Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01267/17
Data do Acordão:12/13/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22689
Nº do Documento:SA22017121301267
Data de Entrada:11/13/2017
Recorrente:A...
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A………………, melhor identificado nos autos, vem interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a reclamação por ele interposta, mantendo na ordem jurídica o despacho que indeferiu a restituição de valores penhorados no processo executivo nº 3581199401020463.

Inconformado com o assim decidido, veio apresentar as suas alegações de recurso, com o seguinte quadro conclusivo:
«1- O recorrente discorda da decisão recorrida.
2- O recorrente, no processo n° 2793/08.8BEPRT que correu termos no TAF do Porto, reagiu contra a penhora que incidiu sobre a sua pensão de reforma, invocando a prescrição dos processos executivos à ordem dos quais a mesma tinha sido ordenada.
3- A Fazenda Pública reconheceu a prescrição dos tributos, na pendência do processo n° 2793/08.8BEPRT, tendo o mesmo sido extinto, consequentemente, por inutilidade superveniente da lide
4- Na sentença sob recurso o Tribunal a quo entendeu, agora, julgar e pronunciar-se sobre matéria que o mesmo Tribunal, no processo n° 2793/08.8BEPRT, entendeu ser inútil a pronúncia.
5- A decisão sob recurso fundamentou-se no probatório do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 12 de Dezembro de 2014, no processo n° 2793/08.8BEPRT, extraindo a conclusão de que a prescrição dos tributos só ocorreria em 21 de Novembro de 2011.
6- O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 12 de Dezembro de 2014, no processo n° 2793/08.SBEPRT, deu como provada a existência de citação do ora recorrente em 21/11/2006, concluindo, conquanto, que os autos desse processo não continham os elementos necessários para se aferir se as dívidas estavam prescritas ou não na data da citação do recorrente, ordenando a baixa dos autos para produção de prova nesse sentido.
7- Após a baixa dos autos, conforme ordenado no Acórdão identificado supra, a Fazenda Pública reconheceu, oficiosamente, a prescrição dos tributos em execução.
8- O Tribunal a quo, nos presentes autos, decidiu que os tributos só prescreviam em 21/11/2011.
9- A decisão sob recurso desenquadra-se, completamente, do objecto da reclamação, designadamente, do pedido constante da petição inicial.
10- O objecto dos presentes autos não implica a análise da data de prescrição dos tributos.
11- A Fazenda Pública já reconheceu a prescrição dos mesmos, no âmbito do processo n° 2793/08.8BEPRT.
12- A decisão sob recurso não teve em conta o conteúdo do Acórdão proferido pelo TCAN, o reconhecimento oficioso da prescrição pela Fazenda Pública e Sentença que considerou inútil a lide, no processo n° 2793I08.8BEPRT.
13- Na sentença de que se recorre, não só se verifica o excesso de pronúncia, como essa pronúncia em excesso está errada, por ferir o princípio do caso julgado formal.
14- A sentença sob recurso viola o caso julgado formal, dentro do mesmo processo de execução fiscal.
15- Não é verdade que os tributos tenham prescrito em 17/02/2016, nem em 21/11/2011.
16- É verdade que a Fazenda Pública só reconheceu a prescrição em 17/02/2016.
17- Se os tributos não estivessem prescritos antes da penhora, antes de 2008, a Fazenda Pública nunca poderia reconhecer a prescrição em 17/02/2016, uma vez que a notificação da penhora interrompe a prescrição dos tributos e a pendência de processo judicial suspende a prescrição (artigo 49° da LGT).
18- A Fazenda Pública só reconheceu a prescrição em 17/02/2016 porque os tributos já estavam prescritos em data anterior à penhora.
19- À data da penhora, quando foi efectuada a reclamação do processo n° 2793/08.8BEPRT, os tributos estavam prescritos, sendo ilegal a arrecadação de parte da pensão de reforma do recorrente, bem como a posterior aplicação dessa quantia ao pagamento dos impostos.
20- Foram violadas as normas constantes dos artigos 49° da LGT e 625° do CPC.
NESTES TERMOS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, PROFERINDO-SE DECISÃO QUE ORDENE A RESTITUIÇÃO AO RECORRENTE DA TOTALIDADE DA QUANTIA PENHORADA AO ABRIGO DA PENHORA EFECTUADA NO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL N° 3581199401020463 E APENSOS.

2 – Não foram apresentadas contra alegações.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls. 454/456 dos autos, pronunciando-se no sentido do não provimento do recurso, no entendimento de que não se verifica o invocado excesso de pronúncia e de que os efeitos do caso julgado no caso de inutilidade superveniente da lide extravasam a relação processual e não abrangem os factos subjacentes a uma tal decisão.

5 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

6 – O Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou como provado os seguintes factos com interesse para a decisão:

1. O processo de execução fiscal 3581199401020463 foi instaurado pelo Serviço de finanças de Vila Nova de Gaia 3 a 03 de Outubro de 1994 para cobrança coerciva da quantia de €174.194,30 (cento e setenta e quatro mil e cento e noventa e quatro euros e trinta cêntimos) — cfr. fls. 3 do processo físico;
2. Ao processo referido em 1) foram apensados os processos executivos n.ºs 3581199601007890, 3581199901017624, 3581199901022741 3581200001003151, 3581200001015680, 3581200001020072, 3581199501008927 e 3581199501018132— cfr. fls. 218 e 219 do processo físico e fls. 1142 e 1143 do processo físico do processo 2793/08.8BEPRT, apensado aos presentes autos e sentença proferida no processo 2793/08.8BEPRT, a fls. 1153 a 1160 de tais autos físicos;
3. O Reclamante foi citado para aqueles processos de execução no dia 21 de Novembro de 2006 — cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido a 12 de Dezembro de 2014 no processo 2793/08.BBEPRT, junto aos autos a fls. 156 a 165 do processo físico;
4. A aplicação das quantias penhoradas foi efectuada nos seguintes processos de execução fiscal:
- Em 22.12.2008 foi aplicado no PEF 3581199501008927 a importância de €331,73;
- Em 27.12.2008 foi aplicado no PEF 3581199501018132 a importância da €338,94;
- Em 30.09.2009 foi aplicado no PEF 3581199501008927 a importância de €331,73;
- Em 15.02.2008 foi aplicado no PEF 3581199801010239 a importância de €331,13;
- Em 15.02.2008 foi aplicado no PEF 3581199901022814 a importância de €995,19;
- Em 02.12.2008 foi aplicado no PEF 3581200201001760 a importância de €331,73;
- Em 17.07.2008 foi aplicado no PEF 3581199901022814 a importância de €683,46;
- Em 11.03.2008 foi aplicado no PEF 3581199901022314 a importância de €331,73;
-. Em 12.11.2008 foi aplicado no PEF 3581199901022814 a importância de €331,73;
- Em 29.09.2008 foi aplicado no PEF 3581199901022814 a importância de €331,73;
- Em 30.07.2008 foi aplicado nos PEFs 3581200201516604 e 3581200301017772 €331,73;
- Em 09.10.2008 foi aplicado no PEF 3581199901022814 a importância de €331,73;
- Em 19.02.2009 foi aplicado no PEF 3581199901022$14 a importância de €331,73;
- Em 03.06.2009 foi aplicado no PEF 3581200201001760 a importância de €331,73;
- Em 23.07.2009 foi aplicado no PEF 3681200201001760 a importância de €331,73;
- Em 17.09.2009 foi aplicado no PEF 3581200201001760 a importância de €331,73;
- Em 27.10.2009 foi aplicado no PEF 3581199901022814 a importância de €331,73;
- Em 01.04.2009 foi aplicado no PEF 3581200201003488 a importância de €331,73;
- Em 29.10.2009 foi aplicado no PEF 3581199501008827 a importância de €331,73.
(cfr. fls. 300 do processo físico)
5. Os processos de execução fiscal n.ºs 3581199601007890, 3581199901017624, 3581199901022741, 3581200001003151, 3581200001015680, 3581200001020072 foram declarados prescritos a 02 de Setembro de 2015— cfr. fls. 218 e 219 do processo físico;
6. Os processos 3581199401020463, 3581199501008927 e 3581199501018132 foram declarados prescritos por despacho datado de 17 de Fevereiro de 2016 — cfr. fls. 1142 e 1143 do processo físico do processo 2793/08 apensado aos presentes autos;
7. A 07 de Julho de 2016, o Reclamante apresenta requerimento no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1 a solicitar o cancelamento imediato das penhoras efectuadas ao abrigo desses processos — cfr. fls. 252 do processo físico;
8. Pelo ofício 8665, datado de 08 de Junho, foi o reclamante informado que as penhoras efectuadas nos processos executivos 3581199401020463, objecto de reclamação no processo 2793/08.8BEPRT e apensos foram canceladas. No que concerne ao pedido de restituição dos valores penhorados, cumpre-me informar que não procede à devolução, visto que os valores penhorados foram aplicados nos processos executivos em data anterior à prescrição — cfr. fls. 254 do processo físico;
9. A 27 de Junho de 2016, o Reclamante apresenta reclamação contra o despacho ínsito no facto provado 6), considerando-se aqui reproduzido todo o seu teor — cfr. fls. 256 a 261 do processo físico;
10. A 08 de Setembro de 2016 foi lavrada informação de que existiam depósitos provenientes de penhora de pensão, no montante de €10.283,63 no SF 3964 e de €13.932,66 no SF 3204, que não se encontravam aplicados — cfr. fls. 278 do processo físico;
11. No seguimento da referida informação foi proferido despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 1, a 08 de Setembro de 2016, do qual consta em face da informação que antecede, aqui dada por integralmente reproduzida e com a qual concordo, revogo o acto reclamado. Proceda-se à restituição das importâncias de €10.283,63 e €13.932,66. Notifique-se. — cfr. fls. 279 do processo físico;
12. Pelo ofício n.º 5000144520, datado de 12 de Setembro de 2016 foi o reclamante notificado do despacho referido em 11) — cfr. fls. 280 e 281 do processo físico;
13. A 27 de Setembro de 2016 o Reclamante dá entrada de requerimento, no qual concorda com a desnecessidade de subida da reclamação, mas no qual pede Nesses termos, de forma a ser apurado o valor real e efectivo a ser devolvido ao reclamante, requer-se a Vs Exª indique, detalhadamente, qual a fórmula de cálculo e de apuramento do valor que o serviço de finanças propõe devolver. Sem prescindir, a pensão de reforma do reclamante continua a ser objecto da mesma penhora, desde Março de 2016 até agosto de 2016. Requer-se, igualmente, que seja oficiado o levantamento imediato da penhora, devolvendo-se os valores arrecadados no período entretanto decorrido. — cfr. fls. 285 e 286 do processo físico;
14. Pelo ofício 5000161545, de 12 de Setembro de 2016, o Reclamante foi informado que o montante disponível para restituir ao contribuinte cifra-se em €24.216,29. O valor apurado resulta do facto de, ao montante penhorado, no total de €32.841,27, ter sido aplicado em data anterior à prescrição dos processos executivos o valor de €8.624,98. No que concerne ao pedido de cancelamento de penhora informa-se que em 21.07.2016 foi notificado o Instituto de Segurança Social do despacho de cancelamento da mesma — cfr. fls. 294 do processo físico;
15. A 21 de Outubro de 2016 o reclamante apresenta requerimento no qual solicita deve ser devolvida a quantia de €32.841,27 ou, em alternativa deve subir a reclamação a juízo. — cfr. fls. 297 do processo físico;
16. Pelo ofício 5000174632, datado de 14 de Julho de 2017, veio o Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia informar as datas de declaração da prescrição dos vários processos executivos em causa, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido — cfr. fls. 405 do processo físico.

7. Do objecto do recurso
Da análise do segmento decisório da sentença e dos fundamentos invocados pelo reclamante, ora recorrente para pedir a sua alteração, podemos concluir que são as seguintes as questões objecto do recurso:

a) Da nulidade da sentença recorrida, por excesso de pronúncia, ao ter conhecido da prescrição da dívida exequenda;
b) Da violação do princípio do caso julgado formal.
c) Do erro de julgamento da sentença recorrida ao decidir que a prescrição das obrigações subjacentes às dívidas exequendas não ocorreu em data anterior a 21 de Novembro de 2011 (atento o prazo previsto no número 2 do artigo 63, da Lei 17/2000, de 08/08).

7.1 Da alegada nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia e da invocada violação do princípio do caso julgado formal.
Mostram os autos que o recorrente apresentou, em 27/06/2016, reclamação judicial contra o acto do órgão de execução fiscal que indeferiu pedido de restituição de todas as quantias penhoradas, por via da declarada prescrição da obrigação exequenda.
A 08/09/2016 foi lavrada informação (fls. 278) no sentido de existirem depósitos provenientes de penhora de pensão que não se encontram aplicados no montante de € 10.283,63 e de € 13.932,66.
Com base nessa informação foi proferido despacho, nesse mesmo dia, pelo Chefe do Serviço de Finanças a revogar o acto reclamado e a ordenar a restituição das quantias referidas.
Na sequência da notificação desse despacho ao recorrente e depois de troca de correspondência entre aquele e a Administração Tributária concluiu-se que havia sido penhorado o montante total de € 32.841,27, mas que € 8.624,98 já haviam sido aplicados em data anterior à prescrição das dívidas, mantendo o recorrente o propósito da restituição do total do montante penhorado
O recorrente pretende, pois, a restituição do valor penhorado, no montante global de € 32.841,27, sendo certo que a Administração Tributária entende que apenas deve restituir € 24.216,29 (10.283,63+13.932,66).
Tendo sido proferida, sobre tal reclamação, uma primeira decisão judicial de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide – fls. 1153 a 1160 do IV volume, proc. 2793/08.8BEPRT - foi a mesma revogada por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 07.06.2017, a fls. 386/394, no qual se decidiu que os autos regressassem à primeira instância a fim de ser conhecido o mérito da reclamação quanto à questão de saber se deve ou não ser restituído ao reclamante, por força da da prescrição, a parte remanescente das quantias que lhe foram retidas coactivamente em virtude da penhora e que já foram aplicadas no pagamento da dívida exequenda.

Perante a suscitada questão a sentença recorrida – exarada a fls. 417/425 - decidiu que não havia que proceder à restituição dos montantes penhorados, uma vez que haviam sido aplicados no pagamento das dívidas exequendas muito antes da respectiva prescrição, que se entendeu ocorrer em 21.11.2011.

É contra tal decisão que, não conformado, o recorrente interpõe o presente recurso alegando que, ao decidir que os tributos só prescreviam em 21/11/2011, o Tribunal recorrido se desenquadra, completamente, do objecto da reclamação, designadamente, do pedido constante da petição inicial pois que o objecto dos presentes autos não implica a análise da data de prescrição dos tributos.
Mais argumenta que a Fazenda Pública já reconheceu a prescrição dos mesmos, no âmbito do processo n° 2793/08.8BEPRT e que a decisão sob recurso não teve em conta o conteúdo do Acórdão proferido pelo TCAN, o reconhecimento oficioso da prescrição pela Fazenda Pública e Sentença que considerou inútil a lide, no processo n° 2793/08.8BEPRT.

Desde já se adiantará que estes argumentos não colhem.
Nos termos do artigo 125.º nº 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Dispõe, por outro lado, o artº 615º, nº 1, al. d), do Código Civil que é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento

A sentença deve, pois, conhecer de todas as questões suscitadas pelas partes, seja como fundamento do pedido formulado pelo autor, seja como fundamento das excepções deduzidas, e bem assim das controvérsias que as partes sobre elas suscitem, ficando apenas exceptuado o conhecimento das questões cuja apreciação e decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras.

Ora como resulta da reclamação deduzida pelo recorrente, da posição da Administração Tributária exarada na informação de fls. 299/301 e na resposta de 309/310, e ainda do supracitado Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo exarado a fls. 386/394 o ponto axial da pretensão do reclamante era o de obter a restituição total do valor penhorado, no montante global de € 32.841,27, sendo certo que a Administração Tributária entende que apenas deve restituir € 24.216,29 (10.283,63+13.932,66) pois que o remanescente respeita a valores penhorados e aplicados no pagamento das dívidas exequendas e antes da data de prescrição das mesmas.
E foi precisamente nessa perspectiva que a sentença recorrida configurou a questão central objecto da reclamação como sendo a de «determinar se o montante de €8.624,98 (Diferença entre o valor que o reclamante pretendia que lhe fosse devolvido e o valor que a Fazenda Pública se propõe restituir.), aplicado em processos executivos fiscais, deve ser restituído ao reclamante, por via da prescrição daqueles» - vide sentença a fls. 457 e segs..
Sendo que a primeira instância, depois de ponderar que nos termos do artigo 304/1, do Código Civil, «completada a prescrição tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito» e que o n.º 2, do mesmo preceito legal «impede a repetição daquilo que tiver sido prestado de forma espontânea (cfr. artigo 403/2, do Código Civil) sendo certo que a cobrança coerciva de valores em dívida relativamente aos quais já anteriormente se havia completado o prazo de prescrição não poderá ser qualificada como cumprimento espontâneo», decidiu não revogar o despacho reclamado e julgar improcedente a reclamação, com base na seguinte fundamentação:
«Conforme decorre da decisão da Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal n.º 2793/08.8BEPRT, as dívidas ora em causa foram declaradas prescritas em 02 de Setembro de 2015 e 17 de Fevereiro de 2016, o que aliás demandou a inutilidade superveniente daquela lide.
Defende o Reclamante que a prescrição se verificou antes dessa data, designadamente antes da primeira penhora, em 24 de Novembro de 2008, como resultaria da sentença do processo 2793/08.8BEPRT.
Não podemos, no entanto, sustentar tal conclusão.
A referida sentença declara a inutilidade superveniente da lide, em face da extinção dos PEF por reconhecimento por parte da AT da prescrição das dívidas, não tendo feito qualquer apreciação de mérito sobre qualquer das questões suscitadas.
Por outro lado, tendo a citação do Reclamante sido efectuada em 21 de Novembro de 2006, deu-se a interrupção do prazo prescricional em curso, que por essa via só terminaria a 21 de Novembro de 2011 (atento o prazo previsto no número 2 do artigo 63, da Lei 17/2000, de 08/08), muito depois da penhora sindicada pelo Reclamante. Ademais, conforme se extrai do probatório a aplicação dos montantes penhorados nos respectivos processos de execução fiscal ocorreu em 2008 e 2009, muito antes do limite de 2011, antes referido.
Temos, assim, que os valores foram aplicados antes de prescrita a dívida, pelo que não têm de ser restituídos.»
Ora, face à questão naqueles termos suscitada e às razões de discordância com o despacho reclamado invocadas pelo reclamante, bem como o decidido pelo Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo exarado a fls. 386/394, parece evidente que a sentença recorrida não se desviou do objecto da reclamação, nem incorreu em excesso de pronúncia.
Importava de facto apurar em que data se completara o prazo de prescrição das dívidas exequendas até porque o reclamante sustentava, como continua a sustentar no presente recurso, que os tributos em execução estavam prescritos antes da primeira penhora, em 24 de Novembro de 2008 e que, portanto os bens penhorados haviam sido aplicados no pagamento de impostos prescritos – cf. arts. 1º a 12º da reclamação das decisões do órgão da execução fiscal, a fls. 256/257.
E até porque a Administração Fiscal reconheceu a prescrição das obrigações tributárias subjacentes aos processos executivos em 17.02.2016, mas essa data não corresponde à data do termo dos respectivos prazos de prescrição, mas apenas à data em que a mesma foi declarada.
E também porque, sobre tal matéria, o reclamante invocava o que alegadamente teria sido decidido na sentença proferida no processo 2793/08.8BEPRT, apenso aos presentes autos.
Ora, como bem se evidencia na decisão recorrida, a sentença proferida no processo 2793/08.8BEPRT, declarou a inutilidade superveniente da lide, em face da extinção dos processos de execução fiscal por reconhecimento da prescrição das dívidas por parte da Administração Tributária, mas não fez qualquer apreciação de mérito sobre a questão suscitada, nomeadamente sobre quando ocorreu a prescrição das quantias exequendas a que se reportam os processos de execução fiscal ali referidos.
Também no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12.12.2014, proferido no âmbito do processo 2793/08.8BEPRT (fls. 966 e segs.), se exarou não ser «possível saber se as dívidas exequendas (ou, pelo menos, algumas dessas dívidas) estão ou não prescritas» e se ordenou a remessa dos autos ao tribunal recorrido a fim de serem colhidos todos os elementos probatórios indispensáveis à reapreciação da matéria de facto e à boa decisão da causa.
Em suma, quer a sentença proferida no processo 2793/08.8BEPRT, quer o referido Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte não apreciaram a questão de fundo relativa à prescrição das dívidas exequendas nem apuraram a data em que se completara aquele prazo de prescrição, questão essa com que se defrontou a decisão sindicada e que, como vimos, era relevante, para a decisão do objecto da reclamação.

Deste modo haverá de se concluir que, ao apreciar e decidir sobre o termo do prazo de prescrição das dívidas exequendas a sentença recorrida não incorreu em excesso de pronúncia ou qualquer violação do princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância, bem como não incorreu em violação do caso julgado formal.

7.2 Do invocado erro de julgamento
Perante a questão de saber se as obrigações tributárias subjacentes às dívidas exequendas prescreveram antes da primeira penhora, efectuada em 24 de Novembro de 2008 e com vista a apurar se os bens penhorados haviam sido aplicados no pagamento de impostos prescritos – o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto considerou que tendo a citação do Reclamante sido efectuada em 21 de Novembro de 2006, se deu a interrupção do prazo prescricional em curso, que por essa via só terminaria a 21 de Novembro de 2011 (atento o prazo previsto no número 2 do artigo 63, da Lei 17/2000, de 08/08), e nunca antes da penhora sindicada pelo Reclamante.
O recorrente continua a sustentar que à data da penhora, quando foi efectuada a reclamação do processo n° 2793/08.8BEPRT, os tributos estavam prescritos, sendo ilegal a arrecadação de parte da pensão de reforma do recorrente, bem como a posterior aplicação dessa quantia ao pagamento dos impostos.
Sucede que as dívidas exequendas são dos anos de 1993 a 1999 e que a citação do executado ocorreu em 21.11.2006, havendo também referência nos autos a um pagamento em prestações ao abrigo do Decreto-lei 124/96 de 10 de agosto.
Por outro lado o despacho do serviço de finanças de 17.02.2016, que declarou a prescrição dos processos executivos referidos no ponto 6 do probatório, não discriminou os factos interruptivos e suspensivos considerados no cômputo da prescrição, e também a sentença de primeira instância não fez a devida explicitação de todos os anteriores factos interruptivos e suspensivos que se deviam ter de considerar como relevantes e provados para determinar a data em que ocorreu a prescrição das dívidas exequendas.
Numa situação destas há que ponderar que, para além dos poderes referidos no art. 674º nº 3, do Código de Processo Civil, que se traduzem na intervenção do Supremo na fixação da matéria de facto quando está em causa apenas a aplicação de regras de direito, a actividade do Supremo Tribunal Administrativo, em processos julgados inicialmente pelos tribunais tributários, deve limitar-se à aplicação do direito aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido (art. 682.°, n.°s 1 e 2, do CPC).
Por isso, se se verifica, como acontece no caso vertente, manifesta insuficiência da matéria de facto fixada, não existem condições para o Supremo Tribunal Administrativo levar a cabo a sua actividade, impondo-se ordenar a ampliação da matéria de facto nos termos do artº 682º, nº 3 do Código de Processo Civil.

Em face do exposto, e porque se entende que a apontada insuficiência da decisão sobre a matéria de facto inviabiliza a decisão jurídica do pleito, impõe-se, a anulação da decisão recorrida, e a consequente remessa dos autos ao tribunal “a quo”, nos termos do artº 682º, nº 3 do Código de Processo Civil, a fim de que este proceda ao necessário julgamento da matéria de facto.


8. Decisão
Termos em que acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em anular da decisão recorrida, e determinar a remessa dos autos ao tribunal “a quo”, a fim de que este proceda ao necessário julgamento da matéria de facto, de acordo com o que acima se deixa explicitado.
Sem custas.

Lisboa, 13 de Dezembro de 2017. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.