Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0978/17
Data do Acordão:04/11/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23139
Nº do Documento:SA2201804110978
Data de Entrada:09/08/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A………… deduziu oposição à execução fiscal n.º 23802011026453 instaurada, originariamente, contra a sociedade “B…………, Lda.”, por dívidas de IVA e juros compensatórios relativo ao período de 2007/03 a 2007/12, no montante 98 641,97€
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1.2. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, por sentença a fls. 106/119, julgou procedente a presente oposição.
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1.3. É dessa decisão que a Fazenda Pública recorre terminando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«I. A douta sentença sob recurso, julgando verificado um vício de forma do despacho que determinou a reversão do processo de execução fiscal contra o Oponente, dito despacho de reversão, designadamente a falta da respectiva fundamentação, ordenou a extinção da execução fiscal.
II. Mais, a douta sentença recorrida entendeu que, pela decisão que recaiu sobre a questão suscitada pelo Oponente, relativa à falta de fundamentação do despacho de reversão, ficaram prejudicadas todas as demais questões suscitadas pelo Oponente e que eram relativas ao mérito da reversão operada pelo órgão da execução fiscal.
III. Pelo que inexistiu qualquer conhecimento ou apreciação, por parte do tribunal, do mérito da causa, cuja decisão, em caso de procedência, fosse susceptível de motivar a extinção da execução fiscal.
IV. Assim, a douta sentença sob recurso, que apenas apreciou a questão da invocada falta de fundamentação do despacho de reversão, julgando-a procedente, deveria ter-se limitado a anular tal acto e, em consequência, declarar a falta de legitimidade processual activa do Oponente, absolvendo-o da instância executiva.
V. Pois, neste caso, em que apenas estava em causa a anulação de um acto administrativo, com fundamento num vício de forma, o Tribunal a quo permitiria ao órgão da execução fiscal a renovação do acto, isto é, ao executar o julgado, anulando o despacho de reversão reputado de não fundamentado, o órgão da execução fiscal poderia praticar um novo acto e em idêntico sentido, mas sem o vício de forma que antes o atingira ou ferira de nulidade.
VI. Contudo, ao decidir como decidiu, a douta sentença recorrida vedou ao órgão de execução fiscal a possibilidade de renovação do acto, com sanação do vício determinante da sua nulidade, e fê-lo indevidamente, em clara violação das normas contidas nos artigos 77.º da LGT, 101.º e 124.º do CPPT e 125.º do CPA e em claro prejuízo da AT, erro que urge agora reparar.
Nestes termos e nos mais de Direito, que hão-de ser por V. Ex.as com certeza, doutamente supridos, deverá o presente recurso jurisdicional depois de admitido, obter provimento, e, em consequência, revogar-se a douta sentença sob recurso e, em seu lugar, proferir-se outra, que anule o despacho de reversão, por falta de fundamentação, declare a ilegitimidade processual activa do Oponente e, em consequência, o absolva da instância executiva.».
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1.4. Não foram apresentadas contra-alegações.
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1.5. O Ministério Público emitiu a seguinte pronúncia:
«1. Objecto do recurso
1. O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Mirandela que julgou procedente a oposição deduzida à execução fiscal instaurada para cobrança de dívida relativa a IVA e juros compensatórios dos meses de Março e Dezembro de 2012, no valor de € 98.641,97 euros.
2. Considera a Recorrente que a sentença padece do vício de erro de violação de lei, por ofensa ao disposto nos artigos 77º da LGT, 101º e 124º do CPPT, e 125º do CPA, por entender que o vício de falta de fundamentação do despacho de reversão que o tribunal “a quo” julgou verificado, conduz à anulação desse despacho, por se tratar de um vício de forma, e não à extinção da execução fiscal.
Em apoio da sua tese convocou a doutrina do acórdão do STA de 10/10/2012, proc. n.º 0726/12.
E termina pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que determine a anulação do despacho de reversão e a absolvição do oponente da instância.
II. Fundamentação de facto e de direito da sentença
1. Na sentença deu-se como assente que tendo sido instaurada execução fiscal contra a sociedade “B…………, Lda.”, para cobrança de dívida relativa a IVA e juros compensatórios dos meses de Março e Dezembro de 2012, no valor de €98.641,97 euros, a execução foi revertida contra o oponente, o qual foi citado em 15/11/2013, ao abrigo do disposto no artigo 24°, n°1, alínea b) da LGT.
Para se decidir pela procedência da ação considerou o tribunal “a quo” que o despacho de reversão padecia de “falta de fundamentação, porque a AT adotou fundamentos insuficientes que não esclarecem concretamente a motivação do ato”.
E de seguida julgou-se a ação procedente.
3. Conforme se alcança da petição inicial e na sequência dos fundamentos que invocou como causa de pedir, o oponente formulou o pedido de extinção da execução fiscal.
Tendo o tribunal “a quo” julgado a ação procedente de forma genérica, sem especificar no dispositivo qualquer particularidade desse pedido, tem que se entender que julgou procedente o pedido de extinção da execução fiscal.
Ora, afigura-se-nos que assiste razão à Recorrente na censura que faz sentença recorrida e que está de acordo com a jurisprudência deste STA que igualmente a mesma citou.
De facto e como vem invocado pela Recorrente, estando em causa vício formal que afeta a validade do despacho de reversão, há apenas lugar à anulação desse despacho, absolvendo o revertido da instância. Absolvição que não impede a prolação de novo despacho de reversão por parte da AT, com a sanação do vício que afetou a validade de tal chamamento à execução do responsável subsidiário.
Entendemos, assim, que o recurso deve ser julgado procedente, impondo-se a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que julgue a oposição procedente e determine a anulação do despacho de reversão, absolvendo-se o oponente da instância executiva.».
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto.
«1. A AT instaurou execução fiscal contra a sociedade “B…………, Lda.”, NIF ……… que diz respeito a dívida de IVA e juros compensatórios do período de “2007/03 e “2007/12”, no valor de 98.641,97 € - FIs. 19
2. Por ofício datado de 15/11/2013, o Oponente foi citado por reversão, conforme fls. 54 e 55, que aqui se dão por reproduzidas, com o seguinte destaque “(...) Pelo presente fica citado(a) de que é executada por reversão, nos termos do art. 160.º (...) (CPPT) na qualidade de responsável subsidiário, para no prazo de 30 (trinta) dias (...) pagar a quantia exequenda de 98.641,97 EUR, de que era devedor(a) o(a) executado(a) infra indicado(a) (...) // FUNDAMENTOS DA REVERSÃO // Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do beneficio da excussão (art.º 23.º/n.º 2 da LGT) // Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo (art.º 24.º/n.º1/b) LGT // Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do beneficio da execução (art.º 23.º/n.2 da LGT): // - Os previstos no art. 8.º do RGIT”.»
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3.1. A sentença recorrida julgou a oposição procedente sustentando, em síntese, o seguinte:
Previamente à reversão ordenada contra o oponente, não fez a AF qualquer exposição, concreta e individual dos fundamentos de facto e de direito quanto à fundada insuficiência (ou inexistência) dos bens penhoráveis do devedor principal.
Deveria a AF demonstrar que tal montante era insuficiente para assegurar a dívida exequenda.
Estamos perante falta de fundamentação porque a AT adotou fundamentos insuficientes que não esclarecem concretamente a motivação do ato pelo que o despacho de citação carece de fundamentação legalmente exigida.
Por outro lado, as dívidas por coimas têm de ser declaradas em processo de contra ordenação dirigido contra o gerente da inicial executada em que lhe sejam assegurados os direitos de audiência e defesa constitucionalmente garantidos, pelo que não é possível a reversão da execução para cobrança de dívidas não tributárias com esse fundamento.
Se o supra exposto se aplica à reversão de dívidas de impostos, relativamente às dívidas por coimas e custas com os processos de contraordenação a conclusão é semelhante.
Acresce que a reversão por coimas, como resulta do artigo 8.º do RGIT exige também a demonstração da culpa ou seja, este preceito não contém qualquer presunção de culpa, competindo à Administração Tributária reunir os elementos donde possa concluir-se pela verificação da culpa do responsável subsidiário pelo não pagamento das coimas por parte da empresa originária devedora que devem constar do despacho de reversão.
O artigo 8.º do RGIT não permite a reversão das custas com os processos de contraordenação tributária e as dívidas por coimas têm de ser declaradas em processo contraordenacional dirigido contra o gerente da inicial executada em que lhe sejam assegurados os direitos de audiência e defesa constitucionalmente garantidos o que não foi feito.
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3.2. Não questiona a recorrente FP a existência de falta de fundamentação no despacho de reversão pois que afirmou a sentença recorrida que a AT adotou fundamentos insuficientes que não esclarecem concretamente a motivação do ato.
Sustenta, contudo, que a decisão recorrida sofre de vício de erro de violação de lei por ofensa ao disposto nos artigos 77º da LGT, 101º e 124º do CPPT, e 125º do CPA, por entender que o vício de falta de fundamentação do despacho de reversão que o tribunal “a quo” julgou verificado, conduz à anulação desse despacho, por se tratar de um vício de forma, e não à extinção da execução fiscal.
Conclui pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que determine a anulação do despacho de reversão e a absolvição do oponente da instância.
É esta a questão que importa apreciar.
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3.3. Na petição inicial o oponente formulou o pedido de extinção da execução fiscal.
A sentença recorrida julgou a oposição procedente sem mais.
Como refere o MP tem que se entender que julgou procedente o pedido de extinção da execução fiscal.
Assim sendo não pode tal decisão manter-se pois que constituindo a falta de fundamentação um vício formal que afeta a validade do despacho de reversão, há apenas lugar à anulação desse despacho com absolvição do revertido da instância.
E tal absolvição não impede que seja proferido novo despacho de reversão devidamente fundamentado ou seja desde que não se encontre afetado do mesmo vício.
Deve, por isso, o recurso ser julgado procedente o que determina a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que julgue a oposição procedente e determine a anulação do despacho de reversão com absolvição da instância executiva.
Acompanha-se o que se escreveu no acórdão deste STA de 18-05-2016, proc. 0446/15, no qual se afirma o seguinte:

“Perante tal situação a mº juiz considerou que quanto a este requisito de responsabilização subsidiária o despacho de reversão se encontrava insuficientemente fundamentado pelo que determinou a anulação da reversão e julgando procedente a oposição julgou também extinta a execução contra o oponente.
A Fazenda Pública considera que a sentença enferma de erro de direito porquanto a falta de fundamentação do acto administrativo da reversão não contende com a execução em causa devendo apenas o juiz decretar a anulação da reversão já que tal decisão não impedirá AT de sanar posteriormente tal vício e reverter de novo a execução contra o oponente.
E neste aspecto não pode deixar de ser dada razão à recorrente.
Uma vez que a recorrente não questiona a decisão tomada quanto à fundamentação da reversão nem questiona a oposição como sendo o meio processual próprio de reagir contra tal vício formal há que convir que, julgado verificado tal vício, a consequência jurídica é a sua anulação não tendo como consequência jurídica também a extinção da execução pelo simples facto de a reversão mais não ser que a actuação da potencial responsabilidade do revertido provocando a sua intervenção no processo de execução em curso na qualidade de executado.
Neste sentido veja-se o acórdão do STA de 22 04 2015 in processo 0511/14 cujo sumário com a devida vénia por esclarecedor se passa a transcrever na parte que ao caso interessa.
II – No caso de a oposição ser julgada procedente com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, a decisão a proferir pelo tribunal deverá ser de anulação daquele acto e consequente oponente (pois não foi feito qualquer juízo quanto ao mérito da matéria controvertida), de modo a não obviar à possibilidade do órgão de execução fiscal proferir um novo acto de reversão, expurgado do vício que determinou a anulação do anterior acto, possibilidade que lhe assiste em virtude do motivo determinante da anulação ser de carácter formal.
A anulação da reversão acarreta a falta de título executivo contra o revertido e a sua ilegitimidade passiva na execução pelo que em relação à execução o oponente não pode deixar de ser absolvido da instância, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 278 do CPC (anterior 288).”.

Neste mesmo sentido podem consultar-se os acórdãos de 19-04-2017, proc. 0100/17, de 16-12-2015, proc. 0361/14 e de 10-10-2012, proc. 0726/12.
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A decisão que julga não fundamentado o despacho de reversão determina a sua anulação pelo que se impõe, não a extinção da execução, mas apenas a absolvição da instância do revertido.
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4. Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida, na parte em que julgou extinta a execução e absolver o recorrido da instância executiva.
Sem custas.
Lisboa, 11 de Abril de 2018. – António Pimpão (relator) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.