Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0162/20.0BEMDL
Data do Acordão:07/13/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
ATENUAÇÃO ESPECIAL
Sumário:I - Nos termos do artigo 32.º do RGIT, na redação em vigor ao tempo da infração e da prolação da sentença recorrida, a atenuação especial da coima dependia da verificação de dois pressupostos: i) o reconhecimento da responsabilidade por parte do infrator; ii) a regularização da sua situação tributária até à decisão do processo.
II - Os dois referidos pressupostos são cumulativos e distintos, não se podendo retirar da regularização da situação tributária o reconhecimento da responsabilidade pelo infrator.
III - Não reconhece a responsabilidade o arguido que notificado para apresentar defesa, requer a suspensão do processo contraordenacional com fundamento na pendência de reclamação graciosa, na qual é discutida a legalidade da liquidação subjacente à infração, e não se conformando com o seu indeferimento interpõe recurso hierárquico, terminando a litigar contenciosamente, em ação administrativa especial, que é julgada improcedente, e só após o trânsito desta sentença regulariza a situação tributária.
Nº Convencional:JSTA000P29704
Nº do Documento:SA2202207130162/20
Data de Entrada:10/20/2021
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. O representante da Fazenda Pública, ao abrigo do disposto no artigo 83.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), interpõe recurso da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente o recurso judicial da decisão que aplicou uma coima, no montante de € 10.239,84, ao arguido A……., S.A., no processo de contraordenação n.º 2496200906015468, e a atenuou especialmente, concluindo da seguinte forma as suas alegações de recurso:
1. Por via da sentença ora sob recurso, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela decidiu-se pela atenuação especial da coima, aplicando, ao caso concreto, o n.º 2 do artigo 32.º do RGIT.
2. Com a ressalva de diverso entendimento, tal decisão padece de erro de julgamento, no âmbito da subsunção da factualidade emanada dos autos à previsão da supracitada norma;
3. A atenuação especial da coima, prevista no n.º 2 do artigo 32.º do RGIT, exige a verificação cumulativa de dois pressupostos, a saber; i) o reconhecimento, por parte do infrator, da sua responsabilidade e ii) a regularização da situação tributária até à decisão do processo.
4. Ora, no caso concreto, não podemos dar como verificado o primeiro dos aludidos requisitos;
5. Com efeito, o arguido, não se conformando com a liquidação de IMT em causa e, consequentemente, com o Processo de Contraordenação que lhe foi instaurado, despoletou contencioso administrativo e judicial, instâncias em que pugnou pela ilegalidade daquele acto tributário;
6. O pagamento do imposto em apreço ocorreu tão só após o trânsito em julgado da decisão proferida no âmbito da Ação Administrativa Especial, que julgou improcedente a pretensão do aqui arguido;
7. Acresce que, na defesa apresentada em sede de processo de contraordenação, o arguido solicitou a suspensão do processo, precisamente, pelo facto de, não se conformando com a liquidação do IMT, ter deduzido Reclamação Graciosa.
8. O facto do arguido ter regularizado a dívida não autoriza, sem mais, a conclusão de que o mesmo reconheceu a sua responsabilidade, para efeitos do estatuído no n.º 2 do artigo 32.º do RGIT, nem legitima de per se a atenuação do valor da coima ab initio aplicada;
9. A ratio legis da norma convocada na sentença recorrida pressupõe, salvo melhor entendimento, que o arguido tivesse reconhecido a sua responsabilidade e, em conformidade com tal juízo, ter regularizado a sua situação tributária;
10. Ora, o arguido nunca reconheceu a sua responsabilidade; conclusão que ressalta à evidência em face do contencioso administrativo e judicial, impulsionado a montante dos presentes autos, em que o mesmo pugnou pela ilegalidade da liquidação de IMT;
11. Pelo que, a falta do aludido requisito compromete, desde logo, a possibilidade da atenuação especial da coima;
12. A decisão recorrida não se poderá manter, assim, na ordem jurídica, em face da inverificação dos pressupostos que estão na base da aplicação do n.º 2 do artigo 32.º do RGIT e do n.º 3 do artigo 18.º do RGCO, normas que resultaram vulneradas pela sentença sob recurso;
13. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá ao presente recurso ser concedido integral provimento, revogando-se a sentença recorrida, na promoção da já acostumada justiça material.

2. O Arguido contra-alegou concluindo da seguinte forma:
(a) A aplicação do regime da atenuação especial de coima, contemplado no número 2 do artigo 32.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, tem lugar nas situações em que, cumulativamente, se verifique (i) o reconhecimento da responsabilidade por parte do infrator e (ii) a regularização da sua situação tributária até à decisão do processo contraordenacional;
(b) No que respeita ao reconhecimento da responsabilidade por parte do infrator, que consubstancia o primeiro dos requisitos enunciados, a lei é omissa, nada referindo sobre as circunstâncias em que a mesma se considera verificada, sendo que a jurisprudência e a doutrina têm entendido que a sua verificação resulta dos atos e declarações que o infrator/arguido pratique no processo contraordenacional, i.e.,da conduta por si assumida;
(c) Dissecando a factualidade dada como assente nos autos, o Recorrido considera que, conforme postulado na sentença recorrida, o primeiro requisito se encontra verificado, visto que não se socorreu, no requerimento de recurso judicial por si apresentado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 80.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, de quaisquer factos ou argumentos idóneos à desresponsabilização respetiva quanto à infração perpetrada;
(d) O Recorrido limitou-se a arguir uma eventual nulidade do processo contraordenacional, em razão da falta de notificação para, assim querendo, apresentar defesa escrita, nos termos do citado artigo 70.º do Regime Geral das Infrações Tributárias - momento em que, em conformidade com a sua posição (i.e., por entender ser o responsável pela infração que lhe é imputada), poderia requerer a atenuação especial da coima que viesse a ser fixada no âmbito do referido processo -, sem pretender, de alguma forma, exonerar-se da responsabilidade que sobre si recai e que reconhece, desde logo, porque procedeu ao pagamento da quantia devida;
(e) Não se vislumbram na alegação do Recorrido quaisquer factos que, de alguma forma, tivessem como intuito a sua desresponsabilização, esgotando-se a sua defesa na discordância quanto à não aplicação da dispensa da coima, nunca contrariando a prática da infração, mas apenas procurando que o pagamento espontâneo do imposto seja considerado como atenuante;
(f) O Recorrido procedeu, inclusive, ao pagamento espontâneo dos juros (compensatórios e moratórios) devidos, considerando-se justamente sancionado por essa via, uma vez que em causa está a sanção pela não pontualidade na entrega do imposto em falta nos cofres do Estado;
(g) Não obstante o Recorrido tenha, efetivamente, procedido à apresentação de reclamação graciosa, recurso hierárquico e, posteriormente, ação administrativa especial, tendo em vista a discussão da legalidade da liquidação de IMT em causa - direitos e garantias que lhe são asseguradas pelo ordenamento jurídico-tributário, em consagração de todos os princípios constitucionais de defesa e de tutela efetiva -, a verdade é que após ser confrontado com a decisão proferida no âmbito daquela última, o Recorrido conformou-se com a mesma, reconhecendo a sua falta e, consequentemente, aceitando a liquidação de imposto, que entende ser devido, nos termos legais;
(h) Atendendo a que, na sequência da referida decisão judicial - a qual obteve total assentimento do Recorrido, que da mesma não recorreu -, o mesmo procedeu ao pagamento do referido imposto em 24 de setembro de 2019, ou seja, muito antes da notificação do despacho de fixação da coima recorrido, é manifesto que se encontra preenchido o primeiro dos requisitos a que alude o número 2 do artigo 32.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, bem como, naturalmente, o segundo requisito aí previsto, por ter ocorrido a regularização da sua situação tributária;
(i) O Recorrido entende que não resulta, de modo algum, da norma que consagra a atenuação especial de coima, que o facto de o infrator ter recorrido a um meio tutelar para discussão da legalidade da liquidação de imposto quando, após o termo do processo (in casu, por via do trânsito julgado da decisão judicial que declarou conforme com a lei o ato de liquidação em causa), o Recorrido se conformou com a mesma e, em consequência, reconhece a sua responsabilidade no cometimento de uma infração tributária - nunca colocando em causa que a coima é devida -, limitando-se a fazer uso de um instituto legalmente previsto, no qual se enquadra, e que, nessa medida, deve ser aplicado, contende com a verificação do primeiro requisito previsto no número 2 do artigo 32.º do Regime Geral das Infrações Tributária;
(j) Verificam-se, pois, reunidos os pressupostos ínsitos ao número 2 do artigo 32.º do Regime Jurídico das Infrações Tributárias, para que possa operar a atenuação especial da coima aplicada ao Recorrido, nos termos fixados pelo Tribunal a quo, concluindo-se que a sentença recorrida analisou de forma correta a questão que lhe foi colocada a escrutínio e, nessa medida, não merece qualquer censura, devendo ser mantida na íntegra na ordem jurídica, improcedendo o recurso interposto pela Fazenda Pública e, em consequência, ser o limite mínimo da coima aplicada reduzido para metade, nos termos do disposto no número 3 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, que institui o ilícito de mera ordenação social e respetivo processo, aplicável por força do disposto na alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infrações Tributárias.
Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deverá o presente recurso ser dado como improcedente, por não provado e, em consequência, manter-se válida na ordem jurídica a sentença proferida pelo Tribunal a quo, tudo com as legais consequências.

1.3. A excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer que se transcreve (parcialmente):
(…)
Considerou o tribunal a quo que, como resulta dos factos provados, o A….. foi notificado em 23 de Julho de 2009 (cf. supra 4.), no processo de contra-ordenação, da punição em que incorria, comunicando-lhe, também, que no prazo de 10 dias, podia apresentar defesa e juntar ao processo os elementos probatórios que entendesse, bem como utilizar a possibilidade de pagamento antecipado da coima, notificação que foi levada a efeito em cumprimento do art.º 70.º do RGIT.
O A…… pediu a suspensão do processo de contra-ordenação mas, tal suspensão não foi ordenada nem decorria de qualquer facto como a Reclamação Graciosa, o Recurso hierárquico ou a propositura da acção administrativa especial, sendo que a decisão nesta proferida veio confirmar que era devido o montante de IMT cuja omissão esteve na base da instauração do processo de contra-ordenação no âmbito do qual foi aplicada a coima aqui questionada de € 10.239,84, especialmente atenuada pelo tribunal a quo para metade (€ 5.119,92).
O art.º 32.º n.º 2 do RGIT, ao tempo (e ainda hoje) em vigor, estabelecia sobre a “dispensa e atenuação especial das coimas”:
“2 - Independentemente do disposto no n.º 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo.”
Como se reconheceu na sentença recorrida, a circunstância de o processo de contra-ordenação não ter sido suspenso não deu origem a qualquer nulidade processual.
Desde já adiantamos que, segundo o nosso entendimento e salvo melhor opinião, à recorrente assiste razão.
De entre o mais, insurge-se a recorrente contra o facto de o tribunal a quo ter considerado que o A….., infractor, reconheceu a sua responsabilidade e regularizou a situação tributária até à decisão do processo, uma vez que procedeu ao pagamento do IMT devido acrescido dos respectivos juros no montante de € 93.458,49, em 24 de Setembro de 2019 e que a coima lhe foi aplicada em 28/2/2020 e notificada em 6/3/2020, concluindo que ocorreu reconhecimento de responsabilidade e regularização da situação tributária antes da decisão recorrida.
Ora, como defende a AT nas suas alegações, não pode, no caso concreto, dar-se como verificado o referido requisito de “reconhecimento de responsabilidade” uma vez que o pagamento ocorreu, apenas, depois do trânsito em julgado da decisão de 28 de Fevereiro de 2018 proferida no processo n.º 2497/10.1BEPRT que confirmou ser devido o IMT ali em análise, bem como o respectivo montante.
Efectivamente concordamos com a AT ao defender que o A….. não actuou por forma a demonstrar o reconhecimento da sua responsabilidade, mas, ao invés, sempre actuou não se conformando com a liquidação de IMT em causa e, consequentemente, com o Processo de contra-ordenação (PCO) instaurado; na verdade o A….. reclamou graciosamente, recorreu hierarquicamente e propôs acção administrativa especial pugnando precisamente pela inexigibilidade do pagamento do referido imposto, esgotando todos os meios processuais que tinha ao seu dispor e só depois procedeu ao pagamento devido. Não podia, assim, o Tribunal a quo, em face da factualidade provada, subsumir a verificação do apontado requisito, sendo que a regularização da dívida, por si só, não equivale àquele reconhecimento.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte no processo n.º 02267/15.0BEPRT, “I - A atenuação especial da coima prevista no n.º 2 do artigo 32.º do RGIT exige a verificação cumulativa de dois pressupostos: o reconhecimento, por parte do infractor, da sua responsabilidade e a regularização da situação tributária até à decisão do processo. II - Não preenche o requisito de reconhecimento da sua responsabilidade o infractor que no recurso desenvolve a sua argumentação e conclui pelo carácter indevido da coima. III - A lei não indica os modos por que poderá demonstrar-se a verificação deste pressuposto “reconhecimento da responsabilidade”, mas, na doutrina, sobre este conceito, entendeu-se que esse requisito poderá ser tido como evidenciado: “a partir dos actos e declarações que o arguido pratique no processo e da conduta que com elas evidencie concretamente assumir. …”.
Aliás, ao A…., infractor não restava então outra alternativa que não fosse o pagamento, sob pena de ver executada a decisão proferida.
Como se vê e resulta do exposto, o tribunal a quo não decidiu correctamente e com respeito pela lei aplicável e vigente, cometendo erro de julgamento ao considerar verificado o requisito exigido como mencionado.
Sendo assim e nesta perspectiva entendemos que deve conceder-se provimento ao recurso alterando-se o decidido e mantendo o montante da coima aplicada pela AT.»

2. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido fez o seguinte julgamento da matéria de facto:
Factos provados:
1. Em 24 de Fevereiro de 2005, o Recorrente adquiriu, por escritura de dação em cumprimento, dois lotes de terreno para construção, designados por Lote … e Lote .., inscritos na matriz predial urbana da freguesia de Constantim sob os artigos … e ..., com a isenção de imposto prevista no n.º 1 do artigo 8.° do Código do IMT – cfr. decisão de aplicação de coima a fls. 26 a 27/v dos autos (doc 1 da PI);
2. Em 28 de Maio de 2009, através do Oficio n.º 3504, o Serviço de Finanças de Vila Real notificou o Recorrente para proceder ao pagamento do IMT devido pela referida aquisição, porquanto à data da aquisição já não existiam os referidos Lotes para construção, mas sim dois armazéns industriais neles construídos para os quais foi emitida licença de utilização em 18 de Junho de 1996, tendo a sua inscrição sido solicitada (pelo primitivo proprietário) em 6 de Maio de 2006 – doc 1 da PI;
3. Por não se conformar com a liquidação do IMT, o Recorrente apresentou Reclamação Graciosa e, na sequência do seu indeferimento, apresentou o competente Recurso Hierárquico, o qual também veio a ser indeferido – doc 1 da PI;
4. O Recorrente foi notificado em 23 de Julho de 2009, para, querendo, apresentar defesa verbal ou escrita, nos termos e para os efeitos do artigo 70.° do Regime Geral das Infracções Tributárias – Fls. 7 e 8 da PI;
5. Em 28 de Julho de 2009 apresentou defesa escrita, requerendo a suspensão do processo de contra ordenação - Fls. 9 a 11 e doc 1 1 da PI;
6. Na sequência do indeferimento do Recurso Hierárquico por si apresentado, o Recorrente deduziu uma Acção Administrativa Especial, que correu termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o processo n.º 2497/10.1BEPRT, a qual também veio a ser julgado improcedente, por decisão de 28 de Fevereiro de 2018 não tendo o Recorrente recorrido da decisão – doc 1 da PI;
7. Na sequência do trânsito em julgado da referida Acção Administrativa Especial, o Recorrente procedeu, em 24 de Setembro de 2019, ao pagamento do IMT devido acrescido dos respectivos juros tudo no montante de € 93.458,49 – Doc. 2 da PI;
8. Na sequência do trânsito em julgado da Acção Administrativa Especial, que correu termos junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o processo n.º 2497/10.1 BEPRT, o Recorrente não foi notificado nos termos e para os efeitos do artigo 70.º do Regime Geral das Infracções Tributárias doc 1 da PI; e, à contrário, autos;
9. Em 6 de Março 2020 o Recorrente foi notificado da decisão de fixação da coima no valor mínimo de € 10.239,84, acrescida de € 51,00 de custas processuais – Fls 26 a 29, que aqui se dão por reproduzidas.
10. No exercício económico de 2018 total de rendimentos do Recorrente ascendeu a 2.581.576.571,88€ e o volume de negócios foi de 1.512.490.378,42 – doc 1

3. Fundamentação de direito
3.1. A questão que se coloca no presente recurso é saber se o Tribunal recorrido errou ao considerar verificados os pressupostos de atenuação especial da coima previstos no artigo 32.º, n.º 2, do RGIT.

3.2. Dispunha o artigo 32.º do RGIT (ao tempo da prática da infração)
Artigo 32.º
Dispensa e atenuação especial das coimas

1 - Para além dos casos especialmente previstos na lei, pode não ser aplicada coima, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias:
a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária;
b) Estar regularizada a falta cometida;
c) A falta revelar um diminuto grau de culpa.

2 - Independentemente do disposto no n.º 1, a coima pode ser especialmente atenuada no caso de o infractor reconhecer a sua responsabilidade e regularizar a situação tributária até à decisão do processo.

Com a Lei n.º 07/2021, de 26 de fevereiro, que entrou em vigor a 01 de janeiro de 2022 (artigo 17.º, n.º 5), o artigo passou a ter a seguinte redação:
Artigo 32.º
Atenuação especial das coimas
1 - A coima pode ser especialmente atenuada a pedido do infrator, no prazo concedido para a defesa, caso este reconheça a sua responsabilidade e, no mesmo prazo, regularize a situação tributária.
2 - Quando houver lugar à atenuação especial da coima, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade, não podendo resultar um valor inferior ao que resultaria da aplicação do artigo 30.º, nem ser inferior a 25 €.
3 - Quando a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

3.3. Nos termos do artigo 32.º do RGIT, na redação em vigor ao tempo da infração e da prolação da sentença recorrida, a atenuação especial da coima dependia da verificação de dois pressupostos: i) o reconhecimento da responsabilidade por parte do infrator; ii) a regularização da situação tributária até à decisão do processo.
Estes pressupostos são cumulativos, o que significa que apenas estando os dois preenchidos, pode haver lugar à atenuação especial da coima.
E sendo eles pressupostos distintos, percebe-se que pode haver reconhecimento da responsabilidade pelo infrator, sem que haja regularização da situação tributária, assim como pode haver regularização da situação tributária sem que haja reconhecimento da responsabilidade pelo infrator. O que significa que não se pode retirar da regularização da situação tributária o reconhecimento da responsabilidade pelo infrator. Se essa fosse a intenção do legislador ter-se-ia quedado na fixação de um único pressuposto para a atenuação especial da coima, o da regularização da situação tributária, o que não aconteceu.

Se a regularização da situação tributária tem de ocorrer até à decisão do processo, naturalmente que o reconhecimento da responsabilidade pelo infrator tem de acontecer também até lá. Mas não significa isso que o arguido possa até à decisão do processo assumir posturas contraditórias nessa matéria no processo contraordenacional. Ao tomar conhecimento da instauração do processo contraordenacional, o arguido terá de assumir desde logo uma postura consentânea com esse reconhecimento.

Com a redação dada ao artigo 32.º pela Lei n.º 7/2021, de 26 de fevereiro, que entrou em vigor a 01 de janeiro de 2022, o legislador tornou claro que o reconhecimento da responsabilidade pelo infrator tem de acontecer no prazo da defesa, e é neste prazo também que tem de ser regularizada a situação tributária (e já não até à decisão do processo).

No caso em apreço, o Arguido foi notificado em 23 de julho de 2009 para apresentar defesa verbal ou escrita, nos termos do artigo 70.º do RGIT (facto provado sob o número 4) e, na sequência dessa notificação, requereu a suspensão do processo de contraordenação (facto provado sob o número 5), justificando tal pedido com o facto de ter apresentado reclamação graciosa, ao abrigo do disposto no artigo 55.º, n.º 1, alínea b), do RGIT. E da decisão da reclamação graciosa interpôs depois recurso hierárquico (facto provado sob o número 6), e em face do indeferimento do recurso, reage contenciosamente, interpondo a ação administrativa e especial (facto provado sob o número 6). Só após o trânsito em julgado da sentença proferida naquela ação, efetuou o pagamento do imposto em falta (acrescido dos respetivos juros) (facto provado sob o número 7). Ao não se conformar com a liquidação do imposto e ao contra ela reagir, primeiro graciosamente, depois contenciosamente, e com base na pendência dos processos, requerer a suspensão do processo contraordenacional, o arguido está a exercer os seus direitos conferidos pela Constituição e pela lei ordinária, mas não se pode dizer que tais atos traduzam o reconhecimento da infração imputada, antes pelo contrário. E se é certo que não interpôs recurso da sentença proferida na ação administrativa especial, a tal conduta não pode ser atribuído um outro sentido que não seja o de que o Arguido foi convencido pelo Tribunal de que não tinha razão. Ser convencido da responsabilidade é diferente de reconhecer essa mesma responsabilidade, pelo que a decisão recorrida não pode manter-se.

Em síntese, diremos:
1. Nos termos do artigo 32.º do RGIT, na redação em vigor ao tempo da infração e da prolação da sentença recorrida, a atenuação especial da coima dependia da verificação de dois pressupostos: i) o reconhecimento da responsabilidade por parte do infrator; ii) a regularização da sua situação tributária até à decisão do processo.
2. Os dois referidos pressupostos são cumulativos e distintos, não se podendo retirar da regularização da situação tributária o reconhecimento da responsabilidade pelo infrator.
3. Não reconhece a responsabilidade o arguido que notificado para apresentar defesa, requer a suspensão do processo contraordenacional com fundamento na pendência de reclamação graciosa, na qual é discutida a legalidade da liquidação subjacente à infração, e não se conformando com o seu indeferimento interpõe recurso hierárquico, terminando a litigar contenciosamente, em ação administrativa especial, que é julgada improcedente, e só após o trânsito desta sentença regulariza a situação tributária.

4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente o recurso da decisão de aplicação da coima.

Custas pelo Arguido.

Lisboa, 13 de julho de 2022. – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Joaquim Manuel Charneca Condesso.