Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0775/17
Data do Acordão:03/15/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:CAUSA PREJUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23074
Nº do Documento:SA1201803150775
Data de Entrada:09/18/2017
Recorrente:ÁGUAS DE LISBOA E VALE DO TEJO, SA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO FUNDÃO
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1.RELATÓRIO

Águas do Zêzere e Côa, SA, actualmente, Águas de Lisboa e Vale do Tejo, SA, com os sinais dos autos, intentou no TAF de Castelo Branco a presente Acção Administrativa Comum, sob a forma de processo ordinário, contra o MUNICÍPIO DO FUNDÃO, pedindo a condenação deste, a pagar-lhe:

a) - 103.690,67€, devidos pelos serviços prestados, acrescidos da quantia de 98 328,03€ a título de juros moratórios vencidos até 17.11.2008, num total de 1.202.018,70€;

b) - juros de mora vincendos sobre a importância do capital, referida na alínea anterior e até efectivo e integral pagamento.

Através de requerimento que deu entrada no TAF de Castelo Branco em 29.11.2011, o Município do Fundão solicitou a suspensão da instância até ao trânsito da decisão que viesse a ser proferida no proc. nº 450/11.7 BECTB, a correr termos no TAF de Castelo Branco.

Em 2.4.2013, foi proferido despacho saneador que indeferiu o pedido de suspensão da instância face à pendência do proc. nº 450/11.7 BECTB e seleccionou a matéria de facto.

Por sentença de 30 de Maio de 2015, do referido tribunal, foi julgada procedente a acção e, em consequência, condenado o réu a pagar à autora da quantia de 1.202 018,70€ acrescida dos respectivos juros de mora vincendos, desde a citação do réu e até efectivo e integral pagamento, a título de ressarcimento pelos serviços a este prestados respeitantes ao fornecimento de água e ao saneamento, à recolha e ao tratamento de efluentes.

Inconformado, o réu interpôs recurso jurisdicional para o TCA Sul.

Por acórdão datado de 16.02.2017, o TCA Sul decidiu:

Conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando o despacho saneador proferido em 2.4.2013, no segmento em que indeferiu a suspensão da instância face à pendência da acção nº 450/11.7 BECTB, e, em consequência:

- ordenar a suspensão da instância até que seja definitivamente decidida essa acção nº 450/11.7 BECTB;

- anular a sentença proferida em 30.5.2015, excepto na parte relativa ao julgamento da matéria de facto.


*

E é desta decisão que vem interposto o presente recurso de revista, por parte da autora, ora recorrente, Águas de Lisboa e Vale do Tejo, SA, que concluiu apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:

«I. No caso concreto, a Autora não se conforma com a decisão do TCA Sul que decidiu suspender a instância e anular o processado verificado na 1ª instância desde a sentença, que condenou o Réu Município no pagamento dos serviços de água e de saneamento, recolha e tratamento de efluentes prestados pela Autora no valor de 1.103.690,67€, acrescida da quantia de 98 328,03€, a título de juros moratórios vencidos, e ainda no pagamento de juros moratórios vincendos.

II. Diz o acórdão recorrido que a pretensão da Autora assenta num edifício jurídico uno, complexo, onde pontifica, por esta ordem, o seguinte: (i) DL 379/93, (ii) DL 319/94, (iii) DL 162/96, (iv) DL 121/2000, (v) contrato de concessão e (vi) contrato entre as partes deste processo.

III. O Decreto-Lei nº 121/2000, de 4 de Julho, criou o sistema multimunicipal de abastecimento de água e de saneamento do Alto Zêzere e Côa para captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios nele mencionados (cfr. artº 1º), constituiu a sociedade Águas do Zêzere e Côa, S.A., da qual era accionista o aqui Réu (cfr. arts. 3º e 5º, nº 1), aprovou os respectivos estatutos (cfr. art.º 4º, nº 1) que publicou em anexo e adjudicou-lhe o exclusivo da exploração e gestão do sistema, em regime de concessão, pelo período de trinta anos (cfr. art. 6º, nº 1).

IV. A gestão de tais sistemas ficou subordinada aos princípios da prossecução do interesse público, do carácter integrado dos sistemas, da eficiência e da prevalência da gestão empresarial – artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 379/93;

V. A criação dos sistemas multimunicipais teve por objectivo garantir a qualidade e continuidade dos serviços públicos de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos – artigo 4º-A, nº 1, do Decreto-Lei nº 379/93;

VI. As entidades gestoras de sistemas multimunicipais estão incumbidas, essencialmente, da realização das missões de interesse público de: assegurar, de forma regular, contínua e eficiente, o abastecimento de água e a recolha, tratamento e rejeição de efluentes; controlar, sob a fiscalização das entidades competentes, os parâmetros sanitários da água distribuída e dos efluentes tratados, assim como dos meios receptores em que estes são rejeitados.

VII. As actividades de abastecimento público de água às populações e de saneamento de águas residuais urbanas constituem serviços públicos de carácter estrutural, essenciais ao bem-estar geral, à saúde pública e à segurança colectiva das populações, às actividades económicas e à protecção do ambiente.

VIII. Na medida em que a Autora é uma entidade encarregada da gestão de serviços públicos, uma vez que desempenha actividades que têm por fim a satisfação de necessidades colectivas, os interesses em presença são públicos.

IX. E as questões em discussão não consistem em saber apenas qual a relevância que deve ser conferida, para efeitos do disposto no art. 279º do CPC/272º, nº 1 do NCPC, à propositura de uma acção administrativa comum de nulidade do contrato de concessão pelo Réu e outros municípios contra a Águas do Zêzere e Côa, cujo contrato de concessão, que é objecto da acção nº 450/11.7 BECTB, foi extinto pelo novo quadro legal instituído pelo DL nº 94/2015, de 29 de Maio, que não foi tido em consideração pelo acórdão recorrido.

X. Consistem, ainda, na análise do edifício jurídico complexo do quadro legal das concessões para a exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes, bem como os projectados efeitos de nulidade e do regime especial de restituição de tudo o que tiver sido prestado - art. 289º, nº 1 do C. Civil -, em contratos de execução continuada, que pode colocar-se em termos problemáticos semelhantes noutros casos, o que justifica que se considere questão de importância fundamental pela sua relevância jurídica.

XI. Na realidade, o Venerando STA decidiu, no processo nº 0483/16, que “É de admitir revista se está em discussão o regime jurídico aplicável o contrato de concessão celebrado entre Estado Português e A…………. SA respeitante a exploração e gestão do sistema de abastecimento de água e saneamento”.

XII. O presente insere-se numa situação em que o legislador decidiu regular o regime de exploração e gestão do sistema multimunicipal de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes, tendo, para o efeito, instituído um sistema multimunicipal para o mesmo, decidiu que o Réu passaria a integrar esse sistema, conferiu exclusividade à Autora e fixou as cláusulas contratuais que se encontram nos respectivos diplomas legais, sendo o tarifário administrativamente fixado, pelo que, no caso concreto, está em discussão o referido regime jurídico que a eventual procedência da acção 450/11.7 BECTB não faz ruir.

XIII. Por outro lado, o Tribunal Recorrido atira a Autora para um longo processo de espera, que, repare-se, a presente acção iniciou-se em 2010 e a pretensa causa prejudicial em 2011, cujo recurso pendente nessa lide versa sobre a bondade do despacho que julgou o TAF de Castelo Branco incompetente em razão da jurisdição para conhecer desses autos, ou seja, ainda não existe uma decisão de mérito, o que não deixa de constituir um entrave à concretização do direito constitucional de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva consagrado no art. 20º da CRP e, concretizado, no contencioso administrativo, no art. 268º, nº 4 da Constituição, pelo que as questões em apreço assumem uma elevada importância jurídica e social.

XIV. Para além de juridicamente complexas, as questões sub judice são, como decorre da sua mera indicação, de importância fundamental pela sua relevância social pelo elevado valor dos fornecimentos efectuados, cujo valor da acção corresponde a 1.202.018,70€, e por estar em causa a prestação do serviço público de abastecimento de água às populações e a recolha de águas residuais, inserindo-se o presente recurso numa situação litigiosa que se desenrola em várias acções interpostas pela ora Autora contra os Municípios que integram o Sistema multimunicipal, com vista a cobrar os serviços de abastecimento de água e de saneamento que lhes presta, cujo montante global ascendia, em final de 2016, a cerca de 86 milhões de euros, questão que continuará, face à decisão do acórdão recorrido, a ser invocada pelos Municípios, pelo que existe a possibilidade de expansão da controvérsia atenta a litigiosidade existente entre a Autora e tais Municípios, daí que seja necessária a intervenção do órgão de cúpula para que a decisão seja susceptível de servir de paradigma de solução de casos futuros.

XV. Além de que está em causa a prestação do serviço público de abastecimento de água às populações e a recolha de águas residuais, que a suspensão das acções de pagamento de tais serviços interpostas pela Autora pode colocar em crise, com o bloqueio da actividade da empresa concessionária, vertente olvidada pelo acórdão recorrido.

XVI. Aliás, no processo nº 0295/15, em que são partes a Autora e um Município que integra o referido Sistema, o STA decidiu admitir a revista por se estar “(…) perante uma questão decidida em sentidos opostos pelas instâncias [o que sucede igualmente no presente caso]. Questão esta que é juridicamente relevante, considerando a complexidade do bloco normativo aplicável à contratação pública no âmbito dos serviços de abastecimento público de água e de saneamento de águas residuais, que tem vindo a ser objecto de sucessivas alterações legislativas [o que, do mesmo, sucede no presente caso]. – o sublinhado é nosso.

XVII. Face ao teor do douto Acórdão do TCA Norte, de 17.04.2015, tirado no Proc. nº 01770/13.1BEPRT, a propósito da suspensão da instância por causa prejudicial, o presente recurso reveste igualmente clara necessidade de admissão para uma melhora aplicação do direito.

XVIII. Por isso, entendemos que não pode esse Venerando Tribunal deixar de receber a presente revista na medida em que as questões jurídicas que estão aqui em causa são de importância fundamental pela sua relevância jurídica e social e porque a sua intervenção é necessária para uma melhor aplicação do direito.

PROSSEGUINDO,

XIX. O DL nº 94/2015, de 29 de Maio, introduziu na ordem jurídica um efeito obstativo à peticionada nulidade do contrato de concessão celebrado entre o Estado e a sociedade Águas do Zêzere e Côa, S.A., que é objecto da acção nº 450/11.7 BECTB, derivada da extinção desse mesmo contrato, o que tem como consequência a impossibilidade da declaração da sua nulidade por inexistência de objecto, pelo que não existe a alegada causa prejudicial.

MAS NÃO SÓ,

XX. Entende-se que uma “(…) causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode destruir o fundamento ou a razão de ser desta. A expressão legal “a decisão de uma causa está dependente do julgamento de outra já proposta” significa que a decisão de uma causa (principal), depende do julgamento de outra (prejudicial) quando nesta se aprecia uma questão, cujo resultado pode influir substancialmente na decisão daquela. Diga-se, ainda mais claramente, que, para que possa haver lugar à suspensão da instância na causa principal, é necessário que a decisão que resulte da causa prejudicial possa formar caso julgado na causa principal. Refira-se ainda que a razão de ser da suspensão da instância por pendência de causa prejudicial reside na economia e coerência de julgamentos, ou seja, visa evitar a existência de decisões concretamente incompatíveis.” – Cfr. Ac. do TCA Sul, de 12/08/2011, tirado no Proc. nº 04978/11, in www.dgsi.pt, - o destacado é nosso.

XXI. No caso dos autos, não há identidade de pedidos quer porque a Águas do Zêzere e Côa, S.A., é Ré na acção nº 450/11.7 BECTB e o aqui Réu figura ali como autor, juntamente com outros municípios, quer porque os pedidos são diferentes e o efeito jurídico que se pretende obter em cada uma das duas ações é necessariamente diferente.

XXII. Não existe identidade de causa de pedir, porque as pretensões deduzidas nas duas acções, não procedem do mesmo facto jurídico. Na presente pretensão o que está em causa é facturação emitida pela Águas do Zêzere e Côa, S.A., – saber se os serviços titulados pelas facturas reclamadas pela Águas do Zêzere e Côa, S.A., foram prestados e se, por via disso, tem direito à contrapartida – enquanto a pretensão da acção nº 450/11.7 BECTB provém de uma pretensa exclusão do Município da Covilhã do sistema multimunicipal na vertente de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e pela integração de apenas 10 freguesias, e posterior exclusão, na vertente de recolha, tratamento e rejeição de efluentes do sistema multimunicipal.

XXIII. Decorre do exposto que, no caso dos autos, não pode considerar-se a existência de causa prejudicial e, por consequência, não ocorrem os pressupostos para o decretamento da suspensão da instância, uma vez que para determinar esta é necessário que a decisão que resulte da causa prejudicial – aqui a acção nº 450/11.7 BECTB – possa formar caso julgado na causa principal, ou seja nos presentes autos, tal como se afirmou supra, o que não ocorre no caso concreto.

XXIV. Porém ainda que assim não fosse – isto é, ainda que existisse alguma identidade de questões, o que só por mera hipótese de raciocino se admite -, sempre se dirá que o douto Acórdão do TCA Norte, de 17.04.2015, tirado no Proc. nº 01770/13.1BEPRT, decidiu que“[a] suspensão da instância, na mira de uma uniformidade jurisprudencial em nome da segurança e paz jurídicas, relativamente a uma zona intersticial comum a duas acções pendentes em juízo na qual questões semelhantes constituem objecto de uma e outra das causas não é admissível, uma vez que, tendo sido entendido não se verificar nesse caso excepção da litispendência, a salvaguarda de tais valores é assegurada pelo caso julgado que primeiro vier a formar-se, mantendo-se os deveres do juiz, designadamente os aludidos no artigo 6º do CPC/2013, no âmbito da irredutível obrigação de os juízes decidirem, nos termos da lei, segundo a sua convicção e responsabilidade, sem prejuízo do dever de, em cada momento, ter em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação do direito, como impõe o nº 3 do artigo 8º do Código Civil”, razão pela qual não se justifica, pelos apontados motivos, a suspensão da instância.

XXV. Considerando a elevada litigiosidade, a que correspondem interesses próprios dos Municípios em não pagar e, para isso, interpuseram a aludida acção em clara fraude à lei, tal como, aliás, foi decido no douto despacho saneador sentença proferido no âmbito dos referidos autos nº 450/11.7 BECTB, e que a suspensão dos presentes autos – numa acção que já foi julgada com sentença condenatória da qual foi interposto recurso – importará a paragem da instância durante largos anos, ficando a aguardar o julgamento daquela outra acção (ainda sem sentença de mérito e com recurso pendente relativo à competência do tribunal), não se justifica a decretada suspensão da instância, cujos prejuízos superam manifestamente as vantagens da mesma.

XXVI. Aliás, a conclusão de que “[n]ão há qualquer vantagem ou lógica em “fazer andar” esta ação e o cumprimento da sua eventual procedência, se a breve trecho (o processo prejudicial é de 2011, que entretanto já teve sentença entretanto impugnada para este TCAS) os alicerces dela e a sua procedência, com sérias implicações financeiras em cofres públicos municipais, poderão ruir com o eventual sucesso do pedido feito no processo prejudicial com nº 450/11.7BECTB”, não pode deixar de consubstanciar uma interpretação inconstitucional do art. 272º, nº 2 do CPC, por violação das garantias de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva, consagradas no art. 20° da Constituição da República, e concretizado, no que à jurisdição administrativa diz respeito, no art. 268º, nº 4 da CRP.

XXVII. Na verdade, os prejuízos ou vantagens de que a lei fala no nº 2 do referido art. 272º devem ser analisados, vistos e sopesados não numa perspectiva subjectiva e de interesses das partes – como sucedeu no caso concreto -, mas sobretudo numa perspectiva de interesse processual, nomeadamente de celeridade e de boa administração da justiça – cfr., por todos, o Ac. da RC de 9/3/2004, disponível in www.dgsi.pt.

PORÉM,

XXVIII. Importa, ainda, referir, no que ao quadro legal diz respeito, que com a aprovação do Decreto-Lei nº 372/93, de 29 de Outubro, consagrou-se a possibilidade de participação de capitais privados, embora sob a forma de concessão, a empresas intervenientes no sector da captação, tratamento e distribuição da água para consumo público, recolha, tratamento e rejeição de efluentes e recolha e tratamento de resíduos sólidos, criando-se a distinção entre sistemas multimunicipais e sistemas municipais.

XXIX. O Decreto-Lei n.º 319/94, de 24 de Dezembro, veio estatuir o regime jurídico da construção, exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de captação e tratamento de água para consumo público, quando atribuídos por concessão e aprovar as respectivas bases.

XXX. Por sua vez, o Decreto-Lei nº 162/96, de 4 de Setembro, veio regular o regime jurídico da construção, exploração e gestão dos sistemas multimunicipais de recolha, tratamento e rejeição de efluentes municipais e aprovar as bases dos respectivos contratos.

XXXI. O regime contido no Decreto-Lei nº 319/94, de 24 de Dezembro, alterado e aditado pelos DL nºs 222/2003, de 20 de Setembro, e 195/2009 de 20 de Agosto, e no DL nº 162/96, de 4 de Setembro, entretanto, também alterado e aditado pelos Decretos-Lei nº 223/2003 de 20 de Setembro e 195/2009 de 20 de Agosto, cujo art. 10º veio estipular que “O disposto no presente decreto-lei prevalece sobre os contratos de concessão em vigor (…)” – o sublinhado e destacado é nosso.

XXXII. Resulta, assim, do exposto que o legislador decidiu regular a captação, tratamento e distribuição de água para consumo público e a recolha, tratamento e rejeição de efluentes, tendo para o efeito instituído um sistema multimunicipal para o mesmo.

XXXIII. Decidiu que o Réu passaria a integrar este sistema e conferiu a exclusividade da exploração e gestão do sistema a uma sociedade comercial – a Águas do Zêzere e Côa, S.A., -, sendo o valor das tarifas a cobrar aos utilizadores estabelecido nos termos do n.º 3 do artigo 7º do Decreto-Lei nº 121/2000, de 4 de Julho, ou seja, são fixadas pelo Estado.

XXXIV. É, pois, de concluir que é por imperativo legal (arts. 1º, 6º, nº 1, e 11º, nº 1, do DL 121/2000, de 04 de Julho) que a Autora estava obrigada a prestar ao Réu os serviços de fornecimento de água e de saneamento, recolha e tratamento de efluentes, não sendo lícito ao Réu escolher outra pessoa para o efeito, sendo o preço fixado pelo Estado, daí que, encontrando-se o Município obrigado a ligar-se ao Sistema, mesmo que não houvesse contrato, não poderia deixar de ser pago o preço fixado por despacho ministerial relativo aos fornecimentos e serviços prestados pela entidade gestora do Sistema.

XXXV. Assim sendo, ainda que a acção nº 450/11 proceda, com a nulidade do (prévio) contrato de concessão, a Autora continuará a ter base jurídica para receber a contrapartida pelos serviços prestados ao Réu, uma vez que as cláusulas principais da relação contratual encontram-se fixadas na lei, sendo, por conseguinte, incorrecto o entendimento do acórdão recorrido.

XXXVI. Impondo-se, por isso, concluir que a acção nº 450/11 não constitui causa prejudicial da presente acção pois a decisão de uma não depende da decisão da outra, nem naquela acção se está apreciar uma questão cuja resolução possa modificar, influir ou afectar o julgamento a proferir nesta.

NO ENTANTO,

XXXVII. Ainda que assim não se entendesse – o que só por mera hipótese de raciocínio se admite -, sempre se dirá que, mesmo que os contratos viessem a ser considerados nulos, não pode ser olvidado que a Autora, ora Recorrente, realizou o objecto da prestação de serviços, incorrendo por esse motivo, quer na realização de trabalhos, quer no dispêndio de verbas monetárias, de que deve ser ressarcida.

XXXVIII. Conforme se extrai do Acórdão do STA, de 01/03/2001, Rec. nº 046031, o “(…) regime legal aplicável aos efeitos de contrato administrativo de empreitada de obra públicas, declarado nulo, é o previsto no art. 289º do Código Civil quanto à nulidade do negócio jurídico (art. 185º, nº, 3, alínea b) do CPA)”, pelo que sempre teria aplicação o regime da nulidade dos contratos, regulado no artº 289º do Código Civil.

XXXIX. Porém, nos contratos nulos de execução continuada, nos quais uma das partes beneficie do gozo de uma coisa ou de um serviço, como é o caso dos autos, “apresentam-se com algumas especificidades que não podem deixar de ponderar-se à luz do regime do art.º 289º nº 1 do C. Civil”, como se faz notar no Ac. do STA, de 24/10/2006, processo nº 0732/05, na mesma linha também do Acórdão do STJ, de 11/07/2002, processo nº 03B484.

XL. Ora, uma vez que a restituição em espécie, por sua natureza, não é possível, pois que os serviços prestados nunca mais poderão ser restituídos, haveria, então, que condenar o Réu no pagamento do “valor correspondente” à utilidade advinda da realização da mesma (nº 1 do artº 289º), corporizada nos valores reclamados pela Autora, respeitantes aos serviços que, regular e ininterruptamente, prestou quanto ao tratamento das águas residuais e das águas para consumo humano.

XLI. Como decorre da lei substantiva (art. 474º do Código Civil), no domínio da nulidade do contrato e do seu regime especial de restituição de tudo o que tiver sido prestado (artº 289º, nº 1 do Código Civil), está vedado o recurso ao instituto do enriquecimento sem causa, previsto no artº 473º e seguintes do Código Civil, em função do carácter subsidiário deste.

XLII. Decorre, pois, do exposto que os contratos que a Autora e Réu celebraram são de execução continuada, pelo que o Réu beneficiou do fornecimento dos bens e serviços prestados pela Autora, não sendo possível a sua restituição, devendo, assim, mesmo que os contratos sejam declarados nulos, pagar à Autora o valor da prestação de que beneficiou – cfr., neste sentido, Ac. acima cit..

XLIII. Aliás, em situações respeitantes a exploração e gestão do sistema de abastecimento de água e saneamento, o entendimento do STA é o de que o beneficiário de um serviço já prestado, e não restituível, em execução de um contrato nulo deverá entregar ao outro contraente o valor objectivo do serviço recebido, a calcular de acordo com o tarifário vigente, já que se está perante um negócio de execução continuada, e não sendo possível devolver os bens e serviços – fornecimento de água e recepção de efluentes - que a autora já prestou, o programa restitutivo, a cargo do município réu, tem de sucedaneamente passar pelo pagamento do valor correspondente à prestação da autora, sendo que esse valor é o do tarifário administrativamente fixado.

XLIV. Ora, a Autora o que pretende é ser paga pelos bens que forneceu e pelos serviços que prestou ao Réu, - os quais – como se disse - não se extinguem perante a declaração nulidade do contrato de concessão, impondo-se, assim, concluir que a acção nº 450/11 não constitui causa prejudicial da presente acção pois a decisão de uma não depende da decisão da outra, nem naquela acção se está apreciar uma questão cuja resolução possa modificar, influir ou afectar o julgamento a proferir nesta.

XLV. O douto acórdão violou, assim, por erro de interpretação e aplicação do direito, o disposto no nº 2 do art. 2º do D.L. nº 94/2015, de 29 de Maio, art. 272º, nºs 1 e 2, do CPC, nos arts. 1º, 6º, nº 1, 7º, nº 3, e 11º, nº 1, do D.L. 121/2000, de 04 de Julho, nos arts. 285º, nº 1, e 289º do CC e no art. 10º do D.L. nº 195/2009, de 20 de Agosto».


*

O Município do Fundão contra alegou, apresentando as seguintes contra alegações:

«O presente recurso é, salvo o devido respeito, desprovido de qualquer fundamento, pois a decisão recorrida é inatacável.

De facto, o recorrente não consegue, de modo algum, atacar a bem elaborada e fundamentada decisão dos Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal a quo, para a qual nos remetemos inteiramente.

- DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA

Dispõe o artigo 150º. n 1 do CPTA que das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Administrativo Sul pode haver excepcionalmente revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja necessária para uma melhor aplicação do direito”( negrito nosso).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo na interpretação que tem feito sobre o comando legal versado no artigo 150º do CPTA, tem, reiteradamente, sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito.

Ao contrário do extensamente mencionado do douto recurso de revista não está em causa um conflito de excepcional relevância jurídica ou social e muito menos uma qualquer questão que possa melhorar a aplicação do direito.

O que está em causa nos presentes autos é tão só a decisão de suspensão da instância nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 272º do CPC.

Andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu que a acção com o nº 450/11.7BECTB “constitui uma genuína acção prejudicial quanto à presente acção, concluindo que há todo o interesse e utilidade em fazer este processo aguardar mais uma pouco pela sorte da causa prejudicial”

A questão da suspensão da instância decidida no Tribunal “a quo” trata-se, tal como se pode ler no douto acórdão recorrido, apenas e tão só, de o ora recorrente aguardar a decisão que o Tribunal recorrido considerou, e bem diga-se, prejudicial

Ao contrário do alegado pelo ora recorrente, é o Município aqui recorrido que fica prejudicado se os autos transitarem em julgado antes da decisão em que se discute a nulidade do contrato de concessão — contrato que está na base da elaboração dos contratos de fornecimento e recolha, que por sua vez deram origem as facturas discutidas nos autos.

Ao contrário do alegado pelo recorrente é o recorrido que, com o trânsito em julgado destes autos, e com a posterior procedência da acção nº 450/11.7BECTB ter sérias implicações financeiras nos cofres públicos municipais.

Ao contrário, atenta a natureza da relação jurídica subjacente à acção nº 450/11.7BECTB, não se vislumbra qualquer prejuízo que a suspensão da instância possa ter, sobretudo para a outra recorrente na medida em que está em causa o pagamento de uma quantia pecuniária por parte do Município recorrido o que pode ser feito a qualquer altura, prevendo a lei mecanismos que compensem o ora recorrido pela eventual demora na efectivação de tal pagamento.

Face ao alegado, não vislumbra o ora recorrido qual a questão de direito que mereça melhor aplicabilidade, uma vez que os requisitos de aplicação aos presentes autos do artigo 272º do CPC foram esmiuçados e fundamentados (Por outro lado, a questão de fundo invocada no pedido da acção 2/10.9BECTB, é uma dívida proveniente de facturas de água e saneamento).

Foi o ora recorrido que invocou a nulidade do contrato de concessão - questão essa sim de fundamental relevância - processo esse cujo desfecho será fundamental, caso proceda como assim esperamos, para discutir a viabilidade de cobrança das facturas, não só para o Município recorrido como também para os restantes municípios do sistema multimunicipal.

Termos em que se deve concluir pela não admissão do Recurso de Revista por não preencher os requisitos de excepcionalidade mencionados no artigo 150.º do CPTA.

No entanto, caso o entendimento de V. Exas. Venerandos Conselheiros, seja o de admissão e análise da revista - o que por mera cautela e dever de patrocínio se menciona, sempre se dirá que,

DA REVISTA

O presente recurso é, salvo o devido respeito, desprovido de qualquer fundamento, pois a decisão recorrida é inatacável.

De facto, o recorrente não consegue, de modo algum, atacar a bem elaborada e fundamentada decisão dos Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal a quo, para a qual nos remetemos inteiramente.

Andou bem o Tribunal a quo ao decidir como decidiu pela suspensão da instância nos termos do disposto no artigo 272º do CPC.

Ao contrário do alegado pelo ora recorrente há identidade de pedidos e causa de pedir nas duas acções em questão.

O pedido na acção n. 450/11.7 BECTB é:

Termos em que deve a presente acção ser julgada procedente por provada, devendo, em consequência, ser declarada a nulidade do contrato de concessão devidamente identificado nos arts. 13º e 14º da presente, com todas as devidas e legais consequências, nomeadamente a nulidade consequente dos contratos referidos no supra art. 15º.

Sendo que os contratos referidos no art. 15º a que o pedido atrás transcrito faz alusão são “(...) três contratos: um contrato de recolha de efluentes, um contrato de fornecimento de água, e um contrato de valorização das infra-estruturas municipais existentes em cada um dos respectivos concelhos e a integrar na concessão.”

Entenderam e bem os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação, no douto acórdão recorrido que a propositura e a pendência dessa acção consubstancia uma questão, ou melhor, uma causa prejudicial em relação ao presente processo, pois a decisão que vier a ser proferida no processo nº 450/11.7BECTB afectará o julgamento e a decisão que vier a ser proferida nesta instância.

Efectivamente, no caso de o contrato de concessão e/ou de os contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes (que, repete-se, foram invocados como causa de pedir nestes autos) vierem a ser declarados nulos, tal implicará a improcedência da presente acção atentas as consequências que a declaração de nulidade acarreta.

Na verdade, resulta do disposto no nº 1 do art. 134º do Código do Procedimento Administrativo a total improdutividade de efeitos jurídicos dos actos nulos, o que afectará de forma irremediável o desfecho da presente acção caso a pretensão deduzida no processo nº 450/11.7BECTB venha a proceder.

Dito de outro modo, se a acção nº 450/11.7BECTB do TAF de Castelo Branco vier a ter um desfecho favorável ao peticionado pelo aí co-autor e ora requerente, resulta que soçobrará o único fundamento de facto invocado na petição inicial para reclamar o pagamento das facturas em causa, e que é a própria existência do contrato de concessão e dos contratos de fornecimento de água e de recolha de efluentes no âmbito dos quais foram emitidas as facturas cujo pagamento a A. reclama.

Deste modo, dúvidas não temos de que o referido processo nº 450/11.7BECTB corresponde a uma acção em que se discute a título principal uma questão que é essencial para a decisão que vier a ser proferida nos presentes autos, pois afectará decisivamente o seu julgamento.

Dito de outra forma ainda, no processo nº 450/11.7BECTB discute-se a título principal uma questão que é essencial para a decisão da presente acção, pelo que temos que concluir pela existência de uma relação de dependência ou de prejudicialidade entre as duas acções, na medida em que a decisão que vier a ser proferida na já referenciada acção nº 450/11.7BECTB é susceptível de afectar de forma decisiva os presentes autos, podendo mesmo tornar inútil a sua apreciação»


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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 12 de Julho de 2017.

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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, não emitiu pronúncia.

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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

Os factos provados, são os constantes do Acórdão recorrido, para onde se remete, ao abrigo do disposto no nº 6 do artº 663º do C.P.C.


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2.2 FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Águas do Zêzere e Côa, S.A., actualmente, Águas de Lisboa e Vale do Tejo, S.A. [doravante designada ALVT, S.A.] interpôs a presente revista do acórdão do TCA-Sul que, revogando o despacho saneador e a sentença condenatória proferida pelo TAF de Castelo Branco – na qual o réu Município do Fundão fora condenado no pedido, conexo com o pagamento de serviços (de fornecimento de água e de recepção de efluentes) de que seria credora a aqui recorrente – determinou que a instância dos autos se suspendesse por pendência de uma causa prejudicial, deduzida pelo réu contra a autora.

Ou seja, a 1ª instância condenou o réu a pagar à autora as importâncias relativas ao pagamento de serviços prestados (fornecimento de água e saneamento) e respectivos juros de mora.

Porém, no despacho saneador tinha decidido não suspender a presente acção até ser decidida uma outra que tem como objecto a declaração de nulidade do contrato de concessão, ao abrigo do qual foram celebrados os contratos, cujas prestações estão agora a ser peticionadas.

No recurso para o TCA, o Réu colocou a questão da suspensão da acção e o TCA Sul, depois de considerar que o recurso da sentença final era o momento adequado para impugnar a decisão que não suspendeu a instância, julgou procedente o recurso, revogou a sentença, suspendeu a instância até decisão do processo 450/11.7BECTB e anulou o processado a partir da sentença condenatória, inclusive.

Nesta revista ora intentada é colocada em causa, portanto e exclusivamente, a decisão que determinou a suspensão do processo, sendo que, como resulta do acórdão que a admitiu e do que a admitiu no proc. nº 595/17, se refere expressamente que «a recente jurisprudência recente deste STA é no sentido de que – mesmo perante a nulidade dos contratos entre os Municípios e as empresas prestadoras de serviços similares – subsiste o dever de pagar tais serviços – cfr. acórdão de 04-05-2017, proferido em formação alargada do STA no processo 01209/16.

Justifica-se, deste modo, a intervenção do STA com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito relativamente à oportunidade de suspensão da instância, uma vez que o fundamento da suspensão foi a nulidade dos contratos ao abrigo dos quais foram prestados os serviços cujo pagamento é reclamado; ou seja, para que seja reapreciada a questão da relevância nesse contexto da decisão do processo 450/11.7BECTB».

Vejamos:

E o nó górdio da questão, consiste unicamente em apurar se a acção que corre termos sob o nº 450/11.7BECTB se consubstancia numa causa prejudicial, com virtualidade de influenciar a presente acção, sendo que o entendimento do tribunal recorrido [TCAS] foi afirmativo no sentido de haver uma dependência entre as duas acções, tendo para tanto, deixado consignado:

«O DL 121/2000 de 4-julho criou o Sistema Multimunicipal de Abastecimento de Água e de Saneamento do Alto Zêzere e Côa, para captação, tratamento e abastecimento de água para consumo público e para recolha, tratamento e rejeição de efluentes dos municípios de Almeida, Belmonte, Covilhã, Figueira de Castelo Rodrigo, Fundão, Guarda, Manteigas, Meda, Penamacor, Pinhel e Sabugal.

E constituiu a sociedade ora Autora e definiu o seu estatuto como concessionária.

A A. é, por contrato de concessão (de 15-9-2000), a concessionária daquele sistema. O R. é um dos acionistas da A. (cf. o artigo 5º/2 do DL 121/2000).

Na sequência, as partes nestes autos celebraram 3 contratos, entre os quais:

-um de fornecimento de água ao R., mediante contraprestação pecuniária do R.,

-e outro de recolha de efluentes no território do R., mediante contraprestação pecuniária do R.

Tais contratos remetem expressamente muita da sua regulação para o contrato de concessão referido, celebrado entre a A. e o Estado.

As faturas não pagas e constantes dos factos resultam daqueles contratos. A A. também está a cobrar ali a taxa de recursos hídricos prevista no DL 97/2008.

A pretensão da autora assenta num edifício jurídico uno e complexo onde pontifica, por esta ordem, o seguinte:

1º-o DL 379/93,

2º-o DL 319/94,

3º-o DL 162/96,

4º-o DL 121/2000,

5º-o contrato de concessão cit.

6º-e os cits. contratos entre as partes deste processo.

No outro processo, o nº 450/11 cit., o ora R. e outros municípios pedem, contra a ora A. e o Estado, a declaração de nulidade do contrato de concessão.

Assim, se tal ação proceder, com a nulidade do (prévio) contrato de concessão, a ora A. deixará de ter a base jurídica concreta para agir que invoca na p.i., uma vez que a quase totalidade da relação contratual pressuposta na p.i. deste nosso processo e nas faturas está regulada no contrato de concessão, para onde aliás os contratos entre estas partes remetem.

É, ainda, certo que, de acordo com o DL 121/2000, o contrato de concessão cit., para onde remetem os contratos donde resultaram estas faturas, é, depois da Constituição e dos 4 atos legislativos cits., o elemento central do sistema multimunicipal cit. onde se integra a relação jurídica contratual especial entre estas partes e as alegadas dívidas vencidas do R. à A. e constantes das faturas cits.

Portanto, o processo nº 450/11.7BECTB cit. é uma ação prejudicial quanto a esta ação (cf. artigo 272º NCPC). E, estando esse processo em curso desde 2011, com a importância nuclear que tem para a sorte desta ação, conclui-se que há todo o interesse e utilidade em fazer este processo aguardar mais um pouco pela sorte da causa prejudicial. Não há qualquer vantagem ou lógica em “fazer andar” esta ação e o cumprimento da sua eventual procedência, se a breve trecho (o processo prejudicial é de 2011, que entretanto já teve sentença entretanto impugnada para este TCAS) os alicerces dela (…) poderão ruir com o eventual sucesso do pedido feito no processo prejudicial com nº 450/11.7BECTB.” (sublinhado nosso) - também neste sentido, Acs. deste TCA Sul de 6.10.2016, proc. nº 11815/15, e de 15.12.2016, proc. nº 2/10.9 BECTB (13753/16)».


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Não cremos, porém, que o assim decidido, se mostre em conformidade com o direito aplicável.

Vejamos:

Dispõe o artº 272º do CPC:

«1. O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado;

2. Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão (…) se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.

(…)»

Resulta do exposto que, em princípio, estamos perante uma causa prejudicial quando o julgamento dela pode destruir a razão de ser da outra causa; é assim, aquela que tenha por objecto pretensão que constitui pressuposto da formulada, como bem define José Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, vol. 1º, p. 501.

Por outro lado, a ordem do tribunal, por motivo justificado, é causa da suspensão da instância - artigo 272º, nº 1 do CPC.

Porém, no caso dos autos, a acção 450/11.7 não poderá nunca destruir a razão da presente acção, inclusive, porque tem vido este Supremo Tribunal a decidir que, mesmo no caso de os contratos serem nulos ou até em situações de inexistência de contratos, os Municípios têm por obrigação proceder ao pagamento das facturas decorrentes da efectiva prestação de serviços por parte das empresas concessionárias, aplicando-se aqui o princípio do enriquecimento sem causa, uma vez que, em caso de prestações de serviços efectivos, se o Município não pagar esses serviços está a usufruir indevidamente dos mesmos, ou seja, sem contrapartida, pelo que o montante devido fica ilicitamente na sua posse.

Ou seja, a recente jurisprudência recente deste STA é no sentido de que – mesmo perante a nulidade dos contratos entre os Municípios e as empresas prestadoras de serviços similares – subsiste o dever de pagar tais serviços. - cfr. neste sentido o Acórdão de 04.05.2017, proferido em formação alargada do STA no processo 01209/16, onde se consignou a este propósito:

«As declarações de vontade constitutivas dos contratos não têm de ser explícitas nem sincrónicas (arts. 217º e 228º e ss. do Código Civil). E, por isso, é possível surpreender um acordo entre as partes, não escrito, em comportamentos por elas voluntariamente assumidos.

E essa possibilidade mostra-se efectivada «in casu». Na medida em que o réu, de modo continuado, emitia os efluentes para a autora e esta os recepcionava, deve esse estado de coisas qualificar-se – para que o direito reproduza fielmente a realidade – como um acordo entre as partes, determinativo da obrigação de recepção dos efluentes por banda da autora.

No entanto, está provado que o réu «sempre» disse à autora que não se considerava obrigado a pagar-lhe qualquer preço ou tarifa por causa da recepção de tais efluentes (cfr. o facto EEE). Trata-se de um dado firme e relevante – embora esse «sempre» deva ser encarado com a restrição advinda do acordo aludido no facto GGG e que respeitou ao ano de 2005. Sabemos, assim, que o desacordo das partes não se limitou à simples determinação do preço ou tarifa (cfr. o art. 883º do Código Civil), mas que incidiu sobre a própria existência de uma contrapartida patrimonial. O que levanta a questão de saber se tal postura do município réu, negatória da onerosidade do contrato, afasta a possibilidade desse pacto, ainda que «sine forma», alguma vez ter surgido («vide», a propósito o art. 232º do Código Civil).

Ora, afigura-se-nos que essa drástica solução – a de não haver um contrato oneroso em virtude do réu «sempre» ter recusado a respectiva onerosidade – é de rejeitar no caso presente.

O âmbito das relações contratuais do género encontra-se regulado «ex lege» (cfr. o DL nº 379/93, de 5/11, e o DL nº 171/2001, de 25/5). E dessa regulação resulta que os serviços prestados por concessionários, e relativos à recepção de efluentes provindos de municípios, estão sujeitos a um tarifário administrativamente fixado.

Nesta ordem de ideias, a atitude do réu município – que voluntariamente aderiu a um serviço cuja onerosidade conhecia, embora dela discordasse – corresponde à sua aceitação de negociar com a autora, fazendo-o de maneira que esta ficasse obrigada a receber os efluentes. Ora, esse negócio jurídico, aceite «a silentio» pelo réu, só podia inscrever-se no tipo contratual disponível – e que até fora definido por lei. E, como esta definição já incluía o «quantum» a pagar pelo serviço que a autora prestasse, estava vedado ao réu – perante a incindibilidade do tipo contratual disciplinador das relações entre as partes – aceitar as vantagens do negócio, beneficiando deveras do serviço, e simultaneamente rejeitar a contrapartida pecuniária desse benefício.

Portanto, acompanhamos o acórdão recorrido quando ele disse que as partes se uniram num vínculo negocial relativo à recepção dos efluentes domésticos no ano de 2011. E, ante o que se dispunha no art. 184º do CPA, na redacção então vigente, concordamos com o aresto a propósito da nulidade desse contrato, por falta de forma (art. 220º do Código Civil).

E é de assinalar a absoluta impossibilidade de acometer um tal juízo – o de que houve um contrato de prestação de serviços nulo por falta de forma, mas gerador de consequências – através da mera invocação de princípios jurídicos ou do instituto do abuso do direito, como faz o recorrente. Aliás, se tal abuso houvesse – e não há – ele obrigaria a encarar o contrato como válido, em vez de se ignorar o negócio ou tomá-lo como inexistente.

Prossigamos, portanto, na linha decisória adoptada pelo TCA, que considerou nulo o negócio relativo à recepção dos efluentes domésticos no ano de 2011 e, depois disso, ponderou os efeitos dessa nulidade.

Neste campo, em que convocou o art. 289º do Código Civil, o aresto «sub specie» também decidiu com acerto. Tratando-se de um negócio de execução continuada, e não sendo possível devolver o serviço – de recepção de efluentes – que a autora já prestou, o programa restitutivo, a cargo do município réu, tem de sucedaneamente passar pelo pagamento do valor correspondente à prestação da autora. E esse valor é o do tarifário administrativamente fixado. É certo que o réu considera que tais tarifas são ilegais ou ineficazes e que lhe são inoponíveis. Mas a impugnação das tarifas deveria fazer-se num processo próprio, necessariamente dirigido contra a entidade que as estabeleceu. Nesta acção, a presença desse tarifário surge-nos como um dado incontornável e determinante na fixação do valor objectivo do serviço que a autora prestou ao réu e que há-de ser pago – já que a restituição do serviço é impossível, pela própria natureza das coisas.

Contra esta solução, que directamente afasta o conteúdo da conclusão RR) da minuta de recurso, o réu esbraceja múltiplos argumentos. Mas nenhum deles se mostra minimamente persuasivo.

Desde logo, é óbvio que a obrigação restitutiva a cargo do réu – que voluntariamente aderiu a um contrato tipicamente oneroso e de execução continuada, pretendendo ao mesmo tempo negar o respectivo sinalagma – não é afectada pelo conteúdo de quaisquer princípios administrativos ou por considerações ligadas ao teor da Lei n.º 8/2012, de 21/2, e à autonomia administrativa e financeira do município. Com efeito, e por falta de uma medida comum, nada disso briga com a necessidade, aliás imposta «ex vi legis», de se imporem restituições por via da nulidade do negócio. Ou seja: tais objecções, onde também se integra a tese falaz de que o município nunca se obrigaria sem uma deliberação prévia, não têm a virtualidade de impedir a activação do art. 289º do Código Civil.

Também não colhe a ideia de que nenhum «preço» haveria a restituir – ou que ele deveria ser menor do que o tarifado – porque os efluentes constituiriam uma matéria-prima de que a autora beneficiou. Aqui, continua a valer o que já dissemos: desde que o tarifário foi administrativamente fixado sem que essa fixação fosse atacada e suprimida nalgum processo movido contra o respectivo autor, não pode o réu – utilizador de um serviço que sabia estar tarifado – questionar nestes autos as tarifas que então vigoravam a pretexto de que elas seriam excessivas face aos custos reais do serviço e às relações que o município decidira manter com os seus munícipes.

O recorrente claudica ainda quando invoca, a seu favor, o princípio da protecção da confiança. A circunstância de, no passado e relativamente a um antecessor da autora, o serviço ter sido gratuito não implicava que assim continuasse após ser tarifado por via administrativa. Assim, não faz sentido que o recorrente, perfeitamente sabedor de que a autora prestava um serviço remunerado, afirme que tinha a confiança – legítima ou juridicamente titulada – de que o serviço seria gratuito.

O recorrente também invoca a «exceptio non adimpleti contractus», a que alude o art. 290º do Código Civil, por referência ao art. 428º do mesmo diploma. Mas essa figura supõe uma simultaneidade das prestações restitutivas. «In casu», e como o serviço prestado pela autora não pode ser devolvido pelo réu, que haverá de sucedaneamente restituir o valor do serviço que recebeu, logo se vê que tal «exceptio» não tem aplicação.

Igualmente, não convence a alegação de que a autora, ao reclamar do réu o «quantum» correspondente às tarifas administrativamente estabelecidas, ofende os ditames da boa-fé. Ao invés, e na medida em que prestou o serviço a que o município aderira, a autora estava em condições de se considerar credora do réu, reclamando dele o respectivo custo – calculável segundo o tarifário estabelecido.

E importa dizer que o alegado pelo recorrente a propósito do enriquecimento sem causa invocado pelo réu como «causa petendi» subsidiária é irrelevante, visto que o acórdão «sub censura» não resolveu a acção por esse segundo prisma – cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução dada ao pleito».

Ora, sendo esta a posição assumida neste Supremo Tribunal Administrativo, em sede de julgamento em formação alargada, mostra-se destituída de fundamento a argumentação utilizada no acórdão recorrido que determinou a suspensão da instância em virtude da pendência da acção nº 450/11.7 BECTB [nulidade dos contratos ao abrigo dos quais foram prestados os serviços cujo pagamento é reclamado]; ao invés, o que se verifica é que no caso dos autos, é irrelevante o desfecho da referida acção, face à aplicação do direito que deve ser efectuada, não havendo motivo legal que justifique a suspensão da instância, uma vez que não se baseia em qualquer questão prejudicial, na medida em que a decisão da acção não tem qualquer influência no pedido de pagamento das facturas que constitui o objecto da presente acção.

DECISÃO:

Atento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em conceder provimento ao recurso e revogar o acórdão recorrido, com todas as consequências daí decorrentes.

Custas a cargo do recorrido.

Lisboa, 15 de Março de 2018. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.