Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0764/14
Data do Acordão:04/15/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FONSECA CARVALHO
Descritores:IMPOSTO DE SELO
VALOR PATRIMONIAL
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
PRÉDIO URBANO
IMÓVEL DESTINADO À HABITAÇÃO
Sumário:Não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, e resultando do artigo 6.° do Código do IMI - subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba n.° 28 da Tabela Geral - uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redacção da Lei n.° 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afectação habitacional. (*)
Nº Convencional:JSTA00069149
Nº do Documento:SA2201504150764
Data de Entrada:06/26/2014
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..................
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LOULÉ
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - SELO.
Legislação Nacional:TGIS2014 ART28.1.
TGIS2012 ART28.1.
CIS2012 ART67 N2.
CIMI2012 ART6 ART41 ART45 N1 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01870/13 DE 2014/04/09.; AC STA PROC048/14 DE 2014/04/09.; AC STA PROC0270/14 DE 2014/04/23.; AC STA PROC0271/14 DE 2014/04/23.; AC STA PROC0272/14 DE 2014/04/23.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

1. A………………, identificada nos autos, deduziu impugnação judicial no TAF de Loulé, contra a liquidação do imposto de selo nº. 2013 000286645, de 21.03.2013, relativa ao exercício de 2012, que apurou a colecta total de € 12.048,10, sendo a 1ª prestação no valor de € 4.016,04, sustentando duplicação de colecta e vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Naquele Tribunal foi decidido julgar procedente a presente impugnação, anulando-se o acto de liquidação do imposto de selo e determinando-se a restituição à Impugnante do valor pago, acrescido de juros indemnizatórios desde a data em que foi efectuado o pagamento, até ao integral reembolso, porquanto “(…) na redacção vigente à data da liquidação, apenas os prédios habitacionais, e não, também, os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, se encontravam abrangidos pelo âmbito de incidência objectiva da verba 28.1 da TGIS.”

2. Inconformada, a Fazenda Pública veio interpor recurso para o STA, apresentando as seguintes conclusões das suas alegações:

a) A questão decidenda é a interpretação da verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo art.º 4º da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, em articulação com o art.º 6.º n.º 1 al. f) e i) dessa mesma Lei;
b) Com a alteração introduzida pela citada Lei, o IS passou a incidir também sobre a propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo VPT constante da matriz, nos termos do CIMI, seja igual ou superior a € 1 000 000,00 (vide verba n.º 28 da TGIS);
c) No CIS não há qualquer definição sobre os conceitos de prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional, pelo que terá que se aplicar o disposto no CIMI, para aferir da eventual sujeição a IS (Cfr. art.º 67.º n.º 2 do CIS redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012);
d) O art.º 2.º n.º 1 do CIMI define o conceito de prédio e o art.º 6.º n.º 1 do CIMI dispõe acerca das espécies de prédios urbanos existentes, integrando neste conceito os terrenos para construção;
e) A noção de afectação do prédio urbano está subjacente à avaliação dos imóveis, corresponde ao valor incorporado ao imóvel em função da utilização a que está afecto, constituindo um facto de distinção determinante para efeitos de avaliação (coeficiente), porquanto;
f) Na avaliação dos terrenos para construção, o legislador optou pela aplicação da metodologia de avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes previstos no art.º 38.º do CIMI, nomeadamente, o coeficiente de afectação previsto no art.º 41.º desse código;
g) E tal resulta da imposição legal prevista no n.º 2 do art.º 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno para construção (Vide Ac. do TCA do Sul, 2012/02/14, proc. 04950/11 e Ac. do STA, 2010/02/10, proc. 01191/09);
h) Para efeitos de determinação do VPT dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, pelo que a sua consideração para efeitos de aplicação da verba n.º 28 da TGIS não pode ser “desprezada”, já que;
i) Na aplicação daquele coeficiente deve levar-se em consideração a classificação dos prédios urbanos (cfr. art.º 6.º n.º 2 do CIMI), norma que estabelece como critérios a eleger, com base nessa classificação dos prédios, em primeiro lugar, o licenciamento dos edifícios ou construções ou, na falta de licenciamento, o destino normal dos imóveis;
j) O regime de avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção está previsto no art.º 45.º do CIMI e o seu modelo é semelhante ao dos edifícios construídos, embora tenha como suporte o edifício a construir, tomando por base o respectivo projecto;
k) O valor do terreno para construção corresponde a uma expectativa jurídica, que se traduz num direito de nele se vir a construir um prédio com determinadas características e valor;
l) É essa expectativa consubstanciada na produção de uma riqueza materializada num imóvel a construir que faz aumentar o valor do património do proprietário do terreno para construção, logo que o imóvel passa a poder ser qualificado como terreno para construção;
m) O legislador, na avaliação dos terrenos para construção, separa 2 partes do terreno:
n) a parte do terreno onde vai ser implantado o edifício a construir, cuja área de implantação se situa dentro do perímetro previsto de fixação do edifício a construir no solo. A determinação do valor dessa parte do terreno resulta da avaliação do edifício a construir, como se já estivesse construído, utilizando-se para tal o projecto de construção aprovado. Efectuada essa determinação do valor, reduz-se o valor apurado a uma percentagem entre 15% e 45% (cfr. art.º 45.º n.º 2 do CIMI) devido ao prédio ainda não estar concluído;
o) e a parte do terreno adjacente à área de implantação, o valor desta parte do terreno é apurado da mesma forma que se determina o valor da área do terreno livre e da área do terreno excedente para efeitos de qualquer imóvel urbano, levando em consideração o disposto no art.º 40.º n.º 4 do CIMI;
p) Daqui ser forçoso concluir que, a utilização do coeficiente de afectação na determinação do VPT dos terrenos para construção deriva da lei, quando estabelece que o valor da área da implantação é determinado em função do valor das edificações autorizadas ou previstas, resultando tal da aplicação do sistema geral de avaliações de prédios urbanos ao projecto de construção em causa, na avaliação do valor patrimonial dos terrenos para construção;
q) Além disso, a indicação da afectação habitacional dos terrenos para construção decorre da iniciativa do contribuinte, nos termos do art.º 37.º do CIMI, ou decorre da avaliação geral, com base nos elementos fornecidos pela Câmara Municipal;
r) O entendimento da AT é que o conceito de “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28 da TGIS, compreende quer os prédios edificados quer os terrenos para construção, desde logo atendendo ao elemento literal da norma, já que;
s) O legislador não refere “prédios destinados a habitação” antes tendo optado pela noção “afectação habitacional”. Expressão diferente e mais ampla cujo sentido há-de ser encontrado na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art.º 6.º n.º 1 al. a) do CIMI;
t) Por outro lado, muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção, através do alvará de licença para a realização de operações urbanísticas e, muitas vezes, do estabelecido nos Planos Directores Municipais que estabelecem o modelo de organização espacial do território municipal;
u) Logo, contrariamente ao decidido na douta sentença, a afectação habitacional, para efeitos de aplicação da verba 28, não implica necessariamente a existência de edifícios ou construções, aplicando-se, portanto, a terrenos para construção com essa afectação;
v) Embora, a douta sentença tenha acompanhado de perto a fundamentação constante da decisão do CAAD de 2/10/2013, proc. 53/2013-T, que decidiu que um “prédio com afectação habitacional” não poderá ser apenas um prédio licenciado para habitação ou destinado a esse fim (isto é, não bastará que seja um “prédio habitacional”), tendo de ser um prédio que tenha já efectiva afectação a esse fim, consideramos que;
w) Salvo melhor opinião, tal entendimento não resulta nem do pensamento legislativo nem tem o mínimo de correspondência verbal com a letra da lei aqui em causa;
x) Por outro lado, e contrariamente ao entendimento vertido na douta sentença, a actual redacção da verba 28.1 da TGIS introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, 31/12, não vem confirmar que o âmbito objectivo de incidência da verba (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, 29/10) não abrangia os terrenos para construção, antes pelo contrário;
y) À actual redacção clarifica o elemento literal da norma e reconstitui o pensamento legislativo através da letra da lei mas não acrescenta um sentido que não tivesse já qualquer correspondência ou “ressonância” nas palavras da lei;
z) A douta sentença padece de erro de julgamento de direito, quando decidiu considerar que um terreno para construção não implica uma afectação habitacional subsumível à verba n.º 28 da TGIS, violando, assim, o disposto nos art.ºs 41.º, 45.º, 37.º e 38.º todos do CIMI, art.º 9.º n.º 1 do CC e art.º 11.º n.º 1 da LGT.
Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente revogada a douta sentença recorrida, mantendo-se a Liquidação impugnada, assim se fazendo JUSTIÇA.

3. A recorrida veio contra-alegar, concluindo da seguinte forma:

a) Alega a ora Recorrente que, a liquidação impugnada não padece de vício de violação de lei, seja do Código do Imposto de Selo ou do Código do Imposto Municipal Sobre Imóveis e que a Douta Sentença padece de erro de julgamento de direito, violando o disposto nos artigos 41º, 45º, 37.º e 38º, todos do CIMI, art.º 9.º nº1 do CC e art.º 11.º n.º 1 da LGT.
b) A ora Recorrida discorda em absoluto, considerando que bem andou o Tribunal “a quo” ao dar como provado que o prédio compropriedade da Recorrida, objeto de tributação, é um terreno para construção e que a redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10 à verba 28.1 Tabela Geral do Imposto de Selo não abrangia na sua incidência objetiva os terrenos para construção, decidindo que a liquidação de imposto de selo, objeto da impugnação, enferma de vício de violação da referida verba 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, o que justificava a declaração da sua ilegalidade e anulação.
c) A grande questão em causa é a de saber se a verba 28.1 da TGIS na redação dada pela Lei n.º 55- A/2012, de 29/10, se aplicava, ou não, a terrenos para construção.
d) Por outro lado, a orientação jurisprudência desse Douto Tribunal tem sido no sentido de que a verba 28.1 da TGIS, na sua redação originária dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, não é aplicável a terrenos para construção cfr. processos n.ºs 1870/13 e 48/14 de 9 de Abril; processos n.ºs 270/14 e 272/14 de 23 de Abril, e proc. 55/14 de 14 de Maio, este último relativamente ao prédio em apreço.
e) A verba 28 da TGIS na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, era específica, ou seja, aplicava-se a dois tipos de prédios urbanos: prédios com afectação habitacional cujo valor patrimonial tributário constante da matriz nos termos do CIMI seja igual ou superior a € 1.000.000,00 e prédios detidos por sujeitos passivos residentes em País sujeito a regime fiscal claramente mais favorável.
f) O ponto de partida para a interpretação da expressão “prédio com afetação habitacional” terá de ter em consideração não só a letra da lei, mas também a sua integração sistemática com as normas do CIMI, porquanto é este o diploma indicado como de aplicação subsidiária na Lei n.º 55-A/2012 de 29/10, e bem assim o espírito do legislador.
g) No artigo 6.º do CIMI, são identificadas as “espécies” de prédios urbanos («habitacionais; comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção; outros, como categoria residual»).
h) Do n.º 2 e n.º 3 do artigo 6.º do CIMI resulta pacificamente que existe uma diferença entre um “prédio habitacional” (edifício, construção ou destino normal) e “terreno para construção”.
i) Da leitura das Alegações e Conclusões apresentadas pela Recorrente, retira-se que a Administração Tributária, se baseia nos elementos constantes da matriz, lançando a confusão entre os conceitos, e com os quais pretende iludir o julgador, designadamente baralhando os conceitos de coeficiente de localização, coeficiente de afetação, e afetação habitacional, socorrendo-se de conceitos utilizados para determinação do Valor Patrimonial Tributário, tal como previsto no art. 41.º do C.I.M.I.
j) A jurisprudência já teve oportunidades de se pronunciar sobre os conceitos de coeficiente de localização, coeficiente de afetação, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no processo n.º 04950/11, disponível em www.dgsi.pt, a propósito das regras e critérios de avaliação dos lotes de terreno.
k) Para percebermos o que é um prédio urbano com afetação habitacional temos que considerar que um prédio urbano de espécie habitacional é um edifício ou construção para tal licenciado, ou que tenha como destino normal cada um desses fins, cfr. artigo 6º, n.º 2 C.I.M.I.; que a sua afetação é determinada nos termos do artigo 41.º C.I.M.I., e depende unicamente do tipo de utilização dos prédios edificados.
l) O Centro de Arbitragem Administrativa já teve oportunidade de se pronunciar em dois processos diferentes sobre esta matéria e em ambos concluiu que a verba 28 da TGIS na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, não se aplicava a terrenos para construção, processo n.º 49/2013-T e processo n.º 53/2013-T, disponíveis em www.caad.org.pt.
m) Como bem refere a decisão do processo n.º 53/2013-T, no que toca ao artigo 45.º do CIMI, não tem qualquer relação com a classificação de prédios, servindo apenas para indicar os fatores a ponderar na avaliação dos terrenos para construção, citando a referida decisão, “O que se pondera aí, ao fazer referência ao «edifício a construir» é a ponderação do destino do terreno, que, como se viu, é algo que, no contexto do CIMI!, não implica afectação e ocorre antes desta”, deitando assim por terra o grande argumento da ora Recorrente.
n) Para além da letra da lei, tem sempre que se ter em conta o espírito da mesma e o objetivo do legislador na sua interpretação, para se perceber a sua finalidade quando foi criada.
o) No caso da verba 28 da TGIS o espírito do legislador foi o de aplicar aos sujeitos passivos proprietários de prédios ditos de “luxo” (com valores patrimoniais tributários iguais ou superiores ao referido um milhão de euros), um imposto especial, destinado, efetivamente, a taxar o “luxo” e a refletir, em prol da comunidade, o beneficio da existência de uma acrescida capacidade contributiva do titular do imóvel.
p) No entanto, crê-se, não foi seu intuito aplicá-lo cega e indiscriminadamente, tendo tido o cuidado, por exemplo, de isentar os prédios destinados a outros fins, por exemplo, comércio, indústria ou serviços, em que o seu valor patrimonial nada espelha a nível da “capacidade contributiva”, mas, eventualmente, apenas o nível de “aptidão produtiva”, fazendo incidir o imposto somente sobre prédios destinados a habitação (com VPT acima de determinado valor e todos os prédios detidos por sociedades sedeadas nos chamados paraísos fiscais. q) A redação da verba 28.1 da TGIS, foi alterada com a Lei do Orçamento de Estado para 2014, assim, por força do disposto no artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, atualmente a sua redação é a seguinte: «28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI — 1 %» (sublinhado nosso).
r) Significa isto que, inequivocamente a verba 28.1 da TGIS passou a aplicar-se a terrenos para construção, o que vem confirmar o que a ora Recorrida sempre defendeu, e bem assim o espelhado na Douta Sentença do Tribunal “a quo”: que a verba 28.1 da TGIS na redação dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10 não incidia sobre terrenos para construção.
s) O objetivo último na criação da verba 28 da T.G.I.S., na redação original da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, e que serviu de base à liquidação que ora se impugna, era o de tributar as habitações de maior valor económico, de luxo, e não os terrenos para construção, conforme se verifica através da declaração do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no decorrer da discussão na generalidade da Proposta de Lei n.º 96/XII (2ª), conforme relato da Reunião Plenária da Assembleia da República de 10 de Outubro de 2012, publicado no Diário da Assembleia da República, 1ª série, n.° 009 (XII Legislatura, 2ª sessão Legislativa, de 11 de Outubro de 2012, pág. 32, disponível em www.parlamento.pt. (sublinhado nosso).
t) Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira ao aplicar ao terreno para construção, propriedade da ora impugnante, o previsto no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro fê-lo erroneamente porquanto o referido prédio urbano — TERRENO PARA CONSTRUÇÃO - não está abrangido pelo âmbito de aplicação objetiva da mesma.
u) A Autoridade Tributária e Aduaneira, ora Recorrente, ao aplicar ao terreno para construção, compropriedade da ora Recorrida, o previsto no artigo 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, fê-lo errónea e ilegalmente porquanto o referido prédio urbano não está abrangido pelo âmbito de aplicação objetiva da mesma.
v) Pelo supra exposto, a argumentação da Fazenda Pública não poderá proceder, devendo em consequência confirmar-se e manter-se a decisão do Tribunal “a quo”.
Nestes termos, e nos demais de Direito, deverá ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!!

4. O magistrado do Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso, de acordo com o parecer que se segue:

Recorre a Fazenda Pública da sentença do TAF de Loulé de 17.04.2014 que julgando procedente a impugnação deduzida por A…………….. anulou a liquidação impugnada.
Sobre as questões suscitadas emiti na Impugnação n.º 1870/13 o parecer que em parte se transcreve e que é do seguinte teor:
“A questão que cumpre apreciar centra-se em saber se no âmbito da incidência do imposto do seio a que se refere a verba 28 da Tabela Gemi do Imposto de Seio, aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Out., se integram ou não os “terrenos para construção” com um VPT superior a 1 milhão de euros, ou seja, se os mesmos podem ser considerados como prédios urbanos com “afetação habitacional”.
Entende-se que a resposta é negativa, em conformidade com o ponto de vista expresso na sentença recorrida e no parecer do MP da 1.ª Instância.
Com efeito, não resultando das normas relativas ao imposto de selo qualquer definição do que sejam “prédios com afectação habitacional” e estabelecendo o art. 6.º do CIMI, diploma para o qual remete o n.º 2 do art. 67.º do CIS, uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não poderão estes, sem mais, ser considerados como “prédios com afetação habitacional”, ainda que os mesmos comportem essa potencialidade futura. De resto, a expressão “prédios com afectação habitacional” imediatamente sugere uma efectiva e actual utilidade e não, como é o caso, uma realidade que se poderá concretizar ou não no futuro.
Como bem se refere na douta sentença recorrida, o conceito de “terreno para construção” «não integra necessariamente o conceito afetação habitacional», para efeitos de sujeição à verba 28.1 da Tabela do Imposto de Selo e a evolução legislativa entretanto verificada claramente sufraga esse entendimento (cfr. a alteração à verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, operada pela Lei n.º 83- C/2013, de 31 de Dez., à qual não foi atribuída carácter interpretativo”).
Nesta conformidade, concluindo como nesse parecer, pronuncio-me pela improcedência do presente recurso e, consequentemente, pela manutenção do julgado.

5. Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentos

De facto

A) A Impugnante é proprietária de 50% do terreno para construção sito em Areias de S. João, Albufeira, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Albufeira sob artigo 22761, com o valor patrimonial tributário de € 2.409.620,00 — cfr. doc. 1 junto com a p.i..
B) Relativamente ao exercício de 2012 foi efetuada, em 07.11.2012, a liquidação de Imposto de Selo nº 2012 001855702, relativa à quota-parte da Impugnante no prédio identificado em A), que apurou imposto no valor total de € 6.024,05, com data limite de pagamento de 20.12.2012, com a referência de que «a liquidação efetuada observa o disposto nas alíneas a) a f) do n.º 1 do artigo 6.º da da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de outubro» — cfr. doc. 4 junto com a p.i..
C) Em 20.12.2012 a Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação que antecede — cfr. doc. 5 junto com a p.i..
D) Ato impugnado: Relativamente ao exercício de 2012 foi efetuada, em relação ao mesmo prédio, em 21.03.2013, a liquidação de imposto de Selo n.º 2013 000286645, relativa à quota-parte da Impugnante, que apurou a coleta total de € 12.048,10, com data limite de pagamento da primeira prestação em abril de 2013 - cfr. doc. 2 junto com a petição inicial.
E) Em 29.04.2013 a Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação que antecede — cfr. doc. 3 junto com a petição inicial.
F) Em 30.07.2013 a Impugnante apresentou a presente impugnação judicial, junto do Serviço de Finanças de Albufeira — cfr. fls. 2 dos autos.

De direito:

Considerando o mº juiz “ a quo” que o terreno para construção fora objecto da incidência da norma da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo na redacção anterior à que lhe foi dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2014 incidência cuja legalidade a impugnante questionava, entendeu face aos factos dados como provados que esta norma de incidência não abrangia os terrenos para construção cuja edificação seja para habitação, pelo que a liquidação deste imposto violou essa mesma norma e, por ilegal, este acto administrativo não podia manter-se na ordem jurídica, razão pela qual o anulou.

A Fazenda Pública como se pode ver das suas alegações e conclusões de recurso sustenta que a incidência desse imposto decorre da abrangência do conceito de prédio urbano ínsita no artigo 2 nº 1 do CIMI cujas espécies o artigo 6º do mesmo diploma legal distingue e onde os terrenos para construção aparecem qualificados como sendo também prédios urbanos para efeitos do CIMI.
Refere que sendo os terrenos para construção tidos como prédios urbanos em sede IMI nada obsta que tendo presente que o conceito de prédios com afectação habitacional a que alude o disposto no verba nº 28 da TGIS compreenda também os terrenos para construção pois esse conceito não implica necessariamente a existência prévia de edifícios ou construções.
A sentença recorrida porque interpretou o disposto na verba 28 do TGIS de forma a excluir a afectação habitacional dos terrenos para construção enferma de erro de julgamento de direito pelo que deve ser revogada.

A recorrida considera que o Tribunal “a quo” fez uma correcta interpretação do disposto na verba n.28 do TGIS pelo que a sentença recorrida é de manter.

Vejamos então:

Trata-se de questão que foi já por várias vezes apreciada por esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que considerando estar em causa a interpretação da norma de incidência objectiva constante da verba 28.1 da TGIS na redacção da Lei 33-A /2012 de 29 de Outubro ou seja na redacção anterior à lei do Orçamento de Estado para 2014 que veio a integrar de modo expresso os terrenos para construção na referida verba no 28 do TGIS.
Efectivamente antes da Lei do Orçamento de Estado para 2014 os terrenos para construção não eram abrangidos directamente na verba 28 da TGIS.
E porque o legislador não tem uma definição de prédio urbano com afectação habitacional nem a lei do Orçamento para o ano de 2014 tem carácter interpretativo há que decidir da bondade da sentença recorrida e das razões do recurso.
Porque a questão tem sido objecto de múltiplas decisões desta Secção do Contencioso Tributário do STA, como se referiu anteriormente, e não se vê razão alguma para decidir diferentemente chamamos à colacção a doutrina do acórdão do STA de onde interviemos como adjunto e que passaremos a transcrever na parte que ao caso importa:

“A questão que se coloca no presente é a de saber qual o âmbito de incidência da verba nº 28.l. da Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), na redacção dada pela Lei nº 55-A/2012, de 29 de Outubro, particularmente se ela inclui terrenos para construção, ou, mais precisamente, se os terrenos para construção com valor patrimonial tribunal igual ou superior a € 1.000.000 podem subsumir-se no conceito de prédios urbanos “com afectação habitacional” a que alude a referida verba.

A sentença recorrida, julgou procedente a impugnação deduzida pela ora recorrida contra o acto de liquidação de Imposto do Selo relativo a 2012, no valor de €6.572,41,anulando-o e determinando a restituição à impugnante do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios, no entendimento de que mostrando-se provado que o prédio objecto de tributação é um terreno para construção, a liquidação enferma de vício de violação daquela verba n.º 28.1, por erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a declaração da sua ilegalidade e anulação.

Discorda do decidido a Fazenda Pública, imputando à sentença recorrida erro de julgamento por errada interpretação e aplicação da verba 28.1 da TGIS, no entendimento segundo o qual naquela norma de incidência estão abrangidos os terrenos para construção que tenham como destino definido a construção dum edifício habitacional, como alegadamente resulta da letra da lei.
A recorrida defende a manutenção do julgado recorrido

Vejamos.

Desde já se adianta que o presente recurso não merece provimento e que a sentença deve ser confirmada pelas razões que ficaram devidamente explicitadas nos acórdãos proferidos por esta Secção no dia 9 de Abril 2014, nos processos nºs 1870/13 e 48/14, e no dia 23 de Abril de 2014, nos processos nº 270/14, 271/14 e 272/14 (Sendo que nos quatro primeiros acórdãos citados o ora relator interveio como 2º Adjunto) nos quais se decidiu que os “terrenos para construção” não podem ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo prevista na Verba 28.1 (na redacção da Lei n.º 55-A/2012), como prédios urbanos com afectação habitacional.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe, por com ela continuarmos a concordar integralmente, pelo que nos limitaremos a reproduzir o que sobre a questão ficou dito no referido acórdão proferido no processo nº 1870/13:

«O conceito de “prédio (urbano) com afectação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é um função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redacção àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objectiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros), nada esclarecendo, porém, em relação às situações pretéritas (liquidações de 2012 e 2013), como a que está em causa nos presentes autos.
Ora, quanto a estas, não parece poder perfilhar-se a interpretação da recorrente, porquanto não resulta inequivocamente nem da letra, nem do espírito da lei que a intenção desta tenha sido, ab initio, a de abranger no seu âmbito de incidência objectiva os terrenos para construção para os quais tenha sido autorizada ou prevista a construção de edifícios habitacionais, como resulta hoje inequivocamente da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo.
Da letra da lei nada de inequívoco decorre, aliás, pois ela própria ao utilizar um conceito que não definiu e que também não se encontrava definido no diploma para o qual remeteu a título subsidiário prestou-se, desnecessariamente, a equívocos, em matéria – de incidência tributária - em que a certeza e a segurança jurídica deviam também ser preocupações cimeiras do legislador.
E do seu “espírito”, apreensível na exposição de motivos da proposta de lei que está na origem da Lei n.º 55-A/2012 (Proposta de Lei n.º 96/XII – 2.ª, Diário da Assembleia da República, série A, n.º 3, 21/09/2012, p. 44, disponível em www.parlamento.pt) nada mais decorre senão a preocupação de angariar novas receitas fiscais, sobre fontes de riqueza “mais poupadas” no passado à voragem do Fisco que os rendimentos do trabalho, em particular os rendimentos de capitais, mais-valias mobiliárias e a propriedade, motivos estes que nenhum contributo relevante trazem ao esclarecimento do conceito de “prédios (urbanos) com afectação habitacional”, porquanto o dão como assente, sem preocupação alguma de o esclarecer. Tal esclarecimento terá, porém, surgido - como informado na Decisão Arbitral proferida em 12 de Dezembro de 2013, no processo n.º 144/2013-T, disponível na base de dados do CAAD -, aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República daquela proposta de lei, nas palavras do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que terá referido expressamente, conforme se colhe do Diário da Assembleia da República (DAR I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32) que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” (sublinhados nossos), donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades.
O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os nºs 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).
Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redacção daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indirecta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI).
Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afectação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
Conclui-se pois, em conformidade com o decidido na sentença sob recurso que, resultando do artigo 6.º do Código do IMI uma clara distinção entre prédios urbanos “habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados como “prédios com afectação habitacional” para efeitos do disposto na verba n.º 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, na sua redacção originária, que lhe foi conferida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro». (fim de citação)
Reitera-se esta jurisprudência, uma vez que a recorrente não aduz nova fundamentação que infirme a orientação jurisprudencial supra assinalada.

Conclui-se que o recurso não merece provimento, sendo de confirmar a sentença recorrida.
A sentença ora sob recurso ao julgar procedente a impugnação fez uma interpretação de acordo com a jurisprudência exposta.

E essa interpretação é de confirmar.

DECISÃO:

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente Fazenda Pública.

Lisboa, 15 de Abril de 2015. – Fonseca Carvalho (relator) – Isabel Marques da Silva – Pedro Delgado.