Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0553/08
Data do Acordão:07/30/2008
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO CALHAU
Descritores:RECLAMAÇÃO DE DECISÃO DO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
ACTO LESIVO
PENHORA
ACTO PREPARATÓRIO
Sumário:I – Nos termos dos artigos 268.°, 4, da CRP, 95º, n.°1, e 103.°, n.° 2, da LGT, é reconhecido, de facto, um direito global de os particulares solicitarem a intervenção do juiz no processo, através da reclamação prevista no artigo 276.° do CPPT, relativamente a quaisquer actos praticados no processo de execução fiscal pela administração tributária que tenham potencialidade lesiva.
II – Só devem considerar-se imediatamente lesivos, e, por isso, impugnáveis contenciosamente, os actos que tenham repercussão negativa imediata na esfera jurídica dos seus destinatários e a sua lesividade não puder ser diferida por meios administrativos de impugnação.
III – As diligências preparatórias da penhora não afectam só por si a esfera jurídica da executada, a qual só poderá ser atingida pela penhora, contra a qual sempre aquela poderá reagir, pelo que, não sendo tais diligências um acto lesivo, não são as mesmas imediatamente impugnáveis ao abrigo do disposto no artigo 276.° do CPPT.
Nº Convencional:JSTA00065124
Nº do Documento:SA2200807300553
Data de Entrada:06/19/2008
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF VISEU PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CONST97 ART268.
CPPTRIB99 ART276 ART278.
LGT98 ART95 ART103.
CPC96 ART156 ART679.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1999/03 DE 2004/10/06.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO V2 PAG647-650.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I — A…, com os sinais dos autos, não se conformando com a sentença da Mma. Juíza do TAF de Viseu que lhe indeferiu a reclamação apresentada, ao abrigo do artigo 276.° do CPPT, em 2/1/2008, das diligências efectuadas pelo Serviço de Finanças de Tondela na determinação dos activos existentes no seu património, identificando e seleccionando os bens ou direitos que vão ser objecto de penhora, dela vem interpor recurso para este Tribunal, formulando as seguintes conclusões:
1. As disposições conjugadas do n.° 1 e n.° 2, al. j) do art.° 95.° e art.° 103.° da LGT com o art.° 276.° do CPPT consagram o direito de reclamação para o juiz da execução fiscal de todos os actos lesivos dos direitos e interesses legalmente protegidos do executado;
2. O processo de execução fiscal tem natureza judicial mesmo na fase que corre perante as autoridades administrativas, motivo pelo qual se impõe que sejam reforçadas e garantidas como condições de efectividade o controlo jurisdicional dos actos praticados pela Administração, sob pena de violação de um direito constitucionalmente garantido;
3. O n.° 4 do art.° 268.° da Constituição da República Portuguesa consagra aos administrados o direito à tutela jurisdicional efectiva, procurando assegurar que todo e qualquer acto de autoridade que tenha efeitos externos seja passível de ser sindicado judicialmente com fundamento na sua ilegalidade, cabendo a primeira palavra à administração, e aos tribunais a última e definitiva palavra;
4. As diligências efectuadas no sentido da determinação dos activos existentes no património da recorrente e objecto do presente processo são diligências de efectivação de penhora e consubstanciam um acto lesivo e violador dos direitos e interesses que legalmente assistem à ora recorrente;
5. Pelo que, e independentemente da sua forma, o mencionado acto é susceptível de reclamação nos termos do art.° 276.° do CPPT, motivo pelo qual o processo de execução fiscal só poderia ter prosseguido os seus ulteriores trâmites legais na hipótese de não ser atribuído carácter urgente por decisão transitada em julgado, o que não foi o caso;
6. Ao decidir de forma diferente (não considerando o acto como passível de reclamação ao abrigo do disposto nos art.°s 276.° e seguintes do CPPT), a douta sentença recorrida violou as disposições conjugadas do n.° 1 e n.° 2, al. j) do art.° 95.° e art.° 103.° da LGT com o art.° 276.° do CPPT, bem como ainda o n.° 4 do art.° 268.° da Constituição da República Portuguesa.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Exmo. Magistrado do MP junto deste Tribunal emite parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.
Cumpre decidir.
II — Com relevância para a decisão da causa, mostra-se assente na sentença recorrida a seguinte factualidade:
A) Corre no Serviço de Finanças de Tondela o processo de execução fiscal n.° 2704200701014625, instaurado para pagamento de dívidas respeitantes a subsídios do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IFAP-IP — cfr. fls. 1, 3 e artigo 5.° da petição inicial, a fls. 4;
B) Em 18/12/2007, a Reclamante foi notificada de que o senhor Chefe do Serviço de Finanças de Tondela decidiu proceder à determinação dos activos existentes no património da Reclamante, encontrando-se já identificados e seleccionados os bens ou direitos que vão ser objecto de penhora, para cobrança da dívida do processo de execução fiscal, referido em A), por ter já decorrido “... o prazo de trinta dias após a citação para apresentação de oposição ou pedido de pagamento em prestações ou nomear bens à penhora, mantendo-se a situação de incumprimento do dever de pagamento.
A penhora realizar-se-á de forma automática, imediatamente após a conclusão das diligências de concretização em curso, e fará incorrer — a Reclamante — em custos adicionais no processo, para além dos restantes incómodos” — cfr. fls. 17 e 18, cujo teor integral dou aqui por reproduzido;
C) Da citação de instauração do processo de execução fiscal, referido em A), a Reclamante apresentou em 07/12/2007 oposição nos termos do artigo 203.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário — cfr. fls. 19 a 26;
D) Da citação de instauração do processo de execução fiscal, referido em A), a Reclamante apresentou em 07/12/2007 reclamação da decisão do órgão de execução fiscal, nos termos do artigo 276.° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário, que corre neste Tribunal sob o n.° 1588/07.OBEVIS, aonde solicitou a atribuição de efeito suspensivo, nos termos do artigo 278.° daquele código — cfr. fls. 27 a 37 e artigo 6.° da petição inicial, a fls. 4 e 5;
E) Em 25/02/2008, foi proferida sentença neste Tribunal no processo TAF
n.° 1588/07.OBEVIS, referido em D), que decidiu baixar os autos ao Serviço de Finanças, a fim de o processo de execução fiscal prosseguir os seus termos.
F) Em 02/01/2008, a presente reclamação deu entrada nos Serviços de Finanças de Tondela— cfr. fls. 2 a 12.
III — A questão que se coloca é a de saber se o acto reclamado é ou não imediatamente recorrível.
Não há dúvida que, nos termos do n.° 4 do artigo 268.° da CRP, é constitucionalmente garantido a qualquer pessoa o direito de impugnação contenciosa de quaisquer actos da administração que lesem os seus direitos ou interesses legítimos.
E que o artigo 276.° do CPPT prevê a possibilidade de impugnação de quaisquer decisões do órgão da execução fiscal ou de outras autoridades da administração tributária que afectem os direitos ou interesses legítimos do executado ou de terceiro.
E também esse o alcance dos artigos 95.°, n.° 1 e 103.°, n.° 2 da LGT.
E, como diz Jorge Sousa, in CPPT anotado e comentado, II volume, pág. 647, em anotação 4 ao artigo 276.°, embora o texto deste normativo refira «decisões» do órgão da execução fiscal e outros órgãos da administração tributária como possíveis objectos de reclamação, porque o artigo 103.°, n.° 2 da LGT faz referência a «actos materialmente administrativos praticados por órgãos da administração tributária», face à supremacia da LGT, reconhecida no artigo 1.º do CPPT, deve ser reconhecido o direito global de os interessados reclamarem para o juiz de todos os actos que os lesem, tenham ou não a configuração ou a designação de «decisões».
Aliás, como acrescenta o citado autor, o próprio CPPT refere entre os meios contenciosos o «recurso, no próprio processo, dos actos praticados na execução fiscal» [(artigo 97.°, n.° 1, alínea n)], e no artigo 278.°, n.° 3, vem confirmar a correcção desta interpretação, ao prever que sejam objecto de reclamação actos que não configuram ou são independentes de qualquer decisão em sentido formal, mas são meros actos de execução que afectam os direitos do interessado, designadamente actos que concretizam a penhora («inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que foi realizada»).
Só serão insusceptíveis, pois, de reclamação, por sua natureza, os despachos de mero expediente e os proferidos no uso legal de um poder discricionário (artigo 679.° do CPC), entendendo-se como despachos de mero expediente os que se destinam a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes e proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio da entidade que dirige o processo (artigo 156.°, n.° 4 do CPC) — v. autor e obra citada, a pág. 650.
Assim, tem de concluir-se que é reconhecido, de facto, um direito global de os particulares solicitarem a intervenção do juiz no processo, através da reclamação prevista no artigo 276.° do CPPT, relativamente a quaisquer actos praticados no processo de execução fiscal pela administração tributária que tenham potencialidade lesiva.
Ora, nessa medida, só devem considerar-se imediatamente lesivos, e, por isso, impugnáveis contenciosamente, os actos que tenham repercussão negativa imediata na esfera jurídica dos seus destinatários e a sua lesividade não puder ser diferida por meios administrativos de impugnação (v. Ac. deste STA de 6/10/2004, no recurso 1999/03).
O que não sucede manifestamente no acto concreto de que o recorrente reclama.
Com efeito, como se acentua na decisão recorrida, as diligências preparatórias da penhora não afectam só por si a esfera jurídica da executada, a qual só poderá ser atingida pela penhora.
A notificação que a ora recorrente recebeu, efectuada no exercício do dever de colaboração, limitou-se a dar-lhe conhecimento das diligências efectuadas no processo de execução fiscal na determinação dos activos existentes no património da reclamante, identificando e seleccionando os bens ou direitos que poderiam ser objecto de penhora.
Tais diligências em nada contendem com direitos ou interesses legítimos da reclamante, na medida em que nem se sabe se a penhora se irá concretizar, sobre que bens ou qual a sua extensão.
Sendo certo que do acto de penhora, a efectivar-se, sempre a reclamante poderá reagir.
Por último, a eventual relevância de anterior reclamação que poderia ordenar a suspensão da execução em curso mostra-se também ultrapassada, pois, como consta do probatório fixado, já foi proferida decisão mandando prosseguir o processo de execução fiscal os seus ulteriores termos, ainda que a realização de tais diligências antes ou depois de tal decisão em nada tenham alterado ou afectado a situação da recorrente.
Daí que, não configurando o acto reclamado um acto lesivo e, como tal, imediatamente impugnável ao abrigo do disposto no artigo 276.° CPPT, se imponha a improcedência do presente recurso, com a consequente confirmação da decisão recorrida.
IV — Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso, confirmando-se, assim, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 30 de Julho de 2008. – António Calhau (relator) – Freitas de CarvalhoEdmundo Moscoso.