Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01445/03
Data do Acordão:06/24/2004
Tribunal:1 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:JOÃO CORDEIRO
Descritores:CONTRATO DE CONCESSÃO DE EXPLORAÇÃO.
BINGO.
DEPÓSITO.
CHEQUE.
EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
Sumário:I - As infracções do REJB (DL 314/95 de 24/11) praticadas pelos concessionários estão tipificadas como infracções administrativas sendo as sanções aplicadas sindicáveis pelos meios contenciosos.
II - A falta de depósito na CGD até ao dia 10 do mês seguinte àquele a que as receitas se reportam, de percentagem que reverte para entidades do sector público, constitui infracção grave do concessionário.
III - O uso de cheque para satisfação deste dever constitui um "datio pro solvendo" pelo que a obrigação de depósito só ficaria satisfeita se o cheque tivesse provisão na sua apresentação a pagamento no banco sacado.
IV - Não tendo o cheque obtido pagamento haverá de considerar-se verificada a aludida infracção.
V - Os recursos contenciosos são de mera legalidade, não cabendo aos tribunais administrativos apreciar o mérito, a oportunidade das decisões administrativas.
Nº Convencional:JSTA00060675
Nº do Documento:SA12004062401445
Data de Entrada:09/15/2003
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DO TURISMO
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SE DO TURISMO DE 2003/05/23.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - CONTRATO.
ACTO.
Legislação Nacional:ETAF84 ART6 ART26 N1 C.
REGULAMENTO DA EXPLORAÇÃO DO JOGO DO BINGO APROVADO PELO DL 314/95 DE 1995/11/24 ART38 N1 M ART39 N1 B ART41 ART42 N3 ART44 N3.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na 1ª Secção do STA:
A... interpôs recurso contencioso de anulação do despacho de 23-5-03 do SECRETÁRIO DE ESTADO DO TURISMO negando provimento ao recurso hierárquico necessário interposto da decisão do Inspector Geral de Jogos, impondo-lhe a coima de €1500 por falta de depósito atempado da receita pertencente ao sector público das receitas de exploração de uma sala de bingo.
Na resposta, a autoridade recorrida, suscitou a questão prévia da competência do STA para o julgamento do presente recurso, pois, no seu entender a competência para conhecer das decisões administrativas em processo de contra-ordenação é do tribunal da comarca, nos termos do p. nos arts. 59º e ss. do DL 433/82 de 27-10. Subsidiariamente pede o improvimento do recurso.
Nas alegações, o recorrente, para além de defender a competência deste tribunal, reiterando a posição assumida na sua petição aceitando ter responsabilidade por pagamentos intempestivos, invocando o facto de ser empresa sem fins lucrativos, uma agremiação desportiva com fim eminentemente social, acaba por apelar para a compreensão de quem de direito, para o ajudarem a fazer face a estes obstáculos, de forma a poder desempenhar, na sociedade portuguesa o papel que vem desenvolvendo há muitas décadas.
A autoridade recorrida reitera as posições assumidas na sua resposta.
O EMMP emitiu parecer no sentido da improcedência da questão prévia, concluindo pelo improvimento do recurso contencioso.
O processo correu os vistos legais, cumprindo-nos, agora, a decisão.
Com interesse para a decisão, resulta provada a seguinte matéria de facto:
O recorrente é concessionário de uma sala do jogo do bingo, sita no ..., no Porto.
Em tal qualidade, incumbe-lhe a obrigação de depositar, até ao dia 10 do mês seguinte àquele a que respeita, a percentagem de receita de tal jogo pertencente ao sector público.
Para cumprimento de tal obrigação e em relação à receita do mês de Abril de 2002, entregou, na filial do Porto da CGD, em favor da Inspecção Geral de Jogos o cheque n.º 3313583142 sacado sobre a agência do Porto do ..., no valor de € 48.588,20 e que, apresentado a pagamento, foi devolvido, em 16-5-02, por falta de provisão.
Esta quantia veio a ser depositada, posteriormente, em 27-6-02.
Considerando a existência de esta entrega de fundo ter ultrapassado o prazo legal, a IGJ, por decisão de 21-5-02, aplicou-lhe a multa de 1500 euros, por violação do disposto no n.º 1 do art. 30º do REJB aprovado pelo DL 314/95 de 24-11.
Esta decisão foi confirmada pelo despacho ora recorrido.
Passando-se à apreciação das questões suscitadas no presente recurso contencioso, haverá que conhecer-se, previamente da competência do tribunal, o que equivalerá por dizer-se, da propriedade do meio de impugnação, tudo radicando da qualificação da infracção e determinação do seu regime jurídico.
Pretende a autoridade recorrida que a apreciação judicial da regularidade da actuação administrativa na matéria dos presentes autos compete ao tribunal comum, nos termos do previsto nos arts. 59º e ss. do DL 433/82 de 27-10.
Desde já diremos que lhe não assiste razão.
No REJB, diploma a que se reportarão todas as disposições legais a citas r, sem outra especial menção de origem, claramente se distinguem as infracções praticadas pelos concessionários, qualificadas como administrativas, punidas com multa e rescisão de contrato, p. nos arts. 37º a 40º e as infracções cometidas seja por empregados (arts. 41º e 42º) ou por frequentadores (art. 43º e 44º) e que são classificadas como contra-ordenações, puníveis por coimas.
Destas contra-ordenações cabe impugnação judicial nos termos do p. no DL 433/82 para o tribunal comum (arts. 42º/3 e 44º/3).
Porém das infracções administrativas dos concessionários, das decisões do IGJ cabe recurso hierárquico para o membro do Governo responsável pela área do turismo (art. 39º/2) e da decisão deste, recurso contencioso. (art. 26º, n.º1 al. c) do ETAF).
Estando em causa uma infracção administrativa imputada a um concessionário, correctos foram os meios de impugnação usados, designadamente no que tange à competência em razão da matéria do tribunal demandado.
Pelo exposto, improcede a questão prévia de incompetência suscitada pela autoridade recorrida.
No que toca ao fundo da causa:
Sem dúvida que ao ora recorrente, como concessionário e nos termos do p. no n.º 1 do art. 30º incumbia a obrigação de depositar na CGD, até ao dia 10 do mês seguinte a que as receitas se reportam, da parte da receita bruta da venda de cartões de bingo a reverter para entidades do sector público, sendo de tal percentagem de receita fiel depositário.
Também não merece controvérsia que o incumprimento de tal dever e nos termos do p. p. nas als. m) do n.º 1 do art. 38º e b) do n.º 1 do art. 39º constitui infracção qualificada de grave correspondendo-lhe pena de multa fixável na escala de 200.000$00 a 500.000$00, no equivalente a € 1000 a 2500.
O recorrente, em 10 de Maio, depositou um cheque para depósito da parte da receita pertencente ao sector público, ou seja, de acordo com os hábitos, facilidade, efectuou uma prestação diferente da exigida (depósito de dinheiro), ou seja e nos termos do p. no art. 840º do CCivil, não fez o pagamento (datio in solutu), mas sim uma dação em função do pagamento (datio pro solvendo), pelo que a obrigação só ficaria extinta quando o crédito ficar satisfeito e na medida em que o seja.
Ora, não obtendo o cheque pagamento quando foi apresentado a pagamento, a obrigação do concessionário não foi cumprida na data prevista na lei, pelo que é inquestionável a verificação da infracção administrativa, com a atenuante do posterior, se bem não atempado, pagamento.
Ponderando a moldura penal, a existência de outras infracções do mesmo tipo já antes verificadas, a fixação da medida concreta da punição, com acréscimo, apenas de metade do seu limite mínimo e de 1/5 do seu máximo não se nos afigura como desproporcionada.
Finalmente, e quanto à última conclusão apresentada:
Nos termos do p. no art. 6º do ETAF, os recursos contenciosos são de mera legalidade, não cabendo aos tribunais administrativos, em tal sede, apreciar o mérito, a oportunidade das decisões administrativas tomadas e sujeitas à sua apreciação, pelo que não pode este tribunal apreciar o apelo à ajuda a fazer face aos obstáculos, às dificuldade decorrentes do pagamento das multas, em ordem à possibilidade de desempenho das meritórias tarefas na sociedade portuguesa.
Pelas razões expostas, acorda-se em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com € 400 de taxa de justiça, sendo a procuradoria de metade.
Lisboa, 24 de Junho de 2004.
João Cordeiro – Relator – Azevedo Moreira – Santos Botelho