Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0955/19.1BEAVR-S1
Data do Acordão:07/02/2020
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
EFEITO SUSPENSIVO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão que – no âmbito de uma acção impugnatória do acto culminante de um concurso público tendente à aquisição de serviços de manutenção de infra-estruturas ligadas ao fornecimento de água e à recepção de saneamento – levantou o efeito suspensivo automático (art. 103º-A do CPTA), porquanto tudo sugere que a solução seguida no aresto partiu de uma correcta qualificação e avaliação das normas aplicáveis e dos interesses contrapostos em presença.
Nº Convencional:JSTA000P26190
Nº do Documento:SA1202007020955/19
Data de Entrada:06/17/2020
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:ADRA - ÁGUAS DA REGIÃO DE AVEIRO, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
A………….., Ld.ª, interpôs a presente revista do acórdão do TCA Norte que, revogando a decisão oposta proferida no TAF de Aveiro, levantou o efeito suspensivo automático inerente à acção de contencioso pré-contratual que a recorrente movera à ADRA – Águas da Região de Aveiro, SA, e a duas contra-interessadas.

A recorrente pugna pela admissão da revista por ela recair sobre matéria relevante e que terá sido incorrectamente julgada.
A ADRA contra-alegou, defendendo a inadmissibilidade da revista.

Cumpre decidir.
Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA’s não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150º, n.º 1, do CPTA).
A ADRA abriu um concurso público para a aquisição de serviços de manutenção, correctiva e preventiva, de infra-estruturas ligadas ao fornecimento de água e à recolha e tratamento de efluentes residuais. Esses serviços foram adjudicados, «in primis», à agora recorrente. Contudo, a adjudicação foi anulada por um acto administrativo posterior, que elegeu a proposta de uma outra concorrente como vencedora do concurso.
A aqui recorrente impugnou «in judicio» o referido acto – ao que se seguiu o efeito suspensivo automático previsto no art. 103º-A do CPTA. Então, a ADRA solicitou ao TAF o levantamento desse efeito suspensivo, alegando que necessita urgentemente da prestação dos serviços postos a concurso. Mas o TAF não reconheceu tal necessidade; e, ponderando que a ADRA sempre poderá proceder, em casos de urgência, à contratação de terceiros «ad hoc», indeferiu o pedido daquele levantamento.
Inconformada, a ADRA apelou – e o TCA concedeu provimento ao recurso. Essencialmente, o acórdão ora «sub specie» entendeu que o tipo de serviços a que respeita o procedimento pré-contratual – actividades de manutenção, sem as quais podem perigar as infra-estruturas da ADRA e, depois, as próprias actividades que ela presta – é demonstrativo de que, sopesando os interesses conflituantes em presença, se impõe o levantamento do efeito suspensivo, atenta a superioridade do interesse público.
A isso – que, na economia do aresto, por si só bastaria para revogar a decisão do TAF – o TCA acrescentou que a recente realidade fáctica e jurídica, resultante da actual «situação epidemiológica», mostra a essencialidade dos serviços de abastecimento de água e de captação de saneamento, assim se sublinhando a necessidade de se levantar o efeito suspensivo automático.
Na sua revista, a recorrente insurge-se «in extenso» contra o acórdão recorrido. Mas está longe de ser persuasiva.
«Ante omnia», convém notar que as questões ligadas ao art. 103º-A do CPTA só raramente são avocáveis pelo Supremo, porquanto respeitam a incidentes processuais cujo desfecho, quase sempre centrado numa ponderação de interesses, sobretudo depende de juízos sobre factos. O que, todavia, não exclui que, em torno do preceito, se suscitem genuínas «quaestiones juris», porventura necessitadas de reanálise.
Voltando ao acórdão, é flagrante que não precisamos de convocar a legislação última, reactiva à situação de epidemia, para atribuirmos essencialidade aos serviços, de saneamento e de fornecimento de água, que a recorrida presta numa vasta zona territorial. Pelo que a bondade do aresto «sub censura» pode ser aqui aferida – numa «brevis cognitio» – à margem dessas novidades legislativas.
É do interesse público que aqueles serviços de água e de saneamento sejam prestados e que o sejam bem e fielmente. Mas, para tanto, impõe-se que os respectivos equipamentos sejam cuidados por serviços de manutenção prontos e eficazes – a cuja aquisição se ordenou o procedimento pré-contratual dos autos. E não há dúvida que o incidente em presença prossegue o interesse público de que haja, desde já, uma tal manutenção.
Ao pedir o levantamento do efeito suspensivo automático, a ADRA invocou a sua incapacidade para manter, por si, as infra-estruturas em causa. E essa sua afirmação é logo credibilizada pela própria abertura do concurso.
E é também óbvio que a necessidade de permanentemente se dispor de serviços de vigilância e de manutenção dos equipamentos aponta imediatamente para a conveniência de se levantar tal efeito – como o TCA decidiu, sopesando os contrapostos interesses em presença.
Só assim não seria se – como disse o Mm.º Juiz do TAF – considerássemos equilibrado que a ADRA, «medio tempore», se limitasse a contratar terceiros para a execução casuística de serviços de manutenção. Mas o TCA não foi por aí e cremos que bem; pois o alvitre do TAF – multiplicador de contratantes e resolutivo do que é «obscurus per obscurius» – não parece razoável nem reclama adesão.
Aliás, na base dessa ideia do TAF está o reconhecimento de que os equipamentos da ADRA têm mesmo de ser mantidos enquanto a lide não se resolver. Mas se assim é, não se discerne em que medida os interesses da aqui recorrente seriam mais afectados por tal manutenção ser assegurada pela vencedora do concurso, em vez de sê-lo por qualquer terceiro contratado «ad hoc». Afinal, e em ambos os casos, tudo redunda no mesmo – num hipotético surgimento de responsabilidades indemnizatórias, dependentes do êxito da acção principal.
Assim, ao privilegiar um desfecho que garante as melhores condições para uma boa prestação da actividade da recorrida – e esse é o exacto ponto onde se localiza o interesse público – o aresto «sub specie mostra-se acertado «prima facie», sendo desnecessário revê-lo.
Por outro lado, o litígio recai num domínio incidental, sem que no recurso se coloque qualquer dúvida séria sobre a compreensão e a extensão de algum conceito jurídico relevante.
Pelo que deve prevalecer, «in hoc casu», a regra da excepcionalidade das revistas.

Nestes termos, acordam em não admitir a revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 2 de Julho de 2020. - Madeira dos Santos (relator) - Teresa de Sousa - Carlos Carvalho.