Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0462/17
Data do Acordão:05/23/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23315
Nº do Documento:SA2201805230462
Data de Entrada:04/13/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A Representante da Fazenda Pública vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade A…………, Lda, melhor identificada nos autos, contra acto de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no montante de € 2.250,00, e dos correspondentes juros compensatórios, no montante de € 229,07, acto que emerge da transmissão onerosa de dois prédios rústicos efectuada pela sociedade impugnante no ano de 2010.

1.1. Apresentou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo:

A. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos supra identificados, que julgou procedente a impugnação deduzida contra o ato de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) nº 39758666, do ano de 2010, no montante de € 2.250,00, bem como dos correspondentes juros compensatórios, no montante de € 229,07, emitidos com relação à alienação dos prédios rústicos inscritos na matriz predial da freguesia de Azurara, concelho de Vila do Conde, sob os artigos 188 e 195.

B. Com efeito, aquando da aquisição dos sobreditos prédios rústicos, em 24/09/2009, estes ficaram isentos de IMT, ao abrigo do disposto no artigo 7º do CIMT, por se tratarem de prédios para revenda.

C. Todavia, em sede de ação de fiscalização efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças do Porto, apurou-se que, em 28/07/2010, a Recorrida deu um destino diferente a estes imóveis do declarado na escritura de compra e venda de 24/09/2009, visto estes terem sido objeto de escritura de dação em cumprimento para pagamento de dívidas que o sujeito passivo tinha para com o ………….

D. A douta sentença sob recurso concluiu pela procedência da impugnação em referência e, subsequente, anulação integral da liquidação impugnada, em consequência do entendimento de que aquela padece de vício de violação de lei, por erro na interpretação da lei, por haver considerado que, "o negócio jurídico celebrado por meio de uma dação em cumprimento para extinção de uma obrigação pecuniária contraída pela Impugnante face ao novo adquirente dos imóveis (o Banco credor), está abrangida no vocábulo "revenda"; não ocorrendo a caducidade da isenção de I.M.T. pois não foi dado aos imóveis destino diferente.".

E. Ora, ressalvado o devido respeito, com o que desta forma foi decidido, não se conforma a Fazenda Pública, sendo outro o seu entendimento, já que considera que a douta sentença sob recurso padece de erro na aplicação do direito, porquanto a respetiva argumentação assentou na errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, mormente do disposto nos artigos 2º, 7º, nºs 1, 3 e 5, e 11º, nº 5, do CIMT.

F. É que, contrariamente ao sentenciado, perfilhamos o entendimento que, atentos ao disposto no artigo 2º, 7º nºs 1, 3 e 5 e 11º nº 5 do CIMT, o negócio jurídico celebrado por meio de uma dação em cumprimento (para extinção de uma obrigação pecuniária contraída pela Recorrida face ao novo adquirente do imóvel) no período de três anos subsequente à aquisição para revenda, não obsta à caducidade da isenção de IMT, a qual apenas subsiste com a celebração do contrato de compra e venda, uma vez que os preceitos que consagram isenções devem ser interpretados restritivamente. Pelo que, só através do contrato de compra e venda se opera a revenda, e não mediante a dação em cumprimento.

G. Comummente, o conceito de revenda é entendido como vender de novo um bem anteriormente adquirido.

H. Em sede de IMT, um bem imóvel, é visto como uma mercadoria que se mercadeja tal como se de um artigo comercial se tratasse.

I. Tal como a doutrina e a jurisprudência têm amplamente sublinhado, a isenção pela aquisição de prédios para revenda fundamenta-se na circunstância de tais prédios, destinados a integrar o ativo permutável da empresa adquirente, constituírem "mercadorias" da respetiva atividade. Assim a isenção tem como fim último - afastar elevados encargos financeiros que, não obstante serem custos dedutíveis para efeitos de determinação do rendimento sujeito a imposto, tenderiam a repercutir-se no preço final da venda dos bens imóveis.

J. Ou seja, a compra de um bem com o propósito de o revender em seguida no âmbito do exercício da atividade beneficiária da isenção, não é vista pelo legislador, como uma verdadeira aquisição, já que o revendedor não irá ser o futuro proprietário do bem em questão.

K. Por isso, com esta isenção, o revendedor fica dispensado do pagamento do IMT, na medida em que o bem não se lhe destina, ainda que ele vá ser tributado em sede de rendimento (IRC/IRS consoante ele seja uma pessoa coletiva ou uma pessoa singular).

L. Contudo, o legislador instituiu um conjunto de pressupostos do regime de isenção em IMT dos prédios adquiridos para revenda (mormente artigo 7º e 11º nº 5 ambos do CIMT), que constituem mecanismos preventivos da sua utilização abusiva e da prática de operações de fraude fiscal.

M. E como é sabido, esta isenção de tributação, como as demais isenções de tributação, tem carácter excecional, pois traduz-se na revogação dos princípios gerais que norteiam à tributação, nomeadamente, os princípios da capacidade contributiva, e da igualdade da tributação.

N. Ora, tal como sublinhado na sentença recorrida, o contrato dação em pagamento consiste num contrato oneroso regido pelas disposições aplicáveis à compra e venda por remissão do artigo 838º do Código Civil

O. Disso não restam dúvidas e a Fazenda Pública subscreve-as in totum.

P. O que não pode subscrever é a interpretação extensiva que o Tribunal a quo deu às sobreditas normas que dispõem sobre a isenção de IMT em caso de revenda.

Q. Com efeito, a letra da lei e o espírito do sistema não permitem uma outra interpretação das normas sobre isenção de IMT previstas nos artigos 7º e 11º nº 5 do CIMT que não sejam as isenções nos moldes aí instituídos.

R. Na verdade, as normas acabadas de referir estabelecem uma isenção fiscal em sede de IMT, exigindo para tal a efetivação da revenda por parte de sujeitos passivos no exercício da atividade de comprador de prédios para revenda, como pressupostos essenciais dessa isenção.

S. Ou seja, resulta claro da lei que o legislador ordinário pretendeu apenas isentar de IMT as operações de revenda de imóveis efetuadas por sujeitos passivos no estrito exercício da atividade de comprador de prédios para revenda.

T. Sendo por demais manifesto que só através de um contrato de compra e venda se opera a revenda.

U. Daí que, na nossa modesta opinião, haverá que proceder a uma interpretação restritiva dos artigos 7º nº 1 e 11º nº 5 do CIMT, no sentido de se considerar que, no caso da isenção de prédios adquiridos para revenda, a lei exige para que haja revenda que seja celebrado um novo contrato de compra e venda inserido na atividade comercial do vendedor, como pressuposto essencial da isenção, sem equiparar a revenda a qualquer outro tipo de ato ou contrato.

V. Sendo que para estes efeitos o contrato de dação em pagamento com o propósito de saldar dívidas, nunca poderá ser considerado uma revenda do imóvel, porquanto esta pressupõe um contrato de compra e venda celebrado no âmbito da atividade da beneficiária da isenção (nomeadamente, a compra e venda de imóveis).

W. Voltando ao caso sub judice como resulta dos autos, a transmissão dos imóveis em causa, não se deu por via de um contrato de compra e venda, mas sim mediante a dação de pagamento.

X. Ademais, visto a dação em pagamento dos imóveis celebrado entre a Recorrida e entidade bancária "…………" ter tido por objetivo solver a dívida que a Recorrida tinha para com aquele credor, ela não se insere na atividade da Recorrida (beneficiária da isenção), o que constitui também, como vimos, pressuposto da isenção.

Y. Por conseguinte, devendo as normas que regulam a isenção de imposto de IMT ser interpretadas restritivamente, a dação em pagamento controvertida não pode ser equiparada a revenda, para efeitos da isenção prevista no artigo 7º nº 1 do CIMT em conjugação com o previsto no nº 5 do artigo 11º do CIMT.

Z. De modo que, forçoso é inferir que na situação em apreço caducou a isenção do IMT da qual a Recorrida beneficiou em 2009, pois foi dado aos imóveis destino diferente da revenda.

AA. Em suma, ao decidir-se como se decidiu, sempre com o devido respeito pelo labor do Tribunal a quo, é nossa convicção que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, fazendo desacertada interpretação e aplicação dos sobreditos normativos legais.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que o recurso devia merecer provimento e a sentença ser revogada e substituída por acórdão declaratório da improcedência da impugnação, argumentando o seguinte:

1. A solução da questão deve considerar as seguintes premissas argumentativas:

1ª O facto tributário gerador da obrigação do IMT consiste na transmissão, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados em território nacional (art.º 2º nº 1 CIMT)

2ª As isenções são uma categoria de benefícios fiscais, os quais constituem medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, superiores ao da própria tributação que impedem (art.º 2º nºs 1 e 2 EBF); as normas de isenção não são susceptíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva (art.º 9º EBF)

3ª A isenção de IMT de que gozam as aquisições de prédios para revenda está sujeita a condição resolutiva, caducando se os mesmos não forem revendidos no prazo de 3 anos após a aquisição (arts. 7º nº 1 e 11º nº 5 CIMT)

4ª A teleologia da norma de isenção está dirigida aos sujeitos passivos que exercem normal e habitualmente a actividade de compradores de prédios para revenda, por forma a evitar a tributação sucessiva dos mesmos bens em curto período temporal, com tendencial repercussão no preço final de venda dos imóveis (J. Silvério Mateus/L. Corvelo de Freitas Os Impostos sobre o Património, O Imposto de Selo: Anotados e Comentados, Lisboa Engifisco 2005 p.385)

5ª O conceito de revenda pressupõe a celebração de um contrato de compra e venda, mediante o qual se transmite a propriedade do imóvel mediante o pagamento de um preço (arts. 874º e 879º CCivil); distintivamente, o legislador definiu a dação em cumprimento como uma forma de extinção (total ou parcial) da obrigação, mediante prestação de coisa diversa da que for devida (art.º 837º CCivil)

6ª Para efeitos de IMT o legislador não pretendeu equiparar a dação em cumprimento à revenda, como inequivocamente resulta de norma específica do CIMT que, especificamente, contempla a dação em cumprimento como forma de transmissão da propriedade distinta da compra e venda (art.º 12º nº 4, 5ª regra CIMT)

7ª A adequada interpretação restritiva da norma sobre a caducidade da isenção não contempla na sua previsão a dação em cumprimento de prédios, apenas sendo relevante a revenda no sentido técnico-jurídico

2. Não é despicienda a invocação de jurisprudência consolidada do STA-SCT sobre situação paralela: errónea equiparação da permuta ao contrato de compra e venda, fundamentação aplicável, sem reserva, ao IMT. (na vigência da Sisa acórdãos STA 6.03.1985 processo nº 2732; 19.06.1985 processo nº 2841; 13.10.1993 processo nº 15334; 28.01.2008 processo nº 642/08; 7.03.2012 processo nº 1141/11; na vigência do CIMT acórdão 28.11.2012 processo nº 529/12).».

1.4. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir em conferência.

2. Na sentença recorrida foi dada como assente a seguinte matéria de facto:

A. A Impugnante, anteriormente denominada "B…………, Lda" - tinha como actividade a compra e venda de bens imobiliários para revenda - Relatório da Inspecção e acordo das partes.

B. Em 24/09/2009, foi celebrada escritura de "Compra e venda" dos prédios rústicos inscritos na matriz predial da freguesia da Azurara, concelho de Vila do Conde, sob os artigos 188 e 195, denominados de "………" e "………", respectivamente - Fls 63 a 65 do P.A.

C. A Impugnante declarou que os prédios se destinavam a revenda - Acordo das partes.

D. Pela aquisição dos prédios não foi pago I.M.T. - Acordo das partes.

E. Em 28/05/2010, foi celebrada escritura de "Dação em cumprimento" dos prédios referidos, para pagamento de dívidas ao "…………" - Fls 66 a 70 do P.A.

F. A Impugnante foi objecto de um procedimento de inspecção interno ao exercício de 2010, de âmbito parcial, em I.M.T., credenciado pela Ordem de Serviço nº OI201206222 - Fls 59 do P.A.

G. Foi remetido para a sede da Impugnante o ofício nº 77990/0505, de 03/12/2012, da Direcção de Finanças do Porto, com "Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção", do qual consta o seguinte: "Notifica(m)-se de que, no prazo de 10 dias poderá(ão), querendo, exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente, sobre o Projecto de Correcções do Relatório de Inspecção, que se anexa, nos termos previstos no artigo 60.º da LGT e artigo 60.º do RCPIT ..." - Fls 28 a 36 do P.A.

H. O ofício referido na alínea anterior foi remetido por carta registada em 04/12/2012, para a sede da Impugnante, que foi devolvida com a menção de "Objecto não reclamado" - Fls 35 e 36 do P.A.

I. Em 20/12/2012 foi elaborado Relatório final de inspecção tributária, do qual consta o seguinte:

II. Objetivos, âmbito e extensão da ação de inspeção

II. 1. Credencial

A ação de inspeção foi credenciada pela ordem de serviço interna nº OI201206222.

II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal

A ordem de serviço interna nº OI201206222 é de âmbito parcial, abrange o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de imóveis (IMT) e incide sobre o exercício de 2010.

O sujeito passivo "B…………, LDA" (atualmente designado por A………… LDA), adquiriu em 24/09/2009 os prédios inscritos na matriz predial rústica sob os artigos 188° e 195°, da freguesia de Azurara, do concelho de Vila do Conde, beneficiando, em ambas aquisições, da isenção de IMT nos termos do artigo 7º do Código do IMT (CIMT) (aquisição de prédios para revenda). Em 28/07/2010 deu um destino diferente (estes prédios foram objeto de escritura de dação em cumprimento para pagamento de dívidas ao …………), caducando a isenção nos termos do nº 5 do artigo 11º do CIMT e não solicitou a liquidação no prazo de 30 dias, conforme prevê o artigo 34º do CIMT.

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas a matéria tributável

Através da aplicação informática do património (modelo 11) e da cópia da escritura de compra e venda, celebrada no Cartório Notarial da Póvoa de Varzim, verificamos que o sujeito passivo adquiriu, em 24/09/2009, os prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 188º e 195º da freguesia de Azurara do concelho de Vila do Conde, pelo valor de € 30.000,00 e de € 15.000,00, respetivamente beneficiando, em ambas as aquisições, da isenção referida no artigo 7º do CIMT (isenção pela aquisição de prédios para revenda), tendo sido emitido o documento de IMT nº 160209022732603 a zeros, com a designação do beneficio: "prédios para revenda (artigo 7º do CIMT)".

Em 28/05/2010, através de escritura de dação em cumprimento, celebrada no Cartório Notarial de …………, o sujeito passivo dá para pagamento das dívidas ao …………, os prédios rústicos anteriormente referidos.

Atendendo ao estipulado no nº 5 do artigo 11º do CIMT, a isenção a que se refere o artigo 7º do CIMT (isenção pela aquisição de prédios para revenda) caducará logo que se verifique uma das seguintes situações: "que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente, ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda".

Assim e, de acordo com o estipulado no normativo referido no parágrafo anterior, relativamente aos prédios rústicos artigos 188º e 195º, a caducidade do direito à isenção pela aquisição de prédios para revenda dá-se em 28/05/2010, que corresponde à data em que se verificou que aos prédios foi dado um destino diferente da revenda.

Nos termos do nº 1 do artigo 34º do CIMT, o sujeito passivo deve, no prazo de 30 dias, contados a partir da data em que a isenção fica sem efeito, solicitar a respetiva liquidação.

Consultada a aplicação informática do património (imposto municipal de transmissões), não consta a liquidação e qualquer pagamento do IMT, referente aos dois prédios referidos anteriormente.

O nº 1 do artigo 12º do CIMT refere que "o IMT incidirá sobre o valor constante do ato ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário (VPT) dos imóveis, consoante o que for maior".

Dado que os valores declarados são maiores do que o VPT dos imóveis, é sobre aqueles que incidirá o IMT.

Aos valores referidos no quadro seguinte, aplicar-se-á a taxa de IMT prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 17º, nos termos do artigo 18º do CIMT.

Assim, e face ao exposto, resultam as seguintes correções à matéria tributável de IMT:



Sobre o cálculo do IMT em falta, deverão ser acrescidos os respetivos juros compensatórios nos termos do artigo 33º do CIMT e do artigo 35º da Lei Geral Tributária (LGT). (...) - Fls 37 a 42 do P.A.J)

J. O Relatório foi objecto do seguinte parecer e despacho:



Fls 37 do P.A.

K. Em 28/12/2012 foi remetido para a sede da Impugnante, por carta registada, o ofício nº 83765/0505, de 28/12/2012, da Direcção de Finanças do Porto, com o "Relatório final" - FIs 43 e 44 do P.A.

L. Foi remetido para a sede da Impugnante, por carta registada com aviso de recepção assinado em 17/01/2013, o ofício nº 383/1902-10, de 11/01/2013, do Serviço de Finanças de Vila do Conde, com o seguinte teor:

Assunto: Liquidação de IMT - Prédios para Revenda

NOTIFICAÇÃO

Em 2009-09-24 adquiriu os prédios, inscritos nas matrizes prediais rústicas, da freguesia de Azurara, concelho de Vila do Conde, sob os artigos matriciais 188º e 195º, através de escritura de compra e venda lavrada no Cartório Notarial da Póvoa de Varzim, aquisição essa beneficiando da Isenção de Imposto Municipal s/Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), prevista no art. 7º do mesmo código, por se tratar de prédios para Revenda.

A aquisição a que se refere o art.º 7º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que os prédios adquiridos para revenda foram dado destino diferente ou que os mesmos não tenham sido revendidos dentro do prazo de três anos.

No caso em análise verificou-se que os imóveis atrás referidos foram dados destinos diferentes, atendendo que houve uma Dação em cumprimento, por escritura de 2010/05/28, no cartório de …………, a favor do Banco …………, caducando a isenção invocada conforme o estipulado no art.º 34º do CIMT.

Assim, fica por este meio notificado para, no prazo de 30 dias a contar do fim do prazo abaixo indicado para audição, efectuar o pagamento neste Serviço de Finanças, da quantia de € 2.250,00 relativamente a IMT, acrescida de Juros Compensatórios no valor de € 229,07.

Caso pretenda pronunciar-se sobre o assunto ora notificado, deverá fazê-lo por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, contados de forma contínua, a partir da data da assinatura do aviso de recepção, devendo a resposta ser dirigida ao Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde. Se nada disser, a liquidação converte-se em definitiva logo que expirado o prazo, começando a contar o prazo para pagamento.

Da presente liquidação poderá ainda reclamar no prazo de 120 dias – art.º 70 do CPPT - ou impugnar no prazo de 90 dias - art. 102º do mesmo diploma legal - Fls 55 do P.A.

M. O ofício referido na alínea anterior foi assinado pela Chefe do Serviço de Finanças de Vila do Conde - Fls 55 do P.A.

N. O ofício referido foi acompanhado da "Nota explicativa da liquidação de I.M.T." e do "Cálculo dos juros compensatórios", com o seguinte teor:



- FIs 105 a 107 dos autos e fIs 55 do P.A.

3. O objecto do presente recurso é constituído pela sentença de procedência da impugnação judicial deduzida pela sociedade "A…………" contra acto de liquidação de IMT efectuado na sequência da transmissão de dois prédios rústicos através de dação em cumprimento, cuja aquisição onerosa fora realizada cerca de 10 meses antes com benefício da isenção de imposto prevista no art.º 7º do Código de IMT, na medida em que fora declarado que se destinavam a revenda.

Com efeito, segundo o suporte formal fundamentador do acto impugnado, foi dado aos imóveis um destino diferente do declarado na escritura de aquisição, na medida em que foram transmitidos através de negócio jurídico de dação em cumprimento para pagamento de dívidas que a "A…………" tinha para com uma entidade bancária.

A sentença julgou procedente a impugnação por haver considerado, em suma, que "o negócio jurídico celebrado por meio de uma dação em cumprimento para extinção de uma obrigação pecuniária contraída pela Impugnante face ao novo adquirente dos imóveis (o Banco credor), está abrangida no vocábulo "revenda", não ocorrendo a caducidade da isenção de IMT pois não foi dado aos imóveis destino diferente".

É contra o assim decidido que se insurge a Fazenda Pública, que imputa à sentença erro de julgamento em matéria de direito, por errónea interpretação dos preceitos legais aplicáveis, particularmente do disposto nos artigos 7º e 11º, nº 5, do Código do IMT. Na sua óptica, o negócio jurídico celebrado por meio de dação em cumprimento (para extinção de obrigação pecuniária contraída pela proprietária dos imóveis perante uma entidade bancária) não se encontra abrangido no vocábulo "revenda" e, como tal, ocorreu a caducidade da isenção de IMT.

A questão que se coloca neste recurso passa, assim, pela interpretação das normas constantes dos apontados artigos 7º e 11º nº 5, por forma a determinar se a isenção de imposto se mantém no caso de ocorrer a dação em pagamento de prédios adquiridos para revenda.

Sobre a questão já se pronunciou esta Secção no sentido de que, para efeitos da isenção prevista no artigo 7º, nº 1, do Código do IMT, não assume relevo a dação em cumprimento, sendo apenas de considerar a revenda no seu sentido técnico-jurídico - cfr. acórdão datado de 8.11.2017, no processo nº 0174/17.

Trata-se de posição jurisprudencial que também aqui se acolhe, por com ela concordarmos integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido acórdão.

«3.6. E igualmente não procede a alegação de que também a dação em cumprimento de imóveis não pode deixar de merecer, para efeitos de aplicação da isenção prevista nos arts. 7º e 11º do CIMT, o mesmo tratamento fiscal que a compra e venda (revenda).

A fundamentação e a argumentação jurídica constantes, quer do citado acórdão do Pleno de 23/1/2013, no proc. nº 01061/11 (adaptadas, agora, à isenção de IMT), quer de outros recentes acórdãos desta Secção, como os de 22/2/2017, no proc. nº 01245/16, de 13/9/2017, no proc. nº 01246/16 e de 4/10/2017, no proc. nº 01450/16 (nos quais se apreciou a questão desta isenção de IMT, no âmbito da permuta de imóveis) são, a nosso ver, totalmente aplicáveis também a este caso da dação em cumprimento.

Com efeito, não obstante a natureza jurídica da dação em cumprimento e da transmissão da propriedade por ela operada, não integra o conceito de revenda para efeitos fiscais (como diz a sentença, enquanto a dação em cumprimento é uma causa de extinção das obrigações, a revenda é um negócio jurídico, em que se procura o lucro, a venda, outra vez, do bem a outrem, por determinado preço, por tal ser o objeto da atividade comercial da vendedora). Sendo que, como se sublinha naquele aresto de 22/2/2017, "[a]s normas que regulam a isenção de imposto, na medida em que contrariam os princípios da generalidade e da igualdade da tributação, são insusceptíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no beneficio concedido, devendo ser objecto de interpretação estrita ou declarativa" e "… numa interpretação estrita do preceito (art. 11º, nº 5, do CIMT) há-de entender-se que, no caso da isenção de prédios adquiridos para revenda, a Lei exige, sem mais, a efectivação da revenda como pressuposto essencial da isenção, sem equiparar a ela qualquer outro tipo de acto ou contrato.".

Este tem sido também o entendimento tradicional da nossa jurisprudência no âmbito do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, cujo regime é, neste aspecto, muito semelhante ao regime do CIMT - cf. Acórdãos de 6/3/1985, rec.º n.º 2732, de 19.06.1985, rec.º nº 002841, de 13.10.1993, rec.º nº 15334, de 28.01.2008, rec.º n.º 642/08 e de 07.03.2012, recurso 01141/11.

Como se exarou no Ac. de 13.10.1993, acima citado (publicado no Apêndice ao DR, de 20/5/1996, pp. 3279 a 3282) "perante o texto da lei aplicável e o intuito legal de, com a concessão desta isenção, se evitar a tributação sucessiva, em imposto de sisa dos mesmos bens, num curto período de tempo, não será de concluir que o legislador disse menos do que pretendia, mas antes é de reconhecer que os termos utilizados traduzem a vontade ali inequivocamente expressa, no sentido de só relevar, para o efeito aí assinalado, o acto de «revenda» do prédio em causa".

E ainda a propósito do conceito de revenda se disse também no supra citado Ac 1141/11 que "revender é vender de novo, ou vender o que se tinha comprado, ainda que sem aquele propósito, e torna-se por demais evidente que só através da venda se opera a revenda, e não ... mediante simples troca ou permuta dos bens originariamente adquiridos (...) Sendo assim só a revenda assume relevância para efeitos de isenção de sisa, não a tendo a troca ou a permuta" (Acórdãos Doutrinais, nº 257, pág. 644).

Ora, como acima se referiu, estas argumentação e fundamentação jurídicas, são, em nosso critério, totalmente aplicáveis também a este caso da dação em cumprimento».

Em conclusão, as normas que regulam a isenção de imposto são insusceptíveis de aplicação a casos que não tenham sido expressamente contemplados no benefício concedido, devendo ser objecto de uma interpretação estrita ou declarativa. E dado que a interpretação estrita ou declarativa do art.º 7º do Código do IMT não contempla a "dação em cumprimento", só pode relevar, para efeitos de obstar à caducidade da isenção, a "revenda" dos prédios no seu sentido técnico-jurídico.

Razão por que não pode manter-se a sentença que assim não decidiu.

4. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação judicial.

Custas pela impugnante em ambas as instâncias, mas com dispensa de taxa de justiça no STA uma vez que não contra-alegou.

Lisboa, 23 de maio de 2018. – Dulce Neto (relatora) – Pedro Delgado – Isabel Marques da Silva.