Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01725/13
Data do Acordão:11/27/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
ACTO LESIVO
INSCRIÇÃO MATRICIAL
Sumário:I – No contencioso tributário (ao contrário do que acontece actualmente no contencioso administrativo) o critério da impugnabilidade dos actos continua a ser o da sua lesividade imediata, objectiva, actual e não meramente potencial.
II – O regime previsto no nº 3 do art. 134º do CPPT só se aplica a incorrecções materiais nas matrizes.
III – A inscrição oficiosa na matriz de uma determinada realidade física, por ter sido qualificada como prédio, reconduz-se a acto imediatamente lesivo dado que provoca uma alteração significativa na esfera jurídica da recorrente, conferindo-lhe a qualidade de sujeito passivo de IMI e nessa qualidade o sujeitando a várias obrigações tributárias, nomeadamente declarativas e acessórias, incluindo a obrigação de imposto; relativamente a tal acto pode, portanto, em princípio, ser formulado pedido de suspensão de eficácia.
Nº Convencional:JSTA00068477
Nº do Documento:SA22013112701725
Data de Entrada:11/12/2013
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:DIRGER DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - MEIO PROC ACESSÓRIO
Legislação Nacional:CPPTRIB ART54 ART134 N3.
CPTA ART51.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC01361/13 DE 2013/10/23; AC STA PROC0830/12 DE 2012/12/05; AC STA PROC0140/09 DE 2009/12/16
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED 2011 VOLI PAG467.
MÁRIO AROSO DE ALMEIDA - O NOVO REGIME DO PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS PAG135.
VIEIRA DE ANDRADE - JUSTIÇA ADMINISTRATIVA 3ED PAG242-243.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO
1.1. A…………………, S.A, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga na presente providência cautelar de suspensão de eficácia dos actos de inscrição oficiosa de prédios na matriz predial urbana, julgou verificada a excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto e, em consequência, absolveu da instância a entidade requerida.

1.2. A recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1ª - O objecto da acção administrativa principal de que o presente procedimento cautelar depende consiste na apreciação da ilegalidade e inconstitucionalidade da inscrição oficiosa da matriz de vários parques eólicos que a AT entendeu considerar como prédios tipo “Outros”, efectuada pelos Chefes dos Serviços de Finanças competentes, consistindo o pedido na declaração de nulidade de tais inscrições oficiosas.
2ª - O que está em causa é desde logo e para o caso que aos presentes autos interessa a qualificação como prédio objecto de inscrição oficiosa na matriz.
3ª - O acto de inscrição oficiosa na matriz de uma dada realidade qualificada como prédio pela Administração Tributária provoca uma alteração significativa na esfera jurídica do particular ao qual o “pretenso prédio” é imputado posto que é esse acto de inscrição que lhe confere a qualidade de sujeito passivo de IMI, sendo que, na ausência da declaração de invalidade do acto de inscrição na matriz a AT procederá à liquidação do referido imposto.
4ª - Não se limitam à liquidação do IMI as consequências fiscais que decorrem para a ora Requerente. Desde logo, na qualidade de sujeito passivo de IMI passa a considerar-se incumbida de um conjunto de obrigações tributárias desde as declarativas e acessórias até à obrigação de imposto (cfr. artigos 18º, nº 3 e 31º, ambos da LGT).
5ª - Por outro lado, o facto de uma dada realidade se encontrar inscrito na matriz predial e ser qualificada pela AT como prédio para efeitos fiscais determina que os negócios relativos à sua transmissão se encontrem sujeitos a IMT/ISelo.
6ª - O acto de inscrição oficiosa de uma dada realidade como prédio na matriz, efectuada pela própria AT, é um acto destacável e tem impugnabilidade contenciosa autónoma. Não é mero acto interlocutório inserido num procedimento de liquidação de imposto.
7ª - O acto pelo qual o Chefe do Serviço de Finanças decide inscrever oficiosamente na matriz uma determinada realidade física (que lhe parece) como prédio corresponde ao conceito de decisão, quer dizer, a uma determinação sobre uma certa situação jurídico-administrativa.
8ª - Visa com tal decisão a produção de efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.
9ª - Trata-se de um acto unilateral de autoridade, uma figura típica do Direito Administrativo.
10ª - Tal acto assume um carácter regulador na medida em que se dirige à produção ou ao estabelecimento de uma consequência jurídica, ou seja, na determinação da condição jurídica de uma coisa, que não era e que por virtude daquela actuação passa a ser um prédio urbano tributável em IMI.
11ª - Elemento essencial do conceito de acto administrativo é a de que o acto deva produzir efeitos externos para fora da Administração. É de intuitiva percepção que a qualificação e decisão de inscrever oficiosamente uma dada coisa (um aerogerador) como um prédio urbano produz, imediatamente, efeitos externos desfavoráveis à ora Recorrente que passa a ser sujeito passivo de IMI.
12ª - Perante um acto administrativo da autoria do Chefe de Finanças que não comporta a apreciação da legalidade do acto da liquidação pode o contribuinte como preconiza a alínea p) do nº 1 e o nº 2 do artigo 97º do CPPT contestar a sua legalidade.
Pelo que,
13ª - A Sentença ora recorrida ao não admitir a impugnabilidade do acto de inscrição do imóvel na matriz viola, entre outros, o disposto nos preceitos legais citados na conclusão anterior
Termina pedindo a procedência do recurso e a revogação da sentença recorrida, com o consequente prosseguimento do Procedimento Cautelar como configurado por ela, recorrente.

1.3. O recorrido Director Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, formulando as conclusões seguintes.
I) Os actos interlocutórios do procedimento não são imediatamente lesivos, razão pela qual a sua ilegalidade só pode ser suscitada aquando da eventual impugnação deduzida contra o acto final lesivo ou caso haja disposição expressa que permita a impugnação autónoma;
II) O artigo 134º nº 3 do CPPT somente se aplica a incorrecções nas inscrições matriciais e que recaiam sob as irregularidades materiais;
III) O que não acontece quando se discute a qualificação jurídica do prédio;
IV) Seguindo o entendimento da Recorrente, estaria o douto Tribunal a “abrir” várias vias processuais, sob a mesma causa de pedir, implicando a possibilidade de existirem várias decisões contraditórias, sob o mesmo procedimento, violando entre outros, os princípios da certeza e segurança jurídica;
V) Deste modo, não tendo ainda ocorrido a liquidação do imposto, não se poderão projectar os efeitos externos que permitam a impugnabilidade do acto.
VI) Assim, a inscrição oficiosa na matriz está na categoria dos actos inimpugnáveis, ou melhor, naquela categoria de actos cuja impugnação terá que ser deduzida a final, que no caso sub judice ocorre com a notificação final da liquidação do imposto.
Termina pedindo que o recurso seja julgado totalmente improcedente.

1.4. O MP emitiu parecer, no qual se pronuncia pela procedência do recurso, dado que, sendo a questão controvertida a de saber se o acto de inscrição oficiosa de uma dada realidade (aerogerador) como prédio urbano, categoria “Outros”, na matriz é um acto imediatamente lesivo para efeitos de impugnação contencioso e vigorando no contencioso tributário o princípio da impugnação unitária, nos termos do qual, em regra só há impugnação contenciosa do acto final do procedimento, que afecta imediatamente a esfera patrimonial do contribuinte fixando a posição final da AT perante este, definindo os seus direitos e deveres, salvo quando forem os actos forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, no caso, o acto em causa é imediatamente lesivo (não pode deixar de provocar uma alteração significativa na esfera jurídica da recorrente, pois que lhe confere a qualidade de sujeito passivo de IMI) e, como tal, pode a recorrente, querendo, sindicá-lo autonomamente, se o não quiser sindicar em sede de impugnação da liquidação do tributo.

1.5. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cabe apreciar.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os factos seguintes, com indicação de serem os relevantes para a apreciação da excepção dilatória da inimpugnabilidade:
1 - Através dos ofícios nºs 14656298, 14656302 e 14656306, recebidos em 11.04.2013, a Requerente foi notificada do VPT atribuído aos prédios inscritos na matriz predial urbana sob os artigos P-551 da freguesia de ………., P-210 da freguesia de ……… e P-834 da freguesia de ……… – cfr. fls. 39/41 dos autos.
2 - Por ofício nº 14692160, recebido em 22.04.2013, a Requerente foi notificada do VPT atribuído ao prédio inscrito na matriz urbana, sob o artigo P-192 da freguesia de ……… – cfr. fls. 42 dos autos.
3 - Através dos ofícios nºs 14764508 e 14764264, recebidos em 24.05.2013, a Requerente foi notificada do VPT atribuído aos prédios inscritos na matriz predial urbana sob os artigos P-1249 da freguesia de ………. e P-187 da freguesia de ……….. – cfr. fls. 43/44 dos autos.
4 - Na sequência de solicitação efectuada em sede de requerimentos de segunda avaliação apresentados pela aqui Autora para todos os prédios supra identificados, as aludidas notificações foram repetidas (com excepção da referida no ponto 2), através dos ofícios nºs 2283/257/2013, 2283/259/2013 e 2283/260/2013, recebidos em 21.05.2013 e nºs. 1566, 1567, recebidos em 13.06.2013, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido – cfr. fls. 45 e ss. dos autos.

3.1. Como decorre da factualidade assente (bem como da documentação referida no Probatório e constante dos autos) o acto suspendendo é de inscrição oficiosa na matriz, de um aerogerador (inscrição como prédio urbano, categoria “Outros”).
Sendo que a recorrente, notificada das inscrições oficiosas dos prédios aqui questionados e tendo deduzido, na sequência dessa notificação, uma acção administrativa especial (a correr termos no TAF de Braga, sob o nº 1213/13.0BEBRG), impugnando aqueles mencionados actos de inscrição, também deduziu, por dependência dessa acção administrativa especial, o presente procedimento cautelar pedindo a suspensão de eficácia daqueles mesmos actos de inscrição oficiosa de prédios na matriz predial urbana.
E a sentença recorrida absolveu da instância a entidade requerida, com fundamento em que não são impugnáveis os actos suspendendos (inscrição dos prédios na matriz), considerando, em síntese, o seguinte:
- no art. 54° do CPPT consagra-se o princípio da impugnação unitária, só sendo possível a impugnação imediata dos actos procedimentais, quando haja disposição expressa nesse sentido ou quando o acto seja imediatamente lesivo (como é o caso das situações previstas nos n°s. 1 e 3 do art. 134° do CPPT: no nº 1 o legislador considera como destacável o acto de fixação de valores patrimoniais e, como tal, autonomamente impugnável; e no nº 3 admite-se expressamente a impugnação autónoma de qualquer incorrecção nas inscrições matriciais (mas trata-se de meras irregularidades materiais, com repercussão na veracidade da inscrição matricial, o que não sucede no caso dos autos em que se discute o conceito jurídico de prédio para efeitos de IMI).
- ora, inexistindo qualquer outro acto que o legislador considere destacável, no âmbito da matéria controvertida nos autos, resulta que às restantes situações se aplica o princípio da impugnação unitária e, assim sendo, qualquer outra ilegalidade apenas pode ser invocada em sede de impugnação do acto de liquidação: o procedimento de liquidação tributária é constituído por uma série de actos preparatórios e instrumentais, interligados e dirigidos à concretização de um resultado jurídico final, ou seja, à liquidação do imposto, só este acto (liquidação em sentido estrito) sendo susceptível de afectar, de forma objectiva e imediata, a esfera jurídica do contribuinte e só ele sendo, por conseguinte, o acto lesivo e contenciosamente impugnável.

3.2. Discordando do assim decidido, interpõe o presente recurso, reiterando, no essencial, a argumentação de que o acto impugnado é um acto destacável e tem impugnabilidade contenciosa autónoma, não sendo mero acto interlocutório inserido num procedimento de liquidação de imposto.
A questão aqui a apreciar prende-se, portanto, com a de saber se a sentença enferma de erro de julgamento ao decidir pela referida inimpugnabilidade e pela consequente absolvição da instância no presente meio cautelar.
Vejamos.

4.1. No art. 54º do CPPT, dispõe-se:
«1 - Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa autónoma os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida.
2 – Sem prejuízo do disposto no nº 1, o procedimento de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos é igualmente aplicável à revisão das correcções quantitativas que não sejam meramente aritméticas efectuadas pela administração tributária.
3 - O disposto no n° 2 não se aplica caso o contribuinte tenha optado por recurso hierárquico com efeito suspensivo da liquidação.»
Não sofre dúvida que neste transcrito art. 54º do CPPT se consagra um princípio de impugnação unitária, segundo o qual só é possível, em regra, impugnar o acto final do procedimento e não já os actos interlocutórios ou procedimentais, dado que só aquele acto final atinge ou lesa, imediatamente, a esfera jurídica do contribuinte, fixando a posição da administração tributária perante este e definido os seus direitos e obrigações.
E dele resulta, ainda, que no contencioso tributário (e ao contrário do que acontece actualmente no contencioso administrativo – em que no nº 1 do art. 51º do CPTA se estabelece que são impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente, aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos), o critério da impugnabilidade dos actos continua a ser o da sua lesividade imediata, ou seja, a lesividade objectiva, imediata, actual e não meramente potencial. E sendo a esta luz que deve ser encarado o princípio da impugnação unitária, inviabilizador da impugnabilidade dos actos procedimentais, compreende-se que só deve ceder naqueles casos em que o legislador consagrou norma expressa em sentido contrário ou naqueles casos em que se verifica a lesividade imediata do acto e em que, por isso, se torna imprescindível assegurar a tutela judicial efectiva em relação a esse tipo de acto, sendo que o conceito engloba apenas as situações de lesão imediata e actual, estando excluídas da garantia os actos cuja lesividade seja apenas potencial. (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6ª ed., 2011, I vol., p. 467.)
Ou seja, como se escreve no recente acórdão desta Secção do STA, de 23/10/2013, rec. nº 01361/13, compreende-se que «no procedimento tributário, os actos interlocutórios, sendo meramente instrumentais ou preparatórios da decisão final, ainda que ilegais, não sejam, em princípio, lesivos dos interesses do contribuinte, pois a sua situação tributária não fica com eles definida ou resolvida. Razão por que a sua ilegalidade só pode ser suscitada aquando da impugnação deduzida contra o acto final, excepto se se tratar de um dos seguintes actos susceptíveis de impugnação imediata: (i) actos interlocutórios cujo escrutínio imediato e autónomo se encontre expressamente previsto na lei (“actos destacáveis”); (ii) actos que, embora inseridos no procedimento e anteriores à decisão final, sejam imediatamente lesivos, abrindo-se então a possibilidade da sua impugnação imediata, sem prejuízo de a sua ilegalidade poder ainda ser suscitada na impugnação que venha a ser deduzida contra o acto final; (iii) actos trâmite que ponham um ponto final na relação da administração com o interessado, já que nestes casos, muito embora o acto continue a ser, na economia geral do procedimento, um acto preparatório pré-ordenado ao acto final, é para o seu destinatário o acto que define a posição da Administração e, por isso, o acto lesivo dos seus direitos ou interesses legítimos.
Já se estivermos perante um procedimento de natureza estritamente administrativa, a impugnabilidade do acto depende apenas da sua externalidade, tornando-se irrelevante, para aferir da sua impugnabilidade, que ele seja definitivo ou não, lesivo ou não, bem como a sua localização no procedimento (início, meio ou termo) (Como explicitam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, págs. 258 e segs.: “são externos os actos que produzem efeitos jurídicos no âmbito das relações entre a Administração e os particulares ou que afectam a situação jurídico-administrativa de uma coisa. Ao que, hoje, se devem acrescentar os actos que se inscrevem no âmbito de relações entre entidades públicas. Por contraposição, actos internos são aqueles que se inscrevem no âmbito das relações inter-orgânicas ou das relações de hierarquia e que apenas indirectamente se poderão reflectir no ordenamento jurídico geral”.), pois o art. 51º nº 1 do CPTA permite que se impugnem os actos preparatórios ou de trâmite «com eficácia externa», bastando que eles tenham efeitos externos susceptíveis de lesarem direitos ou interesses legalmente protegidos (embora se o impugnante for um particular se exija também que o acto tenha alcance lesivo para si, conquanto isso se prenda já com o pressuposto processual da legitimidade activa para impugnar um acto com efeitos externos) (Segundo doutrina e a jurisprudência do STA, a impugnabilidade do acto, embora indissociável da questão da legitimidade para o impugnar, não se confunde com esta, situando-se num plano anterior, de cariz objectivo e não subjectivo, sendo, por isso, no âmbito da legitimidade que hoje se coloca, no contencioso administrativo, a questão da lesividade do acto, que já não enquanto atributo da sua impugnabilidade - cf. Mário Aroso de Almeida, in “O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos”, p. 135, e o mesmo autor e Fernandes Cadilha, in “Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, p. 311, e Vieira de Andrade, in “A Justiça Administrativa”, 3ª ed., p.242/3. E na jurisprudência, entre outros, o Ac. da Secção de CA do STA de 16/12/2009, no recurso nº 0140/09.).
Pelo que se torna essencial saber, antes de mais, se os actos em causa na presente providência cautelar e cuja suspensão de eficácia se pretende, foram praticados num procedimento de natureza estritamente administrativa ou num procedimento de natureza tributária.»

4.2. No caso, não se vê que haja disposição expressa que permita a impugnação contenciosa directa de acto de inscrição oficiosa de dada realidade como prédio urbano na matriz.
De facto, o nº 3 do art. 134º do CPPT só se aplica a incorrecções materiais nas matrizes (asserção com a qual a Fazenda Pública também concorda – cfr. as Conclusões II e III das contra-alegações), sendo certo que no caso em análise estamos perante um eventual erro de qualificação de determinada realidade (aerogerador).
E da interpretação conjugada do nº 3 do art. 134º do CPPT e do nº 3 do art. 130º do CIMI, resulta um alargamento quanto aos fundamentos do pedido de correcção nas inscrições matriciais que podem ter por base quaisquer erros materiais que afectam a veracidade de características previamente definidas e demais dados respeitantes aos imóveis a inscrever nas respectivas matrizes.
Assim, considerando o caso dos autos, logo se conclui que não estamos perante uma situação de mero erro material com repercussão na veracidade da inscrições matricial, como é exigido pela análise conjugada dos preceitos constantes daqueles referidos normativos, mas estamos, antes, perante uma questão jurídica que é prévia e respeita à qualificação jurídica dos factos tributários (cfr. o acórdão do STA, de 5/12/2012, proc. nº 0830/12). Isto é, no caso, a inscrição matricial pressupõe a resolução da questão prévia da qualificação da natureza jurídica do prédio em causa, rectius, da realidade física em causa, nomeadamente quanto a saber se essa realidade (aerogerador) deve ser qualificada como prédio (urbano na espécie “outros”) em conformidade com a lei aplicável.
A recorrente não alega a existência de um mero erro material, mas sim um vício substancial, quanto à própria qualificação jurídica da realidade levada à matriz.
Ora, como aponta o MP, afigura-se-nos que o acto em causa (o acto cuja suspensão de eficácia se pretende) é imediatamente lesivo, e que, como tal, pode a recorrente, querendo, sindicá-lo autonomamente, se o não quiser sindicar em sede de impugnação da liquidação do tributo. (Sobre esta faculdade alternativa, cfr. Jorge Lopes de Sousa, loc. cit., p. 470.)
Na verdade, aquele acto suspendendo não pode deixar de provocar uma alteração significativa na esfera jurídica da recorrente, pois que lhe confere a qualidade de sujeito passivo de IMI e nessa qualidade passa a estar sujeita a várias obrigações tributárias, desde as declarativas e acessórias, até à obrigação de imposto, nos termos do disposto nos arts. 18º nº 3 e 31º da LGT. Acrescendo que, a partir do momento em que a realidade física (aerogerador) aqui em causa está inscrita como prédio na matriz para efeitos fiscais, até os negócios relativos à sua transmissão se encontrem sujeitos a IMT/Imposto Selo.
A questionada inscrição da dita realidade física constituída pelo aerogerador, na matriz como prédio urbano, determina, portanto, lesividade efectiva e actual e não simplesmente hipotética, sendo que, como salienta o MP, dificilmente se compreenderia, também, que o legislador permitisse a sindicância directa e imediata (por via graciosa/contenciosa) de meras irregularidades materiais das matrizes e não de erros de qualificação das realidades inscritas, oficiosamente, nas mesmas matrizes, com imediata repercussão na esfera jurídica dos contribuintes.
E nem se diga (como a entidade recorrida, nas Conclusões IV e V das contra-alegações) que seguindo o entendimento da recorrente se estará a permitir a abertura de várias vias processuais, sob a mesma causa de pedir, implicando a possibilidade de existirem várias decisões contraditórias, sob o mesmo procedimento, violando entre outros, os princípios da certeza e segurança jurídica: na verdade, os pressupostos para a qualificação de determinada realidade como prédio e para a consequente inscrição deste na matriz ainda se diferenciam dos pressupostos atinentes aos (vários) factos tributários que dessa inscrição podem resultar, e daí que, apesar de não ter ainda ocorrido a liquidação do imposto, se projectem desde logo os apontados efeitos externos e lesivos, determinantes da impugnabilidade do acto.

Aceitando-se e concluindo-se, pois, pela sindicabilidade directa e autónoma do acto suspendendo e, consequentemente, pela inerente impugnabilidade, do mesmo modo se haverá de concluir pela possibilidade de ser pedida a suspensão da respectiva eficácia. Ocorrendo, assim, o alegado erro de julgamento por parte da sentença recorrida, a clamar pela respectiva revogação e pela consequente baixa dos autos à instância, para apreciação do mérito da causa, se a tanto nada mais obstar.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos à 1ª instância para, fixada a pertinente factualidade, se conhecer do mérito da causa, se a tanto nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 27 de Novembro de 2013. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco RothesIsabel Marques da Silva.