Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0151/23.3BALSB
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32052
Nº do Documento:SAP202403210151/23
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

[ tramo 1 ]

A..., Lda., …, com base no estatuído pelos artigos (arts.) 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT).) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), dirigiu, ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, recurso, para uniformização de jurisprudência, da decisão (colegial), proferida no âmbito de pedido de pronúncia arbitral, formulado no processo n.º 27/2023-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (caad), que o julgou totalmente improcedente.
Imputa-lhe contradição/oposição, com os acórdãos, do STA, datados de 3 de novembro de 2010 e 30 de maio de 2012, exarados, respetivamente, nos processos (findos) n.ºs 0499/10 e 0949/11.

A recorrente (rte) alegou e concluiu: «

Questão Prévia

A) No presente recurso para uniformização de jurisprudência discutem-se duas questões de direito relativamente à isenção de IMT: (i) a isenção por celebração de contrato promessa de compra e venda de parte de um ativo no âmbito de um processo de insolvência, no qual se veio a ceder a posição contratual (cfr. n.º 2 do artigo 270.º do CIRE), e (ii) a isenção de IMT por ser comprovado que, com a cessão da posição contratual, a Recorrente não tirou qualquer vantagem ou benefício económico, nem realizou qualquer ajuste de venda (cfr. alínea g) do artigo 4.º, do CIMT).

B) A decisão arbitral, aqui, a Decisão Recorrida, está em OPOSIÇÃO, QUANTO À MESMA QUESTÃO FUNDAMENTO DE DIREITO, relativamente a duas decisões, já transitadas em julgado, ambas do Supremo Tribunal Administrativo, aqui, as Decisões Fundamento: o acórdão do STA, proc. 0949/11, de 30/15/2012, relativamente à isenção nos termos do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE (Primeira Decisão Fundamento); e acórdão do STA, proc. 0499/10, de 03/11/2010, quanto à isenção por aplicação da alínea g) do artigo 4.º do CIMT (Segunda Decisão Fundamento).

Da identificação da questão fundamental de direito:

C) Como reconhecido pela Decisão Recorrida há que abordar as duas perspetivas de isenção de IMT, primeiro pelo benefício reconhecido no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE e, num segundo momento, sem conceder, nos termos da alínea g) do art. 4.º do CIMT.

D) Estas duas normas legais foram abordadas nas Decisões Fundamento, e daí se extraem decisões que se encontram em oposição com a Decisão Recorrida, no que concerne à interpretação e aplicação da lei e ao reconhecimento da não liquidação de IMT.

E) Quanto à fundamentação legal do presente recurso, nos termos do 152.º do CPTA assenta na identidade de tema que determina a contradição entre a Decisão Recorrida e as duas Decisões Fundamento, quanto à mesma questão fundamental de direito, existindo violação de lei na Decisão Recorrida, já que nesta foi perfilhada tese em confronto e oposta às Decisões Fundamento.

F) Quanto à oposição com a Primeira Decisão Fundamento, a mesma prende-se com a interpretação do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, aplicando a Decisão Recorrida uma interpretação restritiva, em detrimento da interpretação extensiva oferecida pela Primeira Decisão Fundamento.

G) Consequência da interpretação da Primeira Decisão Fundamento, devem ser consideradas novas situações para além das que constam no texto legal, tal qual como está, devendo incluir-se atos preparatórios de “venda”, como os atos preparatórios, como o é o contrato promessa de compra e venda, no qual se cede a posição contratual de promitente adquirente.

H) No que concerne à Segunda Decisão Fundamento, a oposição com a Decisão Recorrida centra-se na não valoração da prova produzida nos autos e dada como provada pelo tribunal arbitral de que a Recorrente, com o contrato promessa de compra e venda que celebrou, e no qual cedeu a sua posição de promitente adquirente, nos termos da alínea g) do artigo 4.º do CIMT, não tirou qualquer vantagem económica (ou outra), nem realizou qualquer ajuste de venda, porquanto recebeu do promitente adquirente final o mesmo valor que tinha entregue a título de sinal ao (promitente) vendedor – a massa insolvente.

I) Concluindo-se na Segunda Decisão Fundamento que esta prova pode ser feita para além do prazo estipulado na alínea g) do artigo 4.º do CIMT e, tendo em consideração que foi dado como provado na Decisão Recorrida que, de facto, não houve qualquer vantagem para a Recorrente, deveria a presunção constante desse artigo ter sido ilidida.

J) A Decisão Recorrida considerou como provados 12 (doze) factos, para os quais se remete, dada a sua importância para a decisão final.

K) Em suma, a Recorrente celebrou um contrato promessa de compra e venda de um ativo pertencente à massa insolvente no âmbito de um processo de insolvência, tendo prestado um sinal de € 1.450.000,00.

L) Em momento anterior à celebração do contrato definitivo, a Recorrente cedeu a sua posição contratual de promitente adquirente, a uma empresa do grupo (B...), pelo mesmo valor que havia avançado a título de sinal, € 1.450.000,00, sem daí retirar qualquer lucro, ou vantagem económica.

M) Tendo a B... celebrado o contrato definitivo (pelo valor inicialmente acordado de € 7.250.000,00) e o imóvel adquirido ainda hoje se encontra na sua posse.

N) Face à matéria de facto dada como provada, conclui-se que a Decisão Recorrida aplicou uma interpretação muito restritiva do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, ao não considerar abrangida pela norma um ato preparatório de uma venda – como o é a celebração de um contrato promessa de compra e venda, ainda para mais num negócio avaliado em € 7.250.000,00.

O) E, igualmente a Decisão Recorrida não aplicou a isenção prevista na alínea g) do artigo 4.º do CIMT, não tomando em consideração a prova feita e dada como provada, de que, com a cessão da posição contratual “não houve lugar ao pagamento ou recebimento de qualquer quantia, para além da que constava como sinal ou princípio de pagamento no contrato-promessa”.

Do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE:

P) Na Primeira Decisão Fundamento reconhece-se que “O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, cuja redacção não é clara no que respeita ao âmbito da isenção de IMT aí consignada”, entendendo ser necessário recorrer a uma interpretação extensiva do texto da norma para julgar como isento de IMT “não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidade de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência”, devendo “o intérprete optar por aquele [sentido da lei] que o compatibilize com o texto constitucional (interpretação conforme à Constituição), em detrimento da interpretação que o vicie de inconstitucionalidade”.

Q) Conforme se retira da Primeira Decisão Fundamento, é necessário enveredar por uma interpretação extensiva, por no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE o legislador não conseguir prever todas as possibilidades que podem beneficiar de isenção de IMT no âmbito de processos de insolvência.

R) A Decisão Recorrida parte do pressuposto apresentado por outras decisões arbitrais que defendem a transmissão da universalidade de bens e não apenas de parte para beneficiar da isenção prevista no CIRE, o que, consequentemente, enferma a decisão final, sendo que esta questão está já ultrapassada e aceite pelo Supremo Tribunal Administrativo (como na Primeira Decisão Fundamento) no sentido de que não se exige a transmissão da universalidade dos bens – solução essa que não encontra reflexo no texto da Lei, mas que é atingível por uma interpretação extensiva.

S) Adicionalmente, como afirma a própria Decisão Recorrida “O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE deve ser visto como um desentrave à venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por razões óbvias do interesse dos credores mas também do interesse público da retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador” (…).

T) E, os atos que a Recorrente levou a cabo, mais não foram que atos preparatórios para uma venda de um bem da massa insolvente, promovendo o desentrave e a satisfação de crédito dos credores.

U) A Decisão Recorrida extrapola o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE quando refere que “O que permite concluir que, diferentemente de outras normas em que o fim prosseguido com os benefícios fiscais foi diverso, o legislador privilegiou aqui a alienação definitiva do conjunto dos ativos da empresa insolvente ou de qualquer dos seus estabelecimentos tendo em vista proteger a sua continuação e a sua laboração noutra atividade” (…).

V) Contrariando a Primeira Decisão Fundamento que sustenta que “deve entender-se estarem isentas de IMT não apenas as vendas da empresa ou estabelecimentos desta, enquanto universalidades de bens, mas também as vendas de elementos do seu activo, desde que integradas no âmbito de plano de insolvência ou de pagamentos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

W) Um entendimento no sentido proposto pela Decisão Recorrida, e contrário à Primeira Decisão Fundamento, implicaria a condenação por parte do CIRE de negócios celebrados no âmbito de processos de insolvência à insegurança jurídica decorrente da impossibilidade (i.e., da impossibilidade), de recorrer a instrumentos jurídicos que permitam a preparação adequada do negócio translativo final.

X) O conceito de “venda” presente no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE abrange não só a venda, como os negócios preparatórios para efeitos de equiparação e benefício de isenção de IMT quando celebrados no âmbito de processos de insolvência.

Y) Pelo que, deverá ser revertida a Decisão Recorrida, por oposição com a Primeira Decisão Fundamento, julgando-se procedente a isenção de IMT nos termos do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, por celebração de atos preparatórios à venda de bens da massa insolvente

Da alínea g) do artigo 4.º do CIMT:

Z) Após a celebração do contrato promessa, em cumprimento da estratégia operacional do grupo a que pertence a Recorrente e a B..., que viria a suceder como promitente adquirente, que a Decisão Fundamento deu como provada, em 23 de novembro de 2018 a Recorrente cedeu a sua posição, tendo recebido, por esse facto, exatamente o mesmo valor que havia entregue a título de sinal e princípio de pagamento, € 1.450.000,00.

AA) Sendo que o imóvel adquirido, continua na posse da B..., que partilha o beneficiário efetivo com a Recorrente, o que demonstra que a intenção do grupo económico era mesmo a de adquirir o imóvel da massa insolvente.

BB) Com a cessão da posição contratual a Recorrente não celebrou nenhum ajuste de venda nem tirou qualquer partido ou benefício económico, ou outro, cumprindo os requisitos exigidos pela alínea g) do artigo 4.º do CIMT.

CC) Ao não ter considerada ilidida a presunção constante da alínea g) do artigo 4.º do CIMT, a Decisão Recorrida não valorou os factos que deu como provados e não permitiu à Recorrente fazer prova de que não tirou qualquer proveito com a cessão da posição contratual, opondo-se à Segunda Decisão Fundamento “sendo a situação em apreço uma daquelas que bule com a incidência tributária, há que dar à parte desfavorecida com esta presunção a possibilidade de a ilidir, mediante prova em contrário face ao disposto no n.º 2 do artigo 350.º do C.Civil.), o sujeito passivo terá de provar que, não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu entre si e este qualquer ajuste de revenda” “Isto sem embargo de ele poder demonstrar, logo no procedimento tributário ou posteriormente, no meio impugnatório dirigido contra o acto de liquidação, que não obstante a celebração da escritura do promitente vendedor com terceiro, não existiu qualquer ajuste de revenda, esclarecendo as razões que o levaram à cessão da posição contratual, afastando, por essa via, a existência da presunção de tradição jurídica e de transmissão para efeitos de liquidação do imposto” (…).

DD) Motivo pelo qual face à matéria de facto dada como provada, deverá ser dada como ilidida a presunção e reconhecido que inexistiu qualquer pagamento ou recebimento de qualquer quantia para além daquela que a Recorrente entregou a título de sinal e início de pagamento – o montante de € 1.450.000,00.

TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE ESTE TRIBUNAL SUPERIOR DOUTAMENTE SUPRIRÁ, SE REQUER:

1. A admissão do presente recurso e a prolação de douto Acórdão para Uniformização de Jurisprudência, em conformidade com a superior interpretação e aplicação das normas do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e do Código do IMT, em termos consonantes com os das DECISÕES FUNDAMENTO;

2. A declaração de anulação da douta DECISÃO RECORRIDA, proferida no processo n.º 27/2023-T do tribunal arbitral a funcionar junto do CAAD, substituindo-a por acórdão deste Tribunal Superior, dando provimento ao pedido deduzido naquele processo pela Recorrente, de anulação da liquidação de IMT, constante do Ofício n.º ...97, de 14/09/2022, no valor global, incluindo juros indemnizatórios de € 86.246,25 (oitenta e seis mil, duzentos e quarenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos) e, bem assim, que seja levantada a garantia bancária constituída a garantir o pagamento de IMT no caso de condenação.

ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA


*

Por despacho do relator, foi o recurso admitido com efeito suspensivo, nos termos do art. 26.º n.º 1 do RJAMT.

*

A recorrida [ autoridade tributária e aduaneira (AT) ] contra-alegou e formulou estas conclusões: «

I. São requisitos de admissibilidade do recurso por uniformização de jurisprudência; a) a existência de contradição entre um acórdão arbitral com outra decisão arbitral ou acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.; b) o trânsito em julgado do acórdão fundamento; c) a existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; e, d) desconformidade entre a orientação perfilhada no acórdão impugnado e a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA;

II. Relativamente àquilo em que se deve concretizar a “questão fundamental de direito” afigura-se essencial a existência de identidade da questão de direito sobre a qual se debruçaram os acórdãos em confronto, que tem subjacente a identidade dos respectivos pressupostos de facto e, ainda, que a oposição decorra de decisões expressas e não meramente implícitas.

III. O recurso apresentado falha na verificação de qualquer destes pressupostos.

IV. No caso concreto, não há ainda similitude de factos, conforme se depreende do ponto IV.1, referente aos «factos dados como provados», constante da douta decisão arbitral, ora recorrida.

V. Logo, as situações de facto não podem ser analisadas à luz do recurso para uniformização de jurisprudência.

VI. Conforme se demonstrou não existe oposição ou contradição entre a Decisão Arbitral Recorrida e os Acórdãos Fundamento, por não se verificar identidade das situações de facto, nem identidade quanto à questão fundamental de direito

VII. Competia ao Tribunal a quo apreciar e decidir se a lei foi corretamente aplicada no caso concreto, não lhe competindo fiscalizar e apreciar o grau de uniformidade de aplicação da lei pela AT no universo de casos mais ou menos semelhantes entre si.

VIII. E entendeu bem o Tribunal a quo, pelo exposto, que não existe, no caso sub judice, qualquer violação da lei.

IX. Concluindo a douta decisão arbitral, e bem, pela correta interpretação e aplicação pela Requerida dos preceitos legais sub judice, o que determinou a improcedência total do pedido de pronúncia arbitral.

X. Face ao exposto, carece de sentido o alegado pelo Recorrente, carecendo igualmente de efeito útil o presente recurso.

Nestes termos, e nos mais de direito, peticiona-se pela improcedência do pedido apresentado pelo Recorrente, desde logo porque se não encontram reunidos os requisitos que permitem a admissão do recurso para efeitos de uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 152.º do CPTA.

Caso assim não se entenda, deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, com todas as devidas consequências legais. »


*

O Exmo. magistrado do Ministério Público, notificado, emitiu pronúncia, nos termos e para os efeitos do art. 146.º n.º 1 do CPTA, defendendo que: «

(…).

1.9 Afigura-se-nos, assim, que não se mostram reunidos os requisitos para a prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência, atento que no que respeita à aplicação da isenção prevista no nº 2 do artigo 270º do CIRE, a factualidade relevante não é similar na decisão recorrida e no acórdão fundamento, e no que respeita à exclusão da tributação prevista na alínea g) do artigo 4º do CIMT, na decisão recorrida não houve pronuncia expressa por parte do tribunal arbitral.

1.10 Em face do exposto, entendemos que não deve tomar-se conhecimento do recurso. »


*******

[ tramo 2 ]

A decisão arbitral recorrida efetuou julgamento factual, da forma que se transcreve (na parte relevante): «

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

a) O grupo económico ao qual pertence a Requerente tomou conhecimento de uma oportunidade de negócio, que consistia na aquisição de um Imóvel, denominado de Herdade ..., sito em ..., no distrito de Beja, no âmbito do processo de insolvência n.º 16/13...., que correu termos na Secção Única do Tribunal Judicial de Moura que, por sentença de 22/02/2013 transitada em julgado, declarou insolvente a sociedade comercial C..., S.A. (a “Massa Insolvente”).

b) Por força da situação da Massa Insolvente, e inserida na estratégia operacional do grupo económico onde se insere a Requerente, as condições do negócio eram do seu interesse,

c) Ao qual acrescia ainda o facto de a situação de insolvência permitir beneficiar da isenção de IMT prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.

d) Tendo em vista a mencionada aquisição, e não obstante o grupo económico onde se insere a Requerente pretender que tal aquisição fosse concretizada pela sociedade comercial B..., esta última não disponha, à data, de condições financeiras para a celebração do Contrato-Promessa de Compra e Venda e pagamento da quantia estipulada a título de sinal e princípio de pagamento,

e) Motivo pelo qual, aliado à pressão exercida pelo Administrador de Insolvência para a concretização da operação com celeridade sob pena de perda do negócio, o grupo económico onde se insere a Requerente teve de decidir rapidamente através de que sociedade comercial seria, ab initio, concretizado o negócio.

f) Ora, nesse contexto, a Requerente era a empresa do grupo que, naquele momento, tinha disponibilidade financeira imediata para avançar com o negócio, motivo pelo qual, em 12 de outubro de 2018, celebrou com a Massa Insolvente o Contrato Promessa de Compra e Venda de Imóveis, já junto como documento 2, e por essa razão, foi previsto no Contrato a possibilidade de cedência da sua posição contratual no Contrato-Promessa.

g) O preço acordado para a celebração do contrato definitivo foi de € 7.250.000,00 (sete milhões, duzentos e cinquenta mil euros), tendo a Requerente, na data de celebração do Contrato-Promessa e em virtude da sua disponibilidade financeira, pago à Massa Insolvente a quantia de € 1.450.000,00 (um milhão, quatrocentos e cinquenta mil euros), a título de sinal e princípio de pagamento.

h) Após a celebração do Contrato-Promessa, em cumprimento da estratégia operacional definida dentro do grupo económico e melhor referida no ponto 11.º da presente peça processual, a Requerente cedeu, em 23 de novembro de 2018, a sua posição contratual de promitente adquirente no Contrato-Promessa à B..., empresa que integra o mesmo grupo económico da Requerente – cfr. documento 4 que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.

i) De facto, à data da operação, a Requerente era, e continua a ser na presente data, detida a 100% (cem por cento) pela sociedade comercial de direito neerlandês D..., B.V., titular do número de identificação de pessoa coletiva português ...70 – cfr. Dep. 869/2016-11-10 e Dep. 870/2016-11-10 constantes da certidão comercial da Requerente que se junta como documento 5, e que aqui se dá por integralmente reproduzido.

j) Por sua vez, à data da operação, a B... era detida a 100% (cem por cento) pela sociedade comercial de direito neerlandês E..., B.V., titular do número de identificação de pessoa coletiva português ...60, que, por sua vez, era detida a 100% pela já referida D..., B.V. – cfr. Declaração inicial de beneficiário efetivo da B... datada de 26.04.2019 que se junta como documento 6, bem como a declaração inicial de beneficiário efetivo da E..., B.V. datada de 20.04.2020 que se junta como documento 7 e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.

k) Acresce ainda que, à data da operação e na presente data, a Requerente e a B... têm o mesmo beneficiário efetivo – cfr. documento 6 já junto e declaração inicial de beneficiário efetivo da Requerente datada de 26.04.2019 que se junta como documento 8 e que aqui se dá por integralmente reproduzido,

l) O qual, nessa mesma data, fazia parte integrante do órgão de administração de ambas as entidades – cfr. Insc. 1 – Ap. ...218 e Av.2 - Ap ...118, ... constantes da certidão comercial da Requerente já junta como documento 5 e Insc. 19 – Ap. ...30 constante da certidão comercial da B... que se junta como documento 9, e que aqui se dá por integralmente reproduzido. »

No acórdão fundamento (de 3 de novembro de 2010 (0499/10)), identificado, pela rte, como “Segunda Decisão Fundamento”, consta: «

6 – Matéria de facto

Na sentença do Tribunal Tributário de Lisboa objecto do presente recurso foram dados como provados os seguintes factos:

1 – Por ofício de 20/02/04, do Serviço de Finanças de Lisboa 7, foi o ora impugnante notificado da liquidação adicional de SISA no valor de € 19.752,40 (a que acrescem € 1.258,20 de juros compensatórios), respeitante ao “contrato de cessão da posição contratual celebrado em 2/10/02, pelo valor de € 197.523,97”, do prédio urbano correspondente à fracção autónoma …, apartamento …, do prédio sito na Rua …,Quinta …, Caselas, inscrito na matriz da Freguesia de São Francisco Xavier, sob o artigo 1079, com o valor patrimonial de € 144.475,50 – cfr. doc de fls. 10 dos autos;

2 – A notificação da liquidação, para além dos elementos referidos, foi acompanhada de nota demonstrativa da liquidação, da indicação do prazo de pagamento, do início da contagem de juros de mora e dos prazos e meios de contestação da liquidação comunicada – cfr. fls. 10 e 11 dos autos;

3 – A liquidação de SISA resultou de acção inspectiva levada a efeito pelos Serviços de Inspecção Tributária, da Direcção de Finanças de Lisboa, no termo da qual foi elaborado o relatório de fls. 13 a 19 dos autos;

4 – Sob a epígrafe DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL, pode ler-se no relatório o seguinte:

(…)

Situação de facto:

Que o sujeito passivo celebrou com a empresa B…, Lda. com o NIPC …, um contrato de promessa de compra e venda de uma fracção autónoma, designada pelas letras “…” que constitui Apartamento …, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …– Caselas, em Lisboa, inscrito na matriz sob o artigo 1079, com o valor patrimonial de sendo o preço acordado de 197.523,97€. No entanto, pelo mesmo preço, viria a ceder a sua posição a C…, Lda., com o NIF.…, conforme Contrato de Cessão de Posição Contratual de 02/10/2002, o que configura um ajuste de revenda, dado que foi celebrada a escritura entre o primitivo promitente vendedor e este. Assim, e por força do § 2º do Artigo 2º do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, deveria ter solicitado o pagamento da sisa devida, no Serviço de Finanças referido no artigo 46º e no prazo referido no Artigo 115º, nº 4, todos do mesmo Código, o que não fez em devido tempo, nem até à presente data.

Valor sujeito a sisa - € 197.523,97

Taxa 10%

Parcela a abater 0

Imposto € 19.752,40

(…)”.

5 – Em 1/9/1999 foi celebrado entre a B… Lda e o ora impugnante, um contrato promessa de compra e venda, através do qual a B… prometeu vender, e o impugnante prometeu comprar, a fracção autónoma que viera corresponder à habitação tipo …” A, apartamento n.º …, correspondente ao …º andar Direito do Edifício … (com 2 lugares de estacionamento, com os números … e … na cave H-3, e uma arrecadação na Cave H-3, com o número …), a construir no imóvel denominado “Quinta …”, sito na Freguesia de São Francisco Xavier, em Lisboa, pelo preço de 39.600.000$00 – cfr. fls. 20 a 27 dos autos;

6 – No artigo 10 do “supra” referido contrato promessa foi estabelecido que (cfr. fls. 20 a 27 dos autos):

A posição contratual e os direitos previstos no presente contrato podem ser cedidos ou transferidos pelo PROMITENTE COMPRADOR, até 30 dias antes da escritura definitiva de compra e venda e processar-se-á do seguinte modo:

a) O PROMITENTE COMPRADOR deverá comunicar por escrito à PROMITENTE VENDEDORA a sua intenção de ceder a posição contratual no presente contrato, bem como a indicação da entidade que lhe sucederá no mesmo;

b) No prazo de 10 (dez) dias úteis a contar da data da recepção da comunicação referida no número anterior, a PROMITENTE VENDEDORA, após aceite a cessão, elaborará o correspondente Contrato de Cessão da Posição Contratual, a favor da entidade que viera ser indicada, o qual será assinado por todas as partes envolvidas, no qual esta última assumirá, expressamente, a obrigação de cumprir com todas as cláusulas e condições que tiverem sido contratualmente acordadas, entre a PROMITENTE VENDEDORA e o PROMITENTE COMPRADOR;

7 – Em 2/10/02, o ora impugnante, A…, a sociedade C…, Lda e a sociedade B…, Lda celebraram um contrato de cessão de posição contratual, através do qual o ora impugnante cedeu à C…, Lda a sua posição contratual no contrato promessa m.i. no ponto 5 “supra”, tendo a B… prestado o seu consentimento à cessão da posição acordada – cfr. fls. 29 dos autos;

8 – Em 12/12/02 foi celebrada, entre a B… Lda e C…, Lda, escritura pública de compra e venda da fracção autónoma designada pelas letras“…”, correspondente ao …, Dtº, apartamento …, do Bloco …,destinado à habitação, com dois lugares de estacionamento identificados com os números … e … e uma arrecadação com o número…, localizados na cave, do prédio urbano sito na Rua …, Quinta …, Caselas, concelho de Lisboa, descrito na 3ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 614, freguesia da Ajuda, registado a favor da sociedade vendedora, pela inscrição G, apresentação dezoito de 9 de Junho de 1999, submetido ao Regime de Propriedade Horizontal pela inscrição F apresentação treze de 6 de Junho de 2002, inscrito na matriz da freguesia de S. Francisco Xavier sob o artigo 1.079, pelo preço de € 197.523,97 – cfr. fls. 31 a 38 dos autos. »

E, no acórdão fundamento (de 30 de maio de 2012 (0949/11)), rotulado, pela rte, de “Primeira Decisão Fundamento”: «

5 – Matéria de facto

Na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada objecto de recurso foram dados como provados os seguintes factos (que vão por nós numerados):

1 – No âmbito do processo de insolvência n.º 2096/08.8TBPDL, a correr no 5º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada, o impugnante comprou, em fase de liquidação do activo, o prédio inscrito sob o artº 379 da matriz predial urbana da freguesia de São Sebastião, Ponta Delgada.

2 – Requereu isenção de imposto municipal sobre transacções (sic), o que foi indeferido, por despacho proferido a 21 de Fevereiro de 2011.

3 – A liquidação impugnada é relativa a essa aquisição e foi efectuada em obediência a esse despacho. »


***

Não obstante, ter sido, em despacho liminar, admitido, pelo relator, o presente recurso para uniformização de jurisprudência, impõe-se, aqui e agora, com a intervenção de todos os Exmos. Conselheiros, da Secção, que se avalie e julgue, em definitivo, dos pressupostos da sua admissibilidade/continuidade.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal (Desde logo e em primeira linha, pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário.) é, há muito, perentória, na afirmação de que o reconhecimento da ocorrência de oposição/contradição entre dois acórdãos, para efeitos deste tipo de apelo, pressupõe a verificação, cumulativa, das seguintes condições/requisitos:

- a existência de contradição entre os acórdãos recorrido e fundamento, sobre a mesma questão fundamental de direito;

- não ocorrer a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.

Adicionalmente, quanto à primeira (para estarmos diante da mesma questão fundamental de direito), impõe-se, também, em cumulação, avaliar e concluir, ainda:

- pela identidade substancial (essencial) das situações factuais envolvidas e versadas;

- que não haja ocorrido alteração substancial na regulamentação jurídica aplicável;

- pelo perfilhamento de solução oposta nos arestos em confronto e que essa oposição decorra de decisões expressas, ou seja, exige-se uma contradição decisória.

Nesta avaliação pluridimensional e, por isso, complexa, casuisticamente, não podemos deixar de atentar, com particular ênfase, relativamente à solução oposta, no percurso cognoscitivo trilhado pelo julgador/decisor, com o objetivo, primordial, de determinar, verificar da utilização de, eventuais, razões, subjetivas, condicionantes, só por si, do resultado preconizado, sem olvidar que o desiderato deste recurso (extraordinário) é impedir o tratamento diferente de casos iguais, não colher e postular uniformidade na interpretação da lei.

Reconfirmado o preenchimento das exigências formais de admissibilidade deste recurso (versadas no aludido despacho inicial), impõe-se avançar e indagar do cumprimento, acumulado, das demais condições/requisitos, substanciais, vindos de elencar.

Segundo a rte, são duas as questões de direito contraditoriamente tratadas pela decisão recorrida versus acórdãos fundamento; em concreto (Ver, conclusão A).): «

(i) a isenção por celebração de contrato promessa de compra e venda de parte de um ativo no âmbito de um processo de insolvência, no qual se veio a ceder a posição contratual (cfr. n.º 2 do artigo 270.º do CIRE), e

(ii) a isenção de IMT por ser comprovado que, com a cessão da posição contratual, a Recorrente não tirou qualquer vantagem ou benefício económico, nem realizou qualquer ajuste de venda (cfr. alínea g) do artigo 4.º, do CIMT). »

Pela mesma ordem, conhecendo, quanto à primeira, desde logo, da comparação, em extensão e conteúdo, entre a factualidade provada da decisão arbitral recorrida e do acórdão, do STA, de 30 de maio de 2012 (0949/11)) [Primeira Decisão Fundamento], emerge a conclusão pela ausência de identidade, no essencial, com destaque, por relevante, para que, naquela, se versou situação de celebração de contrato-promessa de compra e venda de imóveis e sequente cessão da posição contratual do promitente adquirente – alíneas (als.) f) e h) do rol de factos provados, enquanto, neste, foi tratado caso de compra de um prédio urbano – ponto 1.

Acresce, versada a fundamentação de direito, apoiante do sentido decisório do acórdão arbitral sob recurso, resultar inequívoco o efeito determinante e decisivo da circunstância, privativa, vinda de isolar, como relevante. Aí, se expressou (Com sombreados, da nossa responsabilidade.): «

(…).

Está em causa na presente impugnação a interpretação conjugada do disposto no n.º 3 do artigo 2.º e da alínea g) do artigo 4.º, ambos do Código do IMT (CIMT) e no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, sendo que a Requerente entende que, tratando-se de uma operação concretizada no âmbito de um processo de insolvência e mesmo havendo lugar à cessão da posição contratual do promitente adquirente, toda a operação deverá beneficiar da isenção de IMT concedida pelo n.º 2 do art. 270.º do CIRE.

(…).

Diz o n.º 2 do artigo 270.º do CIRE que “estão isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente”.

Desde logo haverá que ter em conta que o conteúdo e alcance das expressões que nesta norma se referem à sua componente tributária, conexa com o imposto sobre as transmissões de bens imóveis, devem ser procurados à luz das normas de incidência do respetivo Código (CIMT).

Ora, uma das regras gerais de incidência do CIMT é a de que havendo a transmissão efetiva, material, de um prédio, no sentido em que o mesmo seja transferido entre dois patrimónios juridicamente autónomos, mediante o pagamento de um preço, deixa de ser tão relevante a denominação que possa atribuir-se à operação ou ao título translativo utilizado, tanto podendo ocorrer no âmbito de um contrato de compra e venda formalizado nos termos da lei civil, através de um contrato promessa com tradição dos bens, através de uma procuração irrevogável, de uma cedência de posição contratual, através de uma permuta, de uma dação em pagamento, de uma operação de cisão ou fusão de sociedades, de aquisição de partes sociais ou de quotas de determinadas sociedades titulares de bens imóveis quando algum sócio fique a dispor de 75% do capital social, de cessão de partes sociais ou de quotas de sociedades civis na parte em que haja sócios a adquirir comunhão de imóveis, entre outras transmissões previstas nas normas de incidência daquele Código (vd. artigos 1.º a 3.º do CIMT).

Muitas vezes, quer a linguagem doutrinária, quer a jurisprudência e até as normas avulso, mormente as que tipificam benefícios fiscais, refletem esta variedade de transmissões reais ou ficcionadas, utilizando indistintamente, e às vezes até com alguma redundância e falta de rigor, diversas denominações como, por exemplo, venda, alienação, compra e venda, permuta, cessão, tudo expressões que visam captar os vários tipos de transmissão fiscal sujeita a IMT (vd., entre outras publicações, Os Impostos sobre o Património Imobiliário, anotações aos artigos 1.º a 3.º do CIMT, por J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, publicação Engifisco).

É o que se passa no preceito em análise que utiliza as expressões “venda”, “permuta” e “cessão” sem fazer qualquer distinção entre cada uma delas, sem as enquadrar nem referenciar às situações de incidência do CIMT e também sem esgotar as diversas formas translativas previstas no Código que podem operar transmissões sujeitas a este imposto, razões que, entre outras, terão levado os acórdãos supra analisados a fazer referências à pouca clareza, à falta de rigor e à ambiguidade com que a norma em causa é redigida.

Podendo mesmo afirmar-se que o legislador do CIRE, inseguro quanto à melhor expressão que deveria utilizar para tipificar as realidades que pretendia abranger pela isenção do citado n.º 2 do artigo 270.º, em vez de uma utilizou três expressões esperando que assim correria menor risco de falhar o efeito pretendido.

Para terminar a análise desta componente literal da norma em causa não podemos deixar de assinalar que os termos de vender, permutar e ceder são todos eles verbos transitivos e, sendo assim, a referência à empresa ou estabelecimentos desta surge como complemento direto dos referidos verbos.

No entanto o elemento literal não é suficiente, pois há que separar a norma de incidência de IMT e os benefícios fiscais criados neste imposto. Assim, para se atingir o verdadeiro sentido e alcance de uma norma devem ser considerados outros elementos interpretativos, como seja, o elemento racional ou lógico, o elemento sistemático e o elemento histórico (vd. Manuel de Andrade, in Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 8.ª Edição, Arménio Amado-Editor, Coimbra 1978).

Em termos do elemento racional deve considerar-se que toda e qualquer norma foi criada com uma determinada finalidade e que, consequentemente, deve ser entendida no sentido que melhor responda ao resultado que se pretendeu alcançar.

O n.º 2 do artigo 270.º do CIRE deve ser visto como um desentrave e apoio à venda rápida dos bens que integram a massa insolvente por óbvias razões do interesse dos mas também do interesse público da retoma do normal funcionamento do mundo empresarial em que cada processo de insolvência se apresenta como elemento perturbador.

Não se discordando que possa atribuir-se esta finalidade à norma em apreço, a verdade é que esta finalidade não deixa de estar presente se se considerar que a mesma abrange apenas a transmissão da empresa como um todo ou a transmissão de um determinado estabelecimento da mesma, na vertente de venda, permuta ou cessão, não abrangendo outras figuras contratuais ficcionadas pela regra geral do IMT, como seja a mera promessa de compra e venda. Ora, a interpretação sobre o que está ou não abrangido não pode fazer-se em função de máximos ou mínimos, em função do grau de apoio ou incentivo que pode conferir à proteção dos credores ou do mundo empresarial.

Esse grau só a própria lei o poderia determinar, não o intérprete, e no caso em apreço nada permite concluir que o benefício fiscal se deve aplicar a toda e qualquer transmissão dos bens da empresa insolvente ou sequer que o legislador ou a própria lei quisessem esse resultado, como seja a mera promessa de compra e venda em causa nos presentes autos.

Quanto ao elemento sistemático, a confrontação do n.º 2 do artigo 270.º com outras disposições do CIRE sobre benefícios fiscais pode também ajudar a percecionar o sentido e alcance desta norma.

Neste tocante, o que vemos é que nos artigos 268.º, 269 e n.º 1 do artigo 270.º estão previstos benefícios fiscais nos domínios da tributação do rendimento, do imposto do selo e do imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis, podendo constatar-se que, no que toca à transmissão de imóveis, há duas operações comuns a todas estas normas e que são a “dação de bens em cumprimento” e a “cessão de bens aos credores” (vd. n.º 1 do artigo 268.º, alínea d) do artigo 269.º e alínea c) do n.º 1 do artigo 270.º).

Ainda no domínio das operações que podem envolver imóveis a alínea e) do artigo 269.º prevê a isenção de imposto de selo para “a venda, permuta ou cessão de elementos do ativo da empresa” e as alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 270.º prevêem a isenção de IMT para as transmissões conexas com a constituição de novas sociedades e com a realização do seu capital social e também as transmissões que visem o aumento do capital social da sociedade devedora.

Constata-se assim que estas situações abrangidas pelos benefícios fiscais estão claramente formuladas e devidamente delimitadas para determinados tipos de operações e que, no caso da alínea e) do artigo 269.º, no domínio do imposto de selo, a norma é bem clara e expressa ao abranger a “a venda, permuta ou cessão de elementos do ativo da empresa” sem que haja qualquer dúvida, no plano gramatical, de que os verbos vender, permutar e ceder têm como complemento direto apenas e só os elementos do ativo da empresa.

O que permite concluir que, diferentemente de outras normas em que o fim prosseguido com os benefícios fiscais foi diverso, o legislador privilegiou aqui a alienação definitiva do conjunto dos ativos da empresa insolvente ou de qualquer dos seus estabelecimentos tendo em vista proteger a sua continuação e a sua laboração noutra titularidade. O que de todo não abrange situações em que haja a mera promessa de venda a uma entidade, mesmo com uma clausula de cedência de posição contratual.
O elemento histórico pode também estar presente com a análise da evolução das normas que antecederam a versão atual do preceito em análise.
E, neste tocante, o que se constata é que o CIRE foi aprovado ao abrigo da Lei de autorização legislativa n.º 39/2003, de 22 de Agosto, que autorizava o Governo a “isentar de imposto municipal de sisa (antecedente do IMT) a venda, permuta ou cessão da empresa, estabelecimento ou elementos dos seus ativos”. Com efeito, face à letra da norma e à ausência de qualquer referência expressa a contratos promessa de compra e venda, com ou sem clausula de cedência de posição contratual, concluiu-se sem hesitação que a isenção consignada no referido preceito legal apenas é aplicável à alienação de prédios de carácter definitivo, nos estritos limites dos conceitos de “venda”, “permuta” e “cessão”.
Pelo que o presente pedido de aplicação da isenção de IMT à parte do negócio – contrato-promessa de compra e venda – em que a Requerente participou, deve improceder, com todas as consequências legais. »

Sem margem para dúvidas e hesitações (em particular, nas partes realçadas com sombras), os árbitros intervenientes, na decisão recorrida, julgaram improcedente o respetivo pedido de pronúncia arbitral por estarem confrontados com a existência de uma contrato-promessa de compra e venda e não, como ocorreu no acórdão fundamento, com um contrato definitivo de compra (e venda) de imóveis/prédios urbanos. Consequentemente, sem mais delongas, julgamos afastada a necessária identidade, em relação à primeira questão fundamental de direito isolada, pela rte, com o apontamento de ter sido decidida de forma oposta, nos arestos acabados de versar.

No que tange à segunda questão [ (ii) a isenção de IMT por ser comprovado que, com a cessão da posição contratual, a Recorrente não tirou qualquer vantagem ou benefício económico, nem realizou qualquer ajuste de venda (cfr. alínea g) do artigo 4.º, do CIMT) ], de forma mais linear, também, não nos podemos ocupar dela, pelo singelo motivo de, manifestamente, não cumprir o, acima, expresso requisito/condição da exigência do perfilhamento de solução oposta nos arestos em confronto e que essa oposição decorra de decisões expressas.

Efetivamente, a decisão arbitral recorrida, sobre o assunto, limitou-se, após rotular ir ocupar-se da “questão de fundo”, a referir “Está em causa na presente impugnação a interpretação conjugada do disposto no n.º 3 do artigo 2.º e da alínea g) do artigo 4.º, ambos do Código do IMT (CIMT) e no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, …”, sem que, jamais, em qualquer outro segmento, tenha voltado ao normativo coligido ( Que, note-se, nem transcreve, ao invés do que sucedeu com o artigo 2.º n.º 3 (do CIMT).) e/ou versado matéria tangente da respetiva previsão normativa


( « Artigo 4º

Incidência subjectiva

O IMT é devido pelos adquirentes dos bens imóveis, sem prejuízo das seguintes regras:
(…).
g) Na situação prevista na alínea e) do nº 3 do artigo 2º, o imposto é devido pelo contraente originário, não lhe sendo aplicável qualquer isenção, excluindo-se, porém, a incidência se o mesmo declarar no prazo de 30 dias a contar da cessão da posição contratual ou do ajuste de revenda que não houve lugar ao pagamento ou recebimento de qualquer quantia, para além da que constava como sinal ou princípio de pagamento no contrato-promessa, demonstrando-o através de documentos idóneos ou concedendo autorização à administração fiscal para aceder à sua informação bancária. »).
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[ tramo 3 ]

Portanto, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos não conhecer do mérito deste recurso para uniformização de jurisprudência.


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Custas a cargo da recorrente.

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Comunique-se ao caad.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 21 de março de 2024. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.