Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0837/09
Data do Acordão:11/12/2009
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:FERNANDA XAVIER
Descritores:ACIDENTE DE SERVIÇO
RECIDIVA
PRAZO
PRECLUSÃO
INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
REPARAÇÃO
DANO
PRINCÍPIO DA JUSTIÇA
Sumário:I - O DL 503/99, de 20.03 aplica-se às situações de recidiva, agravamento ou recaída decorrentes de acidentes em serviço ocorridos antes da sua entrada em vigor (cf. alínea c) do nº1 do seu artº56º).
II - Recidiva, para efeitos do referido diploma, é a lesão ou doença ocorridas após a alta relativa a acidente em serviço em relação às quais seja estabelecido nexo de causalidade com o mesmo (cf. artº3º, alínea o) do referido DL).
III - A interpretação do artº24º, nº1 do DL 503/99, como estabelecendo um prazo absolutamente preclusivo (10 anos a contar da alta clínica) para a ocorrência de recidiva, agravamento ou recaída decorrente de acidente em serviço, não permitindo, em caso algum, a revisão da situação clínica do sinistrado quando qualquer dessas situações ocorra para além do referido prazo, é inconstitucional, por restringir, de forma intolerável, o direito fundamental dos trabalhadores à « assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional», consagrado no artº59º, nº1f) da CRP.
Nº Convencional:JSTA00066089
Nº do Documento:SA1200911120837
Data de Entrada:10/01/2009
Recorrente:A...
Recorrido 1:MAI
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC.
Objecto:AC TCA NORTE.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR ADM GER - FUNÇÃO PUBL ESTATUTÁRIO.
Área Temática 2:DIR CONST.
Legislação Nacional:DL 503/99 DE 1999/11/20 ART17 N1 A ART20 N6 ART24 N1 ART56 A C.
DL 38523 DE 1951/11/23 ART20.
CONST97 ART17 ART18 N2 N3 ART59 N1 F.
L 2127 DE 1965/08/03 BXXII N2.
CCIV66 ART306 N1.
Legislação Comunitária:T CEE ART234.
Jurisprudência Nacional:AC TC 147/2006 PROC402/05.; AC TC 59/2007 PROC728/06.; AC TC 370/71 IN DR IIS DE 1992/04/02.; AC TC 70/00 IN DR IIS DE 2000/12/11.; AC TC 113/01 IN DR IIS DE 2001/04/24.; AC TC 147/06 DE 2006/02/22.; AC TC 59/07 DE 2007/01/30 PROC728/06.; AC TC 155/03 PROC459/98 DE 2003/03/19.; AC TC 612/2008 PROC34/08 DE 2008/12/10.
Referência a Doutrina:GOMES CANOTILHO E OUTRO CRP ANOTADA 4ED PAG770.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
I- RELATÓRIO
A…, com os sinais dos autos, veio interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do artº150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido a fls. 180 e segs., que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo recorrente da sentença do Mmo juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que, por sua vez, julgara improcedente a presente acção administrativa comum que o recorrente instaurara contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, pedindo a sua condenação «…a requerer a submissão do autor a junta médica da Caixa Geral de Aposentações, para apreciação da incapacidade de que aquele ficou a padecer em virtude do acidente em serviço de que foi vítima, ou se assim não se entender, a condenação do réu a requerer a submissão do autor a junta médica para avaliar a recidiva e estabelecer o nexo de causalidade entre o acidente em serviço e aquela recidiva e, sendo reconhecido qualquer dos direitos alternativos ao autor, deve a ré ser condenada a cumprir o mesmo em prazo não superior a 30 dias, sob pena de condenação em sanção pecuniária compulsória, sendo o seu montante, por cada dia de atraso, correspondente a 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor
Termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1- Aquando do acidente o sinistrado foi declarado curado sem desvalorização, mas o seu estado veio a agravar-se; para a verificação deste novo estado, não pode socorrer-se do incidente da revisão, mas da acção de incapacidade – cf. Carlos Alegre “ Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2ª Edição, pág. 130 – uma vez que não chegou a ser submetido a Junta Médica que estabelecesse o grau de IPP.
2- Neste contexto, não tem qualquer aplicação o artº24º do DL 503/99, pois o sinistrado não foi presente a qualquer Junta Médica aquando da alta.
3- O recorrente, aquando da alta clínica apenas sabia que foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao joelho esquerdo, não sendo expectável que soubesse se das sequelas decorrentes do acidente em serviço e respectiva intervenção cirúrgica havia ou não resultado uma incapacidade permanente, já que tal conhecimento é do foro científico, portanto da exclusiva competência médica.
4- Pelo que foi violado o artº20º nº6 do DL 503/99. SEM PRESCINDIR,
5- Se se entender que não se trata da fixação de incapacidade, terá então de tratar-se de uma recidiva.
6- O artº24º do DL 503/99 e o artº 25º, nº2 da Lei 100/99 que prevêem um prazo de 10 anos não têm subjacente qualquer fundamento racional e contrariam em absoluto o disposto no artº 59º, nº1, al.f) da Constituição da República Portuguesa.
7- Não é constitucionalmente aceitável, que o direito infraconstitucional venha fragilizar a posição jurídica do sinistrado em acidente de trabalho, inviabilizando a obtenção do ressarcimento justo e adequado por danos futuros que – causalmente ligados ao sinistro – sejam supervenientes em relação à data fixada na norma legal.
8- Com este fundamento, o TC pronunciou-se no sentido da inconstitucionalidade, por violação do direito do trabalhador à justa reparação, consagrado no artº59º, nº1 alínea f) da CRP, a norma do nº2 da Base XXII da Lei 2127 de 31 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão para a revisão da pensão…com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas – Acórdãos do Tribunal Constitucional nº147/2006, proc.402/05 e 59/2007, proc. 728/06.
9- Apesar da situação destes autos não ser coincidente com os casos apreciados e decidido pelo Tribunal Constitucional, o certo é que os argumentos invocados se devem estender a outras situações ou casos, designadamente à situação tratada nos presentes autos – Ac. RP de 19.11.2007, proc. nº 0714810, in www.dgsi.pt.
10- Não obstante aqueles acórdãos do TC versarem sobre situações em que tenha havido revisão da pensão nos últimos 10 anos, o acórdão da RP, lançando mão dos mesmos argumentos, declarou inconstitucional o prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da mesma com agravamento superveniente das lesões sofridas.
11- Mutadis mutandis, serve o mesmo argumento para o artº24º do referido DL 503/99, que fixa um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados da alta clínica, com fundamento em agravamento superveniente da lesão sofrida.
12- Ora, se por um lado se considerar que o caso dos presentes autos é de fixação de incapacidade, não pode lançar-se mão do artº24º do DL 503/99.
13- Se, por outro lado, se considerar, que se trata de recidiva, é indiferente o grau de incapacidade fixado, ainda que de zero por cento, uma vez que a incapacidade zero por cento é susceptível de modificação como qualquer grau outro grau.
14- Por ser perfeitamente possível em termos clínicos configurar situações de agravamento ou melhoria das lesões após o decurso do referido prazo de 10 amos, e ao não se admitir, nesses casos, a revisão, coarcta-se e diminui-se de forma grave e significativa a possibilidade de adequar o estado clínico do respectivo titular ao direito que lhe assiste, violando-se um direito constitucionalmente consagrado.
15- A norma constante do nº1 do artº24º do DL 503/99 é, pois, inconstitucional, e como tal deve ser recusada a sua aplicação.
PEDIDO DE DECISÃO PREJUDICIAL AO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
16- Em matéria de Direitos Sociais e Fundamentais dos Trabalhadores as legislações dos diversos países pertencentes à União Europeia diferem entre si, nomeadamente na questão do prazo preclusivo dos dez anos previsto no artº24º do DL 503/99 de 20 de Novembro, que, por ex. em Espanha, não existe – artº143º do Real Decreto Legislativo 1/94 de 20.06.
17- A Carta dos Direitos Fundamentais consagra o princípio do nível de protecção mais elevado ( artº53º) nos termos do qual será aplicável o regime jurídico que ofereça uma tutela mais intensa ao direito fundamental em causa.
18- O Tratado que instituiu a Comunidade Europeia, pugna pela aproximação das legislações nacionais de cada Estado Membro e em especial em matéria de Direitos Sociais e Fundamentais dos Trabalhadores proclamados na Carta Comunitária de 1989.
19- Toda a jurisprudência do Tribunal de Justiça tem sido no sentido do respeito pelos princípios da Equivalência e da Efectividade.
Assim, nos termos do artº234º CE, requer-se seja feito pedido de decisão prejudicial com o seguinte objecto:
“É compatível com os Princípios do Direito Comunitário uma legislação nacional que prevê um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da alta, para a reapreciação do estado clínico com fundamento em recidiva, agravamento e recaída superveniente?”
TERMOS EM QUE DEVE:
- Ser revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que confira o direito ao recorrente de ser submetido a junta médica da caixa geral de aposentações para fixação da incapacidade reportada à data do acidente de trabalho de que foi vítima;
- Se assim se não entender, deve ser reconhecido o direito ao recorrente a ser submetido a junta médica da caixa geral de aposentações para estabelecer o nexo de causalidade entre o acidente e a recidiva já verificada clinicamente por médico competente, uma vez que o prazo de 10 anos estabelecido no artº24º da Lei em apreço, é violador de um direito consagrado constitucionalmente.
- Ser deferido o pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.
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Contra-alegou o recorrido, CONCLUINDO assim:
1º. O recurso de revista previsto no artº150º do CPTA, é excepcional e uma vez que o Acórdão recorrido não violou lei substantiva ou processual e a questão controvertida não contende com interesses especialmente importantes, susceptíveis de justificar a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, nem a resposta à questão se apresenta particularmente complexa, nem o douto acórdão recorrido padece de erro grosseiro, pois decidiu no mesmo sentido da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, não estão reunidos os pressupostos para a sua admissão, devendo o mesmo ser rejeitado.
2º. A norma constante do artº24º, nº1 do Decreto Lei nº503/99, de 20 de Novembro, ao limitar ao prazo de dez anos, contados da alta, a possibilidade de o trabalhador requerer a submissão à junta médica considerar em situação de recidiva, agravamento ou recaída, não padece de inconstitucionalidade assacada ao recorrente.
3º. Por isso, tendo o acidente de que o recorrente foi vítima ocorrido há mais de dez anos, aquela norma impede a recorrida de requerer a submissão do mesmo à junta médica da Caixa Geral de Aposentações, para apreciação da incapacidade de que ficou a padecer.
4º. E impede também a recorrida de determinar a submissão do recorrente à junta médica para estabelecer o nexo de causalidade entre o acidente em serviço e o eventual agravamento da lesão então sofrida.
5º. No âmbito do artigo 34º do Tratado CE, o Tribunal de Justiça carece de competência para a questão suscitada pelo recorrente, pelo que não existe obrigatoriedade de reenvio para decisão prejudicial o requerido pelo recorrente.
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Por acórdão deste STA, proferido a fls.244 e seg., foi a revista liminarmente admitida, nos termos do artº 150º, nº5 do CPTA, porquanto «(…) A circunstância de o efeito retirado da norma aplicada pelo Acórdão do TCA ser idêntico ao que foi já considerado inconstitucional em norma legal anterior, em apreciação do Tribunal Constitucional e sobretudo a possibilidade de novas aplicações da mesma norma; atenta a conveniência para a paz social e a certeza e previsibilidade do direito de se estabelecer um parâmetro de interpretação uniforme - sendo que as normas inconstitucionais devem ser desaplicadas por qualquer tribunal - é curial fazer intervir nesta situação o STA para a reapreciação de constitucionalidade ainda que a situação processual seja de molde a não se antever impedimento à intervenção de imediato do Tribunal Constitucional, caso o recurso não fosse admitido.
Da perspectiva dos pressupostos do art.º 150.º do CPTA, o certo é que a situação descrita configura de modo suficientemente caracterizado uma questão jurídica relevante, de complexidade superior ao comum e sobretudo susceptível de futura aplicação a um numero indeterminável de casos, isto é, o que tem sido designado como generalização da controvérsia sobre o direito.
Devemos assim entender e concluir que assume relevância jurídica e social fundamental, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, a questão de determinar, se com o reconhecimento da recidiva, que determina a reabertura do processo, o prazo de 10 anos plasmado no nº 1 do art. 24º do DL 503/99, de 20.11, é um limite temporal que impede o lesado em acidente de trabalho de ver reapreciada a incapacidade e como tal, ver alterada a sua situação
O Digno PGA emitiu, a fls. 258 e segs., douto parecer que se transcreve:
« Face à matéria de facto dada como provada e jamais posta em causa pelo ora recorrente dúvidas não pode haver que, no caso deste processo se está perante ua situação de “ recidiva”.
E dispõe o nº1 do artº24º do Dec. Lei nº509/99 de 30 de Novembro ( Diploma aqui aplicável face ao regime transitório nele previsto no artº56º, nº1 c)) – “ que no caso de o trabalhador se considerar em situação de recidiva, agravamento ou recaída, ocorrida no prazo de 10 anos contado da alta, deve apresentar à entidade empregadora requerimento de submissão à junta médico referida no artº21º, fundamentado em parecer médico.”
Ora, dúvidas também não que só passados mais de 14 anos é que o recorrente apresentou à entidade empregadora requerimento de submissão à junta médica ( a alta foi-lhe dada em 21.7.93 e o requerimento entrou em 3.9.07).
Logo, o mesmo já não o podia fazer.
Assim, como se decidiu no douto Acórdão que admitiu o presente recurso de revista – “ importa determinar, se com o reconhecimento da recidiva que determina a reabertura do processo, aquele prazo de 10 anos plasmado no nº1 do artº24º do DL 503/99, de 20 de Novembro, é um limite temporal que impede o lesado em acidente de trabalho de ver reapreciada a incapacidade e como tal, ver alterada a sua situação”.
A questão foi tratada – ainda recentemente, pelo Tribunal Constitucional, a propósito de um caso semelhante, no recurso nº34/08, ac. 19 de Dezembro de 1008 ( relator Exmo. Cons. Carlos Cadilha) onde se pode ler – “ A situação dos autos é, neste termos, similar à analisada no acórdão do Tribunal Constitucional nº 155/2003, em que se considerou que não é inconstitucional a norma do nº2 da Base XXII da Lei nº2127, quando aplicada a um caso em que não tinha sido formulado qualquer pedido de revisão de pensão dentro do prazo de dez anos desde a fixação da pensão inicial.
Como observou um autor, os condicionamentos temporais estabelecidos pela Lei 2127 e mantidos pela Lei nº100/97, surgiram da «verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos primeiros tempos ( daí a fixação dos dois anos em que é possível requerer mais revisões, decaindo até decorrer um maior lapso de tempo ( que o legislador fixou generosamente em dez anos)» ( Carlos Alegre, Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, Coimbra, 2000, p.128).
È nesta perspectiva que se entendeu no acórdão agora citado, que a impossibilidade de obter a revisão da pensão por parte de quem não sofreu qualquer agravamento ou recidiva no prazo de dez anos, como decorre do disposto no nº2 da Base XXII da Lei nº 2127, não representa uma violação do princípio da igualdade, por comparação com os sinistrados que, tendo requerido e obtido uma primeira revisão da pensão dentro desse período de tempo, ficam depois habilitados a requerer sucessivas actualizações dessa pensão, mesmo para além desse prazo.
E esse ponto de vista encontra-se fundamentado, no aresto em referência, nos seguintes termos:
Neste contexto, não se reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da pensão ( que pressupõe a prévia determinação do grau de incapacidade permanente que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora do pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada. Diferente seria a situação de, nesse lapso de tempo, terem ocorrido pedidos de revisão, que determinaram o reconhecimento judicial da efectiva alteração da capacidade de ganho da vítima, com a consequente modificação da primitiva determinação do grau de incapacidade, o que indiciaria que a situação não se poderia ter por consolidada. Não ocorreria, assim, violação do princípio da igualdade na primeira perspectiva assinalada. Com efeito, mesmo a aceitar-se como correcto – questão sobre a qual não cumpre tomar posição – o entendimento jurisprudencial, invocado pelo recorrente, segundo o qual os sinistrados que requereram uma primeira revisão dentro do dos primeiros dez anos podiam requerer sucessivas revisões, desde que formuladas, cada uma delas, antes de decorrido um decénio sobre a precedente revisão, ele respeitaria a situações diversas em que decorrera por completo o prazo de dez anos desde a data da fixação da pensão, sem que tivesse sido requerida qualquer revisão. Existiria, no primeiro grupo de situações, um factor de instabilidade, que não ocorreria no segundo grupo, o que não permitiria considerar como constitucionalmente ilegítima a apontada diferenciação de regimes.
Não sofre nenhuma contestação que o direito à justa reparação por danos derivados do risco profissional, consagrado constitucionalmente ( artigo 59º, nº1, alínea f)) e entendido como um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias ( Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP, 4ª Ed., Coimbra, p. 770), abrange com o mesmo grau de intensidade quer as vítimas de acidente de trabalho, quer as de doença profissional.
O ponto é que, revertendo ao caso em apreço, não se detecta qualquer diferenciação relevante entre o regime definido para os sinistrados de acidente de trabalho, segundo o entendimento jurisprudencial firmado quer no acórdão nº147/2006, quer no acórdão nº 155/2003 e aquele que resulta do nº3 da Base XXII para a revisão de pensões por doença profissional. A possibilidade da revisão de pensão ser requerida a todo o tempo, nesta última hipótese, circunscreve-se aos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, de que são exemplo as pneumoconioses aí referenciadas, e, por conseguinte, a doenças que segundo um critério médico, são susceptíveis, por sua natureza, de implicarem um agravamento de quadro clínico com o decurso do tempo, que é, por si, justificativo da actualização da pensão por diminuição de capacidade de ganho; por outro lado, o nº2 dessa mesma Base limita a revisão de pensões por acidente de trabalho aos primeiros dez anos a partir da fixação da pensão inicial, mas não exclui que a actualização possa ser requerida mesmo para além desse prazo, quando se tenha verificado um agravamento ou recidiva da lesão no primeiro decénio, caso em que, de igual modo, se admite que a revisão possa ser efectuada para além desse prazo sempre que se verifique a modificação da capacidade de ganho.
É justamente esse o entendimento em que se baseiam os citados acórdãos nº155/2003 e 147/2006, que só aparentemente são contraditórios. No primeiro deles, julgou-se não inconstitucional a norma do nº2 da Base XXII quando aplicada num caso em que, no decurso do período de dez anos após a fixação da pensão, não tenha sido requerida qualquer actualização, assentando tal entendimento no pressuposto de que houve, nessa circunstância, uma estabilização das sequelas da lesão; no segundo, julgou-se inconstitucional a mesma norma quando interpretada no sentido de impossibilitar a revisão da pensão, nos casos em que tenham ocorrido actualizações da pensão, nesse mesmo período de dez anos, por então poder dar-se como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.
O critério jurisprudencial radica, portanto, em qualquer dos casos, no carácter evolutivo ou não evolutivo da lesão, que é indicado, no que diz respeito às pensões por acidentes de trabalho, pela verificação do agravamento da lesão ( e da correspondente actualização da pensão) no primeiro decénio, sendo que é essa ocorrência que torna justificável, na perspectiva do legislador, a admissão de ulteriores pedidos de revisão.
A situação não é, no entanto, diversa da prevista para as pensões por doença profissional, mudando apenas o critério normativo com base no qual é possível qualificar a doença como evolutiva; no caso dos acidentes de trabalho, a possibilidade de revisão da pensão sem limite de prazo depende de uma incidência factual- a verificação de um agravamento da lesão no decurso do primeiro decénio; no caso das doenças profissionais, na falta de concretização legal quanto ao que se entende por doença profissional de carácter evolutivo, é a avaliação clínica atinente à própria natureza da doença que poderá determinar se opera ou não o limite temporal relativo à actualização de pensões.
Seja como for, em qualquer das hipóteses consideradas e em última análise, terá sempre de ser feita a demonstração processual, pelo interessado, de que a lesão ou a doença é susceptível de agravamento que implique uma modificação da capacidade de ganho e torne justificável a revisão da pensão independentemente de qualquer limite temporal.
O que leva a concluir que não há, no essencial, mesmo do ponto de revista da posição processual do beneficiário da pensão, uma diferenciação relevante entre os regimes do nº2 e do nº3 da Base XXII que permita considerar verificada a violação do princípio da igualdade.
O ponto é que o legislador dispõe de alguma margem de livre conformação na concretização do direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças profissionais constitucionalmente consagrado. Pelo que a questão que poderá colocar-se, para além das já analisadas, é a de saber se a fixação d e um prazo de dez anos apara a admissibilidade da revisão – que, como se viu, tanto é aplicável às pensões por acidente de trabalho como às pensões por doença profissional não evolutiva – é susceptível de violar o próprio direito constitucional previsto no artº59º, nº1 f) da Lei Fundamental.
Assentando na ideia, que já antes se aflorou, de que o direito à justa reparação por acidentes de trabalho apresenta natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, a fixação de um prazo para a revisão da pensão, nos termos previstos no nº2 da Base XXII da Lei 2127, configura um mero requisito relativo ao modo de exercício do direito.
E como tem sido sublinhado pelo Tribunal Constitucional, « só as normas restritivas dos direitos fundamentais ( normas que encurtam o seu conteúdo e alcance) e não meramente condicionadoras (as que se limitam a definir pressupostos ou condições do seu exercício) têm que responder ao conjunto de exigências e cautelas consignado no artº18º, nº2 e 3 da Lei Fundamental. Para que um condicionamento ao exercício de um direito possa redundar efectivamente numa restrição torna-se necessário que ele possa dificultar gravemente o exercício concreto do direito em causa (acórdão nº413/89, publicado no DR II Série, de 15 de Setembro de 1989, cuja doutrina foi reafirmada, designadamente, no acórdão nº247/02).
Ora, no caso concreto, a lei fixa um prazo suficientemente dilatado, segundo a normalidade das coisas, permitirá dilatado, que, segundo a normalidade das coisas, permitirá considerar como consolidado o juízo sobre o grau de desvalorização funcional do sinistrado, o que, além do mais, se mostra justificado por razões de segurança jurídica, tendo em conta que estamos na presença de um processo especial de efectivação de responsabilidade civil dotado de especiais exigências na protecção dos trabalhadores sinistrados.
E, nesse circunstancialismo, é de entender que essa exigência se não mostra excessiva ou intolerável em termos de poder considerar-se que afronta o princípio da proporcionalidade.»
Como assim e não havendo outros motivos, é de seguir esta jurisprudência do Tribunal Constitucional, e, por isso, somos de parecer que o recurso não merece provimento
As partes foram notificadas deste parecer, tendo o recorrente manifestado a sua discordância com o mesmo, acrescentando que, de qualquer modo, no caso dos autos o decurso de 10 anos previsto no nº2 do artº24º do DL 503/99, ainda não se completou, porque se conta a partir da entrada em vigor do diploma, nos termos do artº297º, nº1 do CC.
Sem vistos, vêm agora os autos à conferência, para decisão.
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II- OS FACTOS
As instâncias consideraram provados os seguintes factos:
1) Em 27.05.1992, o autor sofreu um acidente ocorrido no interior das instalações da PSP, tendo sofrido um traumatismo no joelho esquerdo (cfr. doc. fls. 1 do processo administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
2) Nessa sequência, em 09.06.1992 foi instaurado o processo administrativo de sanidade, ao qual foi atribuído o nº49/92 (cfr. doc. de fls.7 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3) Como consequência, directa e necessária do acidente, o autor foi submetido a intervenção cirúrgica ao joelho esquerdo em 13.07.1992 (cfr. doc. de fls.9 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
4) Em 21.07.1993 foi efectuado Exame de Sanidade Final, tendo os peritos médicos concluído que o autor “ se encontra curado das lesões sofridas … sem que das mesmas tenha resultado aleijão ou deformidade física permanente” (cfr. doc. de fls.10 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
5) …pelo que não foi o autor submetido a Junta Médica.
6) Por despacho de 28.09.1993 do Comandante Geral foi o acidente considerado como ocorrido em serviço e mandado arquivar o processo de sanidade nº49/92 ( cfr. doc. de fls.18 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
7) Por volta do mês de Junho de 2007, o autor começou a sentir dores no joelho esquerdo, que eram cada vez mais intensas.
8) Por isso foi observado pelo médico especialista em Ortopedia, Dr. …, o qual prescreveu a realização de RX ao joelho esquerdo, tendo o mesmo sido realizado em 15.06.2007.
9) Em 13.07.2007, o Dr. … emitiu relatório do qual consta o seguinte (cf. doc. fls.15 dos autos):
O doente A… foi operado em 13.07.92 ao joelho Esq. …
Na sequência normal deste tipo de cirurgia, o doente ficou com sequelas que de acordo com a TNI poderá ser englobado no capítulo I 12.1 4ª) que prevê uma IPP de 0,03-0,08. Como a RMN actual apresenta vestígios evidentes de troclea femural com uma área de desnudamento cartilagíneo o que agrava o prognóstico futuro, optamos pelo valor máximo, ou seja, 0,08 (8%).”
10) Através de requerimento datado de 03.09.2007 e entrado na mesma data no Comando Metropolitano do Porto da PSP, o autor requereu o seguinte (cfr. doc. de fls.19 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
“(…)
Face à existência de 8% de IPP atribuídas pelas sequelas do acidente de que foi vítima ocorrido em serviço em 27 de Maio de 1992, deverá ser submetido à Junta Superior de Saúde, a fim de lhe ser fixada incapacidade permanente, com efeitos reportados à data do acidente.”
11) Sobre o pedido formulado pelo autor referido em 10) supra, foi elaborado em 24.09.2007 o Projecto de Decisão junto a fls. 24 a 26 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, no qual se concluiu pelo seu indeferimento.
12) O autor foi notificado do Projecto de Decisão e para se pronunciar sobre o mesmo, nos termos do artº101º do CPA, o que s fez conforme requerimento entrado no Comando Metropolitano do Porto da PSP em 15.10.2007 (cfr. doc. de fls. 28/29 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
13) Por despacho de 02.11.2007 do Director do Gabinete de Deontologia e Disciplina da PSP exarado na Informação/Proposta de 30.10.2007, foi indeferida a pretensão formulada pelo autor através do requerimento datado de 03.09.2007 (cfr. doc. de fls.30 a 34 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
14) O autor foi notificado do despacho referido em 13) supra em 21.11.2007 (cfr. doc. de fls.35 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
15) O autor apresentou recurso hierárquico do despacho referido em 14) supra (cfr. doc. de fls. 38 a 40 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
16) Através de requerimento datado de 26.11.2007 e entrado na mesma data no Comando Metropolitano do Porto da PSP, o autor requereu o seguinte (cfr. doc. de fls.36 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
“(…)
Assim, nos termos do artº24º da Lei nº 503/99, de 30 de Novembro, vem requerer seja submetido a Junta Médica, por ter surgido um agravamento da lesão padecida.”.
17) Sobre o pedido formulado pelo autor referido em 16) supra, foi elaborada em 10.01.2008 a Informação/Proposta junta a fls. 41 a 45 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, na qual se concluiu pelo seu indeferimento.
18) Por despacho de 10.01.2008 do Director do Gabinete de Deontologia e Disciplina da PSP exarado na Informação/Proposta referida em 17) supra, foi indeferida a pretensão formulada pelo autor através do requerimento datado de 26.11.2007 (cfr. doc. de fls.41 a 45 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
19) O autor foi notificado do despacho referido em 18) supra em 24.01.2008 (cfr. doc. de fls. 46 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
20) O autor apresentou recurso hierárquico do despacho referido em 18) supra (cfr. doc. de fls. 47/48 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
21) Por despacho de 29.02.2008 do Director Nacional da PSP exarado na Informação/Proposta de 08.02.2008, foi determinada a remessa do processo administrativo de sanidade ao Sr. Secretário de Estado da Administração Interna, aguardando-se a decisão do mesmo (cfr. doc. de fls.49 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
*
III- O DIREITO
A questão jurídica objecto da presente revista excepcional é a de saber, se o Autor, ora recorrente, tendo sofrido, em 1992, um acidente em serviço e tendo sido declarado curado sem desvalorização em 1993, pode requerer, em 2007, uma junta médica para fixação da incapacidade parcial permanente (IPP de 8%), em virtude de sequelas decorrentes da intervenção cirúrgica a que necessariamente foi sujeito aquando do referido acidente e de que só agora teve conhecimento.
Ambas as instâncias responderam negativamente a esta questão, por considerarem tratar-se de um recidiva e ter já decorrido o prazo de dez anos previsto no artº24º, nº1 do DL nº 503/99, de 20.11, para requerer a pretendida junta médica, pelo que a situação clínica do autor, ora recorrente, estaria consolidada.
O recorrente defende, neste recurso jurisdicional, que:
1ª. Contrariamente ao decidido, ao caso é inaplicável o artº24º do DL 503/99, por se tratar de fixação inicial de incapacidade e não de recidiva, sendo que não era expectável que soubesse se das sequelas decorrentes do acidente havia resultado uma IPP, pois foi considerado curado, sem qualquer incapacidade e, por isso, não foi sujeito a junta médica aquando da alta, pelo que foi violado o artº20º, nº6 do referido diploma legal – conclusões 1ª a 4ª das alegações de recurso.
2º. Para o caso de assim se não entender e caso se entenda tratar-se de recidiva, como o entenderam as instâncias (portanto, subsidiariamente e não em alternativa, como refere), argúi a inconstitucionalidade do citado artº24º do DL 503/99, se interpretado como estabelecendo um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, por violação do artº59º, nº1 f) da CRP – conclusões 5ª a 15ª das conclusões das alegações de recurso.
3º. Finalmente, formula ainda pedido de reenvio prejudicial, ao abrigo do artº234º do TCE, com o seguinte objecto: «É compatível com os princípios do direito comunitário uma legislação nacional que prevê um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da alta, para a reapreciação do estado clínico com fundamento em recidiva, agravamento e recaída superveniente?»- conclusões 16ª a 19ª das alegações de recurso
Apreciemos, então:
1. Quanto ao erro de julgamento, por não ser aplicável, ao caso, o prazo previsto no artº 24º do DL 503/99 e por violação do artº20º, nº6 deste diploma legalconclusão 1ª a 4ª:
1.1. Não vem questionado nos autos que se tratou de um acidente em serviço, tendo sido até reconhecido como tal pela Administração, no despacho do Comandante Geral, de 28.11.1993, que mandou arquivar o processo administrativo originado pelo mesmo (cf. ponto 6 do probatório).
Ora, como decorre dos factos levados ao probatório supra, do acidente em serviço de que o autor foi vítima em 27.05.1992, resultou um traumatismo no joelho esquerdo e, em consequência disso, foi submetido a uma intervenção cirúrgica em 13.07.92, tendo efectuado exame de sanidade final em 21.07.1993, vindo os peritos médicos a concluir que o autor se encontrava curado das lesões sofridas, sem que das mesmas tivesse resultado aleijão ou deformidade física permanente, pelo que o autor não foi submetido a junta médica e o processo administrativo de sanidade instaurado aquando do acidente veio a ser arquivado, pelo já referido despacho do Comandante Geral de 28.11.1993 (cf. pontos 1 a 6 do probatório).
Está também provado que, em Junho de 2007, ou seja, cerca de 14 anos após a alta clínica, o autor começou a sentir dores no joelho esquerdo, cada vez mais intensas, e após ter sido observado por médico especialista em Ortopedia e realizado um RX ao joelho, foi elaborado relatório médico, onde se refere o seguinte:
O doente A… foi operado em 13.07.92 ao joelho esq..
Na sequência normal deste tipo de cirurgia o doente ficou com sequelas que de acordo com a TNI poderá ser englobado no capítulo I 12.1.4ª que prevê uma IPP de 0,03-0,008. Como a RMN actual apresenta vestígios evidentes na troclea femural com uma área de desnudamento cartilagíneo, o que agrava o prognóstico futuro, optamos pelo valor máximo, ou seja, 0,008 (8%).” (cf. pontos 7 probatório)
Face a este relatório médico, o autor requereu junto do Comando Metropolitano do Porto da PSP, em 03.09.2007, a realização de uma junta médica, a fim de lhe ser fixada incapacidade permanente, com efeitos reportados à data do acidente, pedido que veio a ser indeferido, em sede de recurso hierárquico, por, em síntese, o acidente ter ocorrido há mais de 15 anos e a data da alta remontar a 21.07.1993, portanto há mais de 14 anos, pelo que já teria sido ultrapassado o prazo legal estabelecido no artº24º, nº1 do DL 503/99, de 20.11, não sendo possível proceder-se à reabertura do processo. (cf. pontos 11 a 18 do probatório e documentos aí referidos).
1.2. O acórdão recorrido, tal como a sentença de 1ª instância, considerou, face aos factos provados, que se tratava de uma situação de recidiva, enquadrável no nº1 do artº24º do DL 509/93, não sendo aplicável o artº20º, nº5 e 6 do mesmo diploma legal.
A fundamentar essa decisão, refere-se no acórdão recorrido:
«(…) Perante tal situação, o A. pretende agora ser submetido a junta médica para efeitos do disposto no artº20º, nº5 e 6 do referido diploma legal, atrás referenciado.
Tal situação não parece, porém, que possa, hoje, enquadrar-se na previsão e estatuição de tal normativo legal, atenta a data em que teve lugar a ocorrência do sinistro, o não reconhecimento de qualquer incapacidade, na ocasião, e o decurso do prazo nele contemplado.
As decisões então proferidas sobre o caso constituiriam hoje caso decidido ou resolvido, não se vislumbrando que a inércia do A., ora Recorrente, perante o seu teor consubstancie qualquer convenção contrária aos direitos ou garantias conferidos pela Lei 2127, de 03.AGO.65, ou pela Lei 100/97, de 13 SET, à data vigentes.
Para além disso, aquele normativo legal não parece poder aplicar-se ao caso sub judice atenta a data do sinistro e em face do que dispõe o artº56º, nº1 a), acima transcrito, do mesmo diploma legal.
Assim sendo, em função de tudo quanto se deixa dito, não parece que esta interpretação consubstancie violação da norma constante do nº6 do artº20º do DL 503/99, de 20NOV., contrariamente ao entendimento perfilado do Recorrente, pelo que improcedem, por isso, as conclusões de recurso quanto a esse aspecto.
O caso dos autos, tal como se decidiu na sentença proferida no tribunal a quo, parece, antes, enquadrar-se no estabelecido no artº 3º, nº1-o) do DL 503/99, configurando uma situação de recidiva, sendo então aplicável o seu artº24º, por força do que estatui o artº56º, nº1c) do mesmo diploma legal, que estipula que este se aplica às situações de recidiva, recaída ou agravamento decorrentes de acidentes em serviço ocorridos antes da sua entrada em vigor
1.3. O recorrente continua a defender neste recurso de revista que não se trata de recidiva, mas de fixação inicial de incapacidade permanente, uma vez que não foi sujeito a junta médica aquando da alta clínica, em 1993, não lhe tendo sido atribuído qualquer grau de incapacidade, pelo que não pode socorrer-se do incidente de revisão, mas da acção de incapacidade, para estabelecimento do seu grau de IPP e, consequentemente, não lhe é aplicável o artº24º do DL 503/99, como decidido, mas sim o artº20º, nº5 e 6 desse diploma legal.
Vejamos:
O acidente em causa ocorreu em 27.05.1992, o processo administrativo de sanidade foi instaurado em 09.06.1992, o autor foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao joelho esquerdo em 13.07.1992 e, finalmente, efectuou exame de sanidade final em 21.07.1993, tendo sido considerado curado, sem aleijão ou deformidade física permanente, não tendo sido submetido a junta médica.
Portanto, os factos ocorreram ainda na vigência do DL 38523, de 23.11.1951, que estabelecia o regime jurídico dos acidentes em serviço e doenças profissionais no âmbito da Administração Pública e que no seu artº20º dispunha o seguinte:
Artº 20º
Quando terminar o tratamento e o servidor se encontrar curado ou em condições de trabalhar regularmente, o médico assistente dar-lhe á alta no boletim modelo nº3, declarando a causa da cessação do tratamento, estado de saúde, grau de incapacidade e os motivos sobre que baseia as suas conclusões.
Este exame pode ser sempre revisto, nos termos gerais, por determinação do chefe ou superior hierárquico e a solicitação do interessado.
§ único. Se o sinistrado for reconhecido como permanente e absolutamente incapaz ou a sua incapacidade durar mais de uma ano, será em seguida submetido a junta médica da Caixa Geral de Aposentações para confirmação do grau de desvalorização e anotação do respectivo cadastro ou para determinar se o seu estado de saúde autoriza ou não o seu regresso ao serviço. No caso de o servidor ser aposentado antes de lhe ter sido dada alta, continuará com direito às regalias constantes do artº8º deste diploma. ( negrito nosso)
1.4. O referido DL 38523 foi revogado pelo já referido DL 503/99, de 20.11 (f. artº57º, nº1 a) deste último diploma).
Este último diploma entrou em vigor no dia 1 do 6º mês seguinte à data da sua publicação (cf. seu artº58º), ou seja, em 01.05.2000 e no seu artº56º estabelece o seguinte regime transitório:
Artº 56º
Regime transitório
1. O presente diploma aplica-se:
a ) Aos acidentes em serviço que ocorram após a respectiva entrada em vigor.
b) Às doenças profissionais cujo diagnóstico final se faça após a data referida na alínea anterior;
c) Às situações de recidiva, recaída ou agravamento decorrentes de acidentes em serviço, ocorridos antes da data referida nas alíneas anteriores, com excepção dos direitos previstos nos artº34º a 37º relativos às incapacidades permanentes da responsabilidade da Caixa Geral de Aposentações.
2. As disposições do Estatuto da Aposentação revogadas ou alteradas mantêm-se em vigor em relação às pensões extraordinárias de aposentação ou reforma, bem como às pensões de invalidez atribuídas ou referentes a factos ocorridos antes da entrada em vigor do presente diploma.
3. Os serviços, organismos e fundos autónomos continuam a suportar os encargos da sua responsabilidade, nos termos da legislação anterior, relativamente aos acidentes, doenças e demais situações não abrangidas pelo nº1.» ( negritos nossos)
Ora, tendo o acidente referido nos autos ocorrido em 1992 e, portanto, antes da entrada em vigor do DL 503/99, este diploma não lhe é aplicável, face ao disposto na alínea a) do seu artº56º, supra transcrito, pois só se aplica aos acidentes em serviço que ocorram após a sua entrada em vigor.
Contudo, a alínea c) do mesmo preceito determina expressamente a sua aplicação às situações de recidiva, recaída ou agravamento decorrentes de acidentes em serviço, ocorridos antes da sua entrada em vigor, embora com a ressalva dos direitos previstos nos artº34º a 37º do referido diploma, relativos às incapacidades permanentes da responsabilidade da CGA.
E, assim sendo, importa, efectivamente, saber, antes de mais, se estamos perante uma situação de recidiva, recaída ou agravamento decorrente do acidente em causa, único caso em que lhe será aplicável o DL 503/99.
1.5. Ora, o artº3º do referido diploma define os supra referidos conceitos do seguinte modo:
Artº 3º
Conceitos
Para efeitos de aplicação do presente diploma considera-se:
(…)
o) – Recidiva – lesão ou doença ocorridas após a alta relativa a acidente em serviço em relação às quais seja estabelecido nexo de causalidade com o mesmo.
p) - Agravamento – lesão ou doença que, estando a melhorar ou estabilizadas, pioram ou se agravam;
p) - Recaída – lesão ou doença que, estando aparentemente curadas, reaparecem. (…). (negrito nosso)
Face à definição legal e aos factos provados, afigura-se-nos correcto o enquadramento da situação como recidiva, na medida em que o autor, que teve alta clínica em Julho de 1993, com menção de que se encontrava curado, sem aleijão ou deformidade física permanente, só começou a sentir dores no joelho em Junho de 2007, sendo que o relatório médico elaborado nesta data, refere um nexo de causalidade entre a lesão agora verificada e a intervenção cirúrgica a que o autor foi submetido, em Julho de 1992 e que, como se provou, foi consequência directa e necessária do acidente em serviço (cf. pontos 3 e 9 do probatório).
O facto alegado pelo recorrente e provado, de não ter sido submetido a qualquer junta médica aquando da alta, por então não lhe ter sido atribuído qualquer grau de incapacidade permanente, não afasta, a nosso ver, a figura da recidiva. É que, tal como definida pelo legislador, a recidiva não tem como pressuposto a fixação prévia, por junta médica, aquando da alta, de qualquer incapacidade ao sinistrado, antes supõe que a lesão ou a doença geradora da incapacidade agora verificada, só ocorreu, no sentido de que só se manifestou, após a alta, embora se exija, naturalmente, que seja estabelecido um nexo de causalidade com o acidente em serviço.
E, assim sendo, a pretensão do recorrente tem de ser apreciada face ao artº24º do DL 503/99, por força da alínea c) do nº1 do artº56º do referido diploma, já supra transcrito.
Improcedem, pois, as conclusões 1ª a 4ª das alegações de recurso.
*
2. Quanto à invocada inconstitucionalidade do artº24º,nº1 do DL 503/99, por violação do artº59º, nº1 f) da CRP - conclusões 5ª a 15ª:
2.1. Dispõe o artº24º do DL 503/99:
Artº24º
Recidiva, agravamento e recaída
1. No caso de o trabalhador se considerar em situação de recidiva, agravamento ou recaída, ocorrida no prazo de 10 anos contados da alta, deve apresentar à entidade empregadora requerimento de submissão à junta médica referida no artº21º, fundamentado em parecer médico.
2. O reconhecimento da recidiva, agravamento ou recaída pela junta médica determina a reabertura do processo, que seguirá, com as necessárias adaptações, os trâmites previstos para o acidente e confere ao trabalhador o direito à reparação prevista no artº4º. ( negrito nosso)
Segundo o acórdão recorrido, não se mostra preenchida a condição para que o recorrente possa requerer a submissão a junta médica ao abrigo deste preceito legal, pois já decorreu o prazo de 10 anos ali previsto, encontrando-se a sua situação consolidada.
Considera ainda que tal interpretação do citado preceito, não padece da inconstitucionalidade invocada pelo autor, confirmando também neste ponto a sentença da 1ª Instância e apoiando-se no acórdão do Tribunal Constitucional de 19.03.2003, rec. 155/03, nela citado.
O recorrente discorda deste entendimento, por considerar que aquele prazo de 10 anos não tem subjacente qualquer fundamento racional e contraria em absoluto o disposto no artº59º, nº1 alínea f) da CRP, invocando, por sua vez, a seu favor, os acórdãos do Tribunal Constitucional nº 147/2006, proc. 402/05 e nº59/2007, rec. 728/06, cujos argumentos considera extensíveis à situação dos autos, embora se refiram a situações não coincidentes com a destes.
Vejamos:
2.2. Dispõe o citado artº59º, nº1, f) da CRP que « Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
(…)
f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.»
Trata-se, sem dúvida, de um direito fundamental, com natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias e, como tal, sujeito à disciplina dos artº 17º e 18º da CRP. (Neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, CRP anotada, 4ª edição, Coimbra, p.770)
Ora, nos termos do nº2 do citado artº18º « A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos
E nos termos do nº3 do mesmo preceito, « As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais».
É certo que o Tribunal Constitucional já afirmou, por várias vezes, que o legislador ordinário, dentro do seu poder regulador, detém uma certa margem de liberdade na conformação legislativa e, por isso, pode estabelecer prazos e outras condicionamentos ao exercício de direitos constitucionalmente consagrados, desde que tal não constitua uma restrição desproporcional e sem fundamento racional bastante, o que terá de ser visto de um ponto de vista material ou substantivo (Cf. por exemplo, os acórdãos nº 370/71, nº 70/00, nº 113/01, DR II Série, de 02.04.92, de 11.12.00 e de 24.04.01, respectivamente)..
Ora, não há dúvida, que o legislador estabeleceu no citado artº24º, nº1 do DL 503/99, um limite temporal que traduz um condicionamento ao direito constitucional previsto no artº59º, nº1 f) da CRP, já que ficcionou um prazo-limite em que podem ocorrer recidivas, agravamentos ou recaídas decorrentes de acidente em serviço – 10 anos contados da alta.
Não se trata aqui do estabelecimento de um prazo para o exercício do direito, à justa reparação de danos futuros decorrentes do acidente, o qual, de qualquer modo e, em princípio, só deveria ser contado a partir do momento em que o direito pudesse ser exercido (artº 306º, nº1 do CC).
O que o legislador realmente pretendeu foi restringir o próprio conteúdo do direito constitucional à justa reparação por acidente em serviço, já que limitou a reparação pelos danos futuros decorrentes do acidente aos ocorridos nos dez anos seguintes à alta clínica, não indemnizando, portanto, os danos que, eventualmente, possam ocorrer após essa data.
Ora, tal constitui, a nosso ver, uma restrição intolerável, porque sem fundamento racional bastante do direito à justa reparação, consagrado no artº59º, nº1f) da CRP, restrição não permitida face aos atrás citados nº 2 e 3 do seu artº18º.
Na verdade, concordamos com o acórdão do Tribunal Constitucional nº147/06 (Proferido em 22.02.2006, in Proc. Nº402/05, in www.dgsi.pt), quando refere, embora a propósito do prazo de 10 anos previsto na Base XXII, nº2 da Lei 2127 de 03.08.1965, para o sinistrado de acidente de trabalho requerer a revisão da pensão por acidente de trabalho, em caso de recidiva, agravamento ou recaída, que «… o prazo preclusivo de dez anos ora em análise só poderia encontrar algum fundamento se, em relação às pensões por acidentes de trabalho, não fosse concebível que o estado de saúde do sinistrado pudesse evoluir passados esses dez anos.
Tal fundamento não é, porém, minimamente plausível. É evidente (…) que nada impede a progressão da lesão ou da doença uma vez decorrido o prazo de dez anos após a fixação da pensão, quer a respectiva causa seja um acidente de trabalho quer seja uma doença profissional.»
E, mais adiante:
«(…)Poderia porventura aventar-se a hipótese de à norma ora em análise estar subjacente um critério de contenção de custos, atendendo a que o sistema português de responsabilidade por acidentes de trabalho assenta – ou, pelo menos, assentava durante a vigência dessa norma – “numa óptica de responsabilidade privada polarizada nas entidades patronais e suas seguradoras” (sobre esse sistema e sobre o sistema de responsabilidade no caso das doenças profissionais, veja-se Vítor Ribeiro, Acidentes de trabalho: reflexões e notas práticas, Lisboa, Rei dos Livros, 1984, p. 157-160).
Mas tal critério, como é óbvio, não consubstancia () qualquer fundamento racional. Desde logo, não se alcançaria por que motivo a tutela do direito do trabalhador à justa reparação deve ficar condicionada a um critério de contenção de custos apenas no caso de acidente de trabalho.
Alguma doutrina que se pronunciou a propósito do prazo preclusivo ora em análise, chegou a sustentar que “seria de todo justo e vantajoso que, em futura alteração da lei, se eliminasse qualquer prazo limite para a possibilidade de revisão” (Carlos Alegre, ob. cit., p. 105). Também a propósito de preceito similar da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, actualmente em vigor, se defendeu não existirem “razões para limitar o prazo de revisão nos acidentes de trabalho” (Paulo Morgado de Carvalho, “Um olhar sobre o actual regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais: Benefícios e Desvantagens”, in Questões Laborais, Ano X, N.º 21, 2003, p. 74 e ss, p. 89).
Impõe-se, assim, a conclusão de que a interpretação normativa em apreço – ao considerar a existência de um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, e ao não permitir, em caso algum, a revisão de tal pensão, num caso em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos ocorreram diversas actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado – não tem subjacente qualquer fundamento racional e contraria o disposto no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
Estabelecendo a Constituição, neste preceito, um direito fundamental dos trabalhadores à “assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional”, não é constitucionalmente aceitável, como refere o Ministério Público, que o direito infraconstitucional venha “fragilizar a posição jurídica do sinistrado em acidente laboral, inviabilizando-lhe a obtenção do ressarcimento justo e adequado por danos futuros que – causalmente ligados ao sinistro – sejam supervenientes em relação à data fixada na norma objecto do presente recurso”, desde que, naturalmente, não se mostre excedido o prazo de prescrição da obrigação de indemnizar por acidente de trabalho ou doença profissional.» (sic)
Esta jurisprudência foi reiterada no acórdão do Tribunal Constitucional nº59/07 (Proferido em 30.01.1007, no Proc. Nº728/06, in www.dgsi.pt).
Ambos os acórdãos decidiram « Julgar inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa reparação, consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado» .
É certo que, nos acórdãos nº 155/03 e nº 612/2008 (Proferidos em 19.03.2003, no Proc. Nº 459/98 e em 10.12.2008, no Proc. Nº 34/08, respectivamente, in www.dgsi.pt), e também a propósito do prazo previsto no nº2 da Base XXII da Lei 2127, o Tribunal Constitucional considerou que «… não se reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de incapacidade permanente que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada».
No entanto, expressamente, os referidos arestos deixaram em aberto, a possibilidade de poderem existir diferenciações nas situações de facto, que imponham diferenciações de regime jurídico.
Ora, entendemos que, em situações como a sub judicio, em que o autor, aquando da alta, foi declarado curado e sem qualquer incapacidade e só decorridos mais de dez anos sobre a alta, veio a saber que, na sequência normal do tipo de cirurgia a que foi submetido aquando do acidente, ficou com sequelas, apresentando actualmente vestígios evidentes de troclea femural com uma área de desnudamento cartilagíneo, o que agrava o prognóstico futuro e a que corresponde, de acordo com a TNI, uma IPP de 8%, segundo relatório médico, o que revela que a situação verificada à data da sua alta clínica, não se pode ter, afinal, por consolidada, interpretar a referida norma do artº24, nº1 do DL 503/99, como o fizeram as instâncias, ou seja, como estabelecendo um prazo absolutamente preclusivo, contado a partir da alta clínica, tornaria impossível ao sinistrado, ou pelo menos, dificultaria gravemente, o exercício do seu direito à justa reparação pelo acidente em serviço sofrido, constituindo, desse modo, uma restrição intolerável do direito consagrado no artº59º, nº1 f) da CRP, restrição que, já vimos, não é permitida face ao artº 18º, nº2 e 3 da CRP e, por isso, inconstitucional.
Com efeito, neste concreto circunstancialismo, seria, de todo, desrazoável e desproporcional exigir que o sinistrado requeresse uma junta médica dentro dos 10 anos seguintes à alta, com vista à revisão da sua situação clínica, quando tinha sido declarado curado, sem qualquer incapacidade e desconhecia que do acidente tinham resultado e/ou poderiam resultar sequelas.
Não se está a afirmar que o direito à justa reparação por acidentes de trabalho, incluindo o direito à revisão da situação clínica, deva ser temporalmente ilimitado, para estar em conformidade com a Constituição.
No entanto, os limites temporais definidos pelo legislador não podem, a nosso ver, pôr em causa uma protecção jurídica temporalmente adequada às situações materiais, o que, no caso concreto, como vimos, não acontece.
Como tal, deve ser recusada, a aplicação, à situação sub judicio, do referido prazo, por violar o direito do autor à justa reparação pelo acidente sofrido, consagrado no artº59, nº1f) da CRP, reconhecendo-se ao autor o direito a requerer a pretendida junta médica, com vista a reavaliar a sua situação clínica, face ao relatório médico apresentado pelo mesmo.
Consequentemente, o acórdão recorrido não se pode manter.
Fica, assim, prejudicada a apreciação do pedido de reenvio prejudicial.
*
IV- DECISÃO
Termos em que acordam os juízes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e a sentença da 1ª Instância e julgar a presente acção procedente, condenando o Réu a requerer a submissão do autor a junta médica da CGA, para reavaliação da situação clínica do autor, face ao relatório médico por aquele apresentado e ao disposto no nº2 do artº24º do DL 503/99, fixando para o efeito o prazo de 30 dias.
Custas pelo Réu, em todas as instâncias.
Lisboa, 12 de Novembro de 2009. – Fernanda Martins Xavier e Nunes (relatora) – Jorge Manuel Lopes de Sousa – António Bento São Pedro.