uma compensação ou uma anulação parcial da dívida».
No caso do acórdão recorrido, o TCA segue a doutrina já perfilhada no acórdão do mesmo tribunal de 30/09/2014 (proc. 01160/13.6BEPRT), sustentada no argumento de estarmos perante dois procedimentos de liquidação relativos à mesma relação jurídica tributária, e que nestes casos a figura da ‘compensação' não opera, porque «praticadas no domínio da mesma obrigação de imposto …, exatamente porque falta o requisito da existência de dois créditos recíprocos reportados a obrigações distintas, que a compensação exige». Considera, assim, o TCA Norte que o crédito "compensante" «não pode emergir da mesma obrigação (tributária) ou da mesma relação jurídica (de imposto/IRC. ... ), a que está reportada a dívida».
Já no acórdão que serve de fundamento o TCA Sul desvaloriza o facto de estarmos perante obrigações decorrentes do mesmo exercício contabilístico, por a figura da compensação plasmada no artigo 89º do CPPT não prever qualquer distinção dessa natureza.
Ora, pese a pertinente e elaborada argumentação vertida no acórdão recorrido e jurisprudência do mesmo tribunal em que se apoia, a mesma não tem suporte legal no mecanismo da compensação plasmado no artigo 89º do CPPT, como se entendeu no acórdão fundamento. Com efeito, o que releva no mecanismo de compensação ali previsto são os obstáculos à efetivação da compensação, entre os quais o facto de a dívida em cobrança coerciva por parte da Administração Tributária ter sido impugnada e estar garantida (o que ocorre no caso concreto dos autos). E não propriamente a proveniência do crédito.
Por outro lado e como é evidenciado na sentença de 1 ª instância, ainda que relativos ao mesmo imposto e exercício, estamos perante dois atos tributários: (i) um, tendo como suporte a autoliquidação, cuja matéria tributável foi objecto de alteração por diversas vezes e que deu lugar aos reembolsos de imposto a favor do sujeito passivo; (ii) um outro, tendo como suporte a "liquidação adicional" da ATA, que foi objecto de impugnação.
Assim, enquanto as declarações de substituição e pedido de revisão produziram os seus efeitos na primitiva prestação resultante da autoliquidação, anulando parcialmente o quantum a pagar à AT e originando os reembolsos a favor do sujeito passivo, já a liquidação adicional deu origem à divida exequenda, cuja cobrança foi paralisada pela ação de impugnação e garantia prestada.
Ou seja, embora tanto a auto liquidação como a liquidação adicional respeitem ao mesmo imposto e exercício, e tenham ambas por desiderato definir o valor da prestação tributária a cargo do sujeito passivo nesse período, os efeitos do pedido de revisão só se refletiram na autoliquidação, à qual respeitava. E só neste caso se pode falar em "anulação" propriamente dita, porque anula parcialmente o valor definido na autoliquidação. Já outro tanto não se pode falar em relação ao valor da prestação fixado na liquidação adicional, que não sofre qualquer efeito do deferimento do pedido de revisão, porque este não foi apresentado em relação a esse ato tributário.
Assim sendo, originando o pedido de revisão da autoliquidação um crédito a favor do sujeito passivo, o mesmo só pode ser compensado com a prestação fixada na liquidação adicional se estiverem reunidos os requisitos do artigo 89º do CPPT, o que como vimos não ocorre. E não poderá ser considerado para efeitos de "anulação", ainda que parcial, da dívida exequenda, porque o pedido de revisão que originou o crédito não respeita a vício que afetasse o ato de liquidação adicional que deu origem à divida exequenda.

Assim, a verificada oposição de acórdãos tem que ser resolvida no sentido de que, para efeitos de aplicação do regime da compensação prevista no artigo 89º do CPPT, é indiferente que os créditos em confronto respeitem à mesma obrigação tributária, já que a norma não pressupõe que os créditos recíprocos sejam reportados a obrigações tributárias distintas.
Assim, tendo o sujeito passivo direito a reembolso de IRC, decorrente do deferimento de pedido de revisão oficiosa apresentado em relação a autoliquidação, o mesmo não é suscetível de compensação com crédito da ATA decorrente de liquidação adicional, se este acto tiver sido impugnado e a dívida exequenda a que o mesmo deu origem estiver garantida nos termos do artigo 169º do CPPT.

Face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em, julgando verificada a invocada oposição de acórdãos, conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrida, sendo certo que não contra-alegou.
D.n.

Lisboa, 3 de Abril de 2019. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Ana Paula da Fonseca Lobo – António José Pimpão – Joaquim Casimiro Gonçalves.